1987

Razão e paixão

por Sergio Paulo Rouanet

Resumo

Em As bacantes, de Eurípedes, Dionisos volta da Ásia para implantar seu culto em Tebas, de onde fora expulso ao nascer, e desencadeia um conflito entre razão e paixão. O polo da razão é representado por Penteu e por Tirésias, e o da paixão pelas bacantes tebanas e as estrangeiras. O conflito, na verdade, é um quadrilátero: de um lado se enfrentam a razão louca de Penteu (repressiva, simples máscara da tirania) e a razão sábia de Tirésias (que não condena as paixões, mas critica a razão que as rejeita). Já entre as bacantes há uma alternância entre amor e ódio. A dualidade aqui é mais difusa, enquanto a razão se define por sua forma de relacionar-se com as paixões, sejam elas agressivas ou amorosas: relação negativa, em Penteu, positiva, em Tirésias. Voltando ao mesmo tema, Freud mostrará que o Ego se encarrega tanto do conhecimento quanto da regulamentação moral do sujeito, e também completará a análise marxista segundo a qual configurações externas bloqueiam ou deformam o aparelho psíquico. Falsificações, ideologias, assim como recalques e racionalizações, são meios de escapar ao princípio de realidade. Para Freud a vida pulsional se baseia na contradição, não na harmonia, mas ele sempre admitiu que o princípio de realidade tem como objetivo criar condições para um prazer mais seguro. A tarefa da razão sábia é afastar as paixões que impedem a objetividade do saber e liberar as que contribuem para a liberdade. “Nosso deus Logos é pouco poderoso, disse Freud, mas é o único que temos”.


I

É preciso começar pelo começo, e o começo é quase sempre a Grécia. No tema do conflito — ou diálogo — entre a razão e a paixão, dificilmente encontraríamos um poeta grego mais representativo que Eurípides. Poderia escolher qualquer uma de suas peças para ilustrar o tema. Poderia, por exemplo, comentar o trecho em que Medeia, na iminência de matar os filhos, exclama: “Sei que crimes vou cometer, mas a cólera é mais forte que minha vontade”.[1] No entanto, prefiro tomar como fio condutor uma tragédia em que essa interação é especialmente rica: As bacantes.

O personagem central é Dionisos, que na primeira cena é representado sob os traços de um jovem recém-chegado a Tebas, vindo da Ásia Menor, acompanhado de um cortejo de mulheres bárbaras, que constituem o coro. Dionisos vem introduzir seu culto em solo helênico, e se começa por Tebas é porque nascera nessa cidade, filho de Zeus com Sêmele, filha do rei Cadmos. Hera, a ciumenta mulher de Zeus, fulminara Sêmele com um raio, mas Zeus salva a criança, ainda no ventre materno, escondendo-a em sua coxa, onde se completa o processo de gestação. Dionisos escapa assim à fúria de Hera, e cresce na Ásia, onde é reconhecido e reverenciado como uma divindade. Ocorre que as irmãs de Sêmele, sobretudo Agavé, haviam declarado que Dionisos não era filho de Zeus, e sim de um mortal comum que havia seduzido Sêmele. Irado, Dionisos castiga essas mulheres, enlouquecendo-as e induzindo-as a viver na montanha, o monte Citheron, praticando os ritos báquicos e usando as insígnias do deus — tirsos, cabeças coroa-das de folhas. Para completar a punição, todas as outras mulheres de Tebas são igualmente castigadas com a loucura, e vão juntar-se, na montanha, às filhas de Cadmos. No meio tempo, Cadmos havia abdicado, entregando o poder ao neto, Penteu, filho de Agavé. Quando a peça se inicia, Dionisos explica que Penteu, como outrora Agavé, sua mãe, combatia seu culto, e portanto precisava ser punido. Na cena seguinte, aparece o profeta, Tirésias, que para diante do palácio real e, vestido com as insígnias do deus, chama Cadmos, que sai do palácio, também vestido como um adepto de Dionisos. Os dois estão a ponto de partir para a montanha, a fim de participar dos mistérios, quando aparece Penteu, acompanhado de soldados. O rei censura asperamente Tirésias e Cadmos, por terem se convertido ao deus estrangeiro, ameaça punir Tirésias, anuncia ter prendido várias das mulheres tebanas que se entregavam na montanha ao delírio dionisíaco, e promete que prenderá breve o estrangeiro da Ásia que estava provocando em Tebas todas essas calamidades. Tirésias e Cadmos, secundados pelo coro das mulheres bárbaras, advertem Penteu de que está cometendo uma impiedade contra o deus, cuja vingança poderá ser terrível. Em vão: Penteu se obstina, e Tirésias e Cadmos partem para a montanha. Na cena seguinte, entra o estrangeiro (Dionisos), acorrentado. Os servidores que o prenderam anunciam que as tebanas que haviam sido capturadas tinham se libertado miraculosamente. Começa um diálogo entre Penteu e Dionisos no qual o primeiro aparece como o cético que nega a divindade do segundo, e considera seu culto uma amea-ça para a cidade, e Dionisos, disfarçado de mortal, se apresenta como um homem temente aos deuses e adverte Penteu contra o sacrilégio que pretende cometer. O rei não se deixa demover, e ordena que o estrangeiro seja preso nas estrebarias. Seguem-se prodígios, o palácio desaba, e Dionisos reaparece, livre, dizendo que havia escapado de Penteu e seus guardas. O rei sai dos escombros, ainda arrogante e desafiando o estrangeiro. Nesse momento, entra um mensageiro contando os milagres que estavam se dando no monte Cithéron. Segundo sua narrativa, um grupo de pastores que tinha conduzido bois para pastarem na montanha havia descoberto as mulheres de Tebas, dirigidas por Agavé. As mulheres tinham acabado de acordar, e estavam realizando prodígios: umas tiravam água de um rochedo, tocando-o com o tirso, outras faziam brotar da terra leite e mel. Os pastores decidem então atacar as tebanas, para capturarem Agavé, restituindo-lhe seu filho, Penteu. No momento em que os pastores se mostram, Agavé corre, conclamando à luta suas companheiras. Os pastores fogem, e as mulheres se precipitam sobre o gado, despedaçando-o com suas mãos nuas, com a força sobre-humana que lhes dá o delírio. Seu furor não se aplaca, e atacam cidades vizinhas de Tebas, no sopé da montanha, destruindo as casas, roubando as crianças, e matando os habitantes. Terminado o massacre, voltam à montanha e lavam nos córregos as mãos ensanguentadas. Ouvido o relato, Penteu decide partir em expedição contra as tebanas, cujo delírio se alastrava como um incêndio, ameaçando de ruína a própria cidade. Dionisos recorre à astúcia para evitar a expedição. Promete a Penteu que trará as mulheres às cidades, sem violência, e seduz o rei com a perspectiva de que ele possa ver as orgias báquicas, sem qualquer risco. Penteu concorda, e Dionisos o convence a vestir-se de mulher, para poder misturar-se às tebanas, sem ser percebido. Para que Penteu não note que está caindo numa armadilha, Dionisos tira-lhe a razão. Há cenas de uma comicidade trágica em que Dionisos ajusta as vestes femininas de Penteu, que se mostra vaidoso e alegre por estar parecido com a mãe, e os dois partem em direção à montanha. Depois de algum tempo, chega um novo mensageiro, contando ao coro bárbaro a notícia espantosa: Penteu estava morto. Segundo ele, o rei e o estrangeiro tinham chegado à montanha, e Dionisos colocara Penteu na copa de uma árvore para que pudesse ver o espetáculo. As mulheres, insufladas pelo deus, descobriram a presença do sacrílego que queria observar os mistérios, desenraizaram a árvore com as mãos e atacaram o intruso. À frente das mulheres enfurecidas estava a própria mãe de Penteu, Agavé, a primeira a começar a arrancar-lhe os membros, apesar dos esforços da vítima para fazer-se reconhecer. No fim, Penteu fora completamente despedaçado, e Agavé havia se apoderado de sua cabeça, que ela pusera na ponta de uma lança. Terminado o relato, a própria Agavé entra em cena, trazendo a cabeça ensanguentada de Penteu, que, em sua loucura, ela confunde com uma fera, e vangloria-se diante de Cadmos, seu pai, por ter sabido vingar tão valentemente o deus ultrajado. Cadmos reage com tristeza, e Agavé começa gradualmente a sair do delírio, até que se dá conta de que está carregando a cabeça do próprio filho e percebe, para cúmulo do horror, que fora ela quem o matara. O coro bárbaro, que aplaudira o castigo, termina por apiedar-se de Agavé. Surge Dionisos, revelando-se como imortal, e anuncia a continuação do castigo. Agavé deverá errar sem destino pelo mundo. Quanto a Cadmos, será transformado em dragão, e juntamente com sua mulher partirá para a Ásia, onde comandará os bárbaros numa expedição contra a Grécia, inclusive contra o oráculo de Delfos, sendo salvo da vingança de Apolo pela intervenção de Ares. Agavé se retira, imprecando contra o deus, e Cadmos, resignado, parte com a mulher para cumprir seu destino.

Por que essa descrição tão minuciosa? Simplesmente porque a peça contém, a meu ver, toda a dialética da razão e da paixão, em suas múltiplas facetas, em suas ambiguidades e entrelaçamentos. Não se trata, com efeito, de um conflito simples entre a razão e a paixão, mas de uma interação mais ampla, que abrange dois tipos de razão e dois tipos de paixão.

O polo da razão é representado por Penteu, de um lado, e por Tirésias, de outro. O polo da paixão é representado por duas coletividades femininas, compostas pelas mênades, ou bacantes, isto é, as adeptas de Baco, ou Dionisos: as bacantes tebanas e as bárbaras.

II

Comecemos pela razão. Aparentemente, Penteu é a razão iluminista, que quer combater a superstição dionisíaca, livrando a cidade do irracional. O estrangeiro que se apresenta como adepto de Dionisos (na verdade, como sabemos, o próprio Dionisos) é visto como um charlatão que precisa ser desmascarado. Não era muito diferente a atitude de Voltaire e Diderot em sua cruzada contra os embustes do clero, iludindo a boa fé dos simples. A razão de Penteu se opõe à antirrazão da impostura e da religião. Quando ele descobre Tirésias e Cadmos vestidos com roupas do culto dionisíaco, tem uma reação de repúdio a esse comportamento irracional, ligado às forças obscuras do mito, que ele pretende destruir. “Fico rubro de vergonha, avô”, diz ele a Cadmos, “vendo dois velhos perderem assim a razão.”[2] Quando Cadmos quer persuadi-lo a adotar uma atitude menos ímpia, é repelido por Penteu, como se fosse um louco, juntamente com Tirésias: “Não te aproximes. Vai às Bacanais. Quanto a Tirésias, que te ensina a demência, eu o punirei”.[3] Como no Iluminismo, há um combate entre as forças diurnas e noturnas. O pensamento esclarecido exige a luz do dia. O mito pertence ao reino da escuridão: Sarastro, solar, opondo-se à Rainha da Noite, mundo de trevas em que reina a superstição. “Esse culto”, pergunta Penteu a Dionisos, “é celebrado de dia ou de noite?” Dionisos responde: “Quase sempre de noite; a obscuridade tem qualquer coisa de grandiosa”.[4]

Tirésias é o vidente cego, que vê tudo sem enxergar nada. À primeira vista, sua razão é anti-iluminista. Ele defende os deuses que Penteu quer destronar. Sua sabedoria consiste na observância da tradição. Como todo contrailuminista, Tirésias combate o raisonneur, o intelectual niilista que abala com seus sofismas a ordem moral e social. Para ele, “de nada vale argumentar com as divindades. As tradições dos nossos pais, tão velhas como o tempo, e que eles nos deixaram como herança, não podem ser derrubadas por nenhum raciocínio, por maiores que sejam as sutilezas inventadas pelas inteligências mais profundas”.[5]

Tirésias não é somente uma vítima inerme diante da zombaria de Penteu. Também ele pode ser “esclarecido”. Ele pode usar contra o Iluminismo as próprias armas do Iluminismo. Assim, ele responde ao sarcasmo de Penteu sobre a afirmação de que Dionisos teria sido guardado na coxa de Zeus, depois de sair do ventre materno, explicando que tudo se deveu a um mal-entendido linguístico. Para proteger seu filho, Zeus havia oferecido à vingança de Hera um duplo de Dionisos, como refém (ómeros), palavra que o povo, em sua ignorância, havia confundido com coxa (merós). Para iluminista, iluminista e meio: Tirésias contrapõe à crítica de Penteu uma defesa baseada na filologia e na história. Além disso, Tirésias faz sua própria crítica. Se sua desrazão é denunciada por Penteu, ele por sua vez denuncia a loucura do rei. Assim, diz a este que ele é presa “da mais terrível das loucuras, para a qual não existe remédio”.[6] Quando Penteu anuncia que vai prender o estrangeiro, Tirésias exclama, aterrado: “Infeliz! Não vês onde te arrastam tuas palavras? Agora estás demente; há pouco, eras apenas insensato”.[7] Mas não haveria, então, equivalência formal entre as duas críticas: uma simples troca de insultos em que Tirésias é chamado de louco por ser adepto do deus, e Penteu, por demonstrar impiedade?

Um exame mais atento mostra que não há simetria entre as duas perspectivas. A crítica de Tirésias se situa num nível epistêmico mais elevado. Enquanto Penteu se limita a acusar Tirésias de louco, este acusa de louca a própria razão de Penteu. Para Tirésias, a loucura de Penteu está em que suas palavras parecem razoáveis, mas não o são. Sua loucura é um simulacro de razão, e não um simples delírio. Cadmos resume o essencial numa frase: “Tua razão é desrazão”,[8] diz ele, dirigindo-se ao neto. Raciocinando, Penteu delira. Tirésias completa a crítica: “Tens a língua ágil e pareces razoável, mas não há em tuas palavras uma sombra de bom senso”.[9] O saber de Tirésias inclui o de Penteu, e o supera. Ele sabe usar as armas da dialética como o mais agudo dos sofistas. Mas sua razão é mais rica que a de Penteu porque sabe o que ele não sabe: que a razão pode ser a simples máscara da demência. Ele está qualificado para esse saber porque tem duas qualidades que faltam a Penteu: o bom senso e o dom profético.

Como homem de bom senso, Tirésias sabe que a razão que exclui a paixão dionisíaca é uma razão insensata. Basta esse bom senso para mostrar a insanidade de uma atitude que exclui todos os momentos passionais, sem nenhuma necessidade de um saber esotérico. “Temo que Penteu traga o luto à tua casa”, diz ele a Cadmos. “Não é o dom profético que me faz falar, são os fatos: ele é louco, e fala como louco”.[10]

Mas, além disso, o poder profético existe. Como profeta, acostumado a interpretar as vísceras dos animais e o voo dos pássaros, Tirésias tem o hábito de distinguir, pela leitura dos sinais, a verdade além da mera aparência. Não nos esqueçamos de que foi Tirésias quem ajudou Édipo a decifrar o enigma da esfinge — o verdadeiro, e não o proposto pelo monstro, anos antes — revelando, no duplo crime, o segredo da peste que assolava Tebas. Como leitor de sinais, Tirésias foi o primeiro semiólogo; como desvendador de estruturas profundas, o primeiro psicanalista. Como semiólogo, e com seu fino olhar analítico, Tirésias percebe que a paixão reprimida por Penteu se vinga, infiltrando-se em seu discurso consciente, que mantém a forma racional, mas está de fato influenciado em seu conteúdo pelos determinismos do desejo.

Que paixão é essa? Em última análise, talvez não seja tão diferente da que foi decifrada pelo próprio Tirésias, na mesma cidade de Tebas, quando a calamidade que a acometia era a peste, e não o enlouquecimento das mulheres. Refiro-me, evidentemente, ao drama edipiano. Como Édipo-Rei, Penteu deseja unir-se à sua mãe, o que é simbolizado pelo ato de voyeurismo pelo qual pretende surpreender Agavé em seus transportes báquicos, e que se evidencia na cena terrível em que Dionisos diz a Penteu que ele será trazido da montanha nos braços de sua mãe, o que evoca dele o comentário revelador: “Tu queres levar-me às delícias”.[11] Em Édipo, a maldição divina se manifesta pela concretização do incesto; em Penteu, por sua frustração. Dionisos priva Penteu desse prazer último, invertendo os papéis sexuais tanto do filho como da mãe: Penteu assume um aspecto feminino, e Agavé se comporta não como a mãe amorosa, mas como o pai castrador, que mutila o filho (despedaçamento dos membros) e o mata. Eurípides não nos diz se Tirésias levou essa análise às últimas consequências, mas deixa claro que ele percebe que a razão de Penteu é deformada pela paixão, e parece sensata, mas não o é.

A razão de Tirésias não é somente mais rica que a de Penteu, ela é também mais crítica.

Note-se, em primeiro lugar, que, quando Tirésias defende o culto de Dionisos invocando “as tradições dos nossos pais, tão velhas como o tempo”, está se comportando mais como um sofista que como um conservador. Pois ele sabe (e Penteu sabe) que essa afirmação não se aplica ao culto dionisíaco, religião nova, ainda sem quaisquer raízes na tradição helênica. Recusando o novo, é Penteu, e não Tirésias, o verdadeiro tradicionalista.

Em segundo lugar, a razão de Penteu é fundamentalmente repressiva. Para ele, o reino da razão passa pelo sacrifício pulsional. Ele suspeita que as orgias báquicas têm uma dimensão, inaceitável, de desregramento dos sentidos, de promiscuidade erótica. Embriagadas pelo vinho, dom de Dionisos à humanidade, as mulheres se abandonam a todas as luxúrias. Segundo Penteu, as bacantes tebanas “se oferecem aos abraços carnais, a pretexto de serem mênades encarregadas dos sacrifícios. Mas preferem Afrodite a Baco”.[12] Por isso, o rei põe a ferros as tebanas aprisionadas, e tenta agrilhoar o próprio Dionisos, realizando literalmente o que as morais ascéticas sempre recomendaram no plano metafórico: o acorrentamento das paixões pela razão. Vimos que Penteu quer prender por charlatanice o estrangeiro que se apresenta como adepto de Dionisos. Mas o fato de que esse impostor seja também um efebo de cabelos encaracolados, seduzindo todas as mulheres, só agrava o seu crime, na visão de Penteu: ele é a antirrazão que abre o caminho à mais anárquica das paixões, o amor. Em contraste, Tirésias exalta as virtudes benfazejas do novo deus, e, se nega que Dionisos inspira nas mulheres um comportamento desregrado, afirma que não é função do deus inspirar castidade a quem quer que seja. A razão de Tirésias não somente não condena as paixões, mas critica como irracional a razão que as rejeita — a razão de Penteu. Por isso, Tirésias avisa que “Cadmos, de quem escarneces, e eu mesmo nos coroaremos de hera e nos juntaremos aos coros: dançaremos, apesar dos nossos cabelos brancos”.[13]

Em terceiro lugar, a razão de Penteu é a de um tirano. Quando o mensageiro vem anunciar o comportamento delirante das tebanas no monte Citheron, hesita em contar sua história, por temer o “caráter irascível e dominador de Penteu”.[14] Eurípides não usa a palavra tirano, e sim “dominador”, próprio de um rei (basileus). Segundo Platão, o homem tirânico é quem se submete mais completamente aos desejos e às paixões, entre as quais a paixão da cólera.[15] Um basileus dominado pela cólera não é um rei, portanto, é sim um tirano. Sua razão é uma razão tirânica, porque é a máscara de uma personalidade despótica. É uma razão atrofiada, e cega quanto a seus condicionamentos irracionais.

Chegamos, assim, a uma inversão da situação inicial. A razão de Penteu parecia livre e iluminista, a de Tirésias obscurantista e conservadora; concluída a análise, verificamos que a razão de Penteu é uma pseudorrazão, no plano cognitivo, e uma razão repressiva, no plano da práxis, em perfeito contraste, nesses dois planos, com a razão de Tirésias.

III

Quanto ao polo da paixão, vimos que ele está representado, de uma parte, pelas bacantes tebanas e, de outra, pelas bacantes estrangeiras, isto é, pelo coro.

À primeira vista, a paixão predominante, tanto nas tebanas como nas bárbaras, é o amor: amor cego, destrutivo, no primeiro caso, e amor simples, elementar, no segundo.

Mas um exame mais atento mostra que a verdadeira paixão das bacantes tebanas é o ódio. O que predomina é o ódio a Dionisos, que só se converte em amor quando o deus as enlouquece. Elas se tornam bacantes, não por amarem o deus, mas por o combaterem, e é esse ódio que Dionisos pune com a loucura. Sua agressividade contra o deus é convertida em agressividade cega contra homens e animais, e em Agavé se transforma numa agressividade homicida contra o próprio filho. E nisso que consiste a demência de Agavé: louca, ela se esqueceu de que seu verdadeiro inimigo é Dionisos, que é ele, e não Penteu, o verdadeiro objeto de seu ódio. Recuperando a razão, ela recupera o direito ao ódio. Cadmos teme o sofrimento de Agavé quando ela tomar consciência do seu crime involuntário: “Ai de mim! Quando perceberes o que fizeste, como será terrível tua dor! Se ficares até o fim no estado em que te encontras, não serás feliz, mas terás pelo menos a ilusão de não seres infeliz”.[16] É verdade: mas com a tomada de consciência do castigo monstruoso, Agavé reconquista sua altivez. Enquanto Cadmos se resigna à sua sorte, Agavé curada enfrenta Dionisos — a vingança fora excessiva, acusa ela, e indigna de um deus, pois em seus ressentimentos os imortais não deveriam imitar os homens. Suas últimas palavras são de desafio aberto, e não deixam dúvida quanto à violência do seu ódio: “Conduzi-me, minhas guias, para que eu me reúna com minhas tristes companheiras de exílio. Caminhemos para onde o execrável Citheron não possa ver-me, em que meus olhos não possam ver o Citheron, e em que toda recordação do tirso tenha se apagado”.[17] Em suma, podemos dizer que nas bacantes de Tebas o amor era a paixão manifesta, e o ódio, a latente.

Com as bacantes estrangeiras, tudo parece simples: elas amam Dionisos apaixonadamente. Tudo remete ao amor carnal, à histeria coletiva pela qual todas desejariam ser possuídas pelo deus. Desde a primeira cena, elas explicam ao espectador, como coro, que vieram da Ásia para gritar “evohé” em honra a Baco. Há uma passagem em que Dionisos, invisível, chama suas mênades, com o grito báquico: Io! Uma coreuta responde, com um convite ao amor digno de Sulamita, no Cântico dos cânticos: “Io, Io! Vem, senhor, vem ficar conosco! Dionisos está no palácio… Adoremo-lo!”.[18] As amantes chamam o amante, abrasadas por uma paixão incendiária.

Temos assim as duas paixões fundamentais, ambas representadas pelas bacantes: a paixão da vida e a da morte — o amor e o ódio.

IV

Como se dá, agora, a interação entre a razão e a paixão? Numa primeira aproximação, estamos diante de quatro termos, que podem ser simbolizados por um quadrilátero.

Com efeito, certas afinidades eletivas parecem impor-se de imediato. Penteu está vinculado às mulheres de Tebas, não somente pelo parentesco consanguíneo entre o rei e Agavé, como pelo fato mais fundamental de que, nos dois casos, a paixão predominante é o ódio a Dionisos. Por outro lado, Tirésias está vinculado ao coro bárbaro, tanto pela semelhança estrutural das opiniões “conservadoras” sustentadas pelo vidente e pelas mulheres estrangeiras como por sua relação emocional positiva com Dionisos.

Mas a análise se complica quando verificamos que a fratura dentro do polo da paixão é menos nítida do que parecia à primeira vista. A polaridade amor-ódio é real, mas não é absoluta. Sabemos que o amor e o ódio são paixões complementares, e aprendemos a ver na ambivalência afetiva o segredo mais íntimo da nossa vida passional.

No caso das bacantes de Tebas, essa ambivalência não precisa ser deduzida: a alternância do ódio ao amor, e deste novamente ao ódio, é tematizada explicitamente por Eurípides. É nela que reside toda a força de Agavé como personagem trágico. Mas, independentemente de sua relação com Dionisos como ser amado e odiado, as tebanas não podem ser vistas, pura e simplesmente, como alegorias do ódio, porque elas aparecem na peça também como seres amáveis. Elas não se limitam a esquartejar homens e animais: aleitam cabritos e lobos recém-
-nascidos e fazem o vinho e o mel brotarem da terra.

O mesmo podemos dizer das mulheres bárbaras. Também elas não podem simbolizar exclusivamente o amor, porque não falta nelas uma dimensão de ódio. Há, em primeiro lugar, um ódio “racional”, motivado, que é apenas o outro lado do seu amor por Dionisos. É o ódio contra aquele que ultrajou seu deus: Penteu. Nisso, sua violência não deixa nada a desejar à das tebanas: elas praticam, falando, o esquartejamento que as bacantes de Tebas executam na realidade. O coro bárbaro repete, em estribilhos implacáveis, quando Penteu parte para espionar Agavé: “Que venha a justiça! Que ela se manifeste! Que ela venha armada com sua espada, que ela o mate, que ela trespasse a garganta desse homem sem fé, sem justiça!”[19] Quando o mensageiro anuncia a morte de Penteu, elas se regozijam e triunfam. Mas não é esse ódio que nos interessa fundamentalmente. Estamos na pista de outro ódio, que não seja logicamente motivado, e que tenha como objeto o próprio ser amado. Podemos encontrar rastros dessa paixão latente na piedade que passam a sentir por Agavé quando ela entra com a cabeça do filho. Seu canto de triunfo é ambíguo: elas celebram a vitória de Baco, mas dizem, no final, sarcasticamente: “Belo combate, em que a mão de uma mãe mergulha no sangue do seu filho!”[20] No diálogo do coro estrangeiro com Agavé, transparece claramente a compaixão e, indiretamente, o ressentimento contra a crueldade do deus. Dionisos é um ser amado, e agora também temido, porque o que aconteceu com Agavé pode acontecer com qualquer das acólitas do deus: só há um passo do temor ao ódio.

As bacantes são ambivalentes também em outro sentido: quanto ao vetor social de sua paixão. À primeira vista, a paixão tebana é subversiva, porque viola deliberadamente as leis da cidade, e a asiática é conservadora, porque o coro das estrangeiras prega, incessantemente, o respeito aos bons costumes, o conformismo, o assentimento às opiniões da maioria e o desprezo pela ciência sediciosa, que leva à revolta e à impiedade. As bacantes de Tebas seriam, verdadeiramente, pasionarias, em guerra contra todos os tabus, e as bárbaras representariam a moralidade convencional.

Mas tampouco essa dicotomia se sustenta. No fim da peça, Agavé toma partido pelas leis do Estado, subvertido pelos intrusos da Ásia — falaríamos, hoje, em “agitadores externos” —, e as mulheres bárbaras juram “rejeitar as prescrições humanas estranhas à justiça natural”, o que introduz uma nota dissonante e quase revolucionária em sua ideologia política.

Concluímos que a dualidade das duas paixões, embora indiscutível, é mais difusa que a dualidade das duas razões. Sabemos, sem sombra de dúvida, que a razão de Penteu está num campo, e a de Tirésias, em outro. O mesmo não ocorre no caso das paixões: o amor desliza no ódio, e vice-versa, por gradações insensíveis ou por passagens bruscas; a paixão pode visar à demolição do status quo, ou sua consolidação, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Essa indiferenciação é expressa na própria homologia entre os dois grupos de mulheres. Umas são tebanas, outras estrangeiras, umas foram forçadas a seguir o deus, e outras presumivelmente aderiram ao seu culto por livre vontade, mas resta o fato básico de que são todas bacantes, seguindo os mesmos ritos e entoando os mesmos cânticos.

Apesar das diferenças entre as duas paixões, que são reais, elas são idênticas nisso: na divisão inaugural entre natureza e cultura, as duas estão do lado da natureza. Elas têm duas faces, uma que remete à paz, e outra à guerra — mas são duas faces da natureza: uma natureza pacificada e uma natureza hostil. A natureza pode ter uma faceta idílica, jardim de Bosch em que se cultivam as virtudes da dança e da inocência — as cenas edênicas das bacantes confraternizando com o mundo vegetal e animal. E pode ter uma face brutal, força cega a serviço da morte — as cenas de esquartejamento. Como natureza cordial ou natureza feroz, a paixão das tebanas e das bárbaras tem isso em comum: elas precisam de um outro de si mesmas para adquirirem uma identidade fixa. Precisam, em suma, da razão. É só quando passa da ordem da natureza para a da cultura, do registro da paixão para o da razão, que Agavé consegue, verdadeiramente, rebelar–se contra o deus bárbaro que a escravizara. É só quando a razão passa de algum modo a regulamentar seu delírio amoroso que as bacantes estrangeiras conseguem ver o deus como ele verdadeiramente é: um deus sedutor, mas vingativo e rancoroso. Dialogando com a razão, as paixões não se extinguem, mas se tornam por assim dizer menos nebulosas, mais sólidas, mais materiais: chegam à consciência de si como paixões.

Destacar as duas paixões fundamentais foi assim um passo importante, e continua sendo válida a afinidade de Penteu com a paixão destrutiva, e de Tirésias com a paixão amorosa, mas podemos agora, sem inconveniente, trabalhar com um conceito monístico de paixão, em vista de sua indiferenciação relativa: a paixão com a qual se relacionam Penteu e Tirésias é até certo ponto um continuum em que se mesclam o amor e o ódio, produzindo efeitos em larga medida equivalentes, o que não nos impedirá de acentuar uma ou outra paixão, sempre que o exigir a lógica da exposição. Nosso quadrilátero se reduz agora a um triângulo em que Penteu e Tirésias continuam representando a razão e as paixões passam a ser designadas, simplesmente, pelo coletivo “bacantes”.

Resta definir mais rigorosamente como funciona, na peça, o confronto entre a razão e a paixão.

Eurípides deixa claro, em primeiro lugar, que a dicotomia opera em dois registros: o teórico e o prático. Com efeito, a paixão de Penteu subverte a objetividade do seu pensamento, ao passo que a objetividade se preserva no caso de Tirésias; e a razão de Penteu inibe a livre manifestação da paixão, ao passo que a de Tirésias autoriza essa manifestação.

Ele mostra, em segundo lugar, que, em sua interação com a paixão, a razão pode comportar-se, nos dois registros, seja de um modo sensato — a razão de Tirésias —, seja de um modo insensato — a razão de Penteu.

Podemos agora juntar todos os fios e fazer um balanço do que aprendemos com As bacantes.

A razão se define por sua forma de relacionar-se com as paixões, sejam elas agressivas ou amorosas. Essa relação pode ser cognitiva ou moral. No primeiro caso, o que está em jogo é a maior ou menor validade do conhecimento; no segundo, a maior ou menor independência do sujeito. No primeiro registro, coloca-se a questão da maior ou menor interferência dos condicionamentos afetivos no trabalho do pensamento; no segundo, da maior ou menor severidade da razão no controle e inibição do desejo. No registro cognitivo, a dialética razão–paixão funda um vínculo com a verdade; no segundo, com a liberdade.

Quando esse vínculo é negativo, isto é, quando a razão, influenciada pelos afetos, distorce ou bloqueia o conhecimento, e reprime ou libera a vida passional de um modo destrutivo, estamos diante do que chamarei a razão louca — a razão de Penteu. Interagindo com a paixão, a razão louca produz a falsa consciência, no plano cognitivo e a heteronomia, no plano moral.

Quando o vínculo é positivo, isto é, quando a razão está a serviço do conhecimento objetivo e de uma vida passional tão livre quanto possível, estamos diante da razão sábia — a razão de Tirésias. Interagindo com a paixão, a razão sábia produz o saber, no plano cognitivo, e a autonomia, no plano moral.

As duas formas de razão podem ser esquematizadas da seguinte maneira:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

V

Podemos agora autonomizar-nos das Bacantes. Despren-de-mos da peça de Eurípides as categorias de que precisávamos para explorar mais a fundo a dialética razão-paixão: a razão como sede do conhecimento e também como polo da vida moral; e, recobrindo esses dois registros, a distinção entre a razão louca e a razão sábia.

Sem perdermos de vista o universo simbólico da tragédia, é tempo, portanto, de prosseguir nossa investigação recorrendo a outro fio condutor: a teoria de Freud, que mais que ninguém aprofunda os cruzamentos entre a paixão e a razão. Essa opção precisa ser justificada.

Freud estudou afetos que sempre foram considerados paixões, no sentido habitual, como o ciúme (em sua descrição da paranoia), a tristeza (o luto, em sua relação com a melancolia), ou a inveja (o Penisneid, em sua descrição da sexualidade feminina). Mas não são esses afetos que nos interessam, e sim os que se agrupam no conceito de pulsão. Bem sei que não há coincidência rigorosa entre pulsão e paixão, mas não seria inexato dizer que, se nem toda paixão é pulsão, no sentido altamente técnico que Freud deu a esse termo, as duas pulsões fundamentais de sua última teoria — Eros e Tânatos — têm analogias evidentes com a paixão do amor e a do ódio. Como as pulsões, as paixões estão no limite do somático e do psíquico, e mesmo quando se originam de estímulos do corpo só se tornam conscientes como representações mentais. Como não quero entrar numa discussão teórica do conceito de pulsão, um dos mais difíceis de Freud, limito-me a dizer que usarei o termo como sinônimo aproximativo de paixão. Tenho uma desculpa para isso no próprio Freud, que em sua última fase falava sem hesitar de “paixões de Id”, querendo com isso referir-se às duas pulsões básicas.[21]

O modelo de Freud é especialmente fecundo para nossos fins, porque ele menciona explicitamente a interação entre razão e paixão, traduzindo-a na linguagem de sua segunda tópica: “O Ego representa o que chamamos a razão e a reflexão, enquanto o Id, pelo contrário, é dominado pelas paixões”.[22] Ora, examinando essa interação, Freud inclui todas as dimensões que estudamos até agora.

Com efeito, o Ego é encarregado ao mesmo tempo do processo do conhecimento (registro cognitivo) e da regulamentação pulsional (registro moral). Por outro lado, ele pode funcionar como “razão louca”, na medida em que é a sede da defesa, que distorce o conhecimento, e leva o indivíduo a inibir o impulso, não segundo atos racionais de avaliação, mas segundo operações inconscientes de rejeição automática; e como “razão sábia”, na medida em que é a sede do pensamento e portanto a via para o saber, e pode autorizar conscientemente a gratificação do impulso, ou rejeitá-lo pela atividade racional do julgamento, e não pelos automatismos da defesa.

Além disso, é puramente freudiana a distinção entre as duas paixões básicas representadas pelos dois grupos de bacantes — o amor e o ódio — como é puramente freudiana a relativização dessa dicotomia, segundo a tese de que Eros e Tânatos frequentemente aparecem associados (Vermischung, ou Legierung).[23]

Passemos à análise da razão louca e da razão sábia.

A RAZÃO LOUCA

I

Vimos que a razão louca se dá, no registro cognitivo, quando a razão, interagindo com a paixão, deixa-se influenciar por ela, perdendo a objetividade necessária ao conhecimento e mergulhando na falsa consciência, isto é, uma incapacidade mais ou menos durável de conhecer.

Não estamos aludindo, bem entendido, aos fenômenos psicóticos. Na doença mental, há ruptura quase completa com a realidade, e é muito duvidoso que possamos falar, nesse caso, de razão louca: por mais coerente que seja o delírio, creio que em situações semelhantes estamos lidando, literalmente, com “dementes”, com pessoas que perderam a razão. A razão só é louca, em nosso sentido, quando continua sendo razão. Não estamos nos referindo, sequer, a essa forma mitigada de desequilíbrio que é a neurose. Devemos desmedicalizar totalmente o termo.

Não se trata, tampouco, de uma simples perturbado animi, no sentido, por exemplo, em que Bacon dizia que a paixão é um “ídolo da tribo”, que “impregna e infecciona o entendimento”,[24] ou em que Locke dizia que devemos afastar as paixões, “para que nosso entendimento se conserve livre para julgar e a razão possa pronunciar-se imparcialmente”.[25] Pois nesses exemplos a paixão é uma exterioridade evitável, que pode ser corrigida por atos individuais de vontade.

A razão louca, no sentido de falsa consciência, só pôde ser pensada no momento em que Engels a definiu como uma incapacidade cognitiva socialmente condicionada, isto é, como uma desqualificação intelectual não contingente, estrutural, cujas “verdadeiras forças motrizes (Triebkraefte)… permanecem ignoradas”.[26]

Elas permaneceram ignoradas até que Freud completou a análise marxista, mostrando como as configurações externas de poder mobilizam o aparelho psíquico para bloquear ou deformar o processo do conhecimento. Obedecendo a sinais do mundo exterior, o Ego aciona dispositivos de defesa que levam o sujeito a fugir diante da percepção ou do pensamento, pela ação do princípio do prazer, que coloca provisoriamente fora de circuito o princípio da realidade.

Essa distorção ocorre, portanto, nos dois níveis principais em que se dá, para Freud, o processo do conhecimento: o da percepção, externa e interna, e o do pensamento.

A falsificação da percepção externa se verifica sempre que o mundo exterior, principalmente o mundo social das normas e instituições, é observado não como é em si mesmo, mas segundo a lógica dos processos internos. Tudo se passa como se a percepção se desse sob o signo do imaginário, e como se a instância encarregada da percepção fosse o Id, e não o Ego. É uma percepção regressiva, em geral ligada a dinamismos passados, da pré-história infantil do sujeito, pela qual se dá uma extrojeção de conteúdos arcaicos. Mas os sinais pelos quais o Ego aciona a defesa que provoca essa extrojeção vêm, paradoxalmente, da própria realidade exterior. Ela não quer ser vista em suas verdadeiras estruturas e programa o mundo interior para que ela se torne invisível: ela organiza sua própria invisibilidade, impondo uma forma de visão que não é adequada para a percepção de seus contornos reais.

No caso da percepção interna, a defesa por excelência é o recalque, cujo efeito é tornar invisíveis extensos fragmentos da vida psíquica do indivíduo. É em obediência a impulsos procedentes do mundo exterior, direta ou indiretamente (pela mediação do Superego), que o Ego dissimula as ideias e representações associadas a certos movimentos pulsionais, presentes e passados, mascarando impulsos atuais e inibindo a recordação de antigas vivências.

Quanto ao pensamento, sua função é coordenar as percepções externas com os conteúdos internos, a fim de produzir modelos cognitivos adequados à realidade. Geneticamente, o pensamento surge quando se dá a diferenciação entre os processos primários, dominados pelo princípio do prazer e pela tendência à descarga imediata das excitações, e os processos secundários, regidos pelo princípio da realidade, forma modificada do princípio do prazer, e que tem como função inibir e regulamentar os processos primários, impedindo uma descarga imediata. Consequentemente, o pensamento só pode operar através da exclusão do princípio do prazer, pois do contrário não poderá efetuar as conexões corretas. Mas essa tarefa não é fácil. Procedente dos processos primários, o pensamento pode a qualquer momento ser reconduzido à gravitação desses processos. Quando isso ocorre, ele passará a realizar falsas conexões, atraído pelo desejo, e evitará outras conexões, fugindo do desprazer. Esse papel de desorganização relacional é preenchido por certos mecanismos de defesa do Ego, como a racionalização, pela qual a razão, movida pelo desejo, incapaz de estabelecer uma conexão verdadeira entre atos e motivações, propõe uma falsa correlação, atribuindo aos atos motivos socialmente aceitáveis, extraídos dos valores oficiais, contidos na ideologia; ou o isolamento, outro mecanismo de defesa pelo qual as relações associativas em geral são rompidas ou reprimidas. Em todos esses casos, a distorção ocorre quando o pensamento, escapando ao princípio da realidade, é arrastado pela força de indução dos processos primários, mundo de bruxas em que não existe nem contradição, nem negação, nem causalidade, nem temporalidade. Também aqui é o mundo exterior que impele o Ego a acionar as defesas destinadas a sabotar a objetividade do pensamento.[27]

Em todos esses casos, podemos dizer que a razão, em seus distintos níveis, foi colhida nas malhas da paixão. A razão está louca, mas julga-se sensata. Como Penteu, ela delira, e acha que está raciocinando.

Pois a razão louca não está proibida de pensar. Ela pode refletir, de forma aparentemente coerente, sobre qualquer tema, inclusive o tema que nos interessa, o da dialética da razão e da paixão.

Numa primeira variante, ela pode abordar esse tema negando a existência do inconsciente e a influência perturbadora das paixões. No caso mais simples, a razão é louca porque se deixou arrastar, à sua revelia, pela paixão. No caso que nos ocupa agora, a razão nega, de todo, que exista algo do que libertar-se. Não é uma razão ingênua, mas uma razão arrogante. Sua loucura é hubris, excesso, demasia, não a loucura inocente da demência involuntária, mas a loucura narcísica de quem recusa, como fictícia, a influência dos condicionamentos passionais. Ora, a razão que rejeita o que nela é irracional acaba sucumbindo ao irracional. Ela se condena à perpetuação da falsa consciência. Se fosse preciso dar um nome a essa variedade de razão louca, diria que esse nome é o positivismo. Seu modelo é Penteu, antes de mergulhar no delírio induzido por Dionisos.

O irracionalismo é uma segunda variante. Se, no primeiro caso, a razão ignorava a paixão, neste ela exalta a paixão. O irracionalismo afirma que a razão não é a via principal para o saber: há vias superiores, como a intuição, o êxtase, a arte. O protótipo dessa atitude está em Nietzsche. Ele realiza uma crítica total da razão, em nome da paixão do poder, a Wille zur Macht, não em sua forma contemporânea, degenerada, niilista, mas em sua forma originária, heroica, assumindo o ponto de vista dos poderes ativos contra os poderes meramente reativos da modernidade decadente. Com Nietzsche, Dionisos volta uma segunda vez do exílio, mas dessa vez sem a dialética devastadora de Eurípides, que não critica a razão, mas a falsa razão. A aporia de Nietzsche é a de todos os irracionalistas contemporâneos, que querem criticar a razão a partir da própria razão, e com isso tiram o chão debaixo dos seus pés. É o caso de Heidegger e Derrida. O ponto de Arquimedes escolhido por Nietzsche para fazer sua crítica é tão pouco convincente como os escolhidos pelos irracionalistas posteriores. Em cada caso, é a razão que critica a razão, mesmo quando ela fala em nome de uma paixão mítica, originária, e nesse sentido é uma crítica autofágica, que arrasta na ruína da razão a própria razão que realiza a crítica. É uma razão suicida, e portanto uma razão louca. Também essa variante da razão louca está presente nas Bacantes. Ela consiste não em acolher a paixão, deixando-se moldar por ela e modificando-a, como faz o sábio, mas em imitar a paixão. De novo, o modelo é Penteu, depois da demência. No momento de partir para o monte Citheron, Penteu, vestido de mulher, pergunta a Dionisos: “Devo segurar o tirso com a mão direita ou com a esquerda, para assemelhar-me mais a uma bacante?”[28] Não é a pergunta de um insano, no sentido clínico, porque tornar-se semelhante às bacantes era uma parte lógica do estratagema proposto por Dionisos, e por isso podemos falar ainda em razão, mas é sem nenhuma dúvida uma razão louca, em sua vertente irracionalista: ela é a mímesis da paixão, e não sua elaboração reflexiva.

 

II

Vimos que, no registro moral, a razão louca é aquela que, interagindo com a paixão, produz a heteronomia.

De modo geral, essa heteronomia se manifesta pela supressão injustificável da paixão. Estamos, assim, na situação oposta à do registro cognitivo: enquanto neste a loucura consistia em permitir que a paixão se infiltrasse no pensamento, no registro moral, ela consiste, via de regra, em submeter a paixão a inibições supérfluas.

Foi sob essa forma que o tópos da razão-paixão dominou o pensamento ocidental. Com raras exceções, como Espinosa, que definiu o homem como ser essencialmente passional, ou os filósofos iluministas, que atribuíram especial valor às paixões, podemos dizer que dos pré-socráticos aos estoicos, dos doutores da Igreja a Descartes, dos moralistas do século XIX aos neoconservadores de hoje, pensadores, teólogos e médicos têm preconizado o controle das paixões, principalmente a sexualidade, mesmo quando esse controle não obedecia a argumentos racionalmente plausíveis.

A razão era vista como soberana, e sua atividade policial decorria da vontade consciente do sujeito ético. Com Freud, torna-se possível pensar a repressão inconsciente.

O esquema básico é semelhante ao anterior: de novo, é o Ego, em resposta a sinais do mundo exterior, que decide que certos impulsos incompatíveis com os valores morais devem ser suprimidos, e efetua essa supressão através dos mecanismos de defesa, especialmente o recalque.

Desde o início de sua prática clínica, ele havia descoberto o caráter patogênico da repressão sexual: suas histéricas eram o testemunho vivo de que a moral vigente era inutilmente severa. Sexualmente insatisfeita, a mulher se refugia na neurose. A doença é o preço que pagamos pela civilização. As pulsões sexuais são sistematicamente recalcadas pelas pulsões do Ego, que representam a moral hegemônica. Nessa fase, a razão do Ego já é louca, porque a moralidade oficial era mais rigorosa do que necessário, e porque o controle da vida pulsional se realizava pela ação inconsciente do recalque, mas pelo menos a loucura ainda estava situada numa esfera acessível à ação corretiva do homem: nas normas vigentes, nas instituições externas.[29]

A partir de 1919, há um remanejamento da teoria das pulsões, sob a forma de um novo dualismo (pulsões de vida e de morte), e surge uma nova tópica: Ego, Id e Superego.[30] Freud fala agora, como vimos, das paixões do Id, e repete que o Ego é a sede da razão. Mas, se ele não tivesse ido além dessa divisão de trabalho entre as instâncias, não teria feito mais que traduzir em sua nova linguagem a velha antítese entre a razão e as paixões. Mas aqui intervém a novidade capital: como sede da razão, o Ego não se limita mais a receber instruções da realidade externa presente, mas também daquela parte da realidade externa que se depositou no Superego e que corresponde à normatividade social antiga, que se interiorizou na fase de liquidação do Édipo, através das prescrições e proscrições paternas. Esses preceitos não correspondem mais à moralidade real, tal como ela funciona no mundo exterior, e sim a uma moralidade arcaica, infantil, tanto mais rigorosa quanto menos consciente. Essa instância hipermoral é sádica, punitiva, “cultura pura da pulsão da morte”, e não cessa de atormentar o sujeito com preceitos morais monstruosamente austeros, que alimentam uma culpabilidade insolúvel. O Ego recebe agora sinais para acionar a defesa, concretizando a repressão pulsional, de duas fontes: do mundo exterior, de onde vem a moralidade contemporânea e objetiva, e do Superego, de onde vem a moralidade passada e fantasmática. Mais que nunca, a razão do Ego é uma razão louca: ela já o era na primeira teoria das pulsões, porque a moral vigente era excessivamente repressiva, e o é especialmente agora, porque tem que obedecer, também, a preceitos em grande parte inconscientes, que perderam toda a atualidade e não são suscetíveis de nenhuma revisão. É essa razão louca que continua regendo o comportamento social do indivíduo e assegura a coesão da sociedade graças ao “mal-estar da civilização”: pela culpa, quando já seria possível, em tese, substituir uma regulamentação pulsional através dessa paixão despótica por uma regulamentação pulsional decidida livremente por homens racionais. O homem continua heterônomo, apesar de já poder ser autônomo.

Mas existe outra forma de razão louca, no registro ético, igualmente geradora de heteronomia: a que, em vez de reprimir, preconiza e promove uma liberação pulsional dirigida, no interesse do poder. Marcuse criou o conceito de sublimação repressiva, pelo qual o sistema social existente encoraja uma liberação administrada das paixões, com vista à preservação do statu quo. Mas, muito antes disso, o fascismo já havia estimulado uma exteriorização parcial das paixões destrutivas, para gerar nas massas a agressividade antissemita. Era essa a função psicodinâmica dos comícios nazistas.

É também em Freud que encontramos o modelo para entender esse fenômeno. Em sua análise da psicologia coletiva, ele mostra que a massa, galvanizada pelo líder, regride a estágios caracterizados por uma intensa afetividade e por uma redução brutal da inteligência — a massa perde sua capacidade crítica e se transforma na Urhorde, na horda primitiva, anterior ao advento da vida civilizada.[31] Conhecemos essa Urhorde: é a composta pelas bacantes alucinadas, que fanatizadas por Dionisos despedaçavam homens, mulheres e crianças, como os SA de Hitler espancavam judeus e socialistas.

III

Uma palavra ainda sobre a realidade externa, que, como vimos, emite os sinais pelos quais o Ego louco é instruído a perverter o conhecimento e a inibir a ação: é uma realidade injusta, baseada na distribuição assimétrica do poder e da riqueza. É essa realidade, da qual Freud tinha perfeita consciência, que quer se tornar invisível, no plano da consciência, e invulnerável, no plano da ação. No registro do conhecimento, ela induz o Ego a distorcer, pela defesa, a percepção externa, a percepção interna e o pensamento; no registro ético, ela o leva a reprimir, também pela defesa, os impulsos disfuncionais para o sistema, ou os autoriza através da dinâmica da de-sublimação repressiva.

É por isso que a razão louca é necessariamente conformista, mesmo quando assume um aspecto anárquico, no caso de algumas tendências irracionalistas. Impondo um conhecimento truncado e administrando a vida das paixões de uma forma heterônoma, a razão louca é incapaz de se rebelar eficazmente contra o poder externo porque o poder interiorizado a impede de pensar e de agir.

A RAZÃO SÁBIA

I

Como órgão do conhecimento, a razão sábia, interagindo com a paixão, consegue o que a razão louca não consegue: ter acesso ao saber imparcial. É a tarefa do Ego, não como sede da defesa, mas como sede dos processos intelectuais: ele afasta as interferências afetivas e obtém um conhecimento fidedigno, tanto ao nível da percepção como de pensamento.

No caso do saber sobre o mundo objetivo das coisas, sob a jurisdição da ciência natural, essa exclusão não suscita problemas teóricos. Segundo Freud, a ciência exata é a renúncia mais completa ao princípio do prazer que foi dada ao homem:[32] se a renúncia não ocorrer, e se a paixão impedir a articulação do discurso científico, não teremos, simplesmente, ciência, mas uma pseudociência que será facilmente desmascarada pela comunidade dos cientistas.

A dificuldade surge no caso do saber — espontâneo ou sistemático — sobre o homem e a sociedade. É essa, essencialmente, a área visada pelos mecanismos de defesa, e é aqui que se situa a problemática da falsa consciência. O Ego se torna especialmente vulnerável às investidas da realidade externa, e como instância consciente e racional tem que exercer uma vigilância rigorosa para impedir a ação desorganizadora dos condicionamentos passionais, deflagrada pelo mesmo Ego, como instância inconsciente e irracional. Somente o Ego, como agente do pensamento, pode opor-se ao Ego, como agente da defesa. O paradoxo é apenas aparente: afinal, o Ego que coopera com o psicanalista para o êxito da terapia é o mesmo Ego que se insurge contra ela, sob a forma da resistência.

Não há por que duvidar da capacidade do Ego de cumprir essa tarefa. A falsa consciência não é um destino inevitável de todos os homens. Do fato de que a realidade externa queira administrar a vida psíquica segundo os interesses do poder, não se segue que esse projeto seja invariavelmente bem-sucedido. Essa tese só seria admissível se concordássemos com Adorno em que o aparelho psíquico já foi integralmente anexado pela sociedade global, que agora prescinde do jogo das instâncias internas para assegurar a integração social, e que decide, sem a mediação dessas instâncias, o que pode ou não ser conhecido. Mas sabemos que, numa perspectiva freudiana, a tese do confisco pelo todo da psicologia individual é insustentável. Ela é o simples reflexo invertido, como pesadelo, de uma utopia funcionalista: o ajustamento perfeito da realidade externa à interna. Admiti-la seria privar de sua dialética o pensamento de Freud, que não se baseia na harmonia, e sim na contradição, e sabe que a vida pulsional não é domesticável, por mais refinados que sejam os mecanismos utilizados para induzir o consenso.

Não posso entrar, aqui, na questão de por que alguns indivíduos escapam à falsa consciência, mas não outros. A própria tradição marxista não dá uma resposta unívoca a essa pergunta: há indivíduos da classe operária que votaram em Hitler, e sabemos que a maioria dos líderes socialistas são intelectuais de origem burguesa. Os mecanismos da realidade externa que induzem o Ego a perturbar a consciência atuam para todos, e o máximo que posso dizer é que, de modo geral, um forte interesse de classe que estimule o indivíduo a ver a realidade como ela é em si mesma e um treinamento intelectual que tenha habituado o sujeito à disciplina necessária para buscar a verdade atrás da aparência constituem reforços importantes ao trabalho do pensamento, em sua tarefa de impedir que a ação dos mecanismos afetivos bloqueie o saber verídico.

Seja como for, permanece o fato básico de que, como agente do conhecimento, é tarefa da razão sábia afastar a influência perturbadora dos afetos.

Na primeira teoria das pulsões, a principal interferência vinha do princípio do prazer, que se infiltrava nos processos secundários, e impunha falsas conexões, evitando as verdadeiras, o que condenava a razão ao falso conhecimento. Como Freud não teorizou sobre o impacto cognitivo de sua segunda teoria das pulsões — pulsões da vida e da morte — limitei-me a explorar as intersecções entre o princípio do prazer e o pensamento. No máximo podemos especular que, como, no segundo dualismo, o papel de Eros passou a ser o de ligar e organizar, e não mais o de dissociar e subverter, é possível que, se Freud tivesse retomado esse tema, teria atribuído à pulsão da morte, e não à amorosa, a função de sabotar a objetividade do pensamento. Essa última hipótese é infinitamente mais atraente, porque nada está mais ligado à vida que o pensamento.

Mas mesmo se nos basearmos na primeira teoria, como fizemos, a ideia de afastar o princípio do prazer para que o pensamento possa transcorrer sem deformações não coloca Freud como inimigo do prazer. Tudo o que ele quer dizer é que para que o pensamento possa funcionar como pensamento, e não como intuição ou imaginação, não pode deixar-se perturbar, em sua trajetória, pela ação propulsiva e repulsiva do desejo e da aversão. Ele precisa ser imparcial, deixando-se guiar em seu movimento exclusivamente pelo princípio da realidade. Quanto ao mais, Freud sempre insistiu em que o princípio da realidade não se opõe ao princípio do prazer, mas é uma simples modificação desse princípio, e tem como único objetivo criar condições para um prazer mais seguro.

Excluir as paixões durante o trabalho do pensamento não significa que elas não desempenhem nenhum papel cognitivo. Na origem de todo saber está a paixão de conhecer, o que levou Espinosa, num certo sentido, a transformar a própria razão em paixão: existem desejos emanados da própria razão, na medida em que ela é movida por uma libido cognoscendi.[33] Além disso, sabemos que há processos cogitativos inconscientes, que podem ser comprovados sempre que encontramos, subitamente, a solução para um problema que tínhamos procurado obter em vão na véspera, o que sugere atividades mentais que se processam à nossa revelia. Freud gostava de citar uma frase de Schiller: “Não me parece útil que o entendimento sujeite à sua disciplina as ideias que afluem, como um guardião que impede a entrada a uma porta. Num espírito criador… o entendimento suspende sua vigilância diante da porta, as ideias irrompem em catadupas, e somente então pode ele supervisionar o conjunto”.[34]

Mas a citação de Schiller não desmente a tese geral: mesmo que a exclusão do princípio do prazer não seja indispensável no caso da criação artística, ela é necessária quando pensamos teoricamente, pois, qualquer que seja a gênese das ideias, que podem efetivamente vir “em catadupa” do inconsciente, ou do pré-consciente, pensar é selecionar algumas ideias de preferência a outras, ligá-las segundo certas conexões, e não segundo conexões alternativas, o que supõe uma razão não perturbada por investimentos de desejo.

Mas não estou seguro, sequer, de que a regra seja inaplicável em certos tipos de criação artística. O exemplo mais brilhante de anti-intelectualismo na literatura talvez seja o de Proust, que conseguiu reconstituir toda uma vida e uma época inteira através desse procedimento essencialmente extrarracional que é a memória involuntária. Mas ouçamos o que diz Proust em Contre Sainte-Beuve: “Cada dia dou menos importância à inteligência… O que a inteligência nos devolve sob a forma do passado não é o passado. Com efeito, como acontece com as almas dos defuntos em certas lendas populares, cada hora de nossa vida, assim que ela morre, se encarna e se esconde em algum objeto material. Ela permanece cativa para sempre, a menos que encontremos o objeto… Mas mesmo as verdades da inteligência… têm seu interesse. Essa inferioridade da inteligência, só a inteligência, apesar de tudo, pode comprová-la. Pois, se a inteligência não merece a coroa suprema, só ela pode outorgá-la. E, se na hierarquia das virtudes ela ocupa apenas o segundo lugar, só ela pode proclamar que o instinto deve ocupar o primeiro”.[35]

A inteligência não teria podido evocar Balbec, mas sem a inteligência as “jeunes filies en fleurs” teriam permanecido eternamente no limbo, como uma simples reminiscência fadada a desaparecer com o desaparecimento de Marcel. Enquanto escrevia, Proust trabalhava, como o extraordinário escritor que foi, cortando, rasurando, escolhendo, excluindo, acrescentando, isto é, agindo segundo as regras dos processos secundários. É o que faz a razão sábia: quando necessário, ela sabe ser pura receptividade, deixar-se impregnar pela vida das paixões, escutar todas as vozes interiores, mas sabe também, no momento devido, fazer uma époche das paixões, excluindo-as enquanto durar o trabalho do pensamento.

Menciono, por escrúpulo, o que poderia ser uma exceção: o conhecimento adquirido durante o tratamento psicanalítico. Refiro-me, evidentemente, à relação de transferência. A relação clínica parte de um saber — o do analista — e visa induzir um saber — a tomada de consciência, pelo analisando, dos conteúdos esquecidos e recalcados. Mas esse saber passa necessariamente por uma relação afetiva. O conhecimento pressupõe a inclusão dos momentos passionais, e não se daria se eles fossem excluídos. O conhecimento transferencial estaria assim no outro extremo do conhecimento teórico. Como não sou psicanalista, deixo aos profissionais a elucidação desse tema. Permito-me acrescentar apenas uma nota de pé de página. Mesmo que aceitemos essa fonte não convencional de saber, é evidente que o psicanalista trabalha também em outro registro. Não sabemos graças a que mecanismos transferenciais e contratransferenciais Freud adquiriu seu saber sobre Dora; sabemos que quando transformou esse saber privado, subjetivo, num saber público, objetivo, incorporando-o, por exemplo, em sua metapsicologia, não há a menor dúvida de que seu trabalho intelectual estava sujeito às mesmas regras que o de qualquer cientista, e em primeira instância à regra da objetividade do pensamento, que só poderia ser assegurada com a exclusão das interferências afetivas.

É fácil compreender, agora, por que a razão sábia se distancia tanto do positivismo como do irracionalismo.

Ela se distancia da arrogância positivista, que revoga por decreto o inconsciente e rejeita a influência da afetividade sobre o conhecimento, porque mais que ninguém está consciente da fragilidade da razão. Ela aprendeu, com Freud, que a razão é um delgado verniz na superfície do córtex, recém-chegada numa economia pulsional muito mais antiga e sujeita a ser subvertida pelos poderes mais arcaicos do inconsciente. Ela reconhece esse perigo, percebe o espaço irracional que a cerca, e consequentemente está apta a libertar-se do irracional.

Ela se distancia, também, do irracionalismo, porque sabe que não há outro caminho para o conhecimento senão a razão. Nosso deus Logos, disse Freud, é pouco poderoso, mas é o único que temos.[36] A razão sábia tem consciência de que o homem é uma personalidade complexa, sensível e racional ao mesmo tempo, mas afirma que como sujeito cognitivo não tem outro instrumento a seu dispor senão o pensamento. Não acredita, por isso, em atalhos para a verdade — élan vital, simpatia, intuição, e, se reconhece que a arte exprime muito mais completamente o mundo que todos os tratados de filosofia, sabe que a verdade que ela contém permanecerá muda enquanto o pensamento discursivo não lhe der uma voz. É a aporia de Adorno, em sua teoria estética, que sabe que a arte é habitada pela mímesis, forma de relação sujeito-objeto mais autêntica que a estabelecida pela razão, mas que só graças à razão poderá ser desprendida da obra.

Mas para os que aprenderam com Marcuse que numa sociedade pacificada seria possível um novo tipo de conhecimento, através de uma nova sensibilidade e de uma nova razão, a tese de que só a razão abre o caminho ao conhecimento não precisa ser uma fonte de desconsolo. Não posso prometer, no final da trilha, um mundo órfico-narcisista, com faunos e ninfas copulando sobre grandes cogumelos, mas posso oferecer a perspectiva de uma razão mais ampla, não limitada apenas à verdade científica, e que inclua também a justiça e a beleza, restaurando assim a unidade da razão desmembrada, que Kant teorizou, como momentos autárquicos, em suas três críticas. Esse projeto já está em marcha, principalmente nos trabalhos de Jürgen Habermas.[37]

No meio-tempo, uma última palavra aos que temem a ditadura da razão: é tempo de arquivar de uma vez por todas a máxima obscurantista de que “cinzenta é toda teoria, e verde apenas a árvore esplêndida da vida”. Ela só pode ser sustentada, paradoxalmente, pelas naturezas não passionais, insensíveis ao erotismo do pensar. Quem, lendo um poema de Drummond, um livro de Tolstoi ou um tratado de Hegel, acha que está se afastando da vida, não começou ainda a viver. Sem pensamento, a vida não é verde: é cinzenta. A vida do pensamento é uma parte integrante da verdadeira vida. Não é a razão que é castradora, e sim o poder repressivo, que deriva sua solidez da incapacidade de pensar que ele induz em suas vítimas. O fascismo se implantou através da difusão de uma ideologia vitalista reacionária, que proclamava o primado dos instintos vitais sobre a razão, e com isso inutilizou a razão, o único instrumento que permitiria desmascará-lo como a negação absoluta da vida.

II

No registro moral, como sabemos, a razão sábia, interagindo com a paixão, produz a autonomia. Isto significa que o Ego é suficientemente maduro para administrar sua vida passional sem levar em conta nem os imperativos irracionais da moralidade externa nem os imperativos, muito mais irracionais, da moralidade interiorizada no Superego. Ele é seu próprio tribunal, e só ele julga que impulsos podem ser atendidos, como e quando, ignorando todas as tutelas, internas ou externas. A razão louca regula a vida moral pela defesa inconsciente; a razão sábia, pelo julgamento intencional.

De modo geral, o veredicto desse tribunal é favorável à paixão. A razão sábia aprendeu, com Freud, que a paixão tem sido submetida a controles inutilmente severos e reconhece toda a importância da vida passional, tanto para o indivíduo como para a sociedade.

Ela se coloca, assim, na trilha do Iluminismo, que mais que nenhum outro período valorizou as paixões. Concorda, portanto, com Diderot, que afirma que, “sem as paixões, nada existe de sublime, nem nos costumes nem nas obras humanas”,[38] e com Helvetius, que ensina que “as paixões são no mundo moral o que o movimento é no mundo físico: ele cria, destrói, conserva, anima tudo, e sem ele tudo está morto. Do mesmo modo, são as paixões que vivificam o mundo moral”.[39]

Ao mesmo tempo, não pode aceitar sem reservas a opinião de Hume de que “a razão é e deve ser apenas a escrava das paixões e não pode pretender outra função senão a de servir-lhes e obedecer-lhes”.[40] Para a razão sábia, a relação com as paixões só pode ser dialógica, e não autoritária, e, se não quer escravizar as paixões, não aceita ser escravizada. Ela sabe que em alguns casos a liberação passional pode não ser desejável. É o que ocorre, especialmente, no caso das paixões destrutivas, a serviço do poder e da repressão. A liberação passional que ela pretende é a que leva ao máximo de justiça e liberdade para todos e combate as formas que interferem com esse objetivo.

Mas, se a razão sábia sabe dizer não, esse não é racional e consciente. Certos impulsos devem ser inibidos, mas não pela defesa. Concorda, portanto, com Freud em que “é provável que o tempo já tenha chegado para que possamos… substituir os efeitos do recalque pelos resultados da operação racional da inteligência”.[41] Freud tem um termo técnico para essa negação inteligente: Urteilsverwerfung, ou juízo de condenação, que substitui, nos Egos maduros, o mecanismo do recalque. “O recalque é substituído por um juízo de condenação… no passado, o indivíduo só conseguia recalcar a pulsão indesejável, porque era fraco e imperfeitamente organizado. Agora, que é maduro e forte, talvez consiga dominar sem danos o que lhe é hostil.”[42]

Gostaria de ilustrar com uma citação de Erasmo esse duplo movimento da razão sábia, que favorece as paixões sempre que possível e as reprime quando necessário.

No Elogio da loucura, Erasmo distingue entre as paixões destrutivas, que estão na origem da loucura perversa, e as paixões benfazejas, que estão na raiz da loucura amável. No primeiro nível, o “elogio” é na verdade uma sátira; no segundo, é efetivamente um panegírico.

As paixões destrutivas — a cobiça, a gula, a avareza, o amor pela glória guerreira — movem o comportamento dos pedantes, dos grandes e poderosos. Induzem à loucura, no sentido pejorativo, que Erasmo faz girar diante do leitor, num carrossel ocupado por loucos e arquiloucos, como os personagens de uma dança macabra. Não falta nenhum figurante. Aparecem diante do público os caçadores, os arquitetos, os alquimistas, os jogadores, os devotos, os nobres, os negociantes, os gramáticos, os poetas, os jurisconsultos, os filósofos, os monges, os bispos, os papas, os reis, os militares, cada um mais louco que o outro, mais convencido de sua própria importância, confundindo seus desejos com a realidade, todos iludidos pelo amor de si mesmos, pela philautia.

Mas as paixões, diz Erasmo, são também indispensáveis à vida, e sem elas não há humanidade possível. Vale a pena citar o texto na íntegra. “As paixões não são apenas pilotos que conduzem ao porto da sabedoria os que a ele se dirigem; no caminho da virtude, são aguilhões e esporas que excitam a fazer o bem, por mais que isso desagrade a Sêneca, esse estoico empedernido que proíbe formalmente ao sábio toda paixão. Agindo assim, faz do homem uma estátua de mármore, sem inteligência e vazia de todo sentimento humano… Quem não fugiria com horror, como de um monstro e um espectro, de um homem surdo a todos os sentimentos da natureza, sem nenhuma paixão, tão inacessível ao amor e à piedade quanto o mais duro rochedo ou um mármore de Paros, a quem nada escapa, que não se engana nunca, que vê tudo com olhos de lince, que mede tudo com o esquadro, que não perdoa nada, que é o único razoável, o único rei, o único livre, o único tudo… que não faz questão de ser amado, que não ama ninguém, que ousa zombar dos próprios deuses, que condena como insensato tudo o que se faz na vida, e de tudo escarnece? Tal é o retrato do animal que passa por um sábio perfeito… Que cidade quereria fazer dele seu magistrado, que exército o desejaria por general? Digo mais, que mulher suportaria um tal marido, que anfitrião convidaria tal hóspede, que criado poderia tolerar um tal patrão? Não seria preferível escolher ao acaso entre os mais loucos um louco capaz de comandar ou de obedecer aos loucos, amado por seus semelhantes, que constituem a maioria, tolerante com sua mulher, jovial com seus amigos, conviva encantador, bom companheiro, enfim, a quem nada de humano fosse alheio?”[43]

Essa última “loucura” é a preconizada pela razão sábia. Ela é a favor de todas as paixões que tornem a vida mais humana, que reerotizem o mundo, que resgatem o prazer e a sensualidade, e recua, com horror, dos estoicos desapaixonados, semelhantes a estátuas de mármore — “marmoreum hominis simulacrum stupidum et a omni prorsus humani sensu alienum”. Mas recusa a paixão insensata que está na origem da tirania e da guerra: os loucos e arquiloucos do carrossel de Erasmo.

III

Capaz de conhecimento e de autonomia, a razão sábia é sempre crítica. Como órgão do conhecimento, ela sabe colocar fora de circuito as interferências afetivas que o poder mobiliza para se tornar invisível e consegue devassá-lo em suas estruturas reais. Ela está preparada, também, para desmascarar todas as formas de desrazão que se apresentam com a fachada da razão — a ideologia, pseudorrazão a serviço de uma classe, a racionalização, pseudorrazão a serviço do desejo. Ela sabe que a paixão que passa por razão é a forma mais virulenta da mentira, e por isso leva a sério o pensamento crítico de autores como Marx e Foucault, que mostram a presença, na razão oficial, de uma paixão infiltrada, que está a serviço de uma ordem social repressiva.

Como sede de uma vida moral autônoma, a razão sábia gera sua vida pulsional com inteira liberdade, ainda que seja num sentido contrário aos interesses do statu quo, coibindo as paixões que o poder desejaria liberar e liberando as paixões que o poder desejaria coibir.

No diálogo entre Penteu, que afirma a loucura de Tirésias e o censura por ter cedido à paixão dionisíaca, e Tirésias, que sabe que a razão que afirma essa loucura é ela própria louca, e que a paixão que anima Penteu desemboca na tirania, a razão sábia toma o partido de Tirésias.

IV

E, assim, terminamos como começamos: com As Bacantes, em que Eurípides traçou para o seu tempo, e o nosso, o modelo da razão sábia.

No fundo, é a razão do Iluminismo autêntico, cujo espírito não envelheceu, porque sua tarefa não foi concluída: expulsar os demônios do mito e da superstição, e ao mesmo tempo eliminar a repressão supérflua.

O que é o Iluminismo? Ouçamos a resposta de Kant. Ele consiste “na superação da minoridade, pela qual o próprio homem é culpado. A minoridade é a incapacidade de servir-se do seu próprio entendimento, sem direção alheia. O homem é culpado por essa minoridade quando sua causa não reside numa deficiência intelectual, mas na falta de decisão e da coragem de se servir da razão sem a tutela de outrem. Sapere aude! Tem coragem de usar tua razão! Eis a divisa do Iluminismo”.[44]

Não há melhor resposta. Iluminismo é Mündigkeit, maioridade. Nela se condensam as duas críticas de Kant: a da razão pura, em que ele investigou as condições do conhecimento, e a da razão prática, em que ele investigou as condições da liberdade. A maioridade significa, no plano cognitivo, a conquista da verdade e, no plano moral, a conquista da autonomia. São os dois elementos da razão sábia.

Como herdeira do Iluminismo, a tarefa da razão sábia é afastar as paixões, assegurando a objetividade do saber, e liberar as paixões, sempre que essa liberação contribua para aumentar a autonomia do homem.

Notas

[1] Eurípides, Médéè, in Théatre Complet (Paris, Garnier Flammarion, 1966) v. IV, p. 149.

[2] Idem, Les Bachantes, ib., v. III, p. 57.

[3] Idem, ibidem, p. 59.

[4] Idem, ibidem, p. 63.

[5] Idem, ibidem, p. 55.

[6] Idem, ibidem, p. 58.

[7] Idem, ibidem, p. 59.

[8] Idem, ibidem, p. 59.

[9] Idem, ibidem, p. 57.

[10] Idem, ibidem, pp. 59-60.

[11] Idem, ibidem, p. 80.

[12] Idem, ibidem, p. 56.

[13] Idem, ibidem, p. 58.

[14] Idem, ibidem, p. 70.

[15] Platão, La République, Paris, Garnier Flammarion, 1966, p. 320.

[16] Eurípides, op. cit., p. 89.

[17] Idem, ibidem, p. 95.

[18] Idem, ibidem, p. 66.

[19] Idem, ibidem, p. 81.

[20] Idem, ibidem, p. 85.

[21] “O ego… influencia o Id, disciplina as suas paixões.” Freud, A Questão da Análise Leiga, em Gesammelte Werke, Frankfurt, 1976, vol. XIV, p. 228. Ver também a citação seguinte.

[22] Freud, O ego e o id, GW, v. XIII, p. 253.

[23] Idem, Psicanálise e teoria da libido, GW, v. VIII, p. 233.

[24] Francis Bacon, Novum Organon, in The Works of Francis Bacon (Stuttgart, 1963), v. 1 do texto latino, p. 168.

[25] John Locke, An Essay Concernig Human Understanding, Nova York, Dutton, 1974, p. 221.

[26] Friedrich Engels, carta a Mehring, in Marx Engels Werk, Berlim, Dietz Verlag, 1964, v. complementar n. 1, p. 216.

[27] Ver Sérgio Paulo Rouanet, A razão cativa, São Paulo, Brasiliense, 1985.

[28] Eurípides, op. cit., p. 79.

[29] Ver, especialmente, Freud, A moral sexual civilizada e o nervosismo moderno, GW, v. VII.

[30] Ver, principalmente, Freud, Além do princípio do prazer, e O ego e o id, GW, v. XIII.

[31] Freud, Psicologia de massas e análise do ego, GW, v. XIII.

[32] Idem, Contribuições à psicologia da vida amorosa, GW, v. VIII, p. 67.

[33]Vera boni et mali cognitio nullum affectum coercere potest sed tantum ut affectus consideratur.” Espinosa. Ethica Ordine Geometrica Demonstrata, Paris, Librairie Philosophique J. Vrin, 1977, p. 32.

[34] Citado por Freud, em A interpretação dos sonhos, GW, vs. II-III, p. 107.

[35] Marcel Proust, Contre Sainte-Beuve, Paris, Gallimard, 1954, pp. 56 e 63.

[36] Freud, O futuro de uma ilusão, GW, v. XIV, p. 378.

[37] Jürgen Habermas, Theorie des Kommunicativen Handels, Frankfurt, Suhrkamp, 1981.

[38] Diderot, Pensées philosophiques, Paris, Garnier, p. 32.

[39] Helvetius, De l’esprit, Paris, Éd. Sociales, p. 140.

[40] David Hume, A Treatise of Human Nature, Nova York, Everyman’s Library, 1977, p. 127.

[41] Freud, O futuro de uma ilusão, GW, v. XIV, p. 368.

[42] Idem, Sobre a psicologia, GW, v. VIII, p. 57.

[43] Erasmo de Rotterdam, Laus Stultitas, Darmstadt, Wissenschaftliche Buchegesellschaft, 1975, pp. 64-66.

[44] Kant, Was ist die Aufklärung, in Gesammelte Schriften, Berlim, 1921, v. 8, p. 35.

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