2003

Três maneiras de se criar uma cidade

por Newton Bignotto

Resumo

Do ponto de vista atual, a criação de uma nação é algo historicamente consolidado porque pertence a uma continuidade cultural que parece óbvia: a do estabelecimento de um povo.

O que acontece, contudo, é que, mesmo em termos gerais, a dificuldade de precisar o momento de uma criação histórica – seja ela qual for – é enorme. No que se refere a um corpo político mais ou menos singular, isso implica desconsiderar certos fatos para valorizar outros: os que parecem mais concernentes à imagem que se faz dele.

Se, no mundo antigo, a comunidade lidava com tal questão através dos mitos, elas, na Idade Média, recorriam a seus cronistas. Já no renascimento italiano – para dar um exemplo significativo –, humanistas como Leonardo Bruni condicionavam a origem das regiões que lhes interessavam a suas condições de então. Assim, Florença era livre porque tinha sido fundada assim.

É por isso que é possível afirmar que as origens das nações constituem verdadeiro patrimônio do pensamento político ocidental. Tanto mais quantos inúmeros historiadores, filósofos e governantes voltaram-se para o tema, invariavelmente interessados nos corpos políticos a eles relacionados.

Seja para justificar vocação histórica ou coesão social, o passado a serviço do presente deve, por si só, suscitar desconfiança. Daí a abordagem crítica – a partir de três casos: o de Savonarola, que via em Florença uma nova Jerusalém; o de Gianotti, que formulou um projeto constitucional baseado no modelo veneziano, e o de Leonardo da Vinci e sua cidade ideal.

Para Savonarola, Florença era a cidade escolhida por Deus. Uma segunda arca de Noé. Com que desígnio? Transformar radicalmente a Igreja. Contrapor-se a Roma. Como? Com humildade, simplicidade e caridade. Mas jamais com servidão, até porque – segundo Savonarola – a principal servidão é a dos pecadores. Daí, o novo sentido de cidadania, submetido à vida política, ao temor a Deus e ao bem, assim como ensinariam as Escrituras. Eis como, afinal, Florença passaria a cidade de Deus: a partir dela, a Igreja e a Itália seriam reformadas. Nada mais de sodomia, taverna, jogatina, sedução e mesmo poesia. “Tudo que seja nocivo à saúde da alma”.

É a noção de bem comum contra a vontade particular. Pois sim. Savonarola era, à maneira dele, republicano.

Republicano e florentino também era Donato Gianotti, último de uma série de grandes pensadores do século XVI na região. Frequentador do “Orti Oricellari”, onde conheceu Maquiavel, Gianotti dedicou-se, sobretudo, à ideia de governo misto e à história de Veneza, com seu “Consiglio de’ Pregati”, “Collegio” e o Doge. Mais precisamente: tais instituições políticas não em suas minúcias ou correlações, mas no que elas poderiam realizar de concreto e maior, já que, para Gianotti, Veneza deveria ser o modelo a ser observado por outras cidades italianas, sobretudo Roma. E isso a partir da justiça, princípio que unificaria toda e qualquer sociedade. Tudo isso que permaneceria teoria não fosse, em 1527, a expulsão da família Médici de Florença. Era mesmo a situação que ele esperava para entregar-se de corpo e alma à tarefa de construir uma nova cidade, envolvido que estava no governo moderado de seu amigo Capponi. A mudança, que começou pela instituição de uma milícia popular cujo objetivo era garantir a sobrevivência da República, culminou na proclamação de uma nova constituição, escrita por Gianotti no exílio, uma vez que, em 1539, a família Médici voltou ao poder.

Já a Florença de Leonardo da Vinci privilegiava a aristocracia. Daí que ele a projetou desde uma estrutura superior e circular, destinada aos membros da nobreza e aos praticantes dos ofícios mais elevados, até as partes mais baixas, a serem habitadas por artesãos, comerciantes e funcionários que trabalhassem nas atividades que concorressem para a manutenção da cidade.

Três modelos de edificação – sejam elas imaginárias ou concretas –, para uma só cidade, que ainda hoje pertence ao imaginário ocidental.


A ideia que temos da criação de uma cidade ou de uma nação, para falarmos em termos modernos, é quase sempre uma visão produzida a partir de uma experiência histórica já consolidada e que nos fornece a identidade de nosso objeto como algo evidente, ou, de alguma forma, como incontestável aos olhos do senso comum. Ou seja, falamos do momento de criação como realmente existente pelo simples fato de que somos capazes de reconhecer uma linha de continuidade entre um momento do passado e nosso próprio tempo. Colocamos o problema da identidade de um corpo político sempre a partir do pressuposto de que sua criação conferiu-lhe uma certa especificidade em relação a outros corpos politicos e que é legítimo pensar sobre os caminhos que foram seguidos ao longo de seu desenvolvimento na história. Admitimos, portanto, que num dado momento ocorreu a fundação de algo novo e que esse acontecimento é fundamental para a compreensão do que se seguiu depois.

É claro que o que estamos sugerindo é apenas um esquema geral, pois, no mais das vezes, temos grandes dificuldades para situar o momento da criação na história e gastamos muito tempo tentando estabelecer qual acontecimento real deve ser tido como o evento inaugural do corpo político que nos interessa. A escolha desse marco inicial está quase sempre condicionada pela idéia que fazemos da história do corpo político e de seus traços distintivos. Escolher, nesse caso, implica deixar de lado certos fatos para ressaltar outros, que nos parecem coerentes com a imagem que temos de nosso objeto de estudo. Nesse sentido, os ritos de comemoração dos momentos inaugurais trazem embutidos uma visão da história e uma percepção de como uma dada identidade veio a se constituir. Por isso, dificilmente esses exercícios de rememoração deixam de suscitar debates e dúvidas quanto ao seu significado mais profundo. Localizar no tempo uma data de constituição de uma nação ou de uma cidade no mundo antigo implica muito mais do que um exercício de precisão cronológica. Ao fazê-lo, estamos instituindo um corte na história e produzindo uma nova identidade. Assim, ao mesmo tempo que só podemos compreender a novidade dentro do contexto que a viu nascer, também estamos afirmando que o novo corpo político veio a alterar o mundo no qual apareceu, uma vez que nele se inscreveu como uma entidade autônoma.

No mundo antigo, muitas comunidades lidavam com essa questão através de seus mitos fundadores. Como já mostrou Nicole Loraux[1], cidades como Atenas afirmavam sua identidade e autonomia recorrendo a seus vínculos com heróis e deuses. Sua identidade era dada pela especificidade de seus laços com o que estava fora do tempo. Assim, para compreender a natureza da cidade, os gregos recorriam muitas vezes à natureza dos deuses que haviam presidido seu nascimento como a uma explicação causal de seu desenvolvimento posterior. É óbvio que esse procedimento tinha embutido a confiança na idéia de que a origem determinava a essência da cidade e que seus desenvolvimentos posteriores não podiam ser entendidos sem o recurso ao passado e a suas formas inaugurais. O que chama atenção, no entanto, é justamente o fato de que o ato de rememoração do mito se aproxime de alguma maneira de algumas de nossas formas atuais de comemoração do nascimento das nações. Lembramos do nascimento para festejar, mas, sobretudo, para compreender. Queremos ter presentes os primeiros passos, para iluminar nossos caminhos atuais e nossas possibilidades.

O que acabamos de dizer encontra um exemplo esclarecedor no procedimento dos humanistas florentinos do começo do século XV. Para sair das águas medievais, muitos deles, em especial Leonardo Bruni[2], deixaram de lado a maneira como os cronistas medievais pensavam e escreviam sobre a história das cidades, para investigar o passado das diversas comunas italianas. Ao fazê-lo, tomaram como pressuposto que o esclarecimento da origem servia como explicação também para o estado atual e, sobretudo, para as possibilidades futuras de desenvolvimento. Esse esclarecimento se fazia necessário porque, segundo eles, um dos efeitos da Idade Média tinha sido o de obscurecer a verdadeira origem das cidades e dessa maneira impedir sua expansão na direção tornada possível por seus nascimentos. A equação básica, que estava por trás do raciocínio de homens como Bruni, era a de que um começo livre implicava a possibilidade de se estabelecer uma vida livre, enquanto um início servo condenava a cidade à obediência a alguma potência estrangeira. Além disso, o retorno aos clássicos do pensamento político antigo garantia a confiança na forma republicana de governo e a certeza de que ela representava o regime por excelência da grandeza e da potência. Ao recordar a suposta origem livre de Florença, o que os humanistas da primeira metade do século XV pretendiam era compreender sua trajetória e afirmar suas possibilidades futuras.

A questão, portanto, da criação das cidades ou das nações faz parte do patrimônio da reflexão política ocidental e mereceu a atenção ao longo dos séculos não só de historiadores e filósofos, mas também de governantes e homens públicos que se viram às voltas com o problema da identidade do corpo político ao qual estavam ligados. O exemplo dos humanistas, no entanto, deve nos servir de alerta. Se eles puderam recorrer ao tema das origens como a uma arma contra a Idade Média, é porque o consenso em torno dele é mera ilusão. Ou seja, como mostra o próprio esforço de Bruni em resgatar o passado florentino, essa manobra só é significativa porque é impossível pensar na cidade sem levar em conta seu nascimento e sem estabelecer nexos causais entre suas origens e sua história posterior. Ao longo da Idade Média, o tema da criação do corpo político esteve praticamente ausente do pensamento político, sem que possamos negar que tenha existido uma fecunda tradição em torno de outras questões essenciais da reflexão política.

O que estamos procurando mostrar é simplesmente que o tema da criação não pode ser abordado como um truísmo de nossa cultura, e que ele nos obriga a um esforço de pensamento muito maior do que parecem sugerir certas estratégias tanto do passado quanto do presente. No espaço desse texto não nos é possível resgatar toda a complexidade de um tema como esse, mas podemos pelo menos tentar demarcar o território de nossas preocupações. Em primeiro lugar, recordando alguns pontos das dificuldades próprias ao problema da fundação do corpo político e suas especificidades. Em segundo lugar, explicitando o lugar do qual pretendemos falar e que é um recorte do tema mais geral, ao qual estamos aludindo.

De fato, a questão da fundação dos regimes foi um tema central desde Platão. Na esteira da tradição grega de recorrer ao mito do momento original para compreender a identidade das cidades, o filósofo ateniense procurou em vários de seus diálogos, como A República, O político, e As leis, mostrar como era possível pensar e realizar a criação de uma cidade a partir de um ponto de vista inteiramente racional. Ao esforço mais geral de pensar o mundo com as armas da razão e à distância do mito, juntou-se a tentativa de substituir a narrativa mitológica das origens por uma análise das causas e dos nexos implícitos na fundação de uma nova cidade. No Político, Platão procura investigar a natureza dessa arte, que ele chama de real e que consistia em ordenar da melhor maneira possível a experiência da vida em comum dos homens, depois de ter estabelecido na República o paradigma do governante ideal[3]. Essa forma de abordar a questão terá grande repercussão no mundo antigo e no Renascimento e continuará a servir como referência no mundo contemporâneo, mesmo quando o apelo às principais tópicas do pensamento político grego já não possa passar de complexas mediações. O que nos interessa aqui é situar nosso esforço dentro dos debates tradicionais em torno da fundação dos regimes, a exemplo do que fez Hannah Arendt em vários de seus escritos.

Demarcado, no entanto, esse território conceitual, importa estabelecer algumas distinções, que facilitam o entendimento do objeto deste texto. Platão nos ajuda, na medida em que sua obra é um exemplo clássico do tratamento filosófico do problema da fundação. Em suas análises do Político, ele pretende mostrar o que é o saber do fundador e como ele se articula com o tempo, que deve acolher o resultado de suas ações. Seus argumentos são paradigmáticos, não só por clarear a natureza do problema, mas também por demonstrar que não podemos conhecer inteiramente as dificuldades do fundador sem levar em consideração a posição especial que ele ocupa em relação à história da cidade. Situado fora do tempo de existência do corpo político, ele se beneficia de uma liberdade extrema em relação aos atores políticos tradicionais. Ao mesmo tempo, essa sua condição excepcional o distancia dos homens que irão constituir a cidade, fazendo com que suas ações nem sempre possam ser compreendidas e, por isso, deixem de ser eficazes. A posição solitária do criador lhe confere uma grande liberdade, mas também uma enorme dificuldade, uma vez que seu saber parece se situar fora do terreno da linguagem ordinária dos homens, o que ameaça torná-lo incompreensivel à luz da história dos homens, aproximando-o do mito do qual pretendia se distanciar. Platão, em particular, investiu muito em mostrar o caráter ao mesmo tempo teórico e prático do saber do fundador e sua ancoragem na razão. Independentemente dos aspectos singulares de sua solução, o que ele nos legou foi a plena compreensão do problema teórico posto pela criação de novas formas políticas.

Durante o Renascimento, essa questão voltou a ocupar um lugar de destaque entre os teóricos da política, recebendo um tratamento exemplar da parte de Maquiavel[4], mesmo seu ponto de partida sendo muito diferente daquele adotado pelos gregos. Como já dissemos, pensar a origem das cidades se tornou uma questão premente para os que tentavam se desligar da herança medieval e de suas exigências universalistas. Se podemos falar de uma solução teórica encontrada na obra de grandes pensadores do período, é preciso reconhecer que ela nasceu de uma exigência muito concreta, criada pelo esforço das pequenas comunas italianas para garantir sua independência e afirmar sua autonomia ante as grandes estruturas de poder do período anterior. Portanto, ao lado das formulações cada vez mais sofisticadas dos pensadores, encontramos também as tentativas práticas de solução do problema da identidade das cidades.

Com isso, podemos formular um problema que, guardando uma íntima conexão com aquele da fundação, tal como desde os gregos o conhecemos, tem por objeto a ação histórica dos fundadores e não a natureza de seu saber e nem sua especificidade[5]. Estamos falando das ações e projetos que tentaram solucionar os problemas práticos postos pela necessidade de criação de uma “nova” cidade. Podemos dizer que nossa questão diz respeito a acontecimentos e ações perpetradas na história, mas que guardam íntima relação com os problemas postos pelos teóricos clássicos da fundação. Num certo sentido, não se trata de uma nova questão, mas de estudá-la de outro ponto de vista, o que, a nosso ver, altera a natureza do objeto. Ao abordar as ações dos que se propuseram a formular novos caminhos para as cidades-estados do Renascimento, estaremos tentando compreender a criação a partir do ponto de vista da própria cidade, uma vez que nossa referência serão obras e projetos que foram conhecidos pelos cidadãos e por eles julgados. Nosso objeto nos dá, no entanto, uma possibilidade diferente daquela das análises centradas na natureza do saber do fundador, uma vez que nos permite abordar as diversas estratégias de ação dentro de um contexto sobre o qual nos é possível falar e que certamente influenciou os próprios fundadores.

Escolhemos como período histórico o final do século XV, começo do século XVI na Itália. Essa delimitação se torna importante por facilitar as comparações entre estratégias diferentes, mas que foram dirigidas ao mesmo “público” e tiveram os mesmos obstáculos. Em primeiro lugar, vamos abordar a tentativa de Savonarola de fundar em Florença uma nova Jerusalém. Em segundo lugar, vamos ver como Giannotti, um dos discípulos de Maquiavel, formulou um projeto constitucional baseado no modelo veneziano. Por fim, abordaremos os projetos de “cidade ideal” de pensadores e artistas como Alberti e Leonardo da Vinci. O que essas ações têm em comum é o fato de tentar refundar a cidade num contexto turbulento e extremamente complexo do Renascimento italiano.

A NOVA JERUSALÉM

No dia 23 de maio de 1498, em Florença, três frades dominicanos foram enforcados e queimados, e suas cinzas jogadas no Arno. Um dia antes de sua morte, um deles, Girolamo Savonarola, perguntava-se: “As coisas que para Deus transcorrem com rapidez podem na terra levar mais tempo?”[6] Com essa dúvida, ele encerrava uma aventura que começara muitos anos antes, em 1475, quando, desiludido com o seu tempo e talvez com suas próprias experiências pessoais, resolvera entrar para a Ordem dos Dominicanos, deixando para trás sua terra natal Ferrara e uma família que o destinava à medicina ou a uma carreira universitária.

No início de sua vida eclesiástica, Savonarola se dedicou intensamente à predicação, mas nada parecia indicar que ele pudesse ocupar um lugar nas disputas políticas de Florença[7]. Marcado pelos estudos das obras de Santo Tomás, o monge ferrarense rapidamente desenvolveu uma grande habilidade para encantar seus auditores. Falando de forma simples e direta, retirando seus temas sempre da Bíblia, em particular do Antigo Testamento, ele acreditava que a principal meta do pregador deve ser emocionar o auditório e, dessa maneira, conquistá-lo para uma visão renovada do mundo. No entanto, em seus primeiros anos, a vida política não fazia parte de suas preocupações. Tendo vivido em Florença entre 1482 e 1487, ocupou um lugar que tinha um efeito muito maior sobre os próprios dominicanos do que sobre a população que o escutava, mas que ainda não fora tocada pela força de suas palavras. Na verdade, Savonarola impressionava muito mais por sua convicção religiosa e pureza doutrinal do que por sua relação com as dificuldades da cidade. Nesse período, Florença ainda vivia um período de relativa paz interna sob o governo dos Médicis, e a sofisticada elite intelectual da cidade não pareceu especialmente impressionada pela retórica direta do pregador num primeiro momento.

Se ele não se transformou numa liderança da cidade, também não desagradou, e em 1490 acabou voltando, para um ano depois ocupar o primeiro cargo no convento de São Marcos. A partir dessa data, o monge começou a se tornar uma referência para muitos membros da elite da cidade, embora seus planos fossem antes de tudo de reforma do próprio convento, que ele conseguiu tornar independente da província dominicana lombarda em 1493[8]. Em 6 de abril de 1492, no entanto, as coisas vão começar a mudar. Depois que um raio atingiu a cúpula da igreja de Santa Maria del Fiore, Savonarola afirmou em seu sermão no dia seguinte: “Ecce gladius Domini super terram cito e velociter” (“Eis que a espada Divina é brandida sobre a terra velozmente”). Com a morte de Lourenço de Médicis dois dias depois, os florentinos ficaram convencidos de que o monge pregador também era um profeta. A partir desse momento, sua pregação também mudou e passou a assumir um tom cada vez mais apocalíptico, que estivera adormecido até então, pelo menos aos olhos dos que progressivamente mais numerosos afluíam a seus sermões.

Não é nosso propósito realizar uma análise, mesmo parcial, da vida e da obra do monge de Ferrara. O grande número de comentários e análises existentes torna essa tarefa impossível para um texto desta natureza. No entanto, vamos nos beneficiar do muito que já foi escrito para tentar reconstituir o projeto de Savonarola de fundar em Florença uma nova cidade, uma nova Jerusalém. Os estudos de seu pensamento político conferem com frequência um lugar central ao seu Tratado sobre o regime e o governo da cidade de Florença[9]De fato, esse escrito de 1498 contém uma síntese de suas opiniões políticas e das escolhas que fez ao longo dos últimos anos, quando sua palavra teve um peso decisivo. Ele nos permite ver com clareza os caminhos que pretendeu seguir e que nem sempre ficam claros em seus outros textos. Escrito, entretanto, quando sua situação era extremamente delicada, o tratado não oferece para o leitor o vigor e a emoção de uma fala que fora capaz de encantar os florentinos nos anos anteriores. Como nossa intenção é a de estudar as diversas formas de se criar uma cidade, ou seus projetos, escolhemos apresentar os principais tópicos do pensamento de Savonarola a partir de alguns de seus mais conhecidos sermões do final de 1494, quando sua palavra influenciou muitas das escolhas políticas que foram feitas pelo povo florentino. Além do mais, como não há contradição entre os textos, podemos nos beneficiar de seus outros escritos para esclarecer o sentido de algumas passagens contidas em suas falas.

A invasão da Itália pelas tropas francesas em 1494 só parecia confirmar o que o monge vinha dizendo. Além do mais, a extrema covardia de Pedro de Médicis, que se rendeu a Carlos VIII praticamente incondicionalmente, o levaram a ser expulso da cidade em 9 de novembro do mesmo ano. Savonarola, com grande habilidade diplomática, conseguiu convencer o rei francês a deixar Florença em paz e, assim, livrou a cidade da submissão a uma potência estrangeira. Com o vazio de poder, os debates sobre a melhor forma constitucional a ser adotada pela cidade dominam a cena política, com a oligarquia pretendendo ocupar o lugar que tivera antes da subida dos Médicis. O monge de Ferrara, que até então se limitara a profetizar as mudanças, interfere então pela primeira vez, anunciando seu projeto para a cidade e a maneira de conciliar sua visão milenarista[10] com a tradição de liberdade de Florença.

Uma boa parte dos sermões mais influentes de Savonarola foi pronunciada no mês de dezembro de 1494[11], para uma multidão atenta e temerosa. Quase todos conservam a estrutura de suas pregações anteriores. São falas diretas, em geral iniciadas por um comentário de um salmo. Ele se baseia nas escrituras, mas não procura a priori temas especiais ou de difícil entendimento. No interior dessa estrutura tradicional, no entanto, irrompem suas falas proféticas e sua visão pessoal dos acontecimentos. O auditório que se acostumara com o frade piedoso e severo e que vira nascer o profeta é confrontado então com um homem preocupado com as coisas da cidade, mesmo que ele não abandone jamais seu lugar original no seio da Igreja. Savonarola tenta construir uma nova cidade toda em palavras, na confiança de que seria ouvido e seguido. Ele é o arquiteto de uma nova Jerusalém, mas um arquiteto que se limita a traçar as grandes linhas.

A metáfora da arquitetura, entretanto, serve mais a nossos propósitos do que aos do monge pregador. No mês de dezembro de 1494, o que ele pretende construir é uma nova Arca de Noé, capaz de conter todos os que se arrependeram dos pecados e se tornaram dignos de habitar a nova cidade. Assim, no dia 7 de dezembro ele anuncia: “Uma vez que, bem-amados em Cristo, nossa arca foi construída, que os animais já foram nela introduzidos e que ela foi fechada, como vocês ouviram nos sermões anteriores, e pois que o dilúvio já começou em parte, nosso Noé, que está na arca, fala convosco, que foram escolhidos por Deus para fugir a um tão grande perigo.”[12] Savonarola já havia anunciado que Florença era uma cidade escolhida por Deus. Restava saber os desígnios daqueles que se encontravam dentro da arca. Ora, em primeiro lugar, o monge lembra que, ao falar de Noé, está falando de uma ruptura que apela por uma transformação radical. Essa mudança deverá ser antes de tudo da própria Igreja. Escolhida Florença, é Roma que deve mudar seus caminhos, e para isso devem contribuir os cidadãos escolhidos.

Há, portanto, no monge de Ferrara um acento religioso que não se desmente jamais[13]. Nas pregações de dezembro, ele sempre retorna à questão, mesmo se o tema não o demanda. No dia 28 de dezembro, quando seu projeto para Florença já estava delineado, ele voltará a dizer: “E que cada um esteja na arca, pois esses serão a semente da renovação do mundo.”[14] A ideia de que uma reforma da Igreja era urgente não pode, no entanto, ser debitada somente a ele. Ao contrário, mesmo intelectuais como Marsílio Ficino não haviam sido estranhos à ideia de que era necessário renovar a fé cristã. Além do mais, é preciso lembrar que Savonarola não apresenta jamais um plano explícito de reforma. Todo o tempo ele afirma a necessidade de mudança e o fato de que ela está próxima, mas não diz de que maneira ela ocorrerá. Ou melhor, diz, mas aos florentinos, pois pressupõe que eles serão o motor de todas as transformações. O ponto de apoio das convicções de Savonarola é, portanto, sua crença na escolha de Florença por Deus e a confiança em suas profecias de que o fim de uma época estava próximo. Sua fé milenarista encontra em Florença o instrumento para se realizar e o apoio de uma população atemorizada pelos acontecimentos e tocada pela realização sucessiva das profecias de seu pregador[15].

O projeto do monge de Ferrara se estrutura em torno de dois eixos que se entrelaçam e se completam. Em primeiro lugar, o eixo moral, que mostra o caminho da transformação individual e a maneira de entrar na nova arca e como se comportar nos tempos que se anunciam. O segundo eixo é o institucional, que congrega as transformações necessárias nas estruturas de governo da cidade. O importante é observar que, mesmo que o objetivo final seja a reforma do mundo cristão como um todo, ele só será operado a partir da cidade escolhida. Nesse sentido, é um projeto de cidade que Savonarola delineia e que será executado nos quatro anos que se seguem às suas pregações de 1494. É preciso não esquecer que, se estamos falando de um projeto, ele será posto em prática e terá uma influência duradoura nos debates políticos e religiosos do Renascimento. Florença viverá por alguns anos com a crença efetiva, de pelo menos uma parte de sua população, de que era a cidade eleita.

Talvez a grande habilidade oratória do pregador tenha sido a de misturar elementos díspares como a reforma moral e a institucional, conservando a forma dos primeiros sermões, que se atinham a problemas religiosos. É necessário lembrar que não podemos considerar como irrelevante o fato de que Savonarola falava para um auditório que já esperava ansioso por suas palavras e estava acostumado com seus temas prediletos. Além disso, não estamos lidando com um texto escrito e dirigido a leitores, que teriam todo o tempo para descobrir o sentido de suas articulações. Savonarola tinha o sentido da urgência, percebera que não podia deixar passar a oportunidade de mudar os rumos da cidade, pois as velhas alianças já estavam se recompondo e propondo o retorno aos hábitos políticos do começo do século. Por isso, apela para seus dons de profeta, comprovados nos últimos anos, e para sua capacidade de síntese e persuasão. Depois do sermão em que declara que a arca já está fechada, ele começa sua próxima prédica, afirmando: “Assim, Florença, querendo inovar para além de teus velhos usos, te é necessário pensar bem nos modos de tua inovação e de teu novo regimento.”[16]

Para seguir esse caminho, é preciso praticar pelo menos três virtudes: a humildade, a simplicidade e a caridade[17]. Ora, essa era uma tarefa essencial na edificação da cidade renovada e que devia ser levada a cabo por seus cidadãos. Nesse ponto de sua fala, Savonarola faz intervir a estratégia a que nos referimos, de colocar juntas tópicas derivadas de esferas diferentes. Pois se ele fala aos cidadãos, fala-lhes de dois lugares diferentes: enquanto pertencentes ao corpo político, pois “cidadão quer dizer homem livre de sua cidade…” , e ao mesmo tempo “não quer dizer servo”[18]. Se a primeira parte da definição recobre o sentido usual e corriqueiro e, portanto, facilmente identificável por seus auditores já acostumados com o discurso republicano florentino, a segunda parte permite-lhe inovar. Para demonstrar o que é ser servo, ele se lança então num longo discurso sobre o salmo que escolhera para a ocasião. A conclusão final será apresentada no dia seguinte: a principal servidão é aquela dos pecadores[19].

A definição original de cidadania ganha, assim, novos contornos. Cidadão quer dizer “homem livre de sua cidade”, mas também “indivíduo livre de pecados”. Para exercer suas funções junto às diversas instâncias da vida política, é necessário começar por temer a Deus e operar o bem em consonância com o que nos é ensinado pelas escrituras. Só dessa maneira a pátria pode ser recompensada com a presença de bons cidadãos[20]. O pregador humilde e ponderado é substituído pelo profeta vigoroso. Depois de ter mostrado que o bom cidadão é também o bom cristão, ele passa a falar uma linguagem diferente daquela do padre influenciado pelo rigor tomista. Florença é interpelada diretamente, e seus males, expostos sem ambiguidade: “Ó Florença, eu não posso dizer-te… Florença, se eu pudesse dizer-te todas as coisas… Eu vi um enfermo coberto de chagas da cabeça aos pés, e veio um médico com vários unguentos para curá-lo e começou pela cabeça, e vai procedendo pouco a pouco.”[21]

O cidadão bom e cristão deve deixar o médico[22] operar, pois ele está destinado a reformar toda a Itália. Mas, para que isso ocorra, é preciso encontrar uma nova forma de governo e acreditar que é possível fundar uma nova cidade: “Procurem dar uma boa forma ao vosso governo e não acreditem que seja impossível encontrá-la.”[23] Mais à frente, ele declara: “Não duvidem de que queremos uma cidade de Deus e não de Florença.”[24] O projeto religioso é, portanto, um projeto político destinado a provocar uma revolução em toda a Itália.

A sucessão das pregações mostra a sinceridade dos propósitos de Savonarola. Tendo anunciado seu plano para a cidade, ele continua a discutir os assuntos que dominavam suas falas antes da queda dos Médicis: a caridade, a bondade e a obediência a Deus. Simplesmente, Deus agora quer que os florentinos façam coisas que estão ligadas ao destino que Ele lhes reservou[25]. A reforma da Igreja[26] e de toda a Itália deveria ser uma obra dos habitantes de Florença, e por isso eles deveriam ter confiança no profeta que tantas coisas havia anunciado. Mas se Savonarola acredita em seus laços com Deus e nos desígnios de Florença, também conhece a natureza de seus habitantes e suas tradições. Se a cidade deve ser reformada, é também porque não se pode esquecer o estágio de sua corrupção e a força de certos hábitos nefastos, que são parte de sua vida cotidiana. Assim, o profeta antecipa as críticas e adverte os céticos, que poderiam dizer, usando um ditado popular, que não se pode governar com orações[27]. O primeiro passo de sua reforma é necessariamente moral.

Antes, portanto, de anunciar o que deveria ser feito, Savonarola procura mostrar o lugar ocupado pelos costumes e pela crença e como de fato um reino fundado seguindo a vontade de Deus será necessariamente mais forte do que aqueles baseados apenas na força humana. Além disso, inspirados por Deus os Estados poderão pretender alcançar uma maior duração, o que é uma prova da força de seus fundamentos. Ora, ninguém pode pretender que um governo inspirado pela divindade tenha um grau maior de características humanas. Ele será um governo das forças espirituais, o que prova que as orações, bem compreendidas, são um fator decisivo na formação de um governo vitorioso.

Feita a demonstração de seu ponto de vista, o monge passa então a enunciar os passos de sua reforma moral. Para ele, a Signoria que viesse a governar Florença deveria cuidar para que os costumes fossem reformados. Em primeiro lugar, ordenando que o clero se comportasse bem, pois sua influência sobre o povo era enorme e não podia ser deixada de lado no momento da reforma da cidade. Em segundo lugar, os novos governantes deveriam fazer uma lei “contrária àquele maldito vício da sodomia”[28]. Por outro lado, as tavernas, os jogos, os vestidos escandalosos das mulheres e mesmo a poesia, “e todas as coisas nocivas à saúde da alma”[29], deveriam ser expulsos dos costumes da cidade, para que ela pudesse efetivamente se dedicar a Deus e cumprir sua missão, que lhe traria não somente a glória e a sanidade, mas também riquezas e poder[30].
O ponto de contato entre os aspectos morais da reforma savonaroliana e sua reforma política era a noção de bem comum. Para o monge, visar as coisas espirituais era ao mesmo tempo querer o bem comum, contra os apetites particulares: “Ó Florença, aprende a conservar o todo e presta atenção ao bem comum, mais do que ao particular; e a quem cuidar mais do bem comum do que do próprio, Deus concederá os bens temporais e espirituais eternos.”[31] Esse apelo ao bem comum permite a Savonarola misturar elementos de sua crença na renovação espiritual da cidade com antigas tópicas do pensamento republicano florentino e, assim, passar a tratar diretamente da organização das instituições. O primeiro ponto importante é a recusa total da tirania. O profeta recupera um velho lugar-comum da luta de Florença contra as tiranias do começo do quattrocento, para sugerir o caminho a ser seguido por seus concidadãos nesse momento em que tudo parecia possível. Pedindo aos cidadãos que evitem criar um tirano, o monge pode então sugerir um modelo a ser seguido nos próximos passos: a república veneziana.

Antes porém de analisar seu apelo à imitação da república veneziana, é preciso atentar para o caminho sinuoso do percurso savonaroliano. De fato, a recusa da tirania era um lugar-comum do pensamento republicano e, como tal, capaz de conquistar a adesão de muitos membros da comunidade política que não queriam a volta de um único governante no comando da cidade. Mas essa recusa era também um ponto conhecido da doutrina de Santo Tomás e certamente estava na cabeça de Savonarola quando ele fez a proposição. Essa dupla chave explica como pôde ele ao mesmo tempo sugerir a imitação de Veneza, como veremos, e eleger a monarquia como a melhor forma de governo, com Cristo como rei. O profeta demonstrava, assim, ao mesmo tempo fidelidade à sua trajetória e sensibilidade aos anseios da cidade.

Recuperar a imagem de Veneza era, desse ponto de vista, um gesto cheio de significação. No meio do turbilhão florentino, a experiência veneziana aparecia como um porto seguro. Para ele, o profeta queria conduzir sua nau:

“…eu disse nos últimos dias que quando um agente natural quer fazer uma coisa, concentra toda sua atenção na forma da coisa. Eis por que eu disse que deveriam escolher uma boa forma para vosso governo e, sobretudo, que ninguém imaginasse se colocar acima de todos, se quiserem viver em liberdade. A forma que foi esboçada não pode se aguentar se não for melhor organizada. Acredito que não há melhor exemplo para seguir do que o dos venezianos, que devem servir de modelo, evitando, entretanto, algumas coisas que não nos convêm e das quais não temos necessidade, como, por exemplo, o Doge”[32].

Além da escolha de um modelo, Savonarola queria investir contra outro ponto comum à história política florentina. Por isso, em suas pregações, ele insistiu que não se deveria recorrer a punições excessivas e violentas. Ao contrário, dever-se-iam buscar a concórdia e a paz entre os cidadãos, para que todos pudessem participar da grande obra que se anunciava: “…a primeira coisa que deverão fazer é promover a paz universal entre os cidadãos, e todas as coisas antigas deverão ser perdoadas e canceladas”[33].

No dia 28 de dezembro de 1494, Savonarola pronunciou o último sermão dessa série, que transformou o pregador inspirado na figura-chave da criação de uma nova cidade, marcada pelo sonho milenarista e pelo desejo de se encontrar uma forma livre de governo. Nesse dia, o monge voltou a insistir com seus concidadãos em que o único rei que propunha era o Cristo[34], e que Florença estava destinada a ser a nova Jerusalém[35]. Para os que ainda duvidavam, ele lembrou que as profecias anteriores haviam sido cumpridas e que não havia motivo algum para duvidar que também as novas poderiam se tornar verdadeiras. “Agora, nosso barco, como lhes disse, permanece no mar e vai em direção ao porto, quer dizer, em direção ao repouso que Florença conhecerá depois de suas tribulações.”[36] Nos próximos quatro anos, ele será a figura central da vida política florentina, suscitando o amor intenso de seus partidários e o ódio de seus oponentes. No lugar da paz prometida, Florença conhecerá um período de agitações e incertezas, que terminará com a morte de seu profeta.

Durante esses anos, Savonarola se manterá fiel ao que propusera naquele mês de dezembro. Seu tratado mais diretamente político, escrito próximo de sua derrocada, afirma as mesmas coisas que haviam sido ditas antes. Florença estava destinada à forma republicana de governo e para tanto deveria levar uma vida em harmonia interna e em consonância com os valores cristãos mais elevados. Seu mergulho na vida política, no entanto, iria lhe mostrar que os homens, mesmo diante de um presente divino, são renitentes na hora de abandonar seus desejos e interesses particulares. Seu projeto de uma nova Jerusalém o levará à fogueira, mas mesmo assim continuará a influenciar um grupo importante de florentinos, que se recusarão a acreditar que se tratava apenas de um sonho[37]. Por isso, merece ser citado como uma das maneiras de se criar uma cidade no Renascimento.

A CONSTITUIÇÃO PERFEITA

A morte de Savonarola, longe de significar o fim dos debates sobre o melhor governo para a cidade de Florença, abriu uma discussão que só iria arrefecer com a consolidação do poder dos Médicis, depois da derrota da República Florentina para os espanhóis em 1530. No período que se seguiu ao ano trágico de 1498, Florença iria ser palco de um intenso questionamento sobre o regime que deveria adotar, para voltar a ter o esplendor de outrora. Num certo sentido, tratava-se de uma novidade, pois o fato de que as cidades pensassem sua identidade em relação direta com algum acontecimento do passado fazia com que a reforma de suas instituições fosse encarada com reserva por uma boa parte da população, que temia perder a força e a proteção de um passado glorioso. Por isso, os humanistas da primeira metade do quattrocento tinham prestado uma grande atenção à história da cidade e à forma de suas instituições primitivas, pois havia certo consenso de que toda mudança deveria marcar um retorno à origem e não a sua perda.

Os anos de predomínio das ideias de Savonarola, no entanto, serviram para mostrar que era possível abordar o problema constitucional de outro ponto de vista. De um lado, olhando para o futuro, garantido não pela proteção de um evento inaugural, mas pela escolha direta de Deus. De outro, buscando modelos que não necessariamente se encontravam no interior da história da cidade, como foi o caso do modelo constitucional veneziano, que vai nos interessar de maneira especial. Antes porém de passar a analisar alguns aspectos desse debate, é necessário estar atento para a especificidade das discussões, que ocuparam a cena política italiana na primeira metade do século XVI.

De fato, quando falamos em reforma da constituição, estamos de alguma maneira usando de um anacronismo, pois somente a partir do século XVIII o termo veio a ter o significado que lhe emprestamos hoje. Nas cidades italianas do Renascimento não havia uma carta magna a reger suas instituições, até porque nem sempre era clara para os homens politicos da época a diferença entre o governo e o Estado. As repúblicas de então possuíam um conjunto de leis, as Ordini, que estabelecia o modo de funcionamento de seus órgãos de poder, mas que não se constituía num ordenamento jurídico coerente. Muitas vezes, era impossível para um visitante de uma república como Veneza entender corretamente a estrutura de poder vigente na cidade. A identidade sendo dependente de um conjunto de fatores, que iam da distribuição do poder aos vínculos que as comunas alegavam ter com alguns santos, como Veneza com São Marco, somente a experiência concreta das diversas articulações e conflitos entre as partes constitutivas da cidade permitia compreender a natureza do regime.

Após o fim de Savonarola, ficou claro, para muitos dos participantes da vida política florentina, que seria necessário reordenar o regime e que isso não aconteceria naturalmente, sem profundas modificações nas estruturas de poder que a cidade havia herdado do período anterior, marcado pelo domínio dos Médicis e pela influência do milenarismo do “profeta desarmado”. Os debates sobre a melhor forma de governo passaram a ocupar um lugar especial na vida da cidade, sobretudo porque a nova realidade da política italiana parecia exigir uma solução rápida para os problemas deixados pela ruptura com o passado.

Seria impossível seguir todos os meandros de uma história complexa e cheia de reviravoltas. Nas primeiras décadas do cinquecento, Florença conheceu disputas intensas entre a aristocracia conservadora e os setores mais populares, e assistiu ao retorno dos Médicis, apoiados pela forte posição da família na hierarquia da Igreja Católica[38]. O que nos interessa é o fato de que muitos atores da vida política italiana reconheceram que era possível criar uma nova realidade política, uma nova cidade, encontrando um regime adequado e capaz de resistir às turbulências do presente. Não se tratava de abandonar o passado, mas de criar o futuro. Discutir sobre as melhores instituições para a cidade era uma maneira de dar realidade ao sonho de uma nova cidade, adaptada aos novos tempos e fiel à sua tradição.

Embora não fosse o único caminho, o recurso ao exemplo de Veneza serviu para alimentar muitos dos debates florentinos sobre a questão. Como já mostrou Felix Gilbert, desde o século XV uma parte da aristocracia de Florença olhava para Veneza como para um modelo de regime capaz de resistir à passagem do tempo e garantir a estabilidade de suas instituições[39]. Num primeiro momento, entretanto, Florença, que havia visto nascer com Leonardo Bruni, uma literatura de elogio à cidade[40], não se curvou inteiramente à república rival. Foi somente na virada do século, quando os acontecimentos traumáticos vividos após a invasão dos franceses expôs a fragilidade da organização política da cidade, que Veneza se transformou no farol capaz de guiar os florentinos na difícil travessia em direção a uma vida política estável. Desse momento em diante, a questão da escolha de um modelo a ser seguido passou a povoar quase todos os foros de debates nos quais era discutida a vida política da cidade, o que incluía desde as reuniões convocadas pela signoria para ouvir a opinião dos cidadãos, as chamadas pratiche[41]até as reuniões de círculos literários e culturais dos quais participavam muitos dos homens influentes de então[42].

Com o final de sessenta anos de domínio dos Médicis em 1494, ficou claro que alguns órgãos, como o Conselho dos Setenta e o Conselho dos Cem, haviam sido introduzidos unicamente para disfarçar um poder que se tornara cada vez mais autoritário e que visava a evitar o acesso de uma boa parte da população aos organismos de decisão. Por isso, já desde Savonarola, a primeira medida tomada para se contrapor ao período anterior foi a criação de um novo conselho, que efetivamente garantisse uma melhor distribuição do poder e uma maior participação de segmentos variados da população da cidade. Tratava-se do Consiglio Maggiore, organismo que irá concentrar as esperanças e as decepções da vida política florentina da primeira metade do século XVI[43]. Embora a introdução doConsiglio Maggiore não tenha sido a única modificação ocorrida nesse período na política da cidade de Florença, uma análise de alguns aspectos do impacto de sua adoção nos serve para entender a estratégia imaginada por muitos atores políticos para se criar uma nova cidade a partir da reforma do regime. É claro que, centrando nossa atenção em apenas um aspecto do processo, estamos correndo o risco de deixar de lado problemas e nuances que dariam uma ideia mais rica de nosso problema. Entretanto, como não podemos nos lançar num longo estudo sobre a vida institucional italiana do período que nos interessa[44], pareceu-nos razoável escolher um tema que ocupou efetivamente um lugar de destaque nos debates e ações e que permaneceu como um ponto central até mesmo quando a possibilidade de se renovar a cidade já se mostrava remota.

O Consiglio Maggiore foi tido pelos florentinos como o maior ganho institucional na direção da cidade que pretendiam ver funcionando. Criado à imagem e semelhança de um conselho que existia em Veneza, ele tornava efetiva a influência do mito veneziano na vida de Florença. Na verdade, essa relação era tão direta, que até mesmo a sala na qual funcionou no período republicano até 1512 era uma réplica da sala veneziana. Para compreender sua importância, é preciso, a nosso ver, não deixar de lado o fato de que seu impacto era tanto institucional quanto simbólico, e talvez sua eficácia imaginária tenha sido até mesmo maior do que seu significado prático. Isso se torna mais claro quando nos perguntamos por seu funcionamento. Como mostra Gilbert:

“O Consiglio Maggiore não era concebido como um órgão de deliberação, mas tinha a função primeira de votar e de eleger. Sua tarefa mais importante era a de escolher os membros dos vários ofícios executivos. Havia mesmo uma relação estreita entre o Consiglio Maggiore e a parte do governo que decidia sobre as medidas políticas e cuidava de sua execução.”[45]

Ora, se com ele uma parte maior da população pôde ascender à vida pública e expressar suas opiniões, em vez de fornecer uma base para uma vida mais estável, serviu como centro de um conflito que se tornou agudo com os anos e que acabou ajudando a enfraquecer a república florentina. No seu interior se afrontavam grupos sociais diversos, mas os florentinos tendiam a ver essas lutas em termos de suas antigas disputas que opunham o elemento popular aos grandes[46]. Nesse sentido, o observador das mudanças institucionais da época não deve se esquecer que a estratégia de construção de um novo equilíbrio implicava ao mesmo tempo uma estratégia de conservação de traços da história, que forneciam a identidade da cidade. Por isso, o estudo do Consiglio Maggiore é eloquente, para se entender a natureza da cidade pretendida, uma vez que combina a inovação com o passado popular e republicano de Florença.

Uma maneira interessante de ver como essa flutuação entre o mito e a realidade funcionava no pensamento político de então é a obra de Donato Giannotti (1492-1573). Formado no período durante o qual os debates sobre a política e as reformas foram mais intensos em Florença, ele seria, nas palavras de Albertini, o último dos grandes pensadores republicanos do cinquecento florentino[47]. Nos Orti Oricellari, conheceu Maquiavel e muitos dos que viveram o fracasso da república de Soderini. Esse convívio deixou marcas profundas em sua maneira de ver as coisas, pois ele conservou muitos dos temas centrais daquele círculo de debates no centro de seu pensamento. No entanto, suas próprias experiências políticas o levaram a novas investigações e a explorar novos ângulos dos antigos problemas. Uma das questões que mais lhe interessaram foi justamente a do regime misto e sua realização na república veneziana.

Giannotti provavelmente chegou a essa preocupação através do contato com as antigas gerações de homens políticos e pensadores com as quais conviveu na juventude. Entre 1520 e 1525, foi professor em Pisa, para em seguida se transferir para Pádua, onde permaneceu até 1526. Data deste último período uma de suas obras mais instigantes: Della Repubblica de’ Viniziani[48]Em 1527, ele retornaria a Florença para participar da nova república, que se instalou com a expulsão dos Médicis, no mesmo cargo de secretário que fora de Maquiavel no começo do século. É provável que os conhecimentos adquiridos no contato com Veneza o tenham qualificado para o cargo, pois, nos três anos durante os quais se tentou mais uma vez implantar uma república estável em Florença, Veneza serviu como referência e Giannotti pôde oferecer uma visão renovada da matéria, mesmo que seu tratado só tenha sido publicado em 1540.

Originalmente, o plano desse amigo de Maquiavel era oferecer ao leitor não veneziano um estudo completo da república e que pudesse corrigir os erros e imparcialidades do tratado de Marcantonio Sabellico, que até então servia de referência para os que se interessavam pela matéria. Planejado para conter três partes, acabou se resumindo na primeira o que, segundo Pocock, não deu ao escrito a amplitude teórica desejada pelo autor[49]. O livro contém, assim, uma extensa análise da estrutura governamental veneziana. Como o que conhecemos é apenas a primeira parte, nela abundam as referências ao local no qual Veneza foi instalada e mesmo detalhes de sua história e dos acontecimentos que presidiram o surgimento de muitas de suas instituições mais famosas[50]. Muito espaço foi concedido também aos mecanismos de eleição do Doge, que atraía a curiosidade de seus contemporâneos.

Para nós, interessa a importância concedida por Giannotti a alguns aspectos normalmente descurados por seus contemporâneos quando falavam de Veneza. Assim, ele insiste em caracterizar o sistema de governo como uma pirâmide, com o Consiglio Grande na base e o Doge no vértice. No meio, dois conselhos garantem o equilíbrio: o Consiglio de’ Pregati e o Collegio. O primeiro tem uma função deliberativa que não apenas servia de ponte entre os diversos funcionários e o Doge, mas também era o lugar por excelência no qual a capacidade de liderança e organização dos cidadãos era testada. A grande novidade nas considerações do autor, segundo Gilbert, está em que ele se preocupou em responder à pergunta sobre os objetivos maiores do governo e submeteu seus estudos dos diversos órgãos a essa lógica maior, em vez de se perder em considerações detalhadas sobre as diversas estruturas administrativas, em se preocupar em mostrar a conexão entre elas[51].

O conhecimento da obra de Aristóteles, associado ao realismo de suas análises da situação florentina, fornece a chave de compreensão da força do pensamento desse republicano que, mesmo influenciado por Maquiavel, soube se distanciar dos pressupostos do mestre, que considerava Roma a república a ser imitada, para eleger Veneza como o grande referencial. Um dos pontos que o ajudam a formular sua admiração pelo modelo da república do norte, muito distante das considerações ingênuas de muitos de seus contemporâneos, que apenas olhavam para o mito e não para sua realidade, é o fato de ele ter sabido combinar a ideia segundo a qual todo governo tem necessariamente de se pautar por um princípio unificador com a leitura de que em Veneza esse princípio era a justiça[52]. Giannotti vai insistir em que a força de Veneza estava na combinação de um grupo dirigente estável, representado por regras estabelecidas e aceitas para a ocupação dos diversos postos na estrutura administrativa e política da cidade, com um sistema jurídico, que garantia ampla proteção aos que se viam excluídos dos principais cargos de mando. Mesmo que ele não caracterize Veneza nesse escrito como um regime misto, é evidente que a noção de meio-termo entre a oligarquia e a democracia estava presente em sua mente quando ele procurava explicar como uma aristocracia como Veneza podia garantir-se contra os tumultos populares.

Falando de Veneza, Giannotti procurava uma ferramenta constitucional para reformar sua cidade natal e, assim, criar um verdadeiro regime republicano. Em 1527, essa possibilidade se materializou com a expulsão dos Médicis, enfraquecidos pela perda de poder em Roma. Nosso pensador se entregou de corpo e alma à tarefa de construir uma nova cidade, participando tanto do primeiro governo moderado de seu amigo Capponi, com cujas posições se identificava[53], quanto da última fase mais radical, marcada pela presença de savonarolianos[54], que de fato ele não apreciava. Nesse período, como fizera Maquiavel nos últimos anos do governo Soderini, ele lutou pela constituição de uma milícia popular, que, segundo ele, seria uma peça essencial para garantir a sobrevivência da república. Além disso, procurou trazer, para os debates intensos que se travavam, seus conhecimentos adquiridos no contato com a realidade veneziana.

A relação de Giannotti com a vida política florentina mostra como os estudos constitucionais estavam longe de representar uma matéria de interesse para especialistas. Conhecer a natureza de outros regimes, entendê-los à luz dos clássicos, era uma arma poderosa a serviço de uma causa prática e realista aos olhos dos convictos republicanos. Em 1530, esse sonho se desfez. Florença foi derrotada, e os Médicis, com apoio de tropas estrangeiras, retornaram para estabelecer um principado que iria pôr fim à longa tradição popular da cidade. Nosso autor parte para o exílio e continua até o fim da vida a sonhar com o retorno à terra natal e em contribuir para nela erguer uma verdadeira república. Data dos primeiros anos de seu exílio sua obra-prima: Della Repubblica Fiorentina[55].

Essa obra não foi publicada durante a vida do autor — sua primeira edição data de 1721 —, e por isso não pode ser considerada por sua influência nos debates da época. Apesar, no entanto, de não ter circulado, é um exemplo claro de como um pensador republicano que, assim como Maquiavel, havia participado da vida política de sua cidade pensava a reforma de suas instituições através de profundas transformações constitucionais e da compreensão crítica do passado. Giannotti se lança em um estudo que, servindo-se do que aprendera com a república do norte, deixa de lado o caráter ideal de uma república estável para se concentrar nos aspectos práticos da construção de uma constituição nova para Florença. O aspecto paradoxal de sua proposta é que o elemento ideal, que o conduz quase para as fronteiras da utopia, também o força a uma análise realista dos erros do passado e a uma avaliação das possibilidades do futuro. Como ele mesmo diz: “Mas retornando ao meu propósito, digo que três coisas me induziram a escrever sobre a república florentina: isto é, o querer me deleitar, o fato de ver próxima a ruína da tirania presente e a necessidade de corrigir os erros dos dois governos passados.”[56]

Como não podemos nos dedicar a um estudo detalhado de sua obra, vamos nos concentrar em apenas dois aspectos que nos parecem relevantes para nossos propósitos: o papel do elemento popular e a teoria do governo misto[57]. De fato, esses dois elementos estão intimamente ligados e servem para conduzir o leitor para o núcleo do sonho republicano desse pensador.

O primeiro livro do Della Repubblica Fiorentina é dedicado à tese de que o melhor regime que pode existir é o misto, que, se realizado, garante efetivamente a longa duração da cidade. No entanto, essa afirmação só ganha sentido quando confrontamos sua escolha teórica com suas análises das razões pelas quais Florença não fora capaz de conservar a liberdade adquirida no passado recente. Em linhas gerais, podemos dizer que Giannotti não considera as experiências anteriores como verdadeiramente republicanas e chega a dizer que os governos que se apresentavam como republicanos eram tiranias disfarçadas[58]. A culpa disso, segundo ele, era a malignidade dos dirigentes de Florença, os grandi, que ele qualifica de lobos, seguindo uma tradição que vem de Dante[59].

A percepção de que os membros da aristocracia florentina, mesmo aqueles que tinham participado ativamente de governos com pendores populares, eram na verdade incapazes de compreender a verdadeira natureza de um governo livre e tinham agido tiranicamente permite a Giannotti expor sua concepção de um governo misto, adaptado para sua cidade. Aqui, o tema do Consiglio Maggiore retorna com força, pois, segundo nosso autor, é essencial definir as bases sobre as quais se assenta uma república: “O Consiglio grande deve ser um agregado composto dos três membros já descritos, ou seja, os grandes, os médios e o povo.”[60] Nele deve estar fundado o Estado, pois de outra maneira é impossível resistir à duas causas que normalmente levam as cidades a serem destruídas: as desordens civis e as guerras externas[61]. Dos três elementos, no entanto, um deve servir de guia para o estabelecimento das instituições. Giannotti procura mostrar que uma verdadeira república deve se apoiar no povo, e não em um príncipe e nos membros de sua aristocracia: “Mas, retornando ao meu propósito, concluo, pelas razões anunciadas, que a república, na cidade descrita, deve se apoiar no povo.”[62]

Esse assento popular o conduz a elaborar uma teoria muito próxima daquela da soberania, uma vez que deixa claro que o regime deve ter um senhor e que a partir dessa designação podemos construir todo o nosso edifício constitucional:

“O dito Consiglio deve ser o senhor da cidade, pois, de outra forma, a república não se apoiaria no povo. Deve ter poder sobre aquelas ações que são essenciais nas repúblicas e abraçam toda a força do Estado. Essas são quatro: a criação dos magistrados, as deliberações de paz e de guerra, a introdução das leis e as apelações.”[63]

Uma cidade verdadeiramente bem ordenada será, portanto, aquela que tiver suas bases saudáveis e souber tirar as consequências constitucionais de sua escolha popular. Giannotti discute, assim, detalhadamente, seus planos para a cidade, retornando a cada ponto do debate que durante tanto tempo havia dominado a vida política florentina. Para concluir, seu quarto livro defende mais uma vez a instituição de uma milícia popular como forma de garantir a estabilidade do corpo político. Todos esses passos são argumentados de forma cuidadosa, e é fácil descobrir a influência tanto de Aristóteles, no tocante a alguns aspectos do governo misto, quanto de Maquiavel, quando se trata de discutir a importância da milícia. No entanto, não devemos nos enganar. Giannotti tinha plena consciência das dificuldades para a realização de seu projeto de cidade. De um lado, porque não desconhecia a natureza dos homens, e nisso era um discípulo de Maquiavel; de outro, porque sabia que boas instituições se chocam muitas vezes com costumes e interesses por demais arraigados para poderem ser deixados de lado da noite para o dia. Seja como for, ele nos legou um belo exemplo de como os republicanos do cinquecento imaginavam poder criar uma cidade recorrendo à reforma de sua constituição e ao respeito da história e das raízes das cidades.

A CIDADE IDEAL

No século XVI, a obra de Thomas More forneceu um paradigma influente para todo o pensamento político moderno. Baseada na crítica feroz a certos costumes ingleses e na maneira como a vida política era organizada, a Utopia viria a servir de modelo e referência para um grande número de pensadores que, em todas as partes da Europa, iriam se dedicar a imaginar novas formas de vida em comum, capazes de livrar os homens dos defeitos e tormentos acumulados por uma tradição que parecia não ser capaz de oferecer a felicidade tão almejada pela humanidade. Com o pensador inglês, nasceria um gênero de reflexão política que, guardando óbvia relação com obras clássicas como a República de Platão, conheceria um grande desenvolvimento na modernidade. Criar modelos de cidades, que pudessem suplantar as mazelas das formas históricas existentes transformou-se numa maneira de se contrapor ao presente e de propor um futuro melhor[64].

A Itália recebeu de braços abertos o livro de More, e, muito rapidamente, ele encontrou seguidores entre os muitos pensadores que não se conformavam com os destinos de sua pátria[65]. No começo do século XVII, Campanella iria produzir outros dos textos paradigmáticos do gênero, escrevendo A cidade do Sol, livro no qual suas propostas para uma sociedade melhor são ancoradas em sua visão da miséria de sua terra natal, a Calábria. No entanto, antes de a utopia conhecer o desenvolvimento que teve na modernidade, alguns escritores italianos do século XV, começo do século XVI, também se dedicaram a pensar o que qualificavam de”cidades felizes”. Na verdade, não se tratava do mesmo tipo de escrito, ou que tivesse o mesmo objetivo dos textos modernos, mas alguns têm um interesse muito especial para nosso tema. Os autores aos quais estamos nos referindo eram na maioria arquitetos, filósofos ou artistas, que procuraram encontrar uma via prática para construir cidades que pudessem corresponder aos anseios de seu tempo. Se não estavam satisfeitos com o que viam, não acreditaram ser necessário produzir um projeto que viesse a exigir uma reforma total da sociedade. Menos radicais do que seus sucessores, encontraram no passado valores que deviam ser conservados numa organização social diferente daquelas que conheciam. Entre os escritores que mais se aproximam do que estamos buscando, encontram-se Leon Battista Alberti e Leonardo da Vinci. Outros, como Antonio Averlino e Francesco di Giorgio Martini, trabalharam no mesmo sentido, mas suas obras permaneceram sem ser divulgadas, o que diminui o interesse para nossa busca de novas maneiras de se criar uma cidade.

Leon Battista Alberti (1404-1472) era filho de um exilado de Florença e cresceu conhecendo o preço de não se poder beneficiar de um lugar honrado no seio da comunidade à qual se pertence. Sua vasta obra, que vai da literatura às artes, da arquitetura à filosofia, porta a marca do pessimismo, temperado pela vontade de construir uma cidade que pudesse fornecer os espaços para o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas. Imerso em preocupações com a decadência da Itália e com as dificuldades de sua própria família, ele produziu uma obra cheia de nuances e tensões, o que o coloca num lugar muito especial entre os pensadores de seu tempo[66]. Como sugere Carlos Brandão[67], para se entender a aventura albertiana, é preciso levar em conta a natureza complexa de sua obra: sua capacidade para fornecer soluções objetivas e técnicas para problemas que derivam da natureza conflituosa dos homens. Assim, ao mesmo tempo em que abandona o otimismo da primeira fase do humanismo italiano, dominada pelo elogio das cidades e pela rememoração do passado glorioso da Itália, ele procura mostrar como é possível retornar à velha virtù. Encontramos, portanto, no mesmo período histórico em que a solução milenarista de Savonarola apareceu e no qual a busca pela melhor constituição atraiu a atenção dos pensadores políticos mais argutos, uma tentativa de se criar uma cidade ideal baseada na solução arquitetônica e urbanística dos impasses gerados pelas mazelas do tempo e pela incapacidade dos homens de buscarem a harmonia e a paz.

A comunidade pretendida por Alberti nada tinha de abstrata, e seus objetivos eram facilmente compreensíveis aos olhos de seus contemporâneos: uma vida honesta e feliz, bene beateque vivendum. Para atingir esse patamar superior de sua própria humanidade, os homens deveriam percorrer um caminho que se revelava árido e difícil. Se poucos são capazes de abdicar do desejo de felicidade, o número dos que sabem como realizá-lo é ainda menor. O que Alberti procura mostrar é que o simples desejo de felicidade não garante que saibamos como alcançar nossas metas. Tomado isoladamente, o homem possui todas as faculdades para buscar o bem, mas a efetivação de sua virtude nunca se dá sem que se encontrem a fortuna e o lado obscuro de nossa natureza. Por isso, a busca por um lugar ideal é sempre um combate, cujo resultado nunca é o somatório simples de fatores isolados. A esse respeito, devemos lembrar que Alberti, contrariamente a muitos utopistas posteriores, não imagina sua cidade como uma pequena comunidade isolada e auto-suficiente. O que ele deseja construir está voltado para o mundo e se relaciona estreitamente com as formas de vida conhecidas por seus contemporâneos.

Para compreender a tarefa a que se propôs o arquiteto, é preciso combinar suas exigências éticas com suas soluções arquiteturais[68] . No I libri della famiglia[69]ele traça um rico perfil de como devem se estruturar as relações, que darão suporte à vida pública, no espaço restrito da casa. Concebido como um tratado moral, o livro fornece um ponto de passagem interessante entre os escritos filosóficos de nosso autor e seus livros supostamente mais técnicos. Um ponto importante de sua argumentação, e que é uma constante em sua obra, é sua confiança na perfeição da natureza, que não faz “nada vicioso ou com falta”[70]. Isso se traduz em uma ideia de harmonia que serve como princípio regulador de todas as coisas naturais:

“Tudo o que se manifesta na natureza é regulado pelas leis da harmonia (concinnitas). A natureza não tem desejo mais ardente do que fazer com que todos os seus produtos sejam absolutamente perfeitos. Ora, a perfeição é impossível sem a harmonia, pois sem ela se perderia aquele necessário acordo superior entre as partes[71].”

Alberti confia em que a organização equilibrada da natureza pode servir de parâmetro para a educação dos jovens e para toda a organização social[72]. Não há nessa lógica uma natureza que deva ser imitada pelas artes e outra para o mundo moral. A complementaridade entre as duas esferas fará com que as pesquisas sobre a melhor cidade sejam sempre uma busca de um mundo melhor dos homens, da mesma forma que a preocupação com os valores implica soluções práticas para a vida cotidiana e com os espaços nos quais as virtudes podem se manifestar.

No entanto, o mundo conhece também outra face da natureza, expressa pela desmesura, pela violência e pelo inesperado. Esse lado escuro é o responsável pelas dificuldades de se instituir um projeto de cidade que tenha plena garantia de sucesso. Não basta aos olhos do filósofo querer construir uma cidade melhor, ensinar o bene beateque vivendum; é preciso superar os obstáculos que a própria existência coloca para os homens[73]. A fortuna aparece na obra de Alberti como a figuração do lado árduo da escalada do homem em direção à própria humanidade. Em escritos como o Momus, ele deixa livre curso à sua imaginação e explora a irracionalidade do mundo como um pano de fundo sobre o qual a vida se desenrola. O interessante, entretanto, é que não há contradição entre esse livro de tom pessimista e os textos construtivos do autor. Embora muitos intérpretes tenham insistido em separar a obra de Alberti em duas partes diversas e incompatíveis, parece-nos que o sentido de suas investigações só se esclarece quando colocamos lado a lado sua vontade de construir e seu medo da fortuna.

Assim, no prólogo do I libri della famiglia, ele nos adverte para os perigos dessa deusa cambiante e terrível, que está sempre pronta a interromper a obra humana para mergulhar-nos num fluxo sem sentido de atos e palavras. Conhecedor ele mesmo dos reveses da vida, adverte o leitor que está para adentrar o universo de suas considerações morais que reinos potentes como o dos macedônicos se destruiram por não levar em conta que a fortuna, mais do que agir como uma força caótica, aproveita o descuido dos homens, que não sabem preservar suas obras de seus ataques[74]. Nesse sentido, fiel ao que pensavam os primeiros humanistas, Alberti nunca aborda a fortuna sem colocá-la em confronto com a virtù. Seu intento não é, portanto, o de oferecer uma visão trágica da existência, mas o de descobrir os caminhos que levam a uma sociedade potente e justa. Por isso, declara, sem ambiguidade. “nas coisas civis e no viver dos homens, estimaremos que mais vale a razão do que a fortuna, mais a prudência do que o acaso”[75]. Ao homem, que poderia esmorecer na procura de uma vida melhor, ele mostra que: “A fortuna domina somente os que a ela se submetem.”[76]

A cidade que Alberti pretende construir se inspira naquelas do passado, Roma em primeiro lugar, que soube levar suas leis e seus costumes a todos os cantos do mundo. Mas a referência à história não se faz como a um modelo absoluto, pois se Roma foi poderosa, isso se deveu à ação concreta dos homens e não ao acaso. Se a imitação é necessária, o que deve ser copiado é a extraordinária virtù de seus habitantes, que souberam erigir uma cidade potente e livre. Trata-se, portanto, em primeiro lugar, de uma comunidade ética, capaz de permitir aos homens uma vida feliz. O longo diálogo sobre a família é uma exploração dos mecanismos de construção de um conjunto de relações que permitem ao homem enfrentar os reveses da fortuna e inscrever no mundo a marca de uma vida em harmonia com as forças positivas da natureza.

A originalidade de Alberti, entretanto, não está em querer erigir uma cidade à luz das virtudes cívicas das antigas repúblicas. Nesse sentido, ele se inscreve na grande corrente do pensamento político republicano que se vai formando na Itália desde o século XIV[77]. A novidade está em que ele não se preocupa apenas com as instituições da cidade e com suas leis, mas, como já dissemos, com sua existência material. Construir uma cidade ideal tem para ele um sentido concreto: implica fazer surgir num lugar físico bem determinado um conjunto arquitetônico que deve abrigar os homens e fazer com que eles possam buscar uma vida melhor. O arquiteto surge então como um ator privilegiado, pois busca transformar a harmonia da natureza em parte da vivenda humana. Ele é o intérprete da concinnitas e o mediador entre os desejos particulares dos homens e a utilidade dos bens públicos. Por isso, uma das principais tarefas do construtor de cidades é prepará-la para durar, para resistir aos ataques do tempo. Como mostra Brandão: “Arte pública e útil, a Arquitetura é, simultaneamente, a arte da prudência e do gesto heróico através da qual projetamo-nos além de nossa contingência, ao fazer o edifício destinar-se mais à História do que ao espaço vazio do presente.”[78]

Do ponto de vista técnico, a ênfase da obra desses construtores[79] recaiu sobre a ideia de que o plano da cidade deveria seguir o modelo radial. Não se tratava propriamente de uma descoberta, mas da atualização de um conceito de Vitrúvio, que havia tido no passado uma receptividade pouco significativa. No Renascimento, ao contrário, a busca pela harmonia e a necessidade de dar forma a um conjunto urbano que fosse capaz de conter uma organização social destinada à duração e à felicidade levaram os pensadores a buscar uma forma que se acomodasse às suas próprias ideias a respeito de como os homens deveriam viver. Cabe lembrar que esses idealizadores de cidades acreditavam que o melhor regime era aquele que se aproximava da aristocracia. Se o elemento popular devia ter seu lugar no tecido urbano e participar da vida pública, nem por isso deveria ser o polo preponderante. Leonardo da Vinci imaginou uma cidade na qual a parte superior e circular seria reservada aos membros das classes superiores e às atividades mais nobres, enquanto as partes baixas deveriam ser usadas pelos artesãos, pelos comerciantes e pelos praticantes dos vários ofícios manuais essenciais para a sobrevivência dos habitantes. Essa separação da cidade em alto e baixo refletia sua concepção da composição do corpo social e de como a arquitetura deveria contribuir para torná-la manifesta[80].

A realização do sonho albertiano de uma cidade ideal exigia a mistura de elementos como a resistência ao tempo (firmitas), o prazer (voluptas) e a funcionalidade das formas (commoditas), visando produzir uma harmonia semelhante àquela que a natureza concede aos organismos vivos. No De reaedificatoria, Alberti concentra seus conhecimentos técnicos sobre as edificações e formas de organização do espaço tanto público quanto privado e ensina aos homens como transformar em obra o desejo por uma “cidade feliz”[81]. Ao longo do livro, aprendemos sobre os materiais a serem utilizados nas diversas obras, sobre as plantas arquitetônicas, sobre a execução dos trabalhos, sobre os edifícios de caráter público e de caráter privado, sobre a melhor maneira de torná-los belos e de como fazer para que possam resistir ao tempo e como devem ser restaurados. Trata-se de um tratado completo de arquitetura, que terá grande repercussão no Renascimento. Para nós, interessa propor uma concepção de cidade na qual se articule a busca pelo bene beateque vivendum com os problemas de construção de um espaço público à imagem da harmonia (concinnitas) que deve presidir todas as ações levadas a cabo no mundo comum dos homens.

O livro IV do tratado é, nesse sentido, um exemplo privilegiado da maneira de proceder de Alberti. Em primeiro lugar, ele procura sempre uma referência no passado que possa servir para encaminhar sua reflexão. Ao introduzir o problema da localização da cidade, um tema clássico desde Aristóteles, ele afirma:

“Todos necessitam da cidade e dos serviços públicos que dela fazem parte. Se, com base na opinião dos filósofos, decidirmos que a razão e o fundamento da existência da cidade estão em que seus habitantes possam viver com tranquilidade e do modo mais cômodo possível e sem serem molestados, sem dúvida cabe meditar de maneira sistemática em que lugar se deve construí-la, em que posição, com qual perímetro.”[82]

Ao confrontar, no entanto, certos filósofos do passado que pregavam uma vida austera baseada numa localização que tornasse difícil a vida dos homens e os forçasse ao exercício das virtudes, ele conclui: “…o lugar onde se pensa construir uma cidade deve ser provido de todas as vantagens e desprovido de todas as desvantagens possíveis”[83]. Quanto ao plano urbanístico, ele não hesita em afirmar: “Já esclarecemos precedentemente que será mais capaz de tudo aquela cidade que tiver planta circular.”[84] Dessas considerações mais gerais lhe é então possível passar para o detalhamento das diversas funções que compõem o tecido urbano. Uma delas, por exemplo, é a defesa, e por isso Alberti discorre longamente sobre a melhor maneira de construírem as muralhas[85], chegando à conclusão de que se deve imitar Jerusalém, que possui um contorno sinuoso.

O tratado é uma bela combinação de elementos políticos com a consciência de que uma cidade deve ser construída no presente e com as técnicas e materiais disponíveis. Se o que se busca é uma cidade ideal, ela deve antes de mais nada ser possível. Por isso, diante de problemas concretos para levar a cabo seu desejo, ele afirma: “Se pois sobrevier que as coisas descritas não respondam às nossas necessidades, os defeitos devem ser reparados com engenho e trabalho de maneira a se buscar a comodidade que falta.”[86] O leitor se vê, assim, diante de um escrito que é ao mesmo tempo um precioso manual de técnicas construtivas, um guia urbanístico e um escrito de filosofia moral. Tudo isso a serviço da criação de uma nova cidade capaz de responder a nosso sempre presente anseio de felicidade: bene beateque vivendum.

NOTAS

  1. Nicole Loraux, Les enfants d’Athéna. Paris, Editions La Découverte, 1990. 
  2. HANS BARON, The Crisis of the early Italian Renaissance. Princeton, Princeton University Press, 1966. 
  3. Tratamos com maior detalhe esse problema em Newton Bignotto, O tirano e a cidade. São Paulo, Discurso Editorial, 1998, cap. 3. 
  4. Esse foi o tema de nosso texto: NEWTON BIGNOTTO, “Maquiavel e o novo continente da política”, em ADAUTO NOVAES, A descoberta do homem e do mundo. São Paulo, Cia. das Letras, 1998. 
  5. Sobre a natureza do saber do fundador, escrevemos em: Newton Bignotto, “A solidão do legislador”, Kriterion, Belo Horizonte, 99, (1999), p. 7-37. 
  6. Ver Savonarole, Sermons, écrits politiques et pièces du procès. Paris, ed. Seuil, 1993, p. 41. 
  7. Para uma biografia interessante de Savonarola, ver: Ivan Cloulas, Savonarole. Paris, Fayard, 1994. 
  8. Sobre os desdobramentos dessa reforma, ver: Domenico Di Agresti, Sviluppi della Riforma Monastica Savonaroliana. Florença, L.S. Olschki, 1980. 
  9. Para uma edição brasileira, ver: Savonarola, Ratado sobre o regime e o governo da cidade de Florença. Petrópolis, ed Vozes, 1991. Para o texto original, ver: Girolamo Savonarola, Prediche sopra Aggeo. Roma, Angelo Belardetti Editore, 1965. 
  10. Sobre a questão do millenium em Savonarola, ver: Donald Weinstein, Savonarole et Florence. Paris: Calmann-Lévy, 1973, cap. V. 
  11. São justamente as Prediche sopra Aggeo referidas anteriormente. 
  12. Savonarola, Prediche sopra Aggeo. Predica VIII, p. 121. 
  13. Ver por exemplo sua Prédica XI, na qual mais uma vez ele afirma: “Cosi ora nell’arca nostra sta el nostro Noè disputa com quelli che vi sono entrati della renovazione della Chiesa; perchè chi vi entra bisogna che sai buono instrumento per la renovazione…”, op. cit. p. 173. 
  14. Idem, p. 411 
  15. Ver a esse respeito: Lorenzo Polizzotto, The Elect Nation. The Savonarolian Movement in Florence 1494-1545. Oxford, Clarendon Press, 1994. 
  16. SAVONAROLA, Prediche sopra Aggeo. Prédica IX, p.143. 
  17. Idem, p. 144. 
  18. Idem, p. 145. 
  19. Idem, Prédica X, p. 155. 
  20. “Fa dunque tu, che voi esser vero cristiano e buono cittadino della tua città, che tu non perda queste tre prerogative, anzi fa che commodi e sovenga la patria tua ed el prossimo tuo in ogni sua necessità.” Idem, p. 162. 
  21. Idem, p. 165. 
  22. “Popolo di Firenze, lascia fare pian piano e a poco a poco al medico.” Idem, p. 167. 
  23. Idem, p. 167. 
  24. Idem, p. 168. 
  25. “Intendi, dico, Firenze, stamane quello che io ti dico; intendi quello che Dio mi há inspirato. Io mi con fido solo in Cristo, in quello che io ti dico: e fallom chè buon per te, se lo farai”, Prédica XIII, p. 213. 
  26. “…o Maiestà Divina, io ti supplico e prego che questa mattina sia il principio della renovazione della Chiesa”, Idem, p. 214. 
  27. “Proverbio è tra molti, benchè sai mal detto, che li Stati non si governano coll’orazione nè co’ pater-nostri”, Idem, p. 215. 
  28. Idem, p. 220. 
  29. Idem, p. 220. 
  30. “E diventerà Firenze pill ricca e pill potente che mai sia stata e dilaterà lo imperio suo in molti luoghi.” Idem, p. 213. 
  31. Idem, p. 222. 
  32. Idem, p. 225-226. 
  33. Idem, p. 227. 
  34. “Sta com Cristo, Firenze, e non cercare altro capo”, Prédica XXIII, p. 423. 
  35. Idem, p. 220. 
  36. Idem, p. 220. 
  37. A melhor análise dos seguidores de Savonarola, encontramos no livro citado de Polizzotto. 
  38. Para acompanhar os debates desses anos, ver: Rudolf Von Albertini, Firenze dalla repubblica al principato. Torino, Einaudi, 1970; Giovanni Silvano, ‘Vivere OWle’ e ‘Governo misto’ a Firenze nel primo Cinquecento. Bolonha, Pàtron Editore, 1985. 
  39. Feliz Gilbert, “La costituzione veneziana nel pensiero politico fiorentino”, em Machiavelli e il suo tempo. Bolonha, Il Mulino, 1977, p. 115-170. 
  40. A esse respeito, HANS BARON, In Soarch of Florentine Civic Humanism. Princeton, Princeton University Press, 1988, vol. I, cap. 3. 
  41. Sobre a natureza dessa instituição, ver: Felix Gilbert, “Le idee politiche a Firenze al tempo de Savonarola e Soderini”, em Machiavelli e il suo tempo, p. 67-114. 
  42. A esse respeito, ver Rudolf Von Albertini, op. cit. p. 67-85. 
  43. Sobre a importância do Consiglio Maggiore na vida política florentina, ver: Felix Gilbert, Machiavelli e Guicciardini. Torino, Einaudi, 1970, cap. I. 
  44. Para uma análise mais ampla da vida institucional italiana no começo do século XVI, ver: Myron P. Gilmore, Il mondo dell’umanesimo. Florença, La nuova Italia Editrice, 1977, cap. IV. 
  45. Felix Gilbert, Machiavelli e Guicciardini, p 20-21. 
  46. Gilbert chama a atenção para o grande número de termos que descrevem esses dois grupos no vocabulário político do cinquecento. Idem, p. 28-33. 
  47. Rudolf Von Albertini, op. cit. p. 165. 
  48. Donato Giannotti, “Della reppublica de Viniziani”, em Opere Politiche. Milano, Marzorati, 1974, vol. I, p. 27-152. 
  49. J.G.A. Pocock, The macbiavellian moment. Princeton, Princeton University Press, 1975, p. 275. 
  50. Veja, por exemplo, a longa descrição do surgimento do Consiglio Grande. Donato Giannotti, “Della reppublica de’ Viniziani, p. 55-62. 
  51. Felix Gilbert, Machiavelli e il suo tempo. p. 149. 
  52. Donato Giannotti, op. cit., p. 119-151. 
  53. Rudolf Von Albertini, op. cit. p. 149-150. 
  54. A esse respeito, ver LORENZO POLIZZOTTO, op. cit. cap. 7. 
  55. Donato Giannotti, “Della Reppublica Fiorentina”, em Opere Politiche, p. 181-370. Possuímos hoje uma edição crftica preparada por Giovanni Silvano: Donato Gianotti, Republica Fiorentina. Genebra, Librairie Droz, 1990. Nessa edição, muitas dúvidas referentes ao texto original foram dirimidas pelo confronto dos diversos manuscritos existentes. 
  56. Nossas referências aqui são da edição crítica de G. Silvano: Donato Giannoti, Republica Fiorentina. Cap. I, p. 76. 
  57. Para um estudo de conjunto do pensamento de Giannotti, ver: Giorgio Cadoni, Eutopia repubblicana di Donato Giannotti. Milão, Giuffrè Editore, 1978. Além disso, as análises de Pocock dedicadas ao autor são bastante detalhadas e extremamente lúcidas. J.G.A Pocock, op. cit. p.272-320. 
  58. “Essendo, adunque, le tre dette cose, ne’ due governi passati, in potestà de’ pochi, seguit che i pochi, et non gli assai, erano signori della città et perciò non era in essa quella libertà che a molti pareva avere. Ma venendo piú particulari, parliamo alquanto della signoria et monstriamo quanto la sua autorità fusse tirannica et violenta.” Donato Gianotti, Republica Fiorentina. Livro II, cap. 3, p. 108. 
  59. Idem, Livro II, cap. 11, 128-129. 
  60. Idem, Livro III, cap. 5, p. 166. 
  61. Idem, Livro III, cap. 1, p.153. 
  62. Idem, Livro III, cap. 4, p.165. 
  63. Idem, Livro III, cap. 5, p. 169. 
  64. Para uma história da utopia, ver: E Manuel, Utopian Thought in the Western World. Oxford, Basil Blackwel1,1979. 
  65. Ver: E Manuel, op. cit. cap. 4. 
  66. Um estudo rico da obra de Alberti em português, encontramos em Carlos Brandão, Quid Tum? O combate da arte em Leon Battista Alberti. Belo Horizonte, Ed. da UFMG (no prelo). Somos devedores de muitas de suas análises para a apresentação de nossa leitura da obra de Alberti. 
  67. Idem, item 6.3.1 
  68. Para a ligação entre ética e estética em Alberti, ver: Carlos Brandão, op. cit. cap 6. 
  69. Leon Battista Alberti, I libri della famiglia. Torino, Einaudi, 1969. 
  70. Idem, p. 74. 
  71. Leon Battista Alberti, L’Architetura. Milão, Edizioni 11 Polifilo, 1989, IX, 5, p. 452453. 
  72. Como observa Brandão: “Nesta concepção, a natureza e suas leis podem e devem ser reconhecidas em sua intimidade, uma vez que são dóceis às possibilidades humanas: homem e universo conciliam-se numa mathesis universalis. Micro e macrocosmo são análogos, tal como Deus e o artista. Mais do que isto, a Natureza é a projeção daquilo que é um a priori e um estado natural humano.” op. cit. 3.1 
  73. “De um lado, rigor e harmonia. De outro, movimento incessante, desmesura e insensatez, consciência da absurdidade da vida e da necessidade da morte. Duas naturas se tensionam no pensamento albertiano, e, conforme elas, atitudes contraditórias são desenvolvidas pelo homem,’pois contraditória e cheia de loucura é a realidade inteira.” Idem, 3.2 
  74. “… la fortuna consuoi immanissimi flutti, ov sé stessi abandonano, infrange e somerge

    le famiglie” . Alberti, op. cit. p. 11. 

  75. Idem, p. 11. 
  76. Idem, p. 7. 
  77. A esse respeito, ver: H. Baron, “Leon Battista Alberti as na Heir and Critic of Florentine Civic Humanism”, em In Search of Florentine Civic Humanism, cap. 10, vol. I. 
  78. Carlos Brandão, op. cit. Item 4.3.3. 
  79. Garin se refere assim a Alberti: “Senza dubbio per l’Alberti edificare há significato larghissimo: edifica chi fa chiese e fortezze, chi regola fiumi e costruisce dighe o porti, chi bonifica e argina le acque, ma anche chi fabbrica navi e machine da guerra.” Eugenio Garin, Scienza e vita civile nel Rinascimento italiano. Roma, Laterza, 1985, p. 50. 
  80. Ver a esse respeito: E. Garin, op. cit. p. 33. 
  81. Seguimos aqui a edição italiana de seu tratado: Leon Battista Alberti, L’Architettura. Milão, Edizioni il Polifilo, 1989. 
  82. Idem, Livro IV, p.144. 
  83. Idem, Livro IV, p.148. 
  84. Idem, Livro IV, p.155. 
  85. “…le mura siano un `ottima difesa per la vita e la libertà dei cittadini”, idem, Livro IV, p. 155. 
  86. Idem, Livro IV, p.171. 

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