2007

Política: Anamnese, amnésia, transfigurações

por Renato Lessa

Resumo

É certo que a política não morreu, a política está esquecida. E, em certo sentido, o esquecimento é uma operação que atesta a existência do sujeito: esqueço, logo existo. O esquecimento confirma a vigência do objeto apagado da memória. Diante da política, falar de esquecimento não significa que a política tenha sido suprimida mas, de certa forma, ela foi apagada do sentido comum da vida e os fatores contemporâneos desse “apagamento” estão por toda parte.

Tal ideia e a sensação de esquecimento derivam de um estranhamento entre os seres humanos ordinários, por um lado, e, por outro, aqueles que por profissão se ocupam da política. Um estranhamento que abriga a distância e o abismo existencial presente entre os humanos ordinários e o mundo das instituições políticas. Para melhor compreender a origem de tal estranhamento é preciso analisar a forma que acabou por naturalizar, a partir do século XIX, a ideia de política e, por extensão, de democracia: o princípio da representação.

O princípio da representação trata de uma potência que resulta da escolha, por parte dos cidadãos, de sujeitos políticos — designados como representantes — aos quais se atribuirá a prerrogativa de estabelecer o que é o interesse público. Por falta de alternativa viável, a metáfora da representação acabou por impor-se como materialização natural da política e da democracia. Na experiência contemporânea,  ausência de representação corresponde a sociedades assoladas por diversas formas de dominação despótica, tanto de corte laico como religioso.

Associar, no entanto, de forma absoluta e exclusiva, a sensação de esquecimento da política aos imperativos contemporâneos da representação, embora derive de estímulos quase invencíveis, resulta em simplificação excessiva. A associação entre representação e democracia é de ordem contingente e dependerá, em termos teóricos, da redefinição dos quesitos necessários para estabelecer o que seja um arranjo democrático — um esquema no qual todos escolhem, mas poucos governam e representam —, e, em termos práticos, da ampliação dos eleitorados e de sua consequente liberdade de escolha entre alternativas competitivas.

Esquecimento da política é um nome — ou uma expressão — que se confere ao sentimento que, por vezes, se nota, diante da dissipação da vida pública. Mais do que dissipação, a sensação provocada por uma estranha mescla de imaterialidade e superpresença. De fato, os efeitos da política estão por toda parte, posto que não cessam de configurar o social.


Abertura

1.

Antes que a sensação de esquecimento da política se abrigue de modo completo em nossos espíritos, convém, à partida, propor uma dupla digressão a respeito do objeto supostamente atingido por tal amnésia e sobre a própria ideia — ou sensação, já que não chega a ser uma ideia propriamente dita — de esquecimento. Em outros termos: O que é isso que está a ser esquecido? O que estamos a fazer quando esquecemos? Ou será que também nos esquecemos disso?

Antes de proceder a tal esforço de elucidação — e alucinação, por certo —, já anteouço vozes a dizer: como falar de esquecimento, se os sinais da política estão por toda parte? Com efeito, como refutar a impressão de que parte do que nos aflige resulta de fenômenos e comportamentos que se inscrevem na órbita do politico?

Com efeito, se provocado por essas vozes, poderei ser ainda mais direto: a política é inesquecível, posto que impõe a sua presença legionária, tal como os demônios. As evidências intoxicantes, e sempre repostas, de delinquência política e institucional — e desde já sugiro a criação de tal subdisciplina —, por exemplo, não autorizam percepção distinta.

2.

É distinto dizer que a política morreu e que a política está esquecida. Em certo sentido, o esquecimento é uma operação nobre e um modo fecundo e um tanto oblíquo para atestar a existência do sujeito: esqueço, logo existo. Por extensão, se eu esqueço de algo, logo algo existe. O esquecimento, a um só tempo, garante a vigência plena do sujeito e do objeto. Tudo isso deliciosamente por negação. O que se esquece subjaz à amnésia. O esquecimento confirma, portanto, a vigência do objeto apagado da memória.

Esse exercício minimalista de epistemologia negativa indica que, diante da política, esquecimento não significa supressão. Volto ao ponto: é distinto dizer que a política morreu e que a política está esquecida. É mais prudente supor que ela foi apagada, dissipada, insulada etc. do sentido comum da vida. Os fatores contemporâneos dessa dissipação estão por toda parte. O mais grave talvez seja a redescrição da política a partir das metáforas do mercado.

Metáforas, mais do que figuras de linguagem, são operadores de crenças que fazem com que as premissas e os significados de um campo semântico originário colonizem outros domínios simbólicos e, dessa forma, configurem um espaço no qual novos significados podem ser produzidos. Nesse sentido, a elisão da política envolve uma reconfiguração constante de significados, e, por essa via, impõe-se uma anamnese sumária dos seus sentidos originais — ou de suas metáforas originais, já que não há escapatória humana possível do mundo das metáforas.

A anamnese da política não significa, contudo, o regresso a tempos imemoriais e gloriosos, uma remissão socrática a uma ideia intocada e autárquica, ainda não corrompida pelos acidentes. Algo como um retorno ao esquecido. Não tenho nada aqui a prometer, nem mesmo o passado. A utilidade de revolvê-lo talvez resulte da necessidade de atualizar — ou de reencenar — uma potência crítica e inventiva — a da política —, capturada, hoje, pelos mais desagradáveis jogos da vida. E, entre tais jogos, a política tal como ela é parece ser um dos piores possíveis.

3

A ideia e a sensação de que somos vitimas da política parecem derivar de um estranhamento fundo entre os seres humanos ordinários, por um lado, e, por outro, aqueles que, por profissão, por inércia ou por hiperapetência (atributos, por certo, acumuláveis) se ocupam da política. Um estranhamento que abriga, ainda, a distância e o abismo existencial presente entre os humanos ordinários e o mundo das instituições políticas. O estranhamento nada tem de nacional, por maiores que sejam as sensações desagradáveis que, una y outra vez, nos atravessam.[1] Em uma primeira aproximação, pode-se dizer que ele está incrustado na forma que acabou por naturalizar quase que por toda parte, a partir do século XIX, a ideia mesma de política e, por extensão, de democracia: o princípio da representação. Não se trata de um princípio trivial, uma simples decorrência de mutações demográficas e de escala territorial, mas de um esquema — para utilizar o termo proposto por James Madison, no século XVIII — que exige a distinção entre a esfera política e a que corresponde ao mundo da vida.[2]

É a profecia do abade Emmanuel Sieyès,[3] outro dos inventores do princípio da representação (também no século XVIII), que serve, aqui, como guia para elucidar essa configuração da vida social: para que uma nação prospere e subsista”, são necessários “trabalhos particulares” e “funções públicas”. A complexidade dos primeiros é co-irmã da especialização, da complexidade, da imparável divisão do trabalho e de uma economia do tempo que confina os humanos, habitantes das modernas “sociedades comerciais”, aos meandros e aos vórtices da vida privada. “Funções públicas” correspondem a mais uma dessas especialidades, qual seja, a de gerir o bem público, tarefa complexa e cifrada que exige, mais do que a lógica da especialização, ser exercida de modo exclusivo, em nome dos seres cujos planos de vida se inscrevem no domínio dos “trabalhos particulares”.

É o mundo da representação o que emerge por meio do texto de Sieyès, como corolário do reconhecimento da potência do Terceiro Estado: por ser tudo, ele almeja ser qualquer coisa.[4] O princípio da representação viria a definir a fisionomia desse quelque chose. Trata-se de uma potência que resulta da escolha, por parte dos cidadãos, de sujeitos políticos — designados como representantes — aos quais se atribuirá, de modo pleno e exclusivo, a prerrogativa de estabelecer o que é o interesse público. Uma potência que se constitui como o lugar da politização, e que tem como contrapartida a fixação do demos nos inúmeros nichos da divisão social do trabalho, imposta pelas “sociedades comerciais”.

Por falta de alternativa viável — ou de coisa melhor, diriam alguns —, a metáfora da representação acabou por impor-se como materialização natural da política e da democracia. Seus primeiros teóricos, já no século XVIII, não eram, no entanto, tão ingênuos assim. James Madison —, um dos pais fundadores da república norte-americana — sabia exatamente o que estava a dizer quando distinguia república de democracia. O que as diferia nada tinha de natural. Madison, ele mesmo, deu-lhe o nome de esquema: esquema da representação.

4.

Uma das características necessárias do esquema da representação foi detectada por Bernard Manin, em excelente livro a respeito (Principles of Representative Government), e por ele nomeada o princípio da distinção.[5] Por definição, representantes e representados são distintos. Pertencem a universos próprios, e, em suas relações, são os primeiros que possuem a prerrogativa de definir o que é o interesse público.

Há quem goste disso. Outros assentem por falta de alternativa crível. Mas, a despeito disso, é inegável que a dinâmica da distinção, com frequência, dá vida a experimentos autárquicos, nos quais a separação entre o mundo da política e o da vida ordinária dos humanos atinge limites assustadores.

Creio ser indisputada — ou, ao menos, escassamente disputada — a proposição de que a ausência de representação tem configurado cenários muito piores do que os revelados pelos governos representativos. Na experiência contemporânea, tal ausência corresponde a sociedades assoladas por diversas formas de dominação despótica, tanto de corte laico como religioso. A virtude clara da representação sobre o despotismo e o governo irresponsável não oblitera, contudo, a necessária crítica da política nela inscrita e da naturalização de seus procedimentos.

Associar, no entanto, de forma absoluta e exclusiva, a sensação de esquecimento da política aos imperativos contemporâneos da representação, embora derive de estímulos quase invencíveis, resulta em simplificação excessiva. Minha suposição é a de que vestígios desse esquecimento — ou melhor, dessa transfiguração — podem ser detectados ao longo da tradição da filosofia política.

Anamnese

5.

Uma das primeiras formulações conhecidas a respeito do que pode significar a política veio ao mundo dotada de forte radicalidade. O sofista Antifonte, ao distinguir o domínio da natureza, a physys — regido por leis próprias e infensas ao desígnio humano —, do universo das normas sociais, nomos —, aberto à ação e à criatividade humanas, indicava, a um só tempo, o campo próprio da política e o seu limite: todos os assuntos que dizem respeito ao que é comum entre os humanos devem estar sob a jurisdição de sua capacidade de juízo e deliberação.[6]

Descontados os processos automáticos e misteriosos da natureza e dos desígnios divinos, nada mais aparece como estranho aos humanos. O que se desenha na distinção de Antifonte é o salto compulsório na política, ou seja, a produção de um mundo artificial e comum. Na chave indicada pelo sofista, o requisito mínimo necessário para a vigência originária da política está contido na distinção entre nomos physis. Em outros termos, um domínio regido por processos automáticos — tal como o da natureza — não pode abrigar uma lógica de ação humana propriamente política. A política democrática, segundo essa versão originária, mais do que exigir o envolvimento dos cidadãos nas deliberações públicas, caracteriza-se pela força e pela amplitude de sua agenda. Entre os humanos, como seres dotados de politiké téchne — como queria o sofista Protágoras não há processos automáticos, imunes à deliberação pública.

Em chave própria, também Aristóteles distinguirá o âmbito da política — e o da ética — dos assim chamados processos puramente naturais. A definição de natureza como “substancia dos seres que têm em si mesmos, enquanto tais, o principio de seu movimento” (Aristóteles, Metafísica), se por um lado indica a ordem e a legalidade próprias do mundo não-humano — imune, portanto, à vontade —, indica também a potência própria e “natural” do próprio mundo humano. Os princípios do movimento dessa esfera são deflagrados por seres que, por sua própria natureza, inventam cidades e normas para a vida comum. Ao fazê-lo, implantam no mundo formas diferenciadas de ordem, irredutíveis ao conhecimento teórico e às certezas da demonstração rigorosa, posto que em constante movimento e mutação.

6.

A política lida com o que é comum. Em outros termos, com questões de interesse público. A demarcação posta originariamente pelo sofista Antifonte — entre physis nomos — pode hoje parecer-nos um tanto tosca, mas possui uma valência inestimável: a de asseverar que todas as questões de interesse público pertencem ao âmbito do político. Uma conjectura a respeito do conteúdo dessas questões pode-nos sugerir a presença de dois padrões, caracterizados, pela presença de questões de primeira e segunda ordens.

As de primeira ordem dizem respeito ao que e ao como fazer: são itens eminentemente práticos. Dizem respeito a inelutável materialidade da política, sem a qual a atividade deliberativa não se realiza de forma eficaz.

As de segunda ordem falam-nos dos propósitos e dos motivos. Envolvem, portanto, dimensões que relevam da deontologia e da alucinação dos humanos, já que consideram e cultivam a mais preciosa das questões: qual a melhor maneira de viver? Ambas as ordens podem ser incluídas na definição de nomos, a lei que deriva da convenção e do artificio humanos.

A agenda da cidade contém ambos os tipos de questão. Delibera-se sobre o que deve ser feito, e esse ato encerra, de forma necessária, ambas as dimensões. Clara está a potência da política: tanto por suas apostas normativas quanto pelas decisões de caráter prático, ela configura o mundo humano. Não relevando da natureza, está condenada a produção continua de artifícios, vale dizer, de estados de mundo.

Os séculos que abrigaram Antifonte e Aristóteles não testemunharam apenas a substância originária da política. Para além dos seus significados, a política parece ter sido algo fortemente inscrito na sociabilidade ordinária e, no limite, algo do qual não se pode furtar impunemente. É o moderado Aristóteles que revela essa propriedade onipresente da política, quando fala da atimia, em sua Constituição ateniense?.[7]

atimia é uma restrição — ou mesmo a supressão — dos direitos cívicos, e é dirigida a cidadãos que, “por apatia, se compraziam com o acaso”. A passagem completa revela um cenário impensável e absurdo a olhos contemporâneos: “…se a cidade estiver em dissensão, quem não pegar em armas seria punido com atimia e não tomaria parte da vida da cidade”.

7.

Estamos, contudo, diante de um mundo heroico?

Ao que parece, não: a democracia originária foi contemporânea de suas mazelas. O próprio Aristóteles, no mesmo texto mencionado, localiza três mazelas familiares aos que observam a política nos tempos que estão a correr:

  1. Clientelismo: tal como atesta a história de Cimon, “que possuía uma fortuna régia” e que cumpria “de maneira esplendorosa as liturgias[8] regulares”, para captar apoiadores e viabilizar suas ambições políticas: “qualquer pessoa do demo dos Lacíadas poderia ir até a sua casa e receber alimento suficiente para o dia-a-dia”;[9]
  2. Corrupção: “…o primeiro exemplo [de corrupção] foi dado por Ânito depois do seu desempenho como comandante em Pilos: ao ser acusado por alguns de haver perdido Pilos, subornou o tribunal e conseguiu a absolvição”;[10]
  3. Quebra de Decoro: “Com a morte de Péricles, o guia dos notáveis foi Nícias, que havia de perecer na Sicilia, e coube a Cléon, filho de Cleéneto, a direção popular. Ao que parece, foi este, com suas impulsividades, quem mais corrompeu o povo: foi o primeiro a gritar na tribuna, a usar termos insultuosos e a discursar com a roupa cingida, enquanto os outros se exprimiam com decoro.”[11]

Em outra chave, L. B. Carter, em The Quiet Athenian (1986), estudou as diferentes manifestações de apragmosyné, ou quietismo, um contramovimento que consistia na reação contra os abusos da politização, ao propugnar o abstenteísmo em relação à participação na vida política e a defesa da idiotia.[12]

O próprio Antifonte estabelece reservas a respeito da centralidade da política, quando indica a outra face da oposição nomos/physis. O inventor da disjuntiva é, ainda, “precursor”, se assim posso dizer, da sensação de mal-estar na civilização. Explico: a distinção de Antifonte dá passagem à sensação de que nomos está aquém — e na direção oposta — do que physis exige, um tema admiravelmente freudiano.

Triste fim, o de Antifonte: acaba envolvido em conspirações oligárquicas e condenado à morte (Tucídides diz ter sido ele um homem brilhante e autor da melhor autodefesa que ouviu em toda sua vida). Executado, seu sepultamento foi recusado em solo ático, e seus descendentes foram submetidos a atimia.

Há, pois, forte tensão entre uma dinâmica de atração para a política — assembleias, controle social da política, uso do sorteio como forma de delegação etc. — e uma demanda por acrasia — por intimidade, quietude e apoliticismo. A pólis foi, nesse sentido, contemporânea de uma demanda por esquecimento da política.

As filosofias do helenismo sugerem a vitória dessas dinâmicas despolitizadoras — apoiadas na supressão “objetiva” da polis e do seu “universo espiritual”, para evocarmos a bela expressão de Jean-Pierre Vernant. Na cifra dos estoicos, por exemplo, trata-se, agora, de estabelecer a conexão correta entre alma individual e universo, sem mediação da cidade. Ao alcance, portanto, está uma ideia de felicidade que dispensa a inscrição física do corpo e os jogos da politiké téchne: toda sensação oceânica de universalidade é necessariamente incorpórea. Eudaimonia requer ataraxia.

8.

A detecção de inclinações pela apatia e pela quietude não pode ser tomada como evidência de descaracterização da pólis originária. Como todos os artefatos humanos, a cidade fundada na isonomia é um objeto complexo, dotado de dinâmicas dispares. Uma delas — na verdade a mais compreensiva — diz-nos de uma experiência de vida pública na qual os rituais e a linguagem da política se inscreviam forte e nitidamente na vida ordinária. A grande distinção moderna — entre o tempo social e o tempo da política — ali ainda não está estabelecida.

Uma história dessa distinção — ou desse mau encontro, para utilizarmos a bela expressão de Etiènne de La Boétie — obrigar-nos-ia a fundar um subdisciplina: a história natural da amnésia. Uma vez estabelecida, tal investigação poderia revelar não uma longa e invariante amnésia da política — um esquecimento essencial que, como um espírito negativo, percorreria todas as suas manifestações —, mas uma longa sequência do que poderíamos designar modos da amnésia, sinais particulares de um deslocamento da política e de uma supressão da potência originariamente política do social.

Em torno da amnésia dos modernos:

a captura do tema da política pelo esquema

e pela metáfora da representação

9

No léxico politico contemporâneo, democracia e representação parecem pertencer ao mesmo campo semântico. Sem qualquer dificuldade de ordem conceitual, demandas por mais democracia podem ser exprimidas pela exigência de mais representação. Em outros termos, tem sido possível exprimir a adesão à democracia através da linguagem da representação. Hanna Pitkin, em seu texto clássico The Concept of Representation, indica a forte pregnância do tema: “In modern times almost everyone wants to be governed by representatives… every political group or cause wants representation… every government claims to represent.”[13]

Mesmo os observadores profissionais da política — os politólogos por conforto vocabular e por crença, acabaram por aderir à expressão democracia representativa para designar as formas políticas e institucionais que se generalizaram sobre mais da metade do globo, durante o século XX. Nesse amálgama, democracia representação aparecem como partes de um nexo necessário.

James Madison, um dos inventores daquilo que seguimos a nomear de modo um tanto imperito como democracia representativa, estabeleceu uma distinção explícita entre o que seria uma república moderna e uma república democrática à antiga. Tal diferença dar-se-ia pela adoção, por parte do desenho de república moderna que propõe, do que ele mesmo designou o esquema da representação.[14] A democracia, ao contrário, é por ele apresentada como uma “sociedade formada por um pequeno número de cidadãos que se unem e administram pessoalmente o governo”, enquanto o que define como república caracteriza-se pela “delegação do governo a um pequeno número de cidadãos eleitos pelos demais”.[15]

Por meio do artifício da representação, a operação de um filtro institucional garantiria a não-transitividade entre o universo da cidadania em estado bruto e o domínio da decisão legislativa. Ao defender o mecanismo, Madison, mais do que se distanciar teoricamente dos fundamentos da democracia clássica, preocupa-se com a dispersão de concepções e alternativas no próprio contexto norte-americano de fins do século XVIII, marcadas por forte componente libertário e, por assim dizer, acrático. Com efeito, nos tempos que antecederam a Convenção da Filadélfia, predomina o que alguns analistas denominam “política de liberdade”, marcada por resoluta desconfiança com relação a qualquer ideia de governo que não esteja submetido fortemente a controle popular direto.[16] O próprio Madison, no Federalista # 63, reflete a respeito dos “abusos da liberdade”, a seu juízo tão nefastos quanto os “abusos do poder”.[17]

Na formulação madisoniana, a representação age como mecanismo alternativo a outras modalidades de organização institucional, tais como o acesso direto do público às decisões e à feitura de leis, a escolha por sorteio e, o que é evidente, a monarquia hereditária. A crença de Madison na virtude da representação e de seu filtro residia na expectativa de que instituições representativas, ao mesmo tempo em que fundam a autoridade necessária para que o governo governe, garantem que o exercício da representação se orienta para o bem público. Tratava-se, a seu juízo, de escolher homens cuja sabedoria lhes permitiria detectar o interesse público, indiscernível em um cenário no qual a potência da soberania está dispersa entre todos os cidadãos.

10.

Apesar da clareza originária de James Madison, que sustentava o diferendo entre democracia e governo representativo, ainda há quem veja no esquema da representação um corolário natural da democracia, uma espécie de adaptação a imperativos demográficos e espaciais. A ideia de esquema releva da noção maior de artifício: há um “como se” ou, se quisermos, um momento ficcional, presente no ato que institui a “pessoa artificial” do representante. O léxico original foi estabelecido por Hobbes. Ouçamo-lo, em notação livre: uma pessoa é um sujeito cujas palavras e ações podem ser próprias ou podem representar palavra e ações de outrem; quando se trata de palavras e ações próprias, temos uma pessoa natural; quando representam palavras e ações de outro, temos pessoas artificias. É como um processo de instituição de pessoas artificiais que Madison imagina a construção do esquema da representação.

Se o esquema nos remete a um artifício, a algo dotado de uma necessária configuração prática, o nome adotado para designá-lo — o nome do esquema, portanto — não constitui escolha trivial. Tal nome — representação — é uma metáfora. É nessa dupla existência — esquema metáfora — que o principio em questão deve ser compreendido e interpelado.

Se o tomarmos como metáfora, a associação com o mundo do direito aparece, à primeira vista, como inevitável: o ato da representação política pode ser iluminado pela analogia ao ato de conferir a alguém uma procuração, desde já a indicar que o motivo originário dessa entrega é uma impossibilidade de intervir e de se fazer presente: a ausência da pessoa natural institui a presença da pessoa artificial. No entanto, é possível reorientar a direção metafórica e imaginar outra modalidade de contrabando de sentido: o tema da representação exige, mais do que o campo do direito, o campo semântico da arte em geral e, em particular, do teatro.

Algumas vozes podem, aqui, reforçar essa sensação de proximidade. Destaco duas, recolhidas do belo livro de Jean Starobinski sobre Michel de Montaigne — autor fecundo nas aproximações entre o comportamento humano ordinário e a inesgotável arte de fingir.[18]

Um dos exemplos mais notáveis do topos do ator (na chave do fingidor) encontra-se no tratado hipocrático Do regime, I, XXXIV, 3, aqui transcrito com base na tradução de R. Joly (Paris: Les Belles Lettres, 1967):

A arte do ator engana os espectadores; eles dizem isso e pensam aquilo; entram assim e saem assado. É bem humano também dizer isso e fazer aquilo, ser o mesmo e não o mesmo, pensar isso em tal momento e aquilo em tal outro.

Outra chave literária clássica pode ser encontrada em Shakespeare, As You Like It, ato II, cena 7, versos 138-165:

All the world is a stage,

And all men and women are merely players…

Não seria difícil incluir o próprio Hobbes nessa recolha de evidências a respeito da origem semântica do termo representar. O amigo de Ben Johnson tinha em mente essa aproximação quando nos fazia pensar no soberano como uma pessoa artificial cuja substância se configura pelo que representa.

Uma pessoa artificial, sendo antes de tudo uma metáfora, tem um quê de hipotético. Explico: uma metáfora é, antes de tudo, uma hipótese de atribuição de sentido. Oque a sustenta é a adoção de uma perspectiva de “como se”: é como se o ar fosse a “casa dos pássaros” ou a “casa do vento”, é o que nos indica Jorge Luis Borges, quando glosa as metáforas contidas no tratado Edda Prosaica, segundo ele “um catálogo divino”.[19]

Sendo o nome do esquema, a metáfora da representação sugere o seguinte cenário: o princípio da distinção, apontado por Bernard Manin como o fundamento do novo experimento, é metaforicamente apresentado como se contivesse um sentido representativo. Em outros termos, a distinção o fato, a representação é o nome. Com o sucesso da metáfora, a representação acabou por designar o nome e o próprio fato.

Com efeito, da definição dada por Bernard Manin, a dimensão da distinção aparece como condição material da representação: o governo representativo foi instituído com a plena consciência de que representantes eleitos seriam e deveriam ser cidadãos proeminentes e socialmente diferenciados daqueles que o elegeram… a issochamamos de ‘principio da distinção’.[20] Nesse sentido, mesmo quando se democratiza — com o processo de constituição de eleitorados de massa, fundados no sufrágio universal —, tal regime mantém sua marca elitista de origem: trata-se, para Manin, de um sistema aristocrático, já que orientado pela preocupação em fazer com que os melhores — aristói — estabeleçam o interesse público.[21] Se aplicarmos critérios estritos, poderíamos falar de um regime oligárquico. Não foi outra a sensibilidade dos clássicos Robert Michels — ao sugerir o imperativo prático da oligarquização de processos democráticos — e Joseph Schumpeter — ao definir a democracia como um regime de oligarquias competitiva.[22]

11.

É hora de retornarmos à profecia de Emannuel Sieyès. A prática do regime da distinção e da metáfora da representação supõe um deslocamento preciso na ontologia da política. A morfologia e a dinâmica das “sociedades comerciais” operam no sentido da fragmentação e da especialização do social: não há ali um lugar natural, no qual esteja inscrito o interesse comum: as vontades particulares constituem o mundo.

A vigência do interesse comum exige a introdução de uma profissão especial, uma especialidade nova, capaz de cuidar da soma das circunstâncias particulares. Em Sieyès, mais do que de uma perspectiva de rearistocratização da sociedade, encontramos um imperativo sociológico. Não há ardil ou demofobia, mas tão-somente realismo. Um realismo duro que afasta da política o diletantismo, ao mesmo tempo que a afasta dos “common affairs of life”, para usarmos notação humiana. Não será isso uma nítida transfiguração da política?

12.

A vitória da representação, como nome e como esquema, acabou por transfigurar a própria ideia de democracia. Retirada de seu nicho originário, e de sua associação à ideia de autogoverno, ela será inscrita no léxico político dos séculos XIX e XX como conceito que representa o processo de crescimento dos eleitorados. Democratização, nessa chave, passa a significar o processo que, ao fim e ao cabo, fez de todos os adultos eleitores. Democracia, no mesmo enquadramento, inclui, para além da extensão indicada, o conjunto de regras e instituições que permitem ao eleitorado constituir governo e representação.

A política, por certo, não desaparece desse mundo. De modo fragmentado e errático, cidadãos críticos e civicamente dispostos, por vezes, ultrapassam os limites do apoliticismo ordinário. Mas, tais condutas heroicas não se apresentam como requisitos necessários para que o arranjo funcione.

É Joseph Schumpeter que, de forma cruel e direta, define a psicologia política do cidadão típico: …the typical citizen drops down to a lower level of mental performance as soon he enters the political field. Como cidadão, ele faz parte de um unworkable committee, the committee of the whole nation.[23] O apoliticismo do social inverte a suposição pueril de um coletivo que institui seus representantes. Antes, são estes que instituem seus eleitores como passíveis de representação.

13.

Os segredos do governo representativo — quer em sua versão restrita, quer em sua manifestação ampliada, com a inclusão de eleitorados de massa — residem em dois tipos de relação que ele necessariamente encerra, e que se estabelecem:[24]

  1. entre os representantes e os representados e
  2. entre os representantes e o governo.

A primeira dimensão fala das relações entre eleitores e seus representantes, tanto em termos individuais como no que diz respeito à vocalização de interesses e expectativas coletivos. A depender dos rigores do filtro madisoniano, tais relações podem revelar maior representatividade como, ao contrário, considerável dissociação e alheamento. Nesse último caso, teríamos o caso de representantes politicamente irresponsáveis com relação a seus eleitorados.

A segunda dimensão contém as interações entre governo e representantes parlamentares. Muitas são as possibilidades nesse caso: a mais benigna é a de um corpo de representantes, com fortes vínculos com suas bases sociais, exercendo fiscalização sobre os governos. No pior, governo e representantes fecham-se em interações e barganhas pouco visíveis, a despeito do que se passa no mundo exterior, habitado pelos cidadãos.

Nos dois tipos de relação mencionados, opera um princípio de distinção. É da natureza do regime representativo, qualquer que seja a extensão de sua base eleitoral, que os representantes se distingam dos representados. O esquema da representação não decorre apenas de imperativos de escala, mas de uma crença precisa: a qualidade da deliberação a respeito do interesse público decorre de um afastamento entre o exercício refletido da representação e a espontaneidade e rusticidade da expressão dos cidadãos. Nesse sentido, a busca de uma representação não-mediada, na qual o princípio da distinção não opere, parece ser uma demanda logicamente inconsistente.

Outra faceta da distinção opera nas relações entre representantes e governo. Sendo função da representação o controle do governo, a distinção entre ambos os termos é algo necessário. Mesmo em formatos parlamentaristas, o componente executivo deve estar claramente demarcado com relação à expressão parlamentar.

Do até agora exposto, pode-se depreender que a associação entre representação democracia — entendida na chave do alargamento dos eleitorados — é de ordem contingente. Trata-se de um nexo que poderá, ou não, ocorrer. Ele dependerá, em termos teóricos, da redefinição dos quesitos necessários para estabelecer o que seja um arranjo democrático — um esquema no qual todos escolhem, mas poucos governam e representam —, e, em termos práticos, da ampliação dos eleitorados e de sua consequente liberdade de escolha entre alternativas competitivas.

Se aquela relação é contingente, a que se estabelece entre representação e distinção é de ordem necessária. Quer isso dizer que a representação e a distinção são coextensivas: a eliminação de qualquer uma implica o mesmo efeito para a outra.

Mas, embora a distinção seja um corolário lógico do principio da representação, e pela sua materialidade — vale dizer, por sua inscrição prática e contingente — que ela pode ser detectada e analisada. É possível, pois, imaginar uma variedade institucional e normativa de formas de distinção.

Do mesmo modo, e esse é o ponto mais importante, pode-se especular a respeito de diferentes extensões do princípio da distinção. No limite, a questão pode ser posta nos seguintes termos: em que medida o “excesso” de distinção desconfigura o princípio da representação?

Antes que imaginemos pirotecnias modelísticas, voltadas para a detecção de um ponto ótimo de saturação, o problema que pretendo sugerir diz respeito ao trânsito da distinção para a autarquia.

Enquanto o primeiro principio pressupõe — lógica e existencialmente — a alteridade e o nexo com o que lhe é distinto, posto que a distinção exige o distinguir-se de algo, o segundo é index sui. Um universo autárquico, tal como na definição dada por Aristóteles, na Metafísica, aos processos naturais, é um domínio que contém de modo autônomo os princípios de seu movimento. Suas conexões com o que lhe é exterior são erráticas e contingentes. Pode-se dizer que elas obedecem ao caprichos de seu insulamento e não se constituem como sua substância. Sendo index sui, a substância de uma entidade autárquica reside nela própria.[25]

O rebatimento empírico dessa consideração permite pôr sob foco situações nas quais, para além da distinção ordinária para com o corpo dos representados, o mundo da representação age segundo uma lógica autárquica. Ainda que não esteja disposto a subscrever que o princípio da distinção contém, de forma larvar, o princípio da autarquia, como se este fora seu corolário, é a própria rationale da democracia representativa que indica o lugar — ou a lacuna — a ser preenchido por experimentos autárquicos. Em outros termos, a filosofia pública oficial da democracia representativa — a chamada teoria descritiva da democracia ou teoria da poliarquia —, ciosa da necessidade da distinção como norma e mecanismo institucional, abriga a possibilidade da autarquia como desdobramento do principio da distinção.

14

Se o princípio da autarquia sobrepõe-se ao principio da distinção, passa-se com a representação política algo assemelhado ao que ocorre no mundo da arte. Os que tomam o nome representação como descrição de um processo real operam na perspectiva da arte sustentada em um referencial exterior. A cópia estaria para a arte como a representação para a política. Para ambas, a referencialidade aparece como condição de inteligibilidade.

A quebra do princípio na arte contemporânea desloca o tema da inteligibilidade para outros domínios que não os da referencialidade. Não mais cópia do mundo, mas lugar de múltiplos e erráticos significados. A passagem da forma para o informe, do figurativo para o abstrato e do objetivo para o não-objetivo elimina a ideia de representação como condição de compreensão e cognição em arte. A analogia com a politica obriga-nos a pensar a possibilidade de uma “obra” que não exige nada distinto de si como fonte de sentido. A forma lógica e material dessa “obra” está contida no principio da autarquia. nenhuma forma anterior a prefigura. A autarquia é a forma perfeita da política em um cenário de despolitização do social.

Notas finais

15.

Para além dos problemas específicos da representação, uma das marcas da transfiguração da política reside no reconhecimento de processos de naturalização da vida social e da consequente interposição de limites externos ao âmbito da decisão pública. Refiro-me a dimensões chaves da sociabilidade que, postas fora do alcance da deliberação pública, se abatem sobre a vida comum como imperativos naturais.

As restrições à democracia não decorrem apenas dos limites interpostos à participação, mas em grande medida da redução dos temas sujeitos à deliberação pública. É como se a tensão entre nomos physis se redefinisse, na direção do predomínio crescente dessa última. A sustentar o movimento, a crença na naturalização de processos sociais, por definição artificiais.

A pior das naturalizações, a meu juízo, tem a forma da descrição e da afirmação da política como campo de procedimentos, regras instituições, independentemente da substância das decisões e do desenho normativo de sociedade que elas indicam. O esquecimento da política pode estar incrustado na forma mesma de observá-la: se a tomamos como puro campo dos procedimentos e da regularidade institucional, perdemos de vista a possibilidade de uma discussão sobre seus propósitos, assim como a possibilidade de intervenção sobre eles.

16.

Esquecimento da política é um nome — ou uma expressão — que conferimos ao sentimento que, por vezes, nos aflige, diante da dissipação da vida pública. Mais do que dissipação, suspeito de que se trate de algo um tanto confuso: a sensação, na verdade, é provocada por uma estranha mescla de imaterialidade superpresença. De fato, os efeitos da política estão por toda parte, posto que não cessam de configurar o social. Por outro lado, quando dela nos aproximamos, com propósitos de interpelação e de intervenção, ela ganha contornos fugidios e, no limite, aproxima-se da imaterialidade.

A dissipação manifesta-se por meio de sinais diversos e, por vezes, contraditórios: à vulnerabilidade dos cidadãos diante do desempenho das instituições somam-se a fraqueza e assistematicidade de formas de reação e de tentativas de inscrever a política do lado de cá, no mundo da vida. De um lado, a levitação do mundo institucional e sua distinção crescente para com o que nele não se inclui, do outro, a desenergização cívica e o caráter disperso e errático do desejo de politização do social.

Seria cômodo e alentador inscrever a sensação de esquecimento da política em um cenário que, de forma clara, contrastasse o mundo politico formal, impermeável ao mundo exterior, e uma cidadania frustrada em suas expectativas de acesso ao âmbito público. Tal cenário, na verdade, possui tinturas otimistas, posto que frustração nele aparece como filha de um desejo de inscrição na vida pública. Um desejo diante do qual o mundo da política formal se imporia como obstáculo. Frustração, nesse caso, poderia ser percebida como um modo decaído e deprimido de uma irredenção originária, de uma vontade ativa de inscrição. A hipótese do esquecimento, ao contrário, exige que a vigência de tal desejo de inscrição — uma espécie de estado latente do demos — não seja tomada como premissa indisputada.

Notas

  1. Ver a esse respeito Pippa Norris (ed.), Critical citizens. Global Support for democratic Governance. Oxford Univ. Press, 1999. 
  2. Cf. James Madison, Os artigos federalistas. 1787-1788. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1993. 
  3. Cf. Emmanuel Sieyès, Qu’est-ce que le Tiers Etat?. Paris, Presses Universitaires de France, 1982 (1789). 
  4. A formulação de Sieyès é célebre: 1. Qu’est-ce que le tiers état? Tout. 2. Qu’a-t-il été jusqu’à présent dans l’ordre politique? Rien. 3. Que demande-t-il? y devenir quelque chaise. Cf. Emmanuel Sieyès, op. cit., p. 27. 
  5. Ver Bernard Manin, The Principles of Representative Government. Cambridge, Cambridge University Press, 1997. 
  6. Cf. Antiphon, “Fragment A: Nature et Convention, Loi et Droit, Verité et Opinion”. In: Jean-Paul Dumont (org.), Les Sophistes: Fragments et Témoingnages. Paris, Presses Universitaires de France, 1969, p. 175: Car les imperatives de la loi sont conventionnels, mais ceux de la nature nécessaires. Et les conventions légales que l’on admet par contrat mutuel, ne sont pas naturelles. Les impératifs naturels ne résultent pas d’un accord. 
  7. Cf. Aristóteles, Constituição dos Atenienses. Lisboa, Gulbenkian, 2003, 8.5, p. 33. 
  8. As liturgias — leitourgiai — eram uma forma de serviço público, através do custeio de algo de uso comum, requerido pela pólis aos cidadãos ricos. 
  9. Ver Aristóteles, op. cit., 27, 3. 
  10. Idem, 27, 5. 
  11. Idem, 28, 3. 
  12. Cf. L. B. Carter, The Quiet Athenian. Oxford, Oxford University Press, 1986. 
  13. Cf. Hanna Pitkin, The Concept of Representation. Berkeley, University of California Press, 1972, p. 2. 
  14. Cf. James Madison, Federalista # 10, In: op. cit. 
  15. Idem. 
  16. Para uma útil e vívida reconstituição do debate pré-constitucional norte-americano, ver o excelente ensaio de Isaac Kramnick, na Apresentação aos Federalist Papers, incluído na edição brasileira (Os Artigos Federalistas, 1787-1788, op. cit). Ver, ainda, o ótimo artigo de Gordon Wood, “The Origins of the Constitution”, In: This Constitution: a bicentennial chronicle, # 15, Summer, 1987. 
  17. Cf. James Madison, Federalista # 63, in: W Artigos Federalistas,1787-1788, op. cit. 
  18. Cf. Jean Starobinski, Montaigne em movimento. São Paulo, Companhia das Letras, 1990, p. 293 e também “Je hais comme les portes d’Hadès”, in: Nouvelle Revue de Psychanalise, IX. Paris, Gallimard, primavera de 1974, pp. 7-22. 
  19. Cf. Jorge Luis Borges, “Las Kenningar”, in: Jorge Luis Borges, Historia de la eternidad, Buenos Aires, EMECE, 1953, p. 50. 
  20. Cf. Bernard Manin, op. cit., p. 94. 
  21. Há um sentido indelevelmente aristocrático nas escolhas eleitorais, mesmo as que ocorrem em contextos nos quais não há restrições à participação e dotados de forte competitividade. Na medida em que cada eleitor escolhe a melhor alternativa — i. e., o melhor candidato —, o resultado agregado é a seleção de uma assembleia de melhores. Em termos gregos, uma assembleia de aristoi. Logo, uma aristocracia. 
  22. Cf., respectivamente, Robert Michels, Political Parties, e Joseph Schumpeter, Capitalism, Socialism, and Democracy. New York, Harper & Brothers, 1942. Tal sensibilidade servirá, ainda, de base para as formulações de Robert Dahl em Poliarchy: Participation and Opposition. New Haven, Yale University Press, 1971, que serão tratadas adiante de modo mais pormenorizado. Há edição brasileira — pela Edusp — com ótimo estudo introdutório, feito por Fernando Limongi. 
  23. Cf. Joseph Schumpeter, op. cit. 
  24. Esse segmento do texto apoia-se em meu ensaio “Distinção, autarquia e animação: um ensaio sobre o problema da representação no Brasil contemporâneo”, publicado na revista Sinais Sociais, ano 1, setembro-dezembro de 2006. 
  25. O sempre providencial léxico de Liddell e Scott registra como significado para a palavra grega autapkeia as expressões “sufficient in oneself, independence”. Ver Liddell and Scott’s Greek-English Lexicon, Oxford, Oxford at the Clarendon Press, 1999 (1889), p. 133. 

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