1987

Permanência do discurso da tradição no modernismo

por Silviano Santiago

Resumo

Enxerga-se o Modernismo dentro da tradição da ruptura ou dentro da estética do make-it-new, ou ainda da tradição do novo. A nossa formação esteve sempre configurada por uma estética da ruptura, da quebra, a uma destruição consciente dos valores do passado. Dessa forma é que um dos discursos mais privilegiados do Modernismo, sobretudo nos últimos 20 anos, tem sido o da paródia. Não é de se estranhar que, entre os primeiros modernistas famosos, Oswald de Andrade é quem tem conseguido maior adesão por parte das gerações mais novas.

A maioria dos professores de literatura, escritores e intelectuais brasileiros foram condicionados pela estética da ruptura modernista e, em particular, pela presença forte e avassaladora do chamado concretismo. É o concretismo que marca de forma profunda, dentro do movimento moderno no Brasil, a estética do novo pelo novo.

A questão da tradição estaria vinculada a uma revisão crítica do moderno, e em particular do Modernismo, abrindo caminho para o pósmoderno, respectivamente. Por isso, eis a pergunta inicial: qual é a razão para o retorno da questão da tradição hoje, ou mais incisivamente: por que estaríamos interessados na questão da tradição agora que o Modernismo chega ao final?

Tal pergunta estaria ligada a duas reflexões. Primeira, passamos hoje por aquilo que Octavio Paz chama, não sem maldade, de “o ocaso das vanguardas”, e é neste momento que parece surgir como inevitável da emergência da condição pós-moderna. Na segunda reflexão, o propósito do trabalho: indagar, nesta revisão do Moderno e do Modernismo, se a questão da tradição (do chamado “passadismo”) esteve realmente ausente da produção teórica de alguns autores modernos, ou da produção estética dos modernistas brasileiros.

A resposta é não. Há uma permanência sintomática da tradição dentro do Modernismo. Numa época em que foi predominante a valorização da novidade, da originalidade enquanto dado concreto da manifestação artística, havia traços nessa mesma manifestação que indicariam a permanência de um discurso da tradição.Ou seja, dentro da estética da ruptura característica da Modernidade e do Modernismo, nas vezes em que buscou-se o traço forte da tradição nos aproximamos mais e mais de uma poesia, de uma produção poética que se desliga do social enquanto dimensão do histórico vivenciado pelo poeta. Isso às vezes pode beirar o neoconservadorismo.


Gostaria de começar afirmando que este não é um dos meus tópicos favoritos, como não o é para a maioria das pessoas que foram formadas e continuam sendo formadas pelo que é considerada – hoje – a tradição modernista. Estamos mais acostumados a encarar o Modernismo dentro da tradição da ruptura, para usar a expressão de Octavio Paz, ou dentro da estética do make-it-new, de Pound, ou ainda da tradição do novo, de Rosenberg, e assim no infinito. A nossa formação esteve sempre configurada por uma estética da ruptura, da quebra, a uma destruição consciente dos valores do passado. “La destruction fut ma Béatrice”, escreveu Mallarmé, declarando o nome da musa moderna. Dessa forma é que um dos discursos mais privilegiados do Modernismo, sobretudo nos últimos 20 anos, tem sido o da paródia. Não é à toa que, entre os primeiros modernistas famosos, Oswald de Andrade é quem tem conseguido maior adesão por parte das gerações mais novas. Oswald é o que, no Modernismo, levou até as últimas consequências a estética da paródia. Tenho absoluta certeza de que vocês todos conhecem o célebre verso dele, retomando o Gonçalves Dias de “Minha terra tem palmeiras”: “Minha terra tem palmares”. Esse tipo de estética – da ruptura, do desvio, da ironia e do sorriso, da transgressão dos valores do passado – é que tem o direito de cidadania, por assim dizer, na revalorização dadaísta por que passou o modernismo desde 1972.

Ora, de repente, sou chamado para falar do discurso da tradição tout court dentro do Modernismo. Não vou negar, gosto dessas encomendas. Posso até nem mesmo endossar completamente as palavras que direi aqui hoje com o intuito de convencê-los do interesse e da importância do tópico para a compreensão mais ampla do Modernismo. Mas sempre me agrada pensar aquilo que até então ainda não tinha pensado. É nesse sentido que diria que hoje estou enveredando por um caminho em que me sinto estreante, tanto quanto, talvez, a maioria dos professores de literatura, escritores e intelectuais brasileiros que foram condicionados pela estética da ruptura modernista e, em particular, pela presença forte e avassaladora do chamado concretismo. É o concretismo (nas suas múltiplas manifestações) que marca de forma profunda, dentro do movimento moderno no Brasil, a estética do novo pelo novo.

Por favor, não se assustem se, de repente, em lugar de citar Pound, como é de regra, esteja citando T.S. Eliot, e se, em lugar de falar moderno (isto é, da tradição moderna que tem início no Romantismo, ou em finais do século XVIII), esteja, ainda que de maneira meio inconsciente, adiantando a questão para o que ainda deve vir, ou está chegando, isto é, o pós-moderno. A impressão que tenho é a de que o tema que me foi proposto pela Funarte não o foi inocentemente. A questão da tradição — na década de 80 — estaria vinculada a uma revisão crítica do moderno, e em particular do Modernismo, abrindo caminho para o pósmoderno, respectivamente. Antes de prosseguir é bom aclarar que estarei usando a expressão Moderno referindo-me ao movimento estético que é gerado dentro do Iluminismo, e Modernismo ao me referir à nossa própria crítica do passadismo, concretizada na Semana de Arte Moderna de 22. Portanto, Moderno fica sendo um termo universal, muito mais abrangente, enquanto Modernismo é um conceito bem menos abrangente e mais localizado.

Costumo às vezes me perder no meio do caminho da exposição, embora nem sempre, e com receio de que isso aconteça de novo, vou valer-me do hábito do quadro-negro. Dou para vocês uma espécie de plano que gostaria de seguir, que devo seguir. Pelo menos vocês saberão mais ou menos por onde andarei caminhando. Esse plano comporta uma pergunta inicial e está dividido em quatro partes, que tratarei separadamente.

Eis a pergunta inicial: qual é a razão para o retorno da questão da tradição hoje, e mais incisivamente: por que estaríamos interessados na questão da tradição agora que o Modernismo chega ao final? Ou seja, para que relegar para segundo plano, na avaliação do Moderno e do Modernismo, a estética da ruptura, do make-it-new, a tradição da ruptura? Em 1972, ao comemorar os 50 anos da Semana, fizemos a revisão do Modernismo pelo viés Dada; agora o viés é outro e menos inocente no seu questionamento dos pilares da modernidade.

Na resposta à pergunta, tentarei provar para vocês — se tiver êxito — que a pergunta estaria ligada a duas reflexões. Primeira, passamos hoje por aquilo que Octavio Paz chama, não sem maldade, de “o ocaso das vanguardas”, e é neste momento que parece surgir como inevitável da emergência da condição pós-moderna. Na segunda reflexão já me encaminho para o propósito básico do trabalho: indagar, nesta revisão presente do Moderno e do Modernismo, se a questão da tradição (do chamado “passadismo”, como a tradição era vista pelos olhos da década de 20) esteve realmente ausente da produção teórica de alguns autores modernos, ou da produção estética dos modernistas brasileiros. A resposta é não. Há uma permanência sintomática da tradição dentro do Modernismo. Aviso de passagem que estaria caindo numa série de lugares-comuns, lugares-comuns para nós hoje, se tivesse adotado a postura oposta, isto é, se quisesse descobrir, dentro do Moderno e do Modernismo, os traços indiciadores da estética da ruptura ou da paródia. O nosso propósito — fique bem claro — é o inverso do que foi o percurso glorioso do movimento modernista. Saber se, numa época em que foi predominante a valorização da novidade, da originalidade enquanto dado concreto da manifestação artística, havia traços nessa mesma manifestação que indicariam, segundo o título da conferência, a permanência de um discurso da tradição.

O não dado anteriormente abre caminho para que fale, a nível da produção teórica moderna que dá força à tradição, da presença muito positiva de um poeta como T.S. Eliot. Num célebre artigo de 1919, intitulado “Tradição e talento individual”, Eliot opõe a emergência de um poeta através de traços distintivos e pessoais à maturidade do próprio poeta, momento que é determinado pelo fato de ele inscrever a sua produção poética numa ordem discursiva que o antecede. Portanto, o poeta moderno para Eliot, na sua idade madura, nada mais faz do que ativar o discurso poético que já está feito: ele o recebe e lhe dá novo talento. Dá força ao discurso tradição. Se a gente se interessa pelo Modernismo, vê que esse artigo não passou despercebido dos brasileiros. Teve muito sucesso entre os poetas da geração de 45. Não há dúvida de que uma indicação primeira sobre a presença da tradição dentro do Modernismo passaria por uma leitura dos poetas da geração de 45.

Terei de falar, em seguida a Eliot, de Octavio Paz. Retomar algumas reflexões que estão no livro Os filhos do barro. Desprezarei um pouco o que ele chama de “tradição da ruptura” (o moderno), para me adentrar pelo que ele chama de “tradição da analogia”. Paz define duas formas de tradição: a tradição da ruptura, esta a que me referi anteriormente, como sendo a do make-it-new glorioso, e a tradição de analogia. A aproximação crítica das duas formas nunca chega a emergir no raciocínio ou no texto de Paz. Eis um livro a ser feito que investigaria o papel da tradição da analogia ao lado, ou mesmo dentro, da tradição da ruptura, enquanto articuladores do pensamento moderno.

Encaminharei, pois, a leitura do Modernismo pelas reflexões de Eliot e de Paz, com o intuito de ver se, entre nós, o discurso da tradição (ou da analogia) foi ativado.

Aí devo dizer para vocês que existe um problema menos interessante e outro mais interessante. O menos interessante gira em torno do discurso da tradição em 1945. De maneira geral, os poetas de 45, com Ledo Ivo à frente e João Cabral em certa medida, terão uma postura curiosa com relação à tradição. E a relação deles com a tradição foi tão forte que contaminou um poeta já feito como Carlos Drummond. Este – o poeta do tempo presente, da vida presente, dos homens presentes – estará fazendo em 1949, um remake do tema clássico da máquina do mundo. O canto nono de Os Lusíadas trata da máquina do mundo e Vasco da Gama, e Drummond dele faz o que talvez seja o primeiro grande remake do Modernismo.

Esse tópico é menos interessante do que o seguinte. Já aqui talvez cause um primeiro pequeno escândalo. O discurso da tradição foi ativado pelos primeiros modernistas, e logo no início do movimento. Desde 1924, com a viagem a Minas feita pelos modernistas de São Paulo, ciceroneando Blaise Cendrars. Acho que a viagem é um capítulo ainda relativamente pouco estudado, e quando ela é explorada, o é por vias que não se aproximam muito do raciocínio que tentarei manter com vocês. A viagem marca uma data, momento importante para discutir a emergência, não só do passado pátrio (mineiro, barroco etc.), mas do passado enquanto propiciador de uma manifestação estética primitiva (ou naive). Foi Brito Broca, em artigo de 1952, quem chamou a atenção para a tradição entre o futuro e o passado em 1924.

Finalmente – e eis a quarta parte da conferência – devo deter-me na apresentação de dois poetas: Oswald de Andrade e Murilo Mendes. Deter-me em dois temas que trabalharam e que são fascinantes: a noção de tempo e a questão da utopia. A questão da utopia, em ambos os poetas, está desvinculada de uma noção de tempo determinista e linear e de um progresso dado também como avanço linear, evolutivo. Ambos tematizam – eis uma originalidade deste trabalho – a questão do eterno retorno. Numa área cultural que era eminentemente dominada pelo pensamento marxista, temos dois poetas que não mais ativam o discurso da paródia, mas preferem ativar a questão da tradição. Veremos que os dois têm posturas filosóficas bem curiosas.

No caso de Oswald, estaria a utopia vinculada ao matriarcado de Pindorama, contradição que ele exprimiu muito bem na fórmula: seremos um dia o bárbaro tecnicizado. No caso de Murilo Mendes, poeta católico, ela estaria vinculada ao Apocalipse, ao discurso bíblico. Murilo — o poeta do Apocalipse, esperando e anunciando a segunda revelação do Cristo.

Esse seria, de maneira geral, o plano que gostaria de seguir. Vamos ver se conseguimos.

Retomemos então a pergunta dita inicial: qual é a razão para esse retorno da tradição hoje? E principalmente: por que estaremos interessados em investigar os traços da tradição no interior do Modernismo? A resposta que propus é a de que essa questão estaria ligada tanto ao ocaso das vanguardas quanto ao surgimento de problemas ainda mal definidos e mal caracterizados, que giram em torno do que será o pós­moderno. Quanto à questão propriamente do ocaso das vanguardas, seria bom perceber que em capítulo de mesmo título no livro de Octavio Paz, Os filhos do barro, seremos conduzidos à ideia de que para se questionar a tradição gloriosa da ruptura, é necessário também questionar quatro noções indissociáveis: a de tempo, a de história, a de ética e a de poética. O raciocínio de Paz é brilhante e convincente, vai de tal forma homogeneizando esses quatro elementos que saímos da leitura realmente comprometidos com o fim da ação e do pensamento modernos e pré-dispostos a uma nova estética que, por sua vez, conduziria a pensamentos e ações também novos. Tudo isso que há de novo hoje está sendo articulado, afirma Paz, em torno da noção de agora.

Quanto à noção de tempo, Paz vai dizer-nos que, apesar do moderno (quando estiver me referindo a Paz trato muito mais do Moderno do que propriamente do Modernismo), apesar de o poeta moderno fincar pé no presente, existe, no fundo, um desprestígio do presente com a intenção nem sempre mascarada de uma valorização do futuro. Paz vai dizer-nos que a proposta de tempo vitoriosa em termos da modernidade é a de “colonização do futuro”. A colonização se daria a partir de uma proposta concreta de utopia que estaria presente nos grandes autores modernos. Se vocês pegarem, por exemplo, um poeta como Carlos Drummond, vão ver que, paralelamente ao elogio que faz do tempo presente, da vida presente etc., ele desloca o questionamento do político, do discurso sobre o político, para o momento da aurora do dia que virá (ver “A noite dissolve os homens”). Hoje faz escuro, retomando um pouco a coisa gagá de Thiago de Melo, hoje faz escuro, mas eu canto. Hoje faz escuro, estamos atravessando trevas históricas, mas canto porque acredito na utopia do dia que virá. Acredito na colonização do futuro. A eficácia política da visão utópica tem sido discutida desde a década de 70, isso porque experimentamos hoje uma necessidade de desvalorizar o futuro. O futuro é visto como uma espécie de filme de horror, algo que nos amedronta, e nos amedronta exatamente porque está nos conduzindo a uma catástrofe nuclear que está aí, presente. É para essa catástrofe nuclear e outras advindas da ação moderna que nos chama a atenção os movimentos ecológicos. Vocês estão percebendo que o raciocínio de Paz, como disse, é bastante sedutor. Vai ele construindo esses argumentos para concluir que a poética de hoje é a “poética do agora”, que não marcaria uma ruptura com o passado nem tampouco veria o presente como razão e argumento para que só pensemos no futuro e na utopia. Esse, basicamente, seria o raciocínio de Paz no tocante ao tempo. Vejamos o que daí decorre.

Passando para a noção de história, propõe ele uma revisão da compreensão de evolução como progresso linear; obviamente, a revisão é uma decorrência lógica do que havia dito anteriormente. Paz convida­nos a conceber uma história onde os caminhos do progresso sejam plurais. Por aí vai obrigar-nos também à revisão de uma outra ideia básica que perpassa toda a modernidade: a ideia de revolução como ruptura, tal como é concebida a partir do modelo clássico da Revolução Francesa, modelo este retomado pela Revolução Russa e mais recentemente pela Cubana. Esse modelo de revolução, Paz nos chama a atenção, passa a ser revisto a partir das últimas décadas que ele chama do espírito de rebelião. A rebelião, para Paz, não traduz mais os anseios de uma luta de classes, não é mais um movimento de tipo universal, mas está marcada por uma luta dos grupos minoritários pela busca de identidade. Teríamos, a partir da década de 60, uma espécie de política que se traduz pela fragmentação do movimento social, pela fragmentação do campo político. Vocês estão vendo que as noções de tempo, história e tradição da revolução são ao mesmo tempo postas em xeque por Paz. Em xeque também vai sendo posto o moderno.

Passemos à terceira noção, que é a meu ver a mais evidente: a de ética. Teríamos, a partir ainda da década de 60, uma desvalorização da ética protestante enquanto repressão do desejo e a proposição de uma ética cio corpo, uma ética que levaria em conta todo um processo político de desrepressão do potencial humano de cada indivíduo. Pelo fato de fincar o corpo no presente, de colocar o corpo como o lugar das sensações autênticas, da experiência vital, essa nova postura ética desvincula também o homem da possibilidade de supervalorizar o futuro em detrimento do passado.

Finalmente, chegaria à poética do agora. Diz Paz: “A visão do agora, como centro de convergência dos tempos, originalmente visão de poetas, transformou-se numa crença subjacente nas atitudes e ideias da maioria de nossos contemporâneos. O presente tornou-se o valor central da tríade temporal. A relação entre os três tempos mudou, porém essa mudança não implica o desaparecimento do passado ou do futuro: ao contrário, adquirem maior realidade, ambos passado e futuro tornam-se dimensões do presente, ambos são presenças e estão presentes no agora”. Vocês estão vendo que dentro da poética do agora de Paz começa a haver lugar para uma concepção de passado que não estaria marcada pela ruptura no presente,. e para uma concepção de futuro sem supervalorização pela utopia. Não indo nem para o passado nem escapando pelo futuro, fincando pé no agora, por ar vemos de que maneira subreptícia o passado e a tradição começam a entrar na construção do presente. Ao mesmo tempo, vamos desligando-nos da estética do make-it-new, da ironia com relação aos valores do passado. Portanto, hã uma confluência das três dimensões do tempo em Paz que seria a abertura para que se pudesse discutir, dentro da poesia, o novo papel da tradição.

Ainda nesta primeira parte do trabalho, acrescento que vejo, paralelamente à configuração do ocaso das vanguardas, o aparecimento da noção de Pós-Moderno. Chamaria apenas a atenção de vocês para um fato que é bastante evidente, em particular nas discussões recentes sobre arquitetura: os arquitetos pós-modernos estão buscando uma convivência não-destrutiva com o passado. Um exemplo bastante revelador do que é a posição oposta, a posição moderna, encontra-se na construção do edifício que é a expressão máxima do Moderno entre nós, o edifício do Ministério que na década de 30 era o da Educação e Saúde. Esse Ministério estava antes abrigado em um belíssimo prédio fin de siècle, na Cinelândia, infelizmente hoje demolido. Os arquitetos, agora, estão se dando conta da destruição que houve do passado, sem cair obviamente na recuperação do passado pelo kitsch como encontramos em Botafogo. Kitsch, para mim, é pintar os belos sobrados de Botafogo de cor-de-rosa, morango etc. Não é a isso que estamos nos referindo. Nem o kitsch, nem a destruição do passado, mas a convivência de estilos de épocas diferentes, nem tampouco a ironia e a paródia. Sem tampouco, ainda, a condição de Ouro Preto, onde o passado é, por assim dizer, salvaguardado no seu próprio passado, sem nenhum contato com o presente. O tratamento do Pós-Moderno está no livro de Paolo Portoghesi sobre a arquitetura pós-moderna, ou num artigo recente de Fredric Jameson, estaria também no pouco caso que as novíssimas gerações dispensam à paródia, já que passam a trabalhar mais e mais com o estilo do pastiche. Assim, saindo da paródia e da ironia com relação ao passado, e passando para o pastiche, o artista pós-moderno incorpora a tradição e o passado de uma maneira onde a confiabilidade seria a tônica, respaldada pelo pluralismo.

Vamos agora à segunda parte, onde pretendo expor o conceito de tradição em Eliot e o de tradição da analogia em Paz, para ver como ambos trabalham com essas noções reacionárias dentro do Moderno.

Eliot, no seu artigo já citado, “Tradição e talento individual”, procura desmascarar um processo típico que encontramos na crítica do moderno, espécie de preconceito que temos: o crítico moderno apenas elogia um poeta naquilo que, na poesia dele, menos se assemelha à dos outros. O crítico moderno vai sempre dar ênfase ao traço individual, vai sempre valorizar o talento original do escritor. Eliot diz que aí está um preconceito bastante simples de ser desmascarado: “No entanto, se abordarmos um poeta sem esse preconceito, muitas vezes vamos descobrir que não só as melhores mas as partes mais pessoais do seu trabalho podem ser aquelas em que os poetas mortos, seus antepassados, afirmam a sua imortalidade de maneira mais vigorosa”. É pelo compromisso do poeta moderno com os poetas mortos, pela afirmação da imortalidade do discurso da poesia é que estaria se definindo o discurso da tradição em Eliot.

Eliot, é claro, descarta o sentido de tradição que seja apego cego ou tímido às conquistas dos que precedem imediatamente a nova geração. Acho importante dar essa definição de “falsa tradição” porque é por aí que descartamos, nesta revisão do Modernismo, um grupo como “Festa”, que teve certa notoriedade na década de 30 no Rio de Janeiro. O grupo “Festa” tinha uma proposta de discurso de tradição no Modernismo, mas no fundo era uma proposta de falsa tradição porque se tratava de um neo-simbolismo. Isso não é a verdadeira tradição para Eliot, isso é simplesmente a retomada de uma geração imediatamente anterior, retomada das conquistas de uma geração anterior dentro de uma estética que já não comportava mais os velhos padrões. Isso, sim, nada mais era do que – ainda hoje é – passadismo, academicismo.

Eliot vai dizer-nos que o sentido da verdadeira tradição está ligado à noção do que ele chama de “sentido histórico”, em inglês: “historical sense”. Define da seguinte maneira o sentido histórico, e aqui de novo abro aspas: “O sentido histórico envolve uma percepção não só da condição passada do passado, mas também da sua contemporaneidade”. E continua: “O sentido histórico leva um homem a escrever não só com a sua própria geração nos ossos, mas com o sentimento de que o todo da literatura da Europa, desde Homero, e dentro dela o todo da literatura do seu país, tem uma existência simultânea e compõe uma ordem simultânea”. Eliot incorre para nós em evidente europeucentrismo, e é por aí que realmente deve ser rechaçado. Uma das características do Modernismo vai ser o apego construtivo à nossa civilização indígena de um lado e às civilizações africanas do outro. Não há dúvida nenhuma que a noção de tradição estaria vinculada, em Eliot, a uma única e exclusiva tradição ocidental. Esse pode ser o caso de Murilo Mendes, certamente o nosso maior poeta modernista europeucêntrico, mas não vai ser o caso de Oswald de Andrade. Em razão da visão de passado enquanto passado e enquanto nosso contemporâneo, em virtude ainda do europeucentrismo, é que Eliot foi sempre mal visto no Brasil. A estética dele, por exemplo, não condizia com os princípios de revisão histórica pregados pelos nos­ sos poetas do primeiro momento modernista. A partir, portanto, do solo tradicional que estou tentando circunscrever aqui, estaria emergindo o valor da tradição, estaria emergindo ainda a possibilidade de se compreender o Modernismo hoje de uma maneira que não é mais a convencional. Por convencional entendo a maneira como o movimento foi interpretado até pelos livros didáticos. A nossa tentativa deve ser, pelo contrário, a de sem desmerecer a perspectiva vitoriosa e dominante, compreender o Modernismo dentro de especulações que levam em conta a tradição.

Para que discorra um pouco sobre a tradição da analogia no discurso da poesia moderna, é importante que explique o raciocínio de Paz nesse tocante. O raciocínio é o seguinte: Paz percebe no poeta moderno uma relação sempre contraditória com a História, diz que o poeta moderno começa sempre por uma adesão entusiasta à História, à revolução, para em seguida romper bruscamente com os movimentos revolucionários de que participou, sejam eles a Revolução Francesa, a Russa ou a Cubana. Sei tudo o que há de discutível na “descoberta” de Paz; no entanto, o interesse hoje é muito mais o de reproduzir o pensamento alheio para mostrar, certamente, até que ponto o discurso da tradição no interior do moderno estaria ligado a um pensamento de tipo neoconservador. Talvez tenha adiantado um pouco as coisas, mas um dos pontos que a gente poderia discutir mais tarde é que Eliot e Paz mantêm, com relação à política, uma atitude neoconservadora. Talvez seja por isso que esteja perdendo (ou ganhando?) um pouco do meu tempo falando dos dois poetas para que depois possa articular com maior segurança e melhor conhecimento de causa o fato de que, quando se fala de tradição, encaminha-se necessariamente para uma crítica aguda do Iluminismo enquanto razão crítica contundente da ideia de revolução segundo o modelo estabelecido pela Revolução Francesa. Estaremos também expondo para poetas engajados na luta revolucionária este possível disparate: a impossibilidade de um poeta; na sua idade madura, endossar os valores políticos ditos positivos pela história moderna.

Retomando Paz: na época do domínio da razão crítica e da secularização do saber, o poeta moderno não encontra asilo no próprio solo histórico, ele é um religioso. Não encontrando o solo histórico do presente para poder apoiar a sua poesia, o poeta moderno, segundo Paz, vai buscar o que ele chama de tradição da analogia, ou seja, o conhecimento que era definidor da episteme no século XVI, quando a visão do universo era dada como um sistema de correspondências (vide Michel Foucault, Les mots et les choses, capítulo “La prose du monde”). Quando começamos a conhecer a semelhança, por exemplo, que determinada semente mantém com os olhos, estamos descobrindo que ela deve fazer bem aos olhos. Descobrir a correspondência é chegar a um saber. Tradição da analogia: uma visão do universo como sistema de correspondência e uma linguagem que é uma espécie de duplo do universo. O poeta moderno, para Paz, se desliga politicamente de um compromisso com a História dele próprio e finca pé na terra do século XVI, onde a linguagem poética, pela correspondência entre coisa e palavra, funda o universo e o saber. Pela linguagem da analogia, o poeta é o fundador do universo e do saber, ele dá nome às coisas. Não se deve confundir esta com a postura nietzscheana, onde o dar nome às coisas significa também um ato de poder sobre as coisas. Não é exatamente disso que Paz fala. Fala do poeta moderno como fundador, do poeta como o homem religioso que pela primeira vez nomeia as coisas e, nomeando-as, está criando poesia.

A tradição, no raciocínio de Paz, tem o sentido de um solo histórico do saber que o poeta toma de empréstimo ao passado para que possa articular a sua reação contra os princípios revolucionários motores da modernidade. Portanto, a tradição da analogia, como falei anteriormente, está escamoteada no livro Os filhos do barro na função que tem de reação aos princípios da modernidade. Ela é reacionária, no sentido que lhe empresta E.M. Cioran.

Dito isso, passarei a uma discussão mais concreta: como julgamos a tradição quando falamos do Modernismo brasileiro? Como já disse, vou dividir a resposta entre a mais interessante a menos interessante. Passarei com rapidez pela menos interessante e me deterei mais na que julgo mais interessante. Não há dúvida nenhuma que, por volta de 1945, na poesia brasileira há um retorno positivo das chamadas formas clássicas do poetar, o vírus do soneto coccus brasiliensis. Há, por exemplo, um retorno do soneto tanto num Ledo Ivo quanto num Vinícius de Moraes, e vamos encontrar ainda o envolvimento com a tradição até mesmo em João Cabral, quando escreve os poemas utilizando o verso retirado do romance popular, ou quando, a nível da composição, vai utilizar o auto dentro da tradição de Gil Vicente. É nessa época também que surgem os nossos primeiros historiadores modernistas da literatura brasileira, como Antônio Cândido e Afrânio Coutinho; são eles que estabelecem os padrões modernistas da tradição.

Esse envolvimento dos novos modernistas com a tradição vai influenciar os chamados primeiros poetas modernistas: é o caso a que me referi de Carlos Drummond com o poema “A máquina do mundo”. Drummond tinha assumido nitidamente até 1949, até Claro enigma, uma postura política de tipo revolucionário, aproximando-se mais e mais do Partido Comunista, e de repente retoma a tradição lusa em Camões. Reparem como Paz tem razão: o apelo à tradição no Modernismo vai entrar sempre próximo do rompimento do poeta com uma linha de participação política do tipo marxista e, ao mesmo tempo, vai inaugurar uma preocupação maior pela poesia, com o ser da poesia, com o fato de a poesia, talvez, estar irremediavelmente desligada de um compromisso maduro com a História presente do poeta. No momento em que Drummond se desliga do PCB, em que Drummond relega a segundo plano a “rosa do povo”, em que abre um livro dizendo que “escurece, não me seduz sequer tatear uma lâmpada”, no momento em que rejeita a poesia solar e participante, começa também a se interessar, sem ironias, pelos grandes temas da tradição luso-brasileira.

O caso mais interessante, a meu ver, para se falar de tradição no Modernismo, e aí desvinculo-a da noção de neoconservadorismo, seria a viagem feita pelos modernistas, em 1924, a Minas Gerais, viagem da qual fazem parte, entre outros, Mário e Oswald, e um poeta suíço, radicado na França, Blaise Cendrars. Aqueles poetas estavam todos imbuídos pelos princípios futuristas, tinham confiança na civilização da máquina e do pro­ gresso; e de repente viajam em busca do Brasil colonial. Deparam com o passado histórico nacional e com — o que é mais importante para nós — com o primitivo enquanto manifestação do barroco setecentista mineiro. Sobre a viagem, cito uma observação aguda de Brito Broca: “Antes de tudo, o que merece reparo, nessa viagem (a Minas) é a atitude paradoxal dos viajantes. São todos modernistas, homens do futuro. E a um poeta de vanguarda que nos visita, escandalizando os espíritos conformistas, o que vão eles mostrar? As velhas cidades de Minas, com suas igrejas do século 18, onde tudo é evocação do passado e, em última análise, tudo sugere ruínas. Pareceria um contra-senso apenas aparente. Havia uma lógica interior no caso. O divórcio em que a maior parte dos nossos escritores sempre viveu da realidade brasileira fazia com que a paisagem de Minas barroca surgisse aos olhos dos modernistas como qualquer coisa de novo e original, dentro, portanto, do quadro de novidade e originalidade que eles procuravam. E não falaram, desde a primeira hora, numa volta às origens da nacionalidade, na procura do filão que conduzisse a uma arte genuinamente brasileira? Pois lá nas ruínas mineiras haviam de encontrar, certamente, as sugestões dessa arte. […] Mas essa excursão foi fecunda para o grupo modernista. Tarsila teria encontrado na pintura das igrejas e dos velhos casarões mineiros a inspiração de muitos de seus painéis; Oswald de Andrade colheu o tema de várias poesias pau brasil, e Mário de Andrade veio a escrever então seu admirável ‘Noturno de Belo Horizonte’.”

Brito Broca, a meu ver, é muito feliz mostrando o dilaceramento do Modernismo, logo no seu início. Por um lado, uma estética futurista que pregava a desvinculação com o passado, e nesse sentido é bom lembrar o “Manifesto futurista”, onde Marinetti pregava o incêndio de bibliotecas e museus, e, por outro lado, o choque no contato inesperado e frutífero com a tradição mineira. E o que surge desse contato? Há uma crônica de Mário de Andrade, escrita logo após a viagem, em 1924, em que ele relata a experiência do grupo diante do quadro da tradição barroca. Vou selecionar da crônica apenas três tópicos para que se veja como mergulham na tradição poetas e pensadores que não estavam de maneira nenhuma predispostos a enxergar o passado sem a ironia Dadá.

O primeiro tópico que seleciono se refere à atitude de Tarsila com relação a Paris. Tarsila, diante de Ouro Preto, diz que quer voltar a Paris, mas não quer mais voltar a Paris para saber da última moda. Quer voltar para aprender a restaurar quadros. Tarsila já enxerga Paris como o lugar não mais para o dernier cri, mas o lugar onde poderia adquirir um saber que proporcionasse a restauração do passado colonial brasileiro, infelizmente em estado lastimável. Eis a passagem (tomei a liberdade de fazer antes uma pequena paráfrase, porque às vezes a citação solta é um pouco obscura): “Mas, voltando ao assunto, que maravilha caída do céu a nossa Tarsila! Tomou-a agora um fogo sagrado…os olhos brilham. A voz firmou-se enérgica, verdadeira. Que é de Paris? Que é do Cubismo? – Não, Malazarte [Malazarte é o nome que Mário usa para assinar a crônica]. Volto a Paris, mas para me aperfeiçoar ainda mais nos processos de restauração de pinturas. Depois venho para Minas. É preciso conservar (o grifo é nosso) tantos tesouros. Eu estou pronta. E sem nenhuma paga. Que remuneração melhor para mim que restituir à pequena e maravilhosa Rosário de São José d’el Rei o esplendor passado do seu teto? Toda a minha vida que se resumisse nisso… eu seria feliz! Gosto das grandes empresas.” Bastante significativa é essa pequena passagem porque está em germe aí um dos grandes projetos “conservacionistas” dos modernistas: aproximam-se do Ministério da Educação e Saúde na década de 30 para a criação do SPHAN, Mário de Andrade à frente. A meu ver, o discurso mantido por Tarsila, resquício do discurso da tradição ao lado da estética nitidamente futurista ou dadá dos modernistas, serve para erguer a institucionalização bastante rápida do credo modernista no Estado Novo. Parece que Tarsila fala aqui como se fosse Rodrigo de Mello Franco, só que está falando em 1924, o que é bastante significativo.

Por outro lado, há um trocadilho muito divertido de Oswald de Andrade na mesma crônica: eles encontram um indivíduo chamado Senna, que lhes serviu de guia em São João d’el Rei. Num determinado momento, Oswald faz um destes trocadilhos maravilhosos: “Oswald jura que jamais tivera a intenção de abandonar Paris para vir encontrar o Senna em São João d’el Rei”. Vemos, de certa forma, como ambos, Tarsila e Oswald, nesse momento preciso do Modernismo, estão imbuídos da necessidade do apego a tradição, à tradição colonial setecentista mineira. Daí para o matriarcado de Pindorama será um passo.

O terceiro exemplo é de responsabilidade do autor da crônica, Mário. Faz ele uma crítica severa da arquitetura moderna que ele encontra nas grandes cidades do Brasil. Diz o seguinte: “Pois é: não vê que estão a encher as avenidas de São Paulo de casinholas complicadas, verdadeiros monstros de estações balneárias, de exposições internacionais. Por que não aproveitam as velhas mansões setecentistas tão nobres, tão harmoniosas, e sobretudo tão modernas pela simplicidade do traço? Em vez, não sujam a Avenida Paulista com leicenços mais parecidos com pombais feitos por celibatário que goza aposentadoria”. E continua fazendo uma crítica violenta ao que seria uma arquitetura moderna em São Paulo naquele momento e, alvo maior da crítica, a Catedral de São Paulo, que estava sendo construída na época.

Estou querendo chamar a atenção de vocês para o fato de que não precisamos ir à geração de 45 para ver a presença nítida de um discurso de restauração do passado dentro do Modernismo. A contradição entre Futurismo, no sentido europeu da palavra, e Modernismo, no sentido brasileiro, já existe em 24, no momento mesmo em que os novos estão tentando impor uma estética da originalidade entre nós. A emergência do discurso histórico no Modernismo visa a uma valorização do nacional em política e do primitivismo em arte. E não há dúvida que a melhor mostra dessa valorização do nacional e do primitivo se encontra na obra de Tarsila, em termos plásticos, e na poesia de Oswald, em termos propriamente literários.

Mas aqui gostaria de fazer uma abordagem de Oswald distinta da análise de sua obra que dá ênfase à paródia. Se se valoriza, numa leitura da poesia e do pensamento de Oswald, a paródia, é claro que não será possível ver o traço que estou procurando trazer à tona. A paródia, ao fazer ironia dos valores do passado, faz com que o presente rompa as amarras com o passado, cortando a linha da tradição. Dessa forma, temos, se estamos interessados em ver como se manifesta na poesia de Oswald de Andrade o traço tradicional, que abandonar a leitura feita em particular pelos poetas concretos na década de 50 e, de certa forma, fixadas pelos novíssimos nas décadas de 60 e 70. Temos que buscar um outro Oswald, o dos textos filosóficos. Diria que a maioria das pessoas que conhecem bem a obra de Oswald não chegaram a ler com cuidado os textos filosóficos do autor, o que, também, não deixa de comprovar a ideia de que a leitura do Modernismo foi feita muito em cima da estética da ruptura, portanto, não deixando entrever o que os textos filosóficos mostram.

É bastante raro dentro do Modernismo um poeta que tenha uma visão filosófica de mundo explícita em textos conceituais. E essa visão de mundo está em Oswald marcada por uma noção original do conceito de utopia, que não seria nem a utopia nitidamente marxista, nem a utopia tal qual definida pelo modelo da Revolução Francesa – para Oswald, a utopia é caraíba. O saber selvagem, diz Oswald, vem questionando o saber europeu desde o primeiro contato da Europa com a América. De Montaigne a Rousseau, ou seja, passando da crítica às guerras religiosas e à Inquisição e chegando ao bom selvagem de Rousseau, sem esquecer a Declaração dos Direitos do Homem, o selvagem tem sido o motor da utopia europeia. Oswald, com o pensamento e a ação antropófagos, visa a trazer a utopia caraíba europeia para o seu lugar próprio — o Brasil. A utopia oswaldiana questiona ainda o fato de a sociedade ocidental ser patriarcal — e aí está um outro deslizamento de sentido proporcionado pelo pensamento de Oswald que é bastante rico. Teremos de reentrar em solo matriarcal brasileiro, devidamente industrializados, para que a utopia se dê plena. Dar-se-á no concreto do Matriarcado de Pindorama, revisto pela tecnologia.

Vou ler uma frase de Oswald que é bastante reveladora da relação entre falsa utopia e patriarcado, gerada aquela pelos movimentos messiânicos: “Sem a ideia de uma vida futura, seria difícil ao homem suportar a sua condição de escravo; daí, a importância do messianismo na história, do patriarcado”. Dentro da ordem patriarcal, o homem é escravo no presente. O futuro utópico proposto pelo messianismo ratifica a infelicidade do presente. A verdadeira utopia já começa a ser o próprio presente. E cito Oswald de novo: “E hoje, quando pela técnica e pelo progresso social e político atingimos a era em que, no dizer de Aristóteles, os fusos trabalham sozinhos, o homem deixa a sua condição de escravo e penetra de novo no limiar da idade do ócio, é o outro matriarcado que anuncia”. A técnica chegará a um determinado estágio em que não mais deixará o homem trabalhar. Poderá dedicar-se ao ócio (e não ao negócio, como na sociedade patriarcal). Dedicando-se ao ócio, no eterno retorno do Matriarcado de Pindorama, aproveitando-se ainda da tecnologia, o homem chega à condição de “bárbaro tecnicizado”. Insisto em dizer que a utopia em Oswald já começa a se dar no presente, como ele próprio diz, repito: “E hoje (grifo nosso), quando pela técnica e pelo progresso social e político atingimos a era…”

Não me deterei muito em Oswald, quero, no entanto, deixar claro que a noção de tempo que tematiza não é marcada pelo progresso linear da civilização humana, mas por um movimento contraditório. Parece que a técnica caminha em linha reta para, depois, se fechar num círculo, retomando o Matriarcado de Pindorama, ou seja, para Oswald o Brasil é por excelência o país da utopia, desde que – como pensavam os modernistas – se atualizasse pela industrialização. Voltando ao Matriarcado de Pindorama, à origem do Brasil e da utopia moderna na Europa, chegamos ao futuro. Dessa maneira, Oswald tenta conciliar a visão linear progressiva em direção ao futuro com o retorno ao Matriarcado. Seria o que se pode chamar de eterno retorno em diferença. Não seria o eterno retorno do mesmo, já que Oswald não quer, como Policarpo Quaresma, que o Brasil volte a ser um país indígena. Essa teoria de Oswald, por incrível que pareça, tem sido reativada por alguns antropólogos franceses, em particular Pierre Clastres. Clastres tem mostrado como os indígenas brasileiros construíam o social sem a noção de poder coercitivo. Esta seria a nossa diferença básica com relação aos incas e aztecas. Essa ausência de poder coercitivo (de repressão, diria Oswald) se encontra tematizada nas melhores páginas sobre o Matriarcado. Uma utopia onde não haveria chefes, onde haveria uma comunidade de iguais. Sem negócio, pleno ócio.

Passemos agora a Murilo Mendes. Um detalhe importante na sua poesia é a conversão, em 1934, ao catolicismo sob a inspiração do pintor e poeta Ismael Nery. O discurso cristão seria a outra marca importante do discurso da tradição na poesia moderna brasileira. É curioso nesse sentido observar como Murilo vai retomando a mesma atitude de Eliot, desejando não mais afirmar o seu talento individual, mas procurando dar continuidade a um discurso que já pré-existia a ele, o discurso do cristianismo. Nesse sentido, para os que se interessam de perto pela poesia de Murilo, lembro um fato curioso: não quis que reeditassem um de seus livros, História do Brasil, certamente porque nele estava manifesta a sua preocupação estreita com o nacional, através do estilo parodístico. Não fazia mais sentido num discurso de convertido, no discurso universalizante do cristianismo, a preocupação limitada com o nacional. No momento em que abandona a vertente nacionalizante do Modernismo, Murilo deixa de ser apenas um poeta para ser profeta. E não é por acaso que se transfere mais tarde para Roma, onde vem a falecer. Questão de coerência. Tinha de morrer em Roma. Eis a história de Pedro, da pedra e da eternidade. O discurso da tradição que retoma os valores do cristianismo tornava praticamente impossível a relação cotidiana do poeta com o Brasil. Aliás, fato semelhante se dá com Henry James e T.S. Eliot. Eliot abandona a cidadania americana, assume a inglesa, converte-se ao anglicanismo e acaba por receber o título de Sir das mãos da rainha. Parece que todas as vezes em que falamos do discurso da tradição europeizante, em que tentamos ver a rentabilidade desse discurso dentro do Modernismo, caímos sempre num pensamento de tipo neoconservador. No caso de Murilo, a própria definição de tempo é muito interessante. Um de seus poemas, “A flecha”, é sintomático na contradição que apresenta ao próprio movimento da metáfora – a flecha – do fluir do tempo. Diz o seguinte o poema:

O motor do mundo avança:

Tenso espírito do mundo,

Vai destruir e construir

Até retornar ao princípio.

Concluimos, ainda, que, quando surge a questão da tradição em poetas que têm uma visão de mundo mais ampla, o discurso poético se alimenta da problemática do eterno retorno. No caso de Oswald, já vimos, o eterno em diferença, o bárbaro tecnicizado. No caso de Murilo, o princípio básico do cristianismo que diz que o fim está no começo. O motor do mundo avança, mas o faz da maneira mais estranha, pois vai construindo e destruindo até chegar ao princípio de tudo que, por sua vez, é o fim.

Eis-me sentado à beira do tempo

Olhando o meu esqueleto

Que me olha recém-nascido.

“Beira do tempo” é uma imagem clássica em Murilo para designar a eternidade. Na beira do tempo o poeta cristão olha o seu próprio esqueleto que por sua vez se olha recém-nascido. O interessante é chamar a atenção para o fato de que em Murilo estamos diante do eterno retorno do mesmo. O fim já está no princípio no fim.

Prosseguindo, acrescento que não deixa de ser curiosa a postura poética de Murilo durante a guerra de 39-45, capítulo ainda muito mal estudado da nossa literatura. Conhecemos bem a atitude de Drummond através dos vários estudos que dela foram feitos. A postura vitoriosa é sempre mais atraente nestes Brasis que detestam os perdedores. Para Drummond, o poeta finca pé na história, entra com os russos em Berlim, dá-nos a visão do martírio de Stalingrado, e assim por diante. O poeta faz poemas com a presença forte do discurso da história política e social, por assim dizer reduplicando-o em versos. Murilo, ao estabelecer uma dicotomia entre tempo e eternidade, complica o esquema temporal da história moderna. O tempo histórico caminha em linha reta, mas o tempo cristão, redenção do tempo histórico, converte a linha reta num círculo, que reduz o paradoxo do fim no princípio e do princípio no fim. Uma frase de Murilo concretiza para nós a implicação política do dualismo tempo e eternidade. Ele afirma que o capitalismo, com relação ao comunismo, é reacionário, mas o comunismo, com relação ao cristianismo, também é reacionário. Para Murilo, há a inviabilidade de uma evolução histórica que passa pelo capitalismo, comunismo etc., mas tudo isso será reacionário na dimensão eterna do cristianismo. Retomemos. Murilo trabalha o discurso histórico e social da guerra de 39 a 45, e mesmo o discurso crítico da ditadura Vargas, não com uma linguagem que reduplica esses discursos (caso, por exemplo, de Drummond, repito), mas com uma linguagem tabular. Procura mostrar que sempre houve o jogo entre a inocência e a crueldade, e para nos falar do conflito bélico e do autoritarismo decorrente utiliza a forma de apólogos ou parábolas. Cito três poeminhas curtos de Poesia liberdade, muito instrutivos para ver como o discurso da tradição cristã impede que se enxergue a especificidade do histórico. O primeiro poerninha diz o seguinte:

A inocência perguntou à crueldade:

Por que me persegues?

A crueldade respondeu-lhe:

– E tu, por que te opões a mim?

Uma se sente perseguida, e a outra também. A crueldade não pode existir sem a oposição da inocência. E vice-versa. Estão vendo que o suporte nítido do poema é a fábula do lobo e do cordeiro, e é esse o comentário que Murilo faz à essência do conflito bélico nas suas contradições combativas.

O poema seguinte fala da evidência, da inevitabilidade da hierarquia

no mundo dos homens:

A aveia do camponês

Queixou-se do cavalo do ditador,

Então o cavalo forte

Queixou-se das esporas do ditador.

Vemos que há uma hierarquização, da aveia até as esporas do di­tador. É dessa forma — pelo inevitável conflito de hierarquia e a consequente violência —que Murilo faz suas críticas aos ditadores da época. Mas o ditador não é apenas Getúlio, Hitler ou Mussolini, aquele ditador que encontramos, com disfarces ou não, nos poemas engajados de Drummond e tantos outros. É um ditador conformado pela relação conflituosa entre as coisas e os seres. É um ditador universalizado, abstratizado, simbólico, manifesto pela forma parabólica.

E o último dos três poeminhas faz um jogo entre as duas dimensões temporais: o tempo propriamente dito e a eternidade. Leiamos o poema:

O pensamento encontrou-se com a eternidade

E perguntou-lhe: de onde vens?

Se eu soubesse não seria eterna.

Para onde vais?

Volto para de onde venho.

À medida qúe Murilo vai assumindo o discurso religioso, a sua poesia vai-se desvinculando mais e mais do contato com o tempo histórico, com o presente imediato do poeta. A poesia passa a dar-nos um comentário tabular, parabólico – no sentido de parábola como se encontra no Novo Testamento – a respeito das questões mais candentes da vivência social e política do poeta.

Terminaria a nossa conversa de hoje sobre a permanência do discurso da tradição no Modernismo quase sem palavras, ou com pequenas palavras, dizendo que talvez seja irremediável o fato de que, dentro da estética da ruptura característica da Modernidade e do Modernismo, nas vezes em que fomos buscar o traço forte da tradição, ou até mesmo o traço pouco vincado, nos aproximamos mais e mais de uma poesia, de uma produção poética que se desliga do social enquanto dimensão do histórico vivenciado pelo poeta. Isso às vezes pode beirar – e muitas vezes beira – o neoconservadorismo.

QUESTÕES

Qual o significado, se é que há algum, do pensamento sociológico de Max Weber para uma base de crítica ao pensamento moderno na Europa? Você poderia discorrer sobre as possíveis causas do retraimento do pensamento utópico ou revolucionário?

Acho que a primeira parte da pergunta escapa completamente ao teor da conferência e, por outro lado, sou muito fiel à minha modéstia, sou um professor de literatura e de maneira nenhuma vim aqui para discorrer sobre Max Weber. Vou me ater à segunda parte: Tentei apresentar esse retraimento a partir da visão de Octavio Paz no livro Os filhos de barro. Tenho a impressão de que as categorias que ele menciona, em particular a de ética, pode ser de alguma ajuda. Fala de uma política, do corpo, do ressurgimento de um corpo que não estaria mais comprometido com a ética protestante do trabalho, um corpo que recusa, inclusive, a colonização, usando a terminologia dele, a colonização do futuro. Esse corpo, então, estaria fincando mais e mais o pé no agora; nesse sentido, um corpo que é fruição. Poderíamos discutir aqui, de novo, o que poderia haver de conservador nessa ideia, mas a meu ver essa ideia estaria ligada à emergência, em particular na década de 70, às chamadas minorias sexuais. De certa forma, na nossa sociedade ocidental, em particular, o prazer esteve muito vinculado a uma certa normalização da conduta sexual, e quando essa conduta não era normalizada, as pessoas se sentiam enormemente infelizes. Acho que a emergência de um pensamento de minoria, e ao mesmo tempo a necessidade de um corpo desreprimido, de um corpo que pode ser pura alegria (tópico que Paz não trabalhou) seria também a crítica do pensamento como sendo um pensamento que apresenta o presente como sempre em estado de sofrimento, de martírio,de penúria. De certa forma, esse sofrimento, esse martírio no presente, é sempre redimido pela possibilidade de uma utopia. Invertendo os termos, dizendo que o presente pode ser vivido, pode ser vivido alegremente, sem as amarras de repressão, estaríamos descondicionando a possibilidade e a rentabilidade de um pensamento de tipo utópico. Quando eu falo da alegria, fica óbvio que a crítica do pensamento utópico passaria necessariamente por Nietzsche, passaria necessariamente pela crítica do sofrimento, do martírio, pela crítica de uma certa teologia que se encontra em toda utopia e em todo pensamento revolucionário.

O que Octavio Paz chama de tradição da ruptura parece não ter nada a ver com a tradição de Eliot, vinculada à noção de permanência. Se algo “permanece” no moderno de Paz é a obrigação de inovar, de provocar rupturas. A afirmação é paradoxal, quem inova é quem está de acordo. Numa situação como esta, que sentido ainda existe em chamar alguém de conservador? Não estarfamos sendo modernos demais?

Tentei chamar a atenção para o fato de que eu estava fazendo uma leitura meio traiçoeira de Octavio Paz. Ele escreve o seu livro para falar da tradição da ruptura, para falar da importância do original dentro do projeto moderno, mas Paz está também interessado em justificar o fato de que o poeta entra em contradição com o seu presente, entra em contradição com a história. Segundo Paz, quando o poeta surge, adere sempre à revolução, mas na medida em que vai se tornando maduro, rechaça a revolução. Como sabemos, Octavio Paz defende a intervenção dos EUA na Nicarágua. Estou tentando mostrar que Octavio Paz cria o que chamei de um solo histórico para a sua criação, que é o da analogia. Como em Baudelaire, onde tudo se corresponde, ou se preferirmos, o livro de Antonin Artaud, Los Tarahumaras. O poeta é aquele que anuncia estas correspondências secretas entre as coisas do mundo, portanto, no momento mesmo da secularização do conhecimento, o poeta assume o discurso religioso da gênese. É essa contradição que eu tentei explicar chamando a atenção para o fato de que, subrepticiamente, aparece no livro sobre a tradição da ruptura a tradição da analogia. Existem dois significados para a tradição no livro de Octavio Paz: um que é o que aparece o tempo todo, a tradição make-it-new, outro o da tradição da analogia. Para ele, a tradição da ruptura está chegando ao fim porque os processos que marcariam essa tradição estão ficando mais e mais esclerosados. Foi nesse sentido que eu tentei encaixar essa esclerose do moderno a uma reflexão que caminha para o pós-moderno. Paz diz o seguinte: “Hoje somos testemunhas de outra mutação, a arte moderna começa a perder seus poderes de negação, há anos suas negações são repetições rituais, a rebeldia convertida em técnica, a crítica em retórica, a transgressão em cerimônia, a negação deixou de ser criadora; não quero dizer que vivemos no fim da arte, vivemos o fim da ideia de arte moderna”. Se vocês todos estão me entendendo, todos recebemos hoje em dia, em casa, uma dezena de livros cujo estilo é a paródia; para dizer a verdade, eu não dou mais a mínima importância a esses livros porque a paródia, em termos de discurso poético, virou uma espécie de cerimonial de iniciação. É nesse sentido, então, que Paz, que faz a apologia da estética da ruptura, durante o período moderno, vai enxergando também um fim da estética da ruptura, porque essa estética da ruptura, hoje, nada mais é do que técnica, nada mais é do que um ritual, nada mais é do que uma cerimônia. Foi dessa forma, que, subrepticiamente, tentei ligar o pensamento de Octavio Paz à emergência do Pós-Moderno ou ao ocaso das Vanguardas, tentei mostrar que há dois conceitos de tradição em Octavio Paz e como um conceito é operacionalizado o tempo todo e o outro conceito não o é, fica como pano de fundo. Finalmente, tentei mostrar como esta ideia da tradição da ruptura, que foi a ideia dominante do romantismo até hoje, está chegando a um momento de esclerose.

Poderia desenvolver a questão da paródia-pastiche? Por que os neo­simbolistas brasileiros estariam sendo acadêmicos? Os maiores pintores alemães os chamam de neo-expressionistas estariam fazendo paródias ou pastiches do primeiro expressionismo? São acadêmicos? O que é hoje a academia? O que é a ruptura?

Por que nós falamos de tradição hoje? Acho que nós não falamos de tradição, hoje, gratuitamente; falamos de tradição tentando exatamente compreender, por exemplo, a diferença entre paródia e pastiche. Por que uma arte deixa de ser paródia? Ela deixa de ser paródia porque a paródia se tornou um ritual, se tornou uma cerimônia, se tornou alguma coisa de esclerosada. Portanto, a paródia deixa de ser paródia no momento em que ela é um mero recurso técnico usado pelos jovens poetas para ter acesso à poesia. Nesse sentido, então, é que Jameson vai dizer que uma das características do Pós-Moderno seria o abandono da estética da paródia e a aproximação da estética do pastiche. A meu ver, pastiche se encontra exatamente nesse exemplo que você me dá dos novos pintores alemães, chamados de neoexpressionistas. Eu não gosto da expressão neo-expressionista, mas tudo bem. Os chamados neo-expressionistas estariam fazendo pastichedo primeiro expressionismo. Eles já não estão fazendo paródia, porque a paródia significa uma ruptura, um escárnio com relação àquela estética que é dada como negativa. O pastiche não rechaça o passado, num gesto de escárnio, de desprezo, de ironia. O pastiche aceita o passado como tal, e a obra de arte nada mais é do que um suplemento. Eu não diria por isso “neo-expressionismo”, diria uma espécie de “suplemento ao expressionismo”. Reparem que a lógica da palavra suplemento é muito curiosa, porque o suplemento dá a impressão de ter em mãos alguma coisa incompleta que você estaria completando. Suplemento é alguma coisa que você acrescenta a algo que já é um todo. Dessa forma, eu não diria que o pastiche reverencia o passado, mas diria que o pastiche endossa o passado, ao contrário da paródia, que sempre ridiculariza o passado. Quando Oswald de Andrade diz “Minha terra tem palmares”, obviamente, é uma grande gargalhada em cima de Gonçalves Dias, que dizia que na “Minha terra tem palmeiras”. O que Oswald de Andrade está dizendo para ele é o seguinte: “Sr. Gonçalves Dias, minha terra tem são revoluções libertárias, tipo Palmares, é isso que faz com que o Brasil seja o Brasil”. É uma atitude completamente diferente. Já o caso de Festa é muito diferente dos “neo-expressionistas”. Festa surge na década de 30, portanto, no momento da emergência da estética moderna no Brasil, e pretensamente criticando os excessos do Modernismo. Os adeptos de Festa, entre eles Tasso da Silveira, fazem uma poesia que nada mais é do que repetição – reparem a diferença que eu faço entre repetição e suplemento -, mera repetição do simbolismo, quer dizer, eles não acrescentam nada no sentido que eu espero que esses bons pintores alemães estejam acrescentando ao expressionismo. Daí, o fato de eu não gostar da noção de neo-expressionismo e aceitá-la perfeitamente quando, ao falar, por exemplo, da nova figuração brasileira, dizer que é um movimento Neo-Dadá, porque aí, sim, é uma retomada do Dadá enquanto uma estética da ruptura e, portanto, é um retorno da estética da ruptura na década de 60 e 70.

O Sr. contrapôs paródia e pastiche relacionando-os a Moderno e Pós­ Moderno. Poderia se estender mais sobre o conceito de pastiche, se possível exemplificando onde ocorreu?

Olha, se você quiser uma exemplificação eu terei que ser muito pouco modesto e falar de um romance meu chamado Em liberdade. Vocês sabem que Graciliano Ramos escreveu Memórias do cárcere, onde narra longamente a experiência que ele teve dentro dos cárceres da repressão, durante o período do Estado Novo. De maneira nenhuma eu estou criticando o estilo de Graciliano Ramos que, a meu ver, é o melhor estilo modernista. Portanto, todas as reverências possíveis a Graciliano Ramos! Mas eu resolvi ser ousado fazendo um diário íntimo falso de Graciliano Ramos no momento em que ele sai da prisão, fiz um pastiche de Graciliano Ramos. De certa forma, eu estou repetindo o estilo de Graciliano Ramos, adoro o estilo de Gracialiano Ramos, acho uma maravilha; portanto, acho que aquele estilo deve ser reativado, e, sobretudo, devia ser reativado em um momento em que alguns autores brasileiros, considerando os melhores, estavam escrevendo muito mau romance. Quis ativar o estilo de Graciliano Ramos, incorrendo em outras formas de transgressão, poderia ter feito uma paródia de Graciliano Ramos, mas não, eu fiz uma coisa que, obviamente, a família aceitou com muita dificuldade, que foi assumir o estilo de Graciliano Ramos e assumir, pior ainda, o Eu de Graciliano Ramos. Escrevi um diário falso no momento em que ele sai da prisão, o que ele nunca teve coragem de escrever. E, a meu ver, é o que a esquerda dos anos 30 nunca teve a coragem de escrever: a experiência da prisão, a experiência do martírio, a experiência do sofrimento, da dor. Não há nenhuma crítica a isso. Mas eu gostaria exatamente de fazer um suplemento a isso, de suplementar isso que já é um todo. Tentei, então, inventar o que teria passado na cabeça de Graciliano Ramos, com o estilo de Graciliano, e fazendo de conta que se trata de um diário íntimo que ele teria escrito quando saiu da prisão. Essa é a melhor definição que eu posso dar de pastiche que, ao mesmo tempo, é transgressão. Reparem que eu estou assumindo a voz e o estilo, e mesmo a vida, de um outro, vejam a diferença que existe entre esse meu livro e o do Gabeira. O Gabeira, quando faz uma espécie de diário da sua experiência revolucionária, o faz por ele mesmo; é ele, Gabeira, falando dele mesmo. Eu de repente estou falando da experiência de uma outra pessoa, não na terceira pessoa e não com o meu estilo, mas com o estilo da própria pessoa. Esse seria, a meu ver, um dos traços no Neomoderno, esta capacidade que você tem não de enfrentar Graciliano Ramos através da paródia, mas de definir qual é o autor, qual é o estilo que você deseja suplementar. E a estética a que eu me refiro, e que Octávio Paz se refere durante todo o seu livro, é a estética da ruptura. Nesta você enxerga o passado de uma maneira irônica, sarcástica, como se não quisesse endossá-lo, como se tudo aquilo fosse razão para o seu desprezo. A meu ver é por ar que eu estaria construindo a diferença entre paródia e pastiche. A paródia é mais e mais ruptura, o pastiche mais e mais imitação, mas gerando formas de transgressão que não são as canônicas da paródia. E uma das formas de transgressão, que eu utilizei e que mais incomoda, é você assumir o estilo do outro.

Esse abandono das posições vanguardistas não corresponde ao proces­ so de passagem do histórico ao metafísico de que fala Derrida, quando diz que somos metafísicos na medida do gasto de nossas palavras?

Eu acho que possivelmente essa passagem do solo histórico ao metafísico teria grande rentabilidade analítica quando em contraponto com a poesia de Murilo Mendes. Não há dúvida nenhuma de que o abandono progressivo do solo histórico e a entrada no metafísico seria a forma pela qual nós poderíamos analisar Murilo Mendes e mesmo Eliot, mas tenho a impressão de que se nós nos adentramos mais e mais na questão de uma tradição que não seja conservadora ou neoconservadora, para a aceitação do passado enquanto tal, o que haveria não seria tanto o deslize ou o salto do histórico para o metafísico, mas uma coisa um pouco mais simples, embora ao mesmo tempo mais enervante, que seria a coexistência no mesmo solo de figuras que se contradizem. As figuras se contradizem, mas ambas apenas se afirmam, não há uma que seja melhor do que a outra, não há uma que seja marcada positivamente (“minha terra tem palmares”) e outra que seja marcada negativamente (“minha terra tem palmeiras”). Seria a coexistência, num mesmo poema, de “minha terra tem palmeiras” e “minha terra tem palmares”, ou seja, a coexistência, por exemplo, do romântico e do moderno no mesmo espaço, sem que moderno e romântico estejam em briga, sem que moderno e romântico estejam em discórdia. Se vocês estão me entendendo, é este o encaminhamento do pastiche, é o encaminhamento para uma estética que não vinca a noção de ruptura. Ambas as formas são afirmativas, ambas coexistem. Seria como se, de certa forma, de repente tomando a ideia lançada anteriormente da arquitetura, nós fôssemos para Botafogo e não tomássemos a atitude da arquitetura moderna, que seria a de arrasar tudo para construir um edifício segundo os padrões do lnternational style. Tampouco íamos conservar Botafogo como se fosse uma nova Ouro Preto. Também não seria partir para o kitsch de pintar os sobrados em cores estranhas para que aquele objeto falasse do mau gosto do passado. Hoje, há a possibilidade de criarmos algo extremamente moderno ao lado de algo fin de siecle, século XIX, deixando que ambos falem sem que nenhum desprestigie o outro, uma espécie de diálogo entre o passado e o presente. Seria por aí, talvez, nesse deslizamento, que a meu ver, se daria melhor a noção do Pós-Moderno.

Como você vê o resgate que James Joyce fez da Odisseia de Homero? Já que Ulisses foi lançado em 1922, houve contato dos modernistas brasileiros com este livro?

Acho que o exemplo dado é o típico da estética da ruptura, da estética da paródia. Nós todos sabemos que há um redimensionamento menor de Ulisses dentro de Dublin, todos sabemos das inovações técnicas que James Joyce fez em nível de composição, em nível estilístico, a chamada porte-manteau. Daí, toda essa irrisão não só em relação a Homero, mas também com relação a Shakespeare e diversos autores. Joyce possivelmente é o parodista por excelência do romance. Tanto é que os concretos, em particular Haroldo de Campos, têm insistido muito numa aproximação entre Joyce e Oswald de Andrade. Eu não sei se é vera, mas como na velha história é bene trovato. Não há dúvida nenhuma de que há semelhança de proposta, embora a de Oswald de Andrade não seja tão grandiosa quanto a de Joyce. Ambos trabalham dentro do espírito que nega a tradição enquanto tal. Utiliza-se da tradição, vale-se da tradição. Nesse sentido, ambos se aproximariam. Basta ler os trabalhos de Haroldo de Campos, em particular o prefácio que ele faz para Memórias sentimentais de João Miramar e Serafim Ponte Grande, para que esse paralelo seja estabelecido. Acho, inclusive, que há uma releitura de Joyce que é feita com muita propriedade, ainda dentro de um estilo parodístico, por um escritor da qualidade, por exemplo, do cubano Cabrera Infante, com Três tristes tigres, que é um dos romances clássicos hispano-americanos da atualidade, onde, de repente, ele pára o romance para fazer paródias de não-sei-quantos autores.

Pastiche: não ruptura

Eu poderia usar a expressão neo-joyceano porque há uma espécie de endosso das ideias de Joyce. Já na estética do pastiche não há ruptura, há muito mais uma reverência. Foi muito bem lembrado esse fato de que Cabrera Infante faz a própria paródia de Joyce. E isso é exatamente o que Octavio Paz chama de tradição da ruptura. A ruptura, apesar de dar a impressão de que está sempre rompendo com o passado, vai criando uma forma paradoxal de história. O que Paz deixa escondido é a tradição da analogia, aquela que os poetas vão utilizar como rechaço do solo, como rechaço da linguagem histórica da razão crítica e como apego a uma linguagem que teria um teor religioso.

Vinculando a uma exigência da recorrência da tradição, como poderia se falar no concretismo? Como situá-lo?

O concretismo é exatamente a negação disso tudo. O concretismo, como eu disse, impediu e impede a leitura de um Eliot. O concretismo nunca fala de Murilo Mendes a não ser de poemas seus muito peculiares, escritos no fim da vida. O concretismo, quando fala de Carlos Drummond de Andrade, fala de um poema chamado isso e aquilo, quando fala de Manuel Bandeira, fala dos poemas escritos no estilo concretista. Acho que o concretismo seria a radicalização da estética da ruptura entre nós, seria a crença, inclusive, na linearidade evolutiva da história. Se você lê, por exemplo, o Manifesto Concreto de 1958, vai ver a crença de que o verso vai acabar, de que o verso chegou ao fim do seu percurso histórico e que hoje é ridículo escrever verso, que toda a poesia tem que ser escrita a partir da palavra e essa palavra, por sua vez, tem que ser atomizada. O concretismo seria a crença inabalável numa certa evolução linear da história da poesia, que chegaria àquilo que eles fazem e, portanto, nós estaríamos .caminhando sempre para a frente, nunca olhando o passado. O passado só existiria para que déssemos exemplos que autenticassem a nossa postura no presente. Se leio João Cabral de Melo Neto é para mostrar onde Cabral destrói o verso. Se eu leio Drummond é para mostrar aquilo onde Drummond também destrói a composição clássica de verso, e assim sucessivamente.

Para os poetas da década de setenta, ditos marginais, dos mimeógrafos, a leitura de Oswald de Andrade passa pela leitura feita pelos poetas concretos?

Acho que não. De maneira alguma eu quero desmerecer os concretos, minha opinião é a de que os concretos tiveram uma importância enorme na atualização da poesia brasileira, quando a poesia brasileira estava entrando em um certo populismo esbravejador que não conduzia a nada. E, na qualidade de excelentes tradutores, eles atualizaram o nosso conhecimento da poesia universal. Refiro-me à tradução de Pound, às traduções de Cummings, às mil traduções que eles continuam a fazer. Enquanto os concretos punham todo o peso numa certa máquina do poema em Oswald de Andrade, num poema que deixava de ser mais e mais um produto fabricado pelo homem para ser quase que um produto cibernético, os poetas da geração mimeógrafo, creio, em lugar de ver Oswald de Andrade como aquele autor que faz versos quase que com a perfeição de uma máquina, o acabamento de carrosserie, como o próprio Oswald de Andrade fala, estariam interessados na maneira extremamente original como ele consegue tratar a linguagem coloquial. Os marginais retomam o Oswald de Andrade a missão do coloquialismo,a missão da grande liberdade na construção do verso, do poema, e retomam dele, também, a ideia de que você não precisa necessariamente, para fazer um grande poema, fazer um poema longo. Isto significa que você pode fazer uma coisa rápida, incisiva, bem-humorada, cotidiana, que não tenha aquele ranço de “poesia”‘. Acho que foi isso que os marginais tomaram de Oswald de Andrade.

Clastres e poder coercitivo

Eu leio um pouco diferente o livro do Pierre Clastres. Ele chama a atenção para o fato de que estas sociedades que viviam sem uma noção de poder coercitivo passaram a ter essa noção no momento exato em que os portugueses chegaram, ou no momento em que as tribos entravam em combate. É aí, é só: aí, que surge, então, uma hierarquização de poder. A própria noção de guerreiro, para Clastres, não pode ser vinculada a uma sociedade onde o poder não seja coercitivo. A emergência do poder coercitivo numa sociedade ou na sociedade tupi-guarani se dá exatamente no momento em que ela é agredida, quando uma pessoa tem de tornar-se chefe. E essa pessoa se torna chefe falando, ao mesmo tempo em que ela se institui chefe incitando os seus companheiros à luta. Estamos falando de duas situações diferentes, uma que seria a situação ideal das sociedades tupis-guaranis, antes da chegada dos portugueses, e outra que seria a condição das sociedades tupis-guaranis, ou das que quisermos, no momento em que ela é agredida. Sobre esta questão, eu recomendaria ler a carta de Pero Vaz de Caminha. Pedro Álvares Cabral não conseguia encontrar o seu homólogo entre os indígenas. Ele primeiro procura um velho, e aí começa a lhe dar presentes pensando que ele é o chefe, mas o velho desaparece. Então ele vê um indivíduo chefiando um grupo de seis, sete pessoas (é claro que isso é uma leitura maldosa minha, a coisa não está expressa dessa forma) e o agarra e o traz para o navio, oferece presentes, mas, de repente, esse indivíduo some. Repare a diferença com relação à colonização espanhola. Quando os colonizadores chegaram estavam diante de Montezuma; foi, então, um diálogo de chefe com chefe. Em se tratando de colonização brasileira, são importantes os estudos de Pierre Clastres: o fato de as nossas sociedades primitivas terem sido relegadas a um segundo plano está relacionado com a questão de que elas não seguiam um modelo europeu, e nessa medida foram julgadas como não-civilizadas. Outro lado curioso é o fato de nós não termos tido templos, o que não acontecia no México. Chegaram aqui e não viram templos; então, concluíram: “Não têm religião, são ignorantes”. Acho que o caminho de Clastres é por aí.

Clastres e o guerreiro

Acho que o guerreiro é um elemento extremamente negativo no raciocínio de Clastres. A solidão também é um elemento extremamente negativo. O guerreiro surge no momento em que há necessidade daquela comunidade se tornar um exército. Então eu faço uma distinção muito grande entre guerreiro e caçador. O caçador é aquele que traz a harmonia alimentar para o grupo, ao passo que o guerreiro só aparece no momento em que aquela tribo é atacada por outra tribo ou quando é agredida. Podemos observar que os casos clássicos de antropofagia levantados por Oswald de Andrade são os relatados por Hans Staden, no momento em que aqueles grupos foram agredidos por europeus. Naquele momento, há briga, há luta e há, inclusive, a relação com o outro, fato muito importante no pensamento de Oswald de Andrade. O sentido da paródia em Oswald de Andrade é você comer o outro para ser mais forte. O pensamento dele está muito vinculado, a meu ver, a uma discussão sobre dependência cultural. É uma maneira do Brasil se afirmar pela via oposta à da colonização. Quando ele diz que nós nunca fomos catequizados, fizemos foi carnaval, vai desconstruindo tudo aquilo que foi a colonização para dizer que, em virtude de se ter engolido o europeu, você é até mesmo mais forte do que o europeu.

Quanto à última questão, se a paródia da paródia é o pastiche, eu tenho minhas dúvidas. Tenho a impressão que paródia antes de mais nada é um procedimento retórico e, portanto, no momento em que você repete o procedimento está incorporando a ideologia daquele procedimento retórico, ideologia que dá o passado como negativo, e valoriza uma visão de mundo atual, original e moderna, dada como positiva. Então, reatualizando a paródia, você está sempre reincorrendo neste movimento. Aí, eu usaria muito bem a expressão de Paz: “você cria uma tradição da ruptura”, e essa tradição da ruptura, no momento em que você tem uma paródia da paródia, chega aquela situação em que ele vai dizer que a transgressão hoje virou cerimônia, e que eu, ironicamente, disse que a paródia hoje é um rito de iniciação para o jovem poeta. O que é uma pena. Acho que se devia sair desse solo da paródia, não que eu seja contra aparódia, mas exatamente pela esclerose. Seguindo Octavio Paz, a arte deixou de ser uma negação, porque na medida em que ele vai atualizando sempre a paródia, vai retirando o seu poder. O exemplo clássico de paródia são os bigodinhos que Duchamp desenha na Mona Lisa, um gesto iconoclasta. E à medida que a paródia deixa de ser iconoclasta, obviamente, deixa também de ter o seu interesse enquanto tal, ela vira, repetindo a palavra de Paz, uma cerimônia.

Eu achei bom o que você disse, inclusive para eu repensar uma coisa que me preocupa que é o Tropicalismo, e hoje em dia a gente está vendo aqui no Brasil é uma retomada, ou uma tentativa de suplementar, ou uma tentativa de complementar os anos 60. O que eu sinto e o que eu vejo é uma tentativa de complementar ou suplementar ou retomar os anos sessenta sem tocar no Tropicalismo.

Uma das coisas ingratas da história ou uma das coisas gratas da história é que as pessoas demoram a morrer. Portanto não adianta a gente querer discutir ou assassinar o Tropicalismo se Caetano e Gil ainda estão vivos. Portanto, eu acho que não adianta a gente querer assassinar o Modernismo se Drummond ainda está vivo. Então existe uma produção das pessoas que fizeram aquele movimento, e essa produção, a meu ver. tem que ser respeitada. Acho que Caetano ainda não deixou de ser tropicalista, e eu não digo isso como se fosse um defeito. Agora, eu diria que seria um defeito se um jovem começasse hoje a escréver ou fazer música como se fosse um tropicalista. Num certo sentido o Tropicalismo vai perdurar enquanto perdurar Caetano e Gil, e enquanto perduram todos esses que fizeram o tropicalismo. Enquanto legado, a história é bastante desagradável, porque ela é narrada sempre do ponto de vista dos grupos que aparecem e não dos grupos que permanecem. A gente conta a história do Modernismo a partir do surgimento dos grupos, a geração de 22, depois a geração de 30, depois a geração de 45, mas em 45 Drummond ainda está escrevendo. Se você lê numa história da literatura sobre 45 o quê que ela está nos falando? Estamos falando de João Cabral de Melo Neto, de Ledo Ivo etc., se você passa para 58, 59, 60, são os concretos. Isso não quer dizer que durante o período concreto Murilo Mendes não estivesse escrevendo. O que existe num momento em que a genta faz uma reflexão mais ampla sobre a história da literatura é que, se você faz um recorte histórico preciso, o que existe é uma coexistência de muitas coisas: a produção de um modernista como Drummond, a de um geração 45 como Ledo Ivo, existe ainda a coexistência dos concretos – o Augusto acabou de publicar Pós tudo, que nada mais é do que dar continuidade à experiência do concreto. Não quero dizer, por exemplo, que o concretismo morreu, mas eu ficaria muito triste se um jovem de 18 anos começasse a fazer, hoje, poesia imitando os concretos. Eu acho que existe essa coexistência, ela está aí. Nesse sentido, o legado do Tropicalismo, para retomar, são muitas coisas. Acho que, inclusive, é essa nota de alegria a que eu tenho me referido, é essa necessidade da afirmação e de não cair no desejo de auto-aniquilação, no desejo do sofrimento, da dor. Lembrando da primeira música de Caetano, no momento mesmo da repressão, em lugar de você interiorizar a violência, em lugar de interiorizar a dor, você solta um grito dizendo: Alegria! Alegria! Isso, a meu ver, é extremamente positivo dentro do Tropicalismo. Já acho menos positivo todo o seu lado parodístico, por exemplo, quando Glauber Rocha tentava fazer paródias seja de filmes americanos ou seja ainda de chanchadas brasileiras, ou ainda quando Caetano Veloso cantava O ébrio com guitarras elétricas.

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