1994

O poeta da passagem

por Arthur Nestrovski

Resumo

Embora menos conhecido que Blake ou Wordsworth, Coleridge (1772-1834) é uma figura única que teve forte influência, não só no mundo de língua inglesa, por sua originalidade como poeta e ensaísta. Como ensaísta, pode-se dizer que o Shakespeare moderno, hamletiano, é uma criação sua. Como poeta, ele enfatiza o pensamento (inspirado em Kant) e constrói uma cosmologia orgânica (tomando a metáfora do poema como uma planta, dos  românticos alemães). Seu desejo é de uma identidade da palavra com o objeto natural. Mas esse desejo se frustra ou se manifesta como nostalgia. À quietude de “Frost at midnight” (Geada à meia-noite), que busca se fechar num círculo perfeito, vai se contrapor este verso de “Dejection” (Depressão): “Oh Lady! we receive but what we give (só se ganha o que se dá), ou então as fantasmagorias de seus “poemas de mistério” (como “Kubla Khan”) que prenunciam Poe. Situado na passagem entre a conversação e a impossibilidade de uma fala humana, Coleridge chega a um impasse metafísico. Seus poemas tardios se esgarçam no limite da compreensão e da prece. Em “Limbo”, o herói da consciência não tem mais força elocutória. Alegorizada ao máximo, sua poesia, aparentemente um “monstruoso fracasso”, acabará se dissolvendo na crítica e na prosa. Mas o desassossego intelectual de sua obra revela a continuidade entre romantismo e modernismo, e também a atualidade de certos temas de sua crítica e de sua poesia: limite, passagem, ambivalência, memória, alegoria.


“Único, anômalo, fascinante, magnífico, curiosíssimo, tremendamente sugestivo” é assim que aparece Coleridge, aos olhos de Henry James.[1] Escrito há quase cem anos, o comentário de James não só não envelheceu como parece hoje mais apropriado ainda; depois de algum tempo à sombra de Blake e Wordsworth, a obra de Coleridge ressurge agora, ela também, de um modo único, fascinante e tremendamente sugestivo. A suposta falência dessa poesia, “seu gigantesco e monstruoso fracasso — se é que foi mesmo um fracasso” —,[2] constitui-se mesmo um desafio, ou emblema da interpretação literária moderna e nos obriga a refletir sobre as falências e bloqueios da poesia e da crítica.

Seja como poeta, seja como ensaísta, não se pode minimizar a influência de Coleridge, e não só no mundo de língua inglesa. Direta ou indiretamente, a leitura de Coleridge é uma das formas que a nossa cultura possui, há quase dois séculos, para se inventar e reinventar a si mesma. Não é exatamente o que o poeta queria dizer quando falava na “união sem contradições entre o que é passado e o que é novo”,[3] mas a diferença talvez não passe de um pequeno desvio da crítica, uma outra maneira um pouco diferente de ler, e que, em boa parcela, muitas vezes não reconhecida, é ela mesma uma conseqüência da poesia e das lições de Coleridge.

Não poderia, de fato, haver uma figura mais adequada para se estudar num simpósio sobre Arte e Pensamento. De um lado, na esteira de Kant e outros filósofos alemães, como Schelling e A. W. Schlegel, Coleridge salientou “modernamente” a qualidade da poesia e da arte em geral como forma de pensamento. E de outro, se é bem verdade que a influência de Coleridge, como poeta, não chegaria nunca a ter a força de um Wordsworth ou Milton, também não é menos certo que, enquanto teórico, nem um nem outro jamais exerceu tanta pressão sobre seus sucessores quanto o autor da Biographia literaria e dos ensaios em The friend, sem falar nas conferências sobre Shakespeare. Quanto a estas, o mínimo que se pode dizer é que Coleridge engendra a tradição moderna de interpretação das peças, dividindo com o setecentista Samuel Johnson a glória de ser seu maior expositor. E o Shakespeare romântico, ou moderno, o Shakespeare hamletiano, que domina até hoje a nossa imaginação, é o Shakespeare de Coleridge, não de Johnson. (Pode-se dizer: é o Shakespeare de Freud, sem alterar significativamente, neste contexto, o sentido da frase anterior.) “Eu mesmo tenho alguma coisa de Hamlet”, pensava Coleridge;[4] não é menos verdade afirmar que o nosso Hamlet tem, também, alguma coisa de Coleridge.

Nenhum crítico contemporâneo pode se orgulhar de ter alterado definitivamente a face de Shakespeare, e não se deve subestimar o sentido de uma alteração como essa. Cada um de nós repete Shakespeare diariamente, porque em nossa cultura não existe mais muita diferença- entre a psicologia individual e as criações do maior escritor do Ocidente.[5] Shakespeare é uma contingência inelutável: a bem dizer, nós estamos todos contidos em Shakespeare, o que, como se pode imaginar, não ajuda muito na leitura das peças.

O Shakespeare de Coleridge poderia, assim, servir de emblema da penetração do crítico; e mais adiante voltaremos a esse assunto em maior detalhe. Por ora, seria bom examinar por um instante as razões que levam Coleridge a concentrar-se sobre Hamlet, ou King Lear. A bardolatria, como se sabe, já era fato consumado na Inglaterra do século XIX, mas os muitos comentários sobre Shakespeare espalhados pela obra de Coleridge passam além do espanto aprendido, ou de uma nova admiração por si só, e se justificam também num outro plano teórico e poético. Ao dizer que “Shakespeare nos contém”, na verdade estamos ressaltando uma espécie característica de dificuldade, associada a essa obra. Existem poetas que nos desafiam porque escrevem num território ricamente alusivo, desorientador. Whitman ou Yeats são exemplos marcantes dessa modalidade hermética. É realmente difícil seguir Whitman pelo labirinto de referências de um poema como “When lilacs last in the dooryard bloom’d”. Já outros, como (para contrastar com Whitman) Emily Dickinson, são difíceis não porque não se saiba do que estão falando, mas porque é um esforço considerável entender o que eles estão dizendo. Se Shakespeare nos ultrapassa é porque, como Dickinson, ele é cognitivamente difícil. Entre as muitas coisas que Coleridge nos mostra está justamente essa qualidade fugidia da compreensão, ou incompreensível sedução da cena elisabetana. Existe aqui uma outra noção de poesia; outra maneira de formalizar as relações entre poesia e conhecimento, perseguida insistentemente por Coleridge e associada por ele à dificuldade e à grandeza de Shakespeare.

Já no primeiro capítulo da Biographia literaria, ao relatar suas experiências escolares, Coleridge se refere à primeira compreensão da poesia como “uma lógica própria”, observável em Milton e Shakespeare. E pouco mais adiante, ao criticar a dicção de Pope e seus seguidores, estabelece uma distinção entre o pensamento poético e outras idéias, meramente “traduzidas” para a linguagem da poesia.[6] Em seus poemas posteriores a 1795 — isto é, depois de “The Eolian harp” — Coleridge elaborará um verdadeiro dolce stíl nuovo, muito longe do dístico heróico do século XVIII. Do ponto de vista formal, esses novos poemas se caracterizam pela suspensão prolongada da cadência e a construção de ritmos intrincados; duas maneiras de enfatizar o pensamento na poesia, e a poesia como elaboração temporal das idéias. A poesia é um nome para uma província determinada do conhecimento, associada, também, a uma forma determinada de pensar. É visível, neste ponto, a ligação de Coleridge com a filosofia de Kant, de quem ele foi o grande interlocutor no mundo de língua inglesa.

A coincidência almejada entre pensamento e poesia levaria Coleridge àquela que é, talvez, depois de Milton, a maior revolução na poesia do período moderno. A partir dos seus conversation poems, como “The Eolian harp”, “Frost at midnight”, “This lime-tree bower my prison”, ou “The nightingale”, pode-se dizer que a poesia deixa de ter um assunto, exterior a si mesma. Deixa de ter um assunto e passa a ser um processo: um processo que, a princípio, é o poeta pensando, mas assumirá posteriormente um outro caráter, menos pessoal e menos definido. A integração entre linguagem e consciência é menos, talvez, uma realização do que uma ficção salvadora da poesia de Coleridge; e deste ideal provêm sua teoria da imaginação e seus ensaios sobre o método. Em seus últimos poemas, porém, o que vai se ver não é a integração, e também não é exatamente o esfacelamento destas ilusões, mas o deslocamento do poeta para um outro domínio, onde aliás não seria capaz de se equilibrar por muito tempo.

Na cronologia da vida de Coleridge, dois poemas como “Limbo” e “Ne plus ultra”, ambos de 1811, chegam tão longe quanto possível da obra-prima unificada que é “Frost at midnight” (1798). Não dispomos, ainda, de um vocabulário adequado para refletir sobre estes últimos poemas e na seção final deste ensaio teremos de lidar, como possível, com esta culdade. As imagens de integração, reconciliação, e organicidade da primeira poesia de Coleridge cedem lugar, nos poemas tardios, ao mais alto grau de ambivalência, dramatizado em zonas limítrofes, entre a poesia e a crítica. Pode-se dizer que estes poemas marcam virtualmente o abandono da poesia e a passagem à crítica. Mas, deixando de lado as distinções de gênero, já não é tão claro que tenha havido, de fato, um adeus às musas da parte do poeta. Reconhecendo o ne plus ultra de uma certa idéia de literatura, Coleridge, no seu “monstruoso fracasso — se é que foi mesmo um fracasso”, encena a passagem da poesia às descontinuidades da prosa, e a um novo modelo de personificação.[7] Para compreender melhor este movimento, será necessário voltar ao começo e estudar aqueles ideais de integração, manifestos em sua teoria do símbolo e na defesa da “forma orgânica”.

A FORMA ORGÂNICA E A PERDA DO MUNDO NATURAL

É na Crítica do juízo de Kant que se opera a transformação da filosofia mecanicista clássica no organicismo moderno, propagado mais tarde por Coleridge. A terceira Crítica procura solucionar e combinar as análises anteriores, da razão pura e da prática, através de uma complexa análise do que ele chama de “teleologia interna”, ou “intencionalidade sem intento” (Zweclemãssigkeit ohne Zweck). Kant revisa o princípio tradicional da causalidade, quando afirma que o propósito, ou intento de um organismo não é outra coisa senão o próprio organismo: “Uma coisa existe como propósito natural quando é causa e efeito de si” (§ 64). Os dois exemplos primordiais da intencionalidade sem intento são o organismo vivo e a obra de arte. Sua constituição interna é de tal ordem que cada parte será mutuamente constitutiva das outras e do todo; cada parte existe por meio das outras e para servir às outras e ao todo, de acordo com uma certa idéia formativa. É esta idéia que distingue uma planta (ou um poema) de um relógio (§ 66). 0 organismo é uma totalidade internamente diferenciada, onde cada particular é um membro integral do todo e o todo é inerente a cada particular.

Essas noções reaparecem em Hegel, para quem a Idéia é, mais que um princípio heurístico, a própria constituição natural. Antes disso, porém, já vão habitar, com previsibilidade quase inevitável, as especulações do baixo romantismo alemão. A autonomia da obra, sua capacidade de auto-regulação será, para um Humboldt ou Schelling, o verdadeiro princípio da criação artística, e a “unidade interna”, sua condição essencial. Nos “Diálogos sobre a poesia”, Friedrich Schlegel define a genialidade como o espírito orgânico, ao contrário da razão, mecânica (§ 344). A isto se casa a definição moderna do artista “original”: a poesia, agora, é literalmente uma criação — “poetar é gerar”, diz Novalis —, e cada obra precisa ser como um indivíduo vivo.[8]

Antes de estudar a filosofia alemã de sua época, Coleridge já era versado em outros autores, como Plotino, Jacob Boehme, ou Leibniz, aos quais se soma a “lógica polar da filosofia dinâmica” de Giordano Bruno.[9] Todos são estrelas na cosmologia orgânica de Coleridge, articulada em torno ao eixo central representado por Schelling. (Incidentalmente: acusações de plágio atormentaram Coleridge por toda a vida, com relação a Schelling e outros. Como diz Geoffrey Hartman, ele às vezes parece um “Borges malogrado”, incapaz de reciclar adequadamente suas leituras.)[10]

Uma metáfora predileta, que aparece inúmeras vezes na Biographia e em outros textos, é a do poema organizado como uma planta, crescendo de dentro para fora, espontânea, mas reguladamente. “A forma orgânica […] é inata; ganha seus contornos ao desenvolver-se, de dentro para fora, e a plenitude desse desenvolvimento coincidirá com a perfeição da forma exterior.”[11] Mais uma vez, seu modelo, aqui, é Shakespeare, a “divindade espinosista — uma criatividade onipresente”. Cada sentença em Shakespeare “vai gerando naturalmente a próxima; o significado se entrelaça” . Manifestação máxima de uma vitalidade orgânica, o drama shakes-peariano “extrai B de A e C de B e assim por diante, como uma serpente se move […] torcendo e retorcendo o próprio corpo”.[12]

Numa imagem como esta, assim como na floresta de arbustos e flores e plantas que se multiplicam pela prosa (e também pela poesia) de Coleridge, um leitor atento não deixará de notar a curiosa presença de metáforas naturais para expressar, justamente, o papel das metáforas naturais. Essa espécie de pleonasmo, ou duplicação de imagens aponta para outra questão, que é o foco central da poética romântica. Tradicionalmente, a poesia romântica é compreendida em termos de uma união conquistada entre o poeta e o mundo natural. É isto o que transparece, hoje como sempre, em textos de divulgação; aliás, não só sobre literatura, mas também, por exemplo, sobre uma peça como a sinfonia Pastoral de Beethoven, ou as aquarelas de Turner. De uma maneira que é quase um paradoxo, estas mesmas obras serviriam de monumento à “imaginação”, como fonte particular de uma arte do sentimento e da expressividade, e não da convenção trabalhada. De um lado, a poesia de Coleridge e Wordsworth é vista como a poesia da natureza, da comunhão entre poetas e prados; de outro, é o grande canto da fantasia autônoma e transcendental. “À luz de certos esforços da crítica literária nos últimos vinte anos[13]  seria mais justo dizer que esses são, afinal os dois pólos de uma arte francamente dividida, entre a imaginação e a natureza, entre a imagem e o objeto. O tema da imaginação é menos a resposta do que o problema tematizado por essa poesia, que é acima de tudo uma poesia da consciência.

Num poema famoso, Hölderlin fala de palavras se originando “como flores” (“Nun, nun müssen dafür Wörte, wie Blumen, entstebrz”, quinta estrofe de “Brot und wein”). E num breve ensaio, hoje também famoso, Paul de Man faz dessa passagem o emblema da “Estrutura intencional da imagem romântica”.[14] Com sua aparência quase inócua, a frase de Hölderlin resume uma tensão fundadora da poesia moderna, que é o reconhecimento da prioridade do mundo natural, no mesmo gesto que eleva a linguagem acima da representação. Palavras, afinal, não se “originam”, na linguagem do dia-a-dia; é só quando uma palavra assume a função de nomear, e não só de referir-se a alguma coisa, nomear como pela primeira vez, que se pode falar de uma origem. Essa origem, porém, no poema, coincide com a própria metáfora, indicando menos a suposta identidade do que uma divisão, ou translado. A despeito da intenção manifesta de Hölderlin, uma palavra, afinal, não pode jamais se originar “como uma flor”: “pois é da essência da linguagem ser capaz de originar-se a si mesma, mas nunca de atingir a identidade absoluta que existe no objeto natural”.[15] Essa palavra de Hölderlin pode nos servir de representante da aspiração característica de todo modernismo, que é um desejo de chegar à literalidade última, a uma linguagem além das figuras, além do maquiamento de todas as coisas na linguagem prévia da tradição — que por ser tradição é literária e por ser literária é falsa.

De uma perspectiva temporal, esse desejo corresponderia à vontade de eliminar qualquer intervalo entre a consciência e a escrita; e está naturalmente fadado à frustração, cada vez que se põe uma palavra no papel.[16] De um ponto de vista narrativo, é isto o que explica, ao menos em parte, a presença freqüente dos mitos gregos na poesia romântica: as tensões do mito refletem a tensão inerente na própria estrutura da metáfora, de acordo com uma idéia quase compulsiva de repetição entre forma e conteúdo, que preocupava Coleridge e sobre a qual voltaremos a falar. Finalmente, de um ponto de vista afetivo, essa esperança, ou ilusão de imediatez se manifesta como nostalgia; não a integração, mas a perda do mundo natural. Isto é tão verdade em Hölderlin ou Coleridge quanto num Mallarmé, para quem a prioridade da natureza gera, é certo, um sentimento de esterilidade ou falência, mas nem por isto deixa de ser reafirmada. [17]

Expostas contra este pano de fundo, muitas expressões e definições de Coleridge, à primeira vista convencionais, adquirem uma outra coloração e um outro pathos. Só mesmo um “herói da consciência”, como diz Geoffrey Hartman[18] poderia, nestas circunstâncias, afirmar que “todo conhecimento reside na coincidência entre um objeto e um sujeito[19] ou definir a poesia como uma “força sintética”, que se revela no equilíbrio, ou reconciliação de qualidades opostas ou discordantes.[20]  Quando afirma que “o cerne de [seu] sistema é definir os sentidos a partir da mente e não a mente a partir dos sentidos[21] ou quando define a sensação “não como causa da inteligência, mas como a inteligência em si, numa outra potência inicial em seu processo de autoconstrução”,[22] Coleridge está dando voz ao impasse familiar do idealismo; mas o que dizer de uma “procura urgente pela confirmação exterior daquela coisa determinada que existe em nós, que é a nossa própria identidade [self], aquilo que não é feito nem de relações, nem de qualidades, mas é justamente a sua base mais substancial, o seu chão…” ?[23] Não se trata, então, de estabelecer a consciência como um Eu Absoluto. Coleridge mais parece estar na fronteira do ego corporal freudiano; mas, por assim dizer, do lado de lá, ou de dentro. “Ame a mim, não às minhas qualidades: talvez este seja um desejo maligno, ou insano”, diz ele na seqüência dessa mesma passagem, e arremata: “mas não é um desejo inteiramente desprovido de significado.”

A TEORIA DA IMAGINAÇÃO E A REJEIÇÃO DO MUNDO NATURAL

Seria ingênuo acreditar que um crítico, agora, possa correr à frente de Coleridge e explicar para o poeta o significado de suas próprias determinações. Não somos, além disso, os primeiros a perceber uma incongruência entre os comentários: o próprio Coleridge já faz disto o núcleo de uma extraordinária seqüência de soluções e irresoluções, transitando entre a poesia e a crítica com variados graus de sucesso. Em retrospecto, seu mais grandioso momento, e certamente o mais conhecido, consiste apenas em dois pequenos parágrafos, encerrando o capítulo XIII da Biographia literaria, ao qual se soma um corolário de três linhas, no final do capítulo seguinte. Enfurecedoramente concisas, estas passagens representam, mesmo assim, uma espécie de mini tratado poético-teológico — “as mais amplamente debatidas e mais influentes passagens jamais escritas por um crítico inglês”, na opinião abalizada de M. H. Abrams.[24] É estranho, mas característico de Coleridge que o seu estudo da imaginação (cap. XIII) se interrompa, nem bem começado, por uma suposta carta de um suposto amigo, transcrita também no texto, e que convence o poeta a deixar de lado a especulação filosófica e resumir em meia dúzia de palavras o conteúdo de sua teoria. Não é muito diferente da história relatada pelo poeta sobre o alfaiate de Porlock, que teria interrompido para sempre a escrita de seu poema “Kubla Khan” (transcrito de um sonho). Coleridge não tem a habilidade de um Heinrich von Kleist para construir estas ironias, mas é perceptível a mesma urgência em controlar, pela fratura, uma carga excedente de significado.

A teoria da imaginação se divide em duas partes: a primeira define o que Coleridge chama de imaginação (imagination), e a segunda diferencia esta da fantasia (fancy).[25] A imaginação se divide em primária e secundária. A primária é “uma força viva, o agente primordial de toda percepção humana, e uma repetição, na mente finita, do eterno ato de criação no infinito EU SOU”. Um pouco acima, entre as teses do capítulo XII, Coleridge já se referira ao “SUM, ou EU SOU” como sinônimo de “espírito, identidade[self] e autoconsciência [self-consciousness]”.[26] Com relação a esta imaginação primária, a secundária é um “eco” consciente, da mesma essência, mas diferindo em grau e modo de operação. A imaginação secundária “dissolve, difunde, dissipa, para poder recriar; e onde este processo não seja possível, ainda assim ela se esforça para idealizar e unificar”. Já a fantasia “não é outra coisa senão uma modalidade de memória, emancipada da ordem do tempo e do espaço”. A fantasia pode se alterar pela vontade, seus materiais já chegam prontos, de acordo com as leis da associação.[27]

Para o poeta, a fantasia é um ornamento, que se pode, talvez, alterar, mas a imaginação é a própria idéia da obra, é o que faz dela um todo inteligente, é a poesia como princípio regulador de cada palavra e é o que diferencia, afinal, o poeta do fazedor de versos. É graças a ela que a poesia pode ser definida como o equilíbrio ou reconciliação de qualidades opostas ou discordantes. Traduzindo esta última definição em termos de ironia ou paradoxo, já estaríamos adentrando as terras do “New Criticism”, que tem mesmo nas teorias de Coleridge um de seus pontos de apoio.

Não é preciso muita argúcia para perceber o caráter religioso da teoria da imaginação: outro fator que, sem dúvida, também teria seu papel na adoção dessas idéias (e a influência de preceitos religiosos é bem mais freqüente na crítica do que se quer imaginar). Contra seus dois grandes inimigos, o dualismo cartesiano e o elementarismo ,de Locke, Coleridge propõe a unidade ideal da poesia, em termos que às vezes, também, se imbuem de uma dicção apocalíptica. Assim, retomando a expressão citada no início, a imaginação secundária é vista como uma possibilidade de superar “as contradições entre o velho e o novo”[28] uma versão histórica idealizada da mesma ilusão temporal de um cancelamento do intervalo entre a consciência e a escrita. Associada à “Dor, à Doença e à Religião”, como “extensoras da consciência”,[29] a idéia de uma poesia da imaginação deixa entrever, ainda, um componente que está, talvez, mais perto das obsessões e barreiras do poeta Coleridge.

É sabido o papel de Milton e Shakespeare na sua formação e também, mais tarde, na sua aparente paralisia criativa. Milton e Shakespeare estão presentes na Biographia por todos os lados e a admiração de Coleridge por Wordsworth está também constantemente assombrada por esses fantasmas. Não é o lugar aqui para se fazer um estudo da influência poética e das angústias que ela provoca em Coleridge. Mas não se pode pensar na teoria da imaginação sem levar, de alguma forma, em conta este outro contexto. A imaginação, a bem dizer, é uma força de resistência à palavra, e coincide com o impulso de originalidade.[30] Na integração orgânica da poesia, e na repetição da criação pela palavra, o poeta se engendra a si mesmo, superando as contradições entre o velho e o novo. Não por acaso, Wordsworth, numa passagem climática do Prelúdio, fala da imaginação como “an unfather’d vapour”, um vapor sem pai.[31] Como diz Thomas Weiskel, isto é menos uma forma de escapar do que de rejeitar o complexo de Édipo, e uma ficção necessária para o progresso da poesia. Todo discurso de identidade em Coleridge logo se confunde mesmo com um discurso da origem, e a imaginação secundária já trai seu ideal ao se definir como um “eco” da outra. A imaginação secundária é uma tentativa de regressão, ou recapitulação de um hipotético original. É por isto que o mundo será, ou precisará ser “dissolvido, difundido e dissipado”, como um obstáculo bloqueando o caminho. Há um sentido em que a imaginação secundária, ou poética, só se realiza pela rejeição violenta do mundo natural.[32] Mas a dissolução visionária de todos os dados da experiência é um dos terrores de Coleridge, e tão mais aterrador na medida em que a sua poesia parece levá-lo cada vez mais nessa direção. Nem sempre, porém, foi este o caso: e a leitura de um poema como “Frost at midnight” pode nos mostrar outra maneira encontrada por ele para sustentar, a despeito de tudo, suas nostalgias e seus entusiasmos.

FROST AT MIDNIGHT

The frost performs its secret ministry,

Unhelped by any wind. The owlet’s cry

Came loud — and bark, again! loud as before.

The inmates of my cottage, all at rest,

Have left me to that solitude, which suits

Abstruser musings: save that at my side

My cradled infant slumbers peacefully.[33]

Assim começa esse poema da quietude, no cenário noturno do gelo e do silêncio. É também um poema da escuta, que para Coleridge, como para Worsdworth, é o verdadeiro órgão visionário.[34] O poeta escuta o ruído da geada que cai cobrindo todas as coisas, como escuta o grito repetido da coruja, e é significativa, aqui, a ausência do vento — invariavelmente associado à inspiração e à bênção poética, como em “The Eolian harp”. Nesse limite calmo da noite, sozinho, exceto pela presença do filho adormecido, o silêncio e a brancura são musas da tranqüilidade e do pensamento .

O próprio Coleridge jamais chegaria novamente a uma dicção tão segura de si e tão sem alarde. Harold Bloom a define bem como uma “suavização de Milton”, em tons tomados de empréstimo e alterados do precursor mais direto de Coleridge, Cowper.[35] Em Cowper, como em Bowles, Akenside ou Collins, todos eles poetas importantes na sua formação, Coleridge descobre indicações de como escapar do peso de Milton, fazendo dele, de alguma forma, um poeta menos completamente adulto.

Essa dicção, como se realiza em “Frost at midnight”, não tem similar na obra de Coleridge, e só raramente na de qualquer outro poeta. Um compositor como Mozart habita, às vezes, quem sabe, esta mesma paragem, naqueles momentos em que sua música parece estar mais escutando do que propriamente produzindo sons (o movimento lento do Concerto para clarinete, ou o “Allegro” da Sonata para piano em dó maior, K. 545, são dois bons exemplos). Mas se a dicção é incomum, a imagem do silêncio, pelo contrário, assim como a relação benigna entre silêncio e pensamento, já é recorrente em todo o pré-romantismo. “Longe deste insensato mundo” o poeta Gray descobre uma solitude restauradora, no mundo entregue “à escuridão e a mim.[36] E James Thomson, no “Hino à solidão”, saúda a “pleasing Solitude” como uma “companheira da sabedoria e da bondade”, e mal disfarçadamente um duplo do poeta. Mais do que o silêncio, ou a solidão, por si, é aquilo que Coleridge chama de “pausa silenciosa” (em “The nightingale”) que assumirá função figurativa nas representações da consciência, a partir de fins do século XVIII. Num mundo agitado pelos reflexos da Revolução Francesa, um mundo que já começa a submergir sob o impacto da informação, onde ideais cosmopolitas ordenam o movimento internacional de notícias em ampla escala, onde o “intelectual”, como produtor de idéias, se torna uma presença reconhecida e disputada, e onde a velocidade é um emblema de vida, a interrupção temporária do fluxo se oferece como nova possibilidade, ou necessidade da poesia.[37] “Frost at midnight” amplia esta pausa de uma maneira que, para nós, está mais associada ao cinema do que à narrativa literária. A introspecção, no caso, é menos interessante do que a descoberta crítica da pausa — da situação de limite, ou liminaridade como condição que dá voz ao pensamento; ou melhor, que faz aparecer a voz do pensamento, uma aspiração central da poesia romântica.[38]

“’Tis calm indeed!’ “, prossegue Coleridge, “tão calmo que chega a perturbar o pensamento…” Com o “mar, morro e mato e a populosa vila… calados como um sonho”, só o que se move é uma frágil membrana, uma casquinha de carvão, presa na grade da lareira. Numa nota de rodapé, o poeta faz referência à superstição folclórica de que estas raspas supostamente prenunciam a chegada de algum amigo de longe. Única fonte de desassossego, a membrana flutuando na grade é comparada por ele a seu próprio espírito, constantemente à procura de “um eco ou espelho”, e fazendo, assim, “do pensamento um joguete”.

É neste ponto, acentuado pela quebra do verso e um espaço em branco, que o poeta descobre, como num improviso, o ofício secreto da memória, fazendo de si mesmo um campo infinito de retrogressões. Ligada por associação à imagem da raspa na grade, uma memória da infância o conduzirá a outra memória dentro da memória uma e outra figuras de ausência e expectativa. Os “vazios intermitentes” e “pausas momentâneas do pensamento”, preenchidos pela respiração do bebê, são como outras tantas vacâncias, na seqüência infinita e descontínua do próprio poeta e de qualquer um de nós, quando percorremos nossa desordem e acúmulo de anos. A travessia é livre, do passado ao futuro, para um narrador que se transformou no seu próprio princípio de individuação; e como numa espécie de memória invertida, o poeta imagina a infância futura de seu filho adormecido. Ao contrário do pai, criado na cidade, em opressivos “claustros escuros”, o filho correrá livre como o vento, será um vento ou espírito próprio, e saberá “ver e escutar as delicadas formas e inteligíveis sons” de uma linguagem eterna, natural, orgânica, ou seja que metáfora for para a integração definitiva. Mergulhado na memória, o poeta descobre uma potência humanizadora capaz de dobrar as recalcitrâncias da linguagem, mesmo nesse ponto de maior cisão de si.

Esta é a doutrina, também, de “Tintern Abbey”, de Wordsworth, e já se tornou um lugar-comum da crítica demonstrar o vínculo entre os dois “poemas de conversação”. O modelo de “Frost at midnight” — a seqüência que leva do cenário natural, hipersensibilizado, a uma peregrinação introspectiva em tons de monólogo, e a uma posterior apóstrofe restauradora serviria a Wordsworth melhor do que a seu amigo. Não só “Tintern Abbey”, mas a ode “Intimations of immortality” tem um débito com “Frost at midnight”, transferido mais tarde a Shelley e Keats.[39] E uma vez que “Tintern Abbey” estabelece o modo wordsworthiano, não é demais sugerir que aí, em Coleridge, nascerá também o Prelúdio de Wordsworth (dedicado, com intermitentes saudações, ao “Amigo”). Nessa memória pro-jetiva, equilibrado com inviolável calma sobre o limite de suas próprias divisões, Coleridge encontra, surpreendentemente, uma “confirmação exterior daquela coisa determinada que existe em nós”. A forma orgânica, aqui, equivale à formação da própria consciência; multiplicada em espirais de magnífica complexidade, esta é a base substancial, ou chão do Prelúdio, cujo subtítulo é “The growth of a poet’s mind”.

Há uma diferença importante, contudo, no tom e função do fechamento de “Frost at midnight”, comparado a “Tintern Abbey” . O poema de Wordsworth tem outra grandeza; mas não tem a doçura, nem nos move tanto quanto essa bênção de Coleridge:

Therefore all seasons shall be sweet to thee,

Whether the summer clothe the general earth

With greenness, or the redbreast sit and sing

Betwixt the tufts of snow on the bare branch

Of mossy apple-tree, while the nigh thatch

Smokes in the sun-thaw; whether the eave-drops fall

Heard only in the trances of the blast,

Or if the secret ministry of frost

Shall hang them up in silent icicles,

Quietly shining to the quiet Moon.

O afeto, aqui, combina Milton e Cowper com o Shakespeare da Tempestade e do Conto de inverno. A lua, um dos símbolos mais recorrentes na sua obra, acompanha a meditação como um arauto da boa travessia, na passagem implícita entre o poeta e seu filho, e o filho de seu filho. Estamos de volta ao começo, mas a cena inteira foi suspensa pela reflexão mútua entre os cristais e a lua, “calmamente brilhando”. Este é o espaço liminar, uma transição congelada, como se a passagem pudesse continuar, para sempre, em movimento, sem definição ou finalidade — “hanging”. Perda e restauração são suspensas, num espaço metafórico, ou espaço da metáfora, como zona de conhecimento. A intencionalidade sem intento adquire, agora, uma carga que curiosamente dá força ao esvaziar o poeta. Sua poesia se fecha sobre si mesma como um objeto perfeito. Por um instante o poeta domina o tempo e a angústia de toda passagem, porque a seqüência não é mais um problema: o arco se completa circularmente. Coleridge descobre, aqui, o mito da memória; mais tarde, nas mãos de Wordsworth, ele servirá para organizar o maior poema inglês desde Milton. O maior poema depois de Wordsworth foi escrito em francês e em prosa, mas é o mesmo princípio que anima ilusões diferentes na obra de Proust.

OS POEMAS GÓTICOS

“O fim comum de todo Poema narrativo não: de qualquer Poema — é converter a série em unidade: fazer com que aqueles eventos, que na História real ou imaginada se movem numa linha reta, assumam, no nosso Entendimento, uma moção circular — a serpente com a própria cauda na boca.” Assim escreveu Coleridge, numa carta de 1815.[40] É provável que tenha sido escrita com “Frost at midnight” em mente; poderia ter sido escrita, também, a respeito de Joyce ou Valéry. Mas nos poucos anos de poesia que ainda lhe restavam, a visão anterior já se dissolvera naquilo que o admirador e amigo mais jovem De Quincey descreveria, em suas recordações de Coleridge, como “tormentos de negatividade… memórias surdas de uma potência extinta, de faculdades consumidas dentro de nós”.[41] “Dejection”, de 1802, é a grande ode elegíaca da imaginação perdida. Ao bendizer sua “Amiga”, na última estrofe, o poeta está ao mesmo tempo reconhecendo que, para ele, não há mais contentamento possível E meia-noite, e uma lua invernal aparece no céu; mas ao contrário de “Frost at midnight”, os raios dessa lua são sinistros, e o poema terá seu clímax numa grande cena de tempestade. O “espírito criador” se quebra, sob o “peso sufocante” de um lúgubre “luto vazio”. Como uma criança perdida, o poeta descobre que nunca mais será capaz de “conquistar, nas formas exteriores, toda paixão e vida da fonte interior”. No Livro XII do Prelúdio, Wordsworth faz referência àquelas “passagens” onde nos chega a consciência profunda de até que ponto a mente é senhora e rainha — os sentidos servos da sua vontade (11. 220-3). Mas, em “Dejection”, a única fórmula que ainda resta a Coleridge é bem menos vitoriosa: “O Lady! we receive but what we give” — só se ganha o que se dá. E o que o poeta tem para dar, a esta altura, não parece mais suficiente para receber de volta a poesia.

Aqueles que são, por consenso, os três maiores poemas de Coleridge, não pertencem nem ao grupo dos poemas de conversação, nem às odes e ao resto da lírica. Escritos entre 1797 e 1798, contemporâneos portanto de “Frost at midnight” e The nightingale”, estes são os seus mystery poems, onde a palavra mystery tem o sentido específico de um drama sacro medieval. O retorno ao medievo, mesmo de um modo idiossincrático, faz parte, é claro, de uma tendência comum no período e não seria injustificado traduzir mystery poems como “poemas góticos”. São eles: “The rime of the ancient mariner”, “Christabel” e “Kubla Khan”. G. W. Knight, um dos grandes críticos da primeira metade do século, descreve a seqüência como uma pequena Divina comédia: “Christabel”, Inferno; “Ancient mariner”, Purgatório; e “Kubla Khan”, Paraíso.[42] Knight analisa, ainda, o uso do medo como suporte da força sinistra de Coleridge; interpretações mais recentes privilegiam uma versão sexual desses temores. A análise de Camille Paglia, por exemplo, concentrada sobre as personas sexuais em “Christabel” e no “Ancient mariner”, pode ser parcial e, em muitos detalhes, forçada, na mesma medida de sua enorme energia; mas sintetiza urna leitura corrente dos poemas.[43]

Os três são fantasmagorias, ou delírios, e o próprio Coleridge, na Biographia literaria, explicita a criação de personagens sobrenaturais em. termos de uma “aparência de verdade”, suficiente para angariar a “suspensão voluntária da descrença”.[44] Do errante marinheiro, repetindo compulsivamente a sua história, às ambivalências sexuais de Geraldine e Christabel, e à visão, em acentos de terror divino, do domo de prazer em Xanadu, os três poemas são pesadelos da “Morte-em-Vida” — um mal-estar inexaurível, transformado pelo poeta numa floresta de símbolos, menos um templo que um labirinto cheio de vozes confusas. Estranhamente, nenhum desses poemas serviu de base à continuidade da poesia de Coleridge, mas sua influência sobre Wordsworth e outros se revelaria enorme. Para David Bromwich, o “Ancient mariner” era “o poema de sua época que Wordsworth mais precisava dominar, para chegar a ser o poeta que estava mesmo destinado a ser”.[45] Aqui começa uma linhagem, que continua em Poe, alguns poemas de Tennyson, alguma coisa de Hawthorne, Swinburne, os poetas pré-rafaelitas e a obra em prosa de Walter Pater; do outro lado do Canal, seus ecos se escutam em Baudelaire, ou Huysmans, e também em Mallarmé.

Serpentes abundam nos dois primeiros poemas, e em “Kubla Khan” há um rio sagrado correndo pelas cavernas incomensuráveis, contorcendo-se tortuosamente até cair no mar sem luz, mais tarde um mar sem vida.

Mas nem este rio nem as serpentes em “Christabel” e no “Ancient mariner” têm relação com aquela outra serpente se devorando a si mesma, citada na carta ao amigo. As cobras-d’água que o marinheiro enxerga, movendo-se em trilhas esbranquiçadas (w.273), assim como os “mil milhares de coisas viscosas” de algumas linhas antes (w.238), são um emblema no mínimo inesperado para a “felicidade das coisas vivas” abençoada pelo marinheiro e que, neste momento, faz com que lhe caia dos ombros, literalmente, a carga do albatroz morto não se sabe por quê. E a transformação de Geraldine, aos olhos de Christabel, numa quase-serpente (i.583), antecipada também no sonho do bardo, que a vê como uma cobra verde e brilhante, enroscando-se em torno a uma pomba (1.549), não precisou esperar pela psicanálise para colorir-se de conotações sexuais. Mas nem um nem outro poema encontra em si mesmo, como a serpente autofágica, uma força reflexiva para combater esse terror mal definido e sem nome.

É difícil imaginar o mesmo poeta de “Frost at midnight” enfrentando as inquietações dos três poemas de mistério, e para um leitor da obra de Coleridge é uma questão legítima procurar as causas dessa mudança. Sem menosprezar o ópio, ou Mrs. Coleridge, ou as desilusões de uma paixão pela cunhada de Wordsworth, é ainda incomum e aparentemente inexplicável a rapidez com que se consome a imaginação feliz dos conversation poems. Pode-se entender a dificuldade de produzir uma poesia que se inventa, formalmente, a partir do nada: é isto, aliás, o que, de acordo com Coleridge, vai diferenciar a poiesis da morphosis (isto é: a poesia da fabricação medida de versos). Mas o bloqueio criativo do virtuosístico Coleridge transcende, visivelmente, o artesanato.

A escolha da cena liminar como emblema dramático de uma poesia da consciência gera ansiedades que passam além da resolução formal. O aspecto temporal de toda fronteira já é uma fonte de angústia: pois o espaço é sempre o modelo de alguma coisa — da presença de alguma coisa. — mas o tempo é modelo de nada, de uma instantaneidade sempre transitória. Habitar um poema sob essa injunção eleva em muito as ansiedades. A grande calma de “Frost at midnight” é uma calma adquirida, uma calma a despeito de tudo, e a resolução esplêndida do poema não deixa, quase, perceber uma preocupação de que isto não fosse assim.

Uma vez que o poeta ingressa nessa área que estamos chamando de liminar, ocorrerá também uma espécie de hipersensibilização, no extremo oposto do torpor vencido. “A luz dos sentidos se apaga, com um fulgor que revela invisibilidades”, diz Wordsworth, no Prelúdio.[46] A natureza se transforma num teatro e assume, por assim dizer, “naturalmente” as mais vívidas formas de personificação. As estações serão doces para esta criança que dorme, o verão vestirá a terra de verde, a cabana soltará fumaça, as gotas cairão, ou o secreto ofício da geada fará delas pontas de gelo, brilhando calmamente à calma Lua (com L maiúsculo): como se estações, verão, cabana, gotas, geada, ou pontas de gelo pudessem mesmo ser o sujeito de um verbo, ou a lua ser calma. Todas essas coisas atuam ou falam, como se tivessem uma voz. Mas será mesmo possível manter uma “conversação” nessas circunstâncias? Como pergunta Geoffrey Hartman, será possível à voz humana sustentar uma pressão tamanha e permanecer humana, sem alienar-se numa dicção sublime?[47] A cena liminar, ou cena da passagem, dramatizada nos poemas de conversação, obriga Coleridge a confrontar-se com a possibilidade, ou impossibilidade de uma fala puramente humana. A imaginação não se reduz facilmente ao modo dia-lógico, a despeito dos ideais políticos que assistem à redescoberta de uma palavra simples para a poesia. No momento em que se aborda, por fim, uma sobriedade literal, o conhecimento é deslocado para “observadores” calados, através das metáforas de animação. A subjetividade é projetada de tal forma que, intensificada ao máximo, será também vista, ela mesma, de fora, como um objeto. À poesia é concedida uma voz própria, profética e impessoal. E a oposição anterior, entre natureza e consciência, é substituída mais simplesmente pela diferença entre o que pertence e não pertence à linguagem.[48]

Para os poetas alemães, abrem-se aqui os portais da ironia. Já para Coleridge, depois do experimento de uma dicção assumidamente dramática, ou irônica nos três poemas góticos, surge agora um impasse; o que não é de estranhar, quando se considera sua teoria pessoal da imaginação e as altas esperanças entretidas por ele com respeito à função da poesia. Seu esforço permanece sempre o de elaborar uma noção de literatura, ou crítica, que não esteja ancorada nem na premissa de um sujeito, nem nas dissoluções da ironia. Não são muitos os frutos colhidos dessa ambição, mas pelo menos em duas ocasiões o poeta contemplará possibilidades de resgatar a voz.

A CENA LIMINAR E A DESCOBERTA DA PROSA

Nos mais de quinze anos separando os poemas de conversação e os poemas góticos de “Limbo” e “Ne plus ultra”, Coleridge devotou especial atenção aos poetas do século XVII. Cem anos antes de T. S. Eliot, ele se tornaria o grande advogado da poesia dos “metafísicos”. Os madrigais renascentistas italianos também merecem elogios, como exemplo de uma dicção “extraordinariamente bem torneada, ao que se alia a mais perfeita simplicidade”. Reputação “duradoura e invejável” aguarda aquele homem de gênio capaz de realizar a união da “facilidade e delicado senso de proporção” dos poemas renascentistas com “o pathos mais profundo, a reflexão mais intensa e a maior variedade de imagens da poesia romântica.[49] Delicadeza e facilidade não são virtudes de Coleridge, e nem é plausível que a esta altura (1815) ele ainda pudesse se imaginar escrevendo essa poesia ideal. Mas a influência dos metafísicos, não apenas Donne, mas especialmente Herbert e Vaughan, é um outro caso, com traços visíveis nos dois últimos grandes poemas.

A atração de Coleridge pelos madrigalistas se explica, talvez, pelo seu reconhecimento — após ter levado a poesia a um limite da representação — de que justamente no repertório mais geral de imagens (“o sol, a lua, as flores, o vento, riachos murmurantes, pássaros, sombras, lindas donzelas cruéis ou amáveis, ninfas, náiades, ou deusas[50] já se tem, afinal, tudo aquilo que o “eu”, agora entre aspas, precisaria para escrever. Neste estágio tão autoconsciente da literatura, um afastamento temporal de cada coisa em relação a si mesma é a marca ou castigo que todo escritor carrega. Conseqüentemente, a “leitura” se torna, agora, um problema, e permanece sendo um problema em todo o período moderno: a alegorização integral das coisas faz das questões de identidade e questões de leitura uma única questão.[51]

Para trazer à tona, mais uma vez, o contexto do idealismo alemão abordado no inicio deste ensaio, pode-se dizer que nesse gosto aparentemente caprichoso de Coleridge pela poesia da Renascença transparece uma mudança de definição que também corresponde, a seu modo, ao distanciamento entre Fichte e Schlegel na história da crítica. É no mesmo momento em que a reflexão vem se apresentar, à maneira de Schlegel, como “pensamento do pensamento do pensamento” que o eu deixa de ser uma “base substancial” e (como escreverá l3audelaire, pouco mais tarde) tout devient allégorie. Pensar o pensar faz de quem pensa alternativamente sujeito e objeto: pensar o pensar o pensar transforma a crítica num meio de reflexão absoluta. A alegoria, no caso, é o nome desse processo, que arranca a literatura de um mundo de fenômenos e a direciona na sobriedade do universo gramatical.[52] A poesia de Coleridge vive precisamente neste intervalo.

Coleridge, porém, é um poeta saudoso, desconfortável na necessidade de vencer os vácuos abertos. Poetas mais plenamente irônicos sobrevivem bem neste mundo de espectros. Coleridge insiste numa afirmação, na entrega positiva, mesmo em face da mais inalienável força de negativi-dade. O hipersensível poeta-crítico, atento às mais delicadas nuances, precisa encontrar uma forma de poesia capaz de reproduzir a hesitação, ou indeterminação que é o próprio pensamento no estado de pensar. A fixidez da percepção parece subordinada a um constrangimento sintático e o poeta quer descrições mais livres, mais incertas, menos estacionárias. Alguns anos mais tarde, Emerson, influenciado por Coleridge, se verá igualmente lutando com o mesmo desafio. Como ensina Richard Poirier, ele também descobrirá que o pensamento e a elaboração de metáforas são inseparáveis, e que o nome de cada coisa alimenta a eterna descoberta da insuficiência de todos os termos.[53] Emerson combate a imobilidade pela multiplicação de verbos e de tudo mais que não seja um substantivo; tu-do o que se move, se aproximando ou distanciando dos nomes. Coleridge, lendo o seiscentista Herbert, encontra o modelo oposto; uma poesia inteiramente sem verbos.

Nas orações de The temple, Coleridge intui uma modalidade de expectativa que é também a da prece, como forma de cruzamento entre o conhecido e o desconhecido, o pensável e o impensável menos a negativa do que uma fronteira entre o sim e o não. No poema “The prayer”, sem verbos, nenhuma força é predominante, e o leitor está livre das obrigatórias coordenadas, conduzindo-o de lá para cá.[54]“Ne plus ultra” é diretamente imitado de Herbert; mas não é exatamente uma prece, nem pelos padrões de exaltação blakiana a que também faz referência. “Positivo único da Noite! Antipatista da Luz!” — a apóstrofe, desde o início, já esgarça os limites da compreensão e do rogo religioso. “O oposto de Deus” é comparado à “condensada escuridão e tempestade abismal”, ao que se segue outra seqüência de frases curtas e ameaçadoras, num ritmo xamânico. Tempestades do espírito e do destino se compactam numa “enorme Posse”. O poema todo é uma visão apocalíptica, o Inferno de Coleridge. A grande besta da Morte e do Caos surge como negação de todos os valores, o oposto de um Deus que, ao mesmo tempo, se confunde com ele.

Maurice Blanchot, em Le pas au-delà, sugere que a palavra “Deus” é aquele nome que faz desaparecer o nome, “o puro nome que não nomeia, o nome sem força denominativa, ligado à linguagem por força do acaso e transmitindo a ela a força devastadora da não designação”.[55] E um
estudioso de BIanchot, Mark Taylor, economiza o hífen e inclui Deus junto a Satã, o bem e o mal, o conhecimento absoluto, a ignorância etc. — como um entre os vários nomes do “não”.[56] “Deus” e o oposto de “Deus” perseguem o poeta Coleridge no estado interino, entre antes e depois, ou pelo menos antes que a idéia se congele numa figura. Só as Sete Lâmpadas — as sete lâmpadas de fogo do Apocalipse (4.5) — conhecerão o “irrevelável”, esse dragão interdito ao “orvalho da prece”. De Herbert, portanto, vem a forma e a sintaxe do poema; mas a pressão dramática é de outra espécie. Quem fala, afinal, nesse poema? Quem pode responder a ele? Pura apóstrofe, estranho e grotesco, o breve monólogo faz companhia a uma outra peça visionária.

Provavelmente anterior a “Ne plus ultra”, o fragmento foi redigido pelo poeta num de seus cadernos e mais tarde intitulado “Limbo”. O nome vem do latim, Umbus, que significa “limite”, ou “borda”, e para nós não poderia ser mais apto.

Tis a strange place, this Limbo!  not a Place,

Yet name it so; — where Time and weary Space

Fettered from flight, with night mare sense of fleeing,

Strive for their last crepuscular half being —

Uma crepuscular meia-existência, perseguida pelo Tempo e o fatiga doEspaço, num lugar que não é um lugar, mas pode-se chamá-lo assim: sem dúvida, esta é uma poesia onde “a densidade de pensamento encarnou-se em imagens originais e estranhas… onde o acúmulo de metáforas e as alusões ao vocabulário técnico e conceitualizações da filosofia levaram Coleridge a conceber um modo poético inteiramente seu”, como escreve seu grande biógrafo, Walter Jackson Bate.[57] Repete-se, aqui, a mesma voz sem dono do outro fragmento; o tom, contudo, é outonal e logo adquire uma outra gravidade. “Estéreis, mudos”, o esguio espaço e o tempo sem foice não têm mais significado, “como a luz da lua num relógio de sol.” O contraste entre a lua e o sol leva o poeta a um de seus grandes momentos, uma visão do tempo humano, comparável às cadências finais de “Frost at midnight”:

But that is lovely — looks like human Time,

An old man with a steady look sublime,

That stops his earthly task to watch the skies;

But he is blind — a Statue hath such eyes; -‑

Yet having moonward turn ‘d his face by chance,

Gazes the orb with moon-like countenance,

With scant white hairs, with foretop bald and high,

He gazes still, — his eyeless face all eye; —

As twere an organ full of silent sight,

His whole face seemeth to rejoice in light!

Lip touching lip, all moveless, bust and limb —

He seems to gaze at that which seems to gaze on him!

Esta é uma das grandes e mais difíceis passagens na poesia de Coleridge, e faz pensar não só em “Frost at midnight”, mas também no final de “Kubla Khan”, nas cenas de lua em “Christabel”, no “Ancient mariner” e em The nightingale”. Depois de Dante, agora são Shakespeare e Milton que vêm se mesclar com o poema “Night” de Vaughan. Angus Fletcher não entra em detalhes sobre o memorável velho, cego, com a face de lua olhando, ao acaso, para a lua; mas nos faz ver a diferença entre esta imagem e a personificação de uma massa vazia, que a precede e novamente se seguirá a ela. [58] A imagem do cego é, talvez, uma visão do contentamento perdido em “Dejection: an ode”; mas quem pode dizer se esta cena é benigna ou terrível? Como a face revelada de Moneta, em “The fall of Hyperion”, de Keats, a face desse velho já está além da tragédia, além de qualquer comoção.[59]

Ao contrário dos mendigos e mutilados de Wordsworth, este velho cego é uma figura irreal, um espectro colhido entre alegorias barrocas e estradas do Lake District. O desconforto de sua figura decerto corresponde à incomum mistura de alegoria e prece. Coleridge, aqui, abandona de vez o desejo de uma fala “puramente humana”. A poesia se destaca da ilusão, com o mesmo gesto que expõe e repete a ilusão. Escapando da voz, o poeta descobre-se reinscrevendo antigas urgências, num modelo especular; e o homem-estátua, a face sem olhos como um grande olho, ou grande lua, ou vista silenciosa, parece olhar para a lua, que parece olhar para ele.

O que emerge, afinal, da cena liminar é um modo novo de personificação, substituindo abstrações convencionais da poesia do século anterior. Dar voz ao tempo, dar face a um homem, dar olhos à lua: Coleridge recupera fontes primárias de animação. Neste mesmo momento, vai descobrir, mais umayez, que a verdadeira oposição é a que separa, não a linguagem dos objetos, mas sim o que é e o que não é da linguagem. Este é o momento, portanto, em que o estético e o poético se separam.[60] Houve um instante em que a compreensão da beleza parecia a manifestação exterior de urn conteúdo ideal, ele mesmo o fruto de uma experiência interior. Mas esta primeira metáfora se perde, agora, na aridez de um novo universo, onde a distância entre o que é símbolo e o que é simbolizado já não se apresenta clara. “A linguagem fala” — o que parece antropomorfismo, ou falácia, mas para o poeta é uma forma de indicar a gramatização absoluta. O “eu” não tem mais nenhuma força elocutória; para todos os efeitos, ele poderia ser mudo, como uma estátua, ou cego, como a lua.

Em muitos poemas do romantismo, este momento corresponde à instância sublime, uma passagem liberatória, menos desencantamento que licença. Artistas do contra sublime como o são, por vezes, Wordsworth ou Hölderlin, vêem aí, por outro lado, a possibilidade de uma poesia da consciência autônoma, criando suas próprias metáforas. O Prelúdio, em alguns momentos, é uma poesia assim. Mas para Coleridge, “herói da consciência” até o fim, este é o “horror de um oco e absoluto Nada”, como descrito na seqüência de “Limbo”. A visão do cego se dissolve numa “prisão de espectros”. A maldição do Purgatório é a “simples Privação”, o pensamento estanque, a paralisia. O terror dos infernos é muito pior: “um medo — estado futuro — a Negação positiva!”.

Personificar a consciência da personificação pode ser perverso para o poeta, mas não deixa de ser um tônico para a poesia. Neste poema, mais do que em qualquer outro, Coleridge nos mostra o que poderia ter sido esta poesia de indecifrável vaivém, “onde a densidade do pensamento encarnou-se em imagens originais e estranhas”. (Os cadernos mencionam, entre outras idéias jamais desenvolvidas, um poema sobre “A origem do mal”, seis “Hinos ao Sol, à Lua e aos Elementos”, um épico da “Destruição de Jerusalém” e “Milton, uma monodia”.)[61] Em “Limbo”, voltando ao tema do nada, Coleridge retorna aos elisabetanos, especialmente Shakespeare, cujo drama articula seqüências quase ininterruptas de cenas liminares e prodígios de fantasmagoria. Mas é igualmente neste ponto de sua devastação, sabedor também das dimensões da poesia de Wordsworth, que Coleridge abandona, virtualmente para sempre, toda poesia de molde figurativo, ou encantatório. Sua idéia de poesia não cabe mais na poe–sia. Alegorizada ao máximo, a poesia vai se dissolver na crítica e o valor positivo de cada poema será dissipado e difundido pela reflexão, pela prosa. À ironia formal de cada obra soma-se agora a ironia da crítica, que realiza e aniquila a obra de urna vez só. Coleridge chega aqui à idéia da poesia corno prosa, num gesto que estilisticamente corresponde à supremacia da descontinuidade sobre a “unidade ideal”, tão desejada antes, e que corresponde também à superação do estético e do sagrado pelo profano e prosaico. Caracteristicamente romântica, a poesia de Coleridge anuncia não o retorno do sagrado, mas pelo contrário o ponto onde o sagrado e o profano se separam, pela contração irônica das ilusões. Alegorizada ao máximo, a poesia percebe uma poesia mais alta dentro de si, e essa poesia é prosa. Essa poesia é a crítica, que Coleridge, então, se põe a inventar para os nossos tempos modernos.

“As formas da cultura exercem às vezes seu mais forte apelo no instante mesmo em que a vida já está lhes deixando para trás.” Assim começa o grande ensaio de Walter Pater sobre Coleridge, um misto de emoção e discreta maledicência[62].  Pater define a obra em prosa de Coleridge como uma “batalha desinteressada contra o espírito relativo”; isto é, contra o espírito moderno, ou visão pateriana de “modos de vida se esvanecendo em seus opostos, por inexprimíveis refinamentos de mudança”. Mas talvez não seja justo julgar a prosa de Coleridge pelo prisma de Pater. Um dos propósitos deste ensaio foi o de identificar uma passagem à crítica, antecipada por inexprimíveis refinamentos de mudança na própria poesia de Coleridge, de uma maneira que traz à mente a bela frase de seu sucessor. Resguardado pragmaticamente no emprego da forma orgânica ou da teoria da imaginação, Coleridge é um crítico mais surpreendente e mais fino do que Pater gostaria, ou precisava que fosse. Quando ele nos diz que Shakespeare é a “natureza humanizada”, está longe de Pater, mas talvez nem tanto quando descreve a força de Shakespeare como “uma sabedoria implícita, mais profunda do que pode ser a consciência”.[63]

Também não seria justo, porém, menosprezar a sabedoria implícita de Pater em nossa leitura de Coleridge. Há um Coleridge doutrinário, inaceitável a Pater mesmo ao revelar, como poucos, o “espetáculo de uma suprema destreza intelectual” nas obras da imaginação. Mas há um outro Coleridge, menos definido, o pensador na encruzilhada, o crítico de expectativas, pronto a perceber a menor nuance, e intensificá-la sem o apoio de uma res-posta pronta. É aqui, talvez, em momentos isolados, que se pode ver não apenas o maior crítico, mas o maior conversador de sua época, segundo a opinião unânime de seus contemporâneos. O que Pater chama de “temperamento asiático em Coleridge parece sufocado, em boa parte da prosa, pela redução de idéias em lições, e o “rumor oceânico” de seu pensamento (descrito por Henry James)[64] muitas vezes se abafa nas linhas prosaicas de um ensaio de jornal.

Mas, afinal, ele não nos faz ver tudo isto? Não haverá, também, aqui, um outro propósito? Por um lado, sua prosa floresce em milhares de trilhas colaterais, uma selva obscura de apartes e parênteses. Por outro, a. sua própria noção de expectativa, ou liminaridade como condição de pensamento sugere outra idéia, mais relativa, de pedagogia. Na introdução a um número especial da revista Yale French Studies, Barbara Johnson analisa “The rime of the ancient mariner” precisamente nestas linhas. “Ao que tudo indica”, segundo ela, “o que o marinheiro tem a ensinar é sua experiência de não saber.”[65] Entre as glosas marginais, adicionadas por Coleridge, e o texto corrido da balada, Johnson vê a tentação de transformar as descontinuidades do poema em julgamentos, ou descrições de valor. Mas a figura do marinheiro dramatiza, num outro extremo, o ensinamento como compulsão: “a compulsão de repetir o que não foi entendido”. Esta compulsão é a sina vocacional de todo verdadeiro professor. Aquilo que é mais preciso ensinar, aquilo que mais se procura ensinar não pode ser nunca ensinado — a não ser, talvez, pelos sinais de uma ausência, ou de uma falência que é a própria marca do pensamento de Coleridge.

A última palavra pode ficar com Pater:

Pelo que fez, e pelo que não foi capaz de fazer, Coleridge representa aquele inexaurível mal-estar, a languidez e a nostalgia, aquele infinito arrependimento que soa em acordes por toda a nossa literatura moderna… Com sua paixão pelo absoluto, por alguma coisa de fixo quando tudo parece em movimento, por sua fraqueza, sua memória sofrida e seu desassossego intelectual, Coleridge pode ser listado entre os verdadeiros intérpretes de um elemento constitutivo da nossa vida.

Hoje em dia, qua. ndo o modernismo — o modernismo no sentido histo-riográfico mais habitual, o modernismo de princípios deste século — ainda é estudado como um grande gesto renovador, oposto ao romantismo, a leitura de Coleridge serve também para demonstrar as continuidades fundamentais entre esses dois momentos. Para nós, hoje, ainda é surpreendente a coincidência entre certos temas da crítica e as lições do poeta. Limite, passagem, personificação, ambivalência e memória, alegoria: todos são temas de Coleridge. Cada um dá passagem para que a cultura venha a se pensar a si mesma, nas vias tão conturbadas entre arte e pensamento.

APÊNDICE

FROST AT MIDNIGHT

The frost performs its secret ministry,


Unhelped by any wind. The owlet’s cry


Came loud — and hark, again! loud as before.


The inmates of my cottage, all at rest,

Have left me to that solitude, which suits

Abstruser musings: save that at my side

My cradled infant slumbers peacefully.

‘Tis calm indeed! so calm, that it disturbs

And vexes meditation with its strange

And extreme silentness. Sea, hill, and wood,

This populous village! Sea, and hill, and wood,

With all the numberless goings on of life,

Inaudible as dreams! the thin blue flame

Lies on my low burnt fire, and quivers not;

Only that film, which fluttered on the grate,

Still flutters there, the sole unquiet thing.

Methinks, its motion in this hush of nature

Gives it dim sympathies with me who live,

Making it a companionable form,

Whose puny flaps and freaks the idling

Spirit By its own moods interprets, every where

Echo or mirror seeking of itself,

And makes a toy of Thought.

But O! how oft,

How oft, at school, with most believing mind,

Presageful, have I gazed upon the bars,

To watch that fluttering stranger! and as oft

With unclosed lids, already had I dreamt

Of my sweet birth-place, and the old church-tower,

Whose bells, the poor man’s only music, rang

From morn to evening, all the hot Fair-day,

So sweetly, that they stirred and haunted me

With a wild pleasure, falling on mine ear

Most like articulate sounds of things to come!

So gazed I, till the soothing things I dreamt

Lulled me to sleep, and sleep prolonged my dreams!

And so I brooded all the following morn,

Awed by the stern preceptor’s face, mine eye

Fixed with mock study on my swimming book:

Save if the door half opened, and I snatched

A hasty glance, and still my heart leaped up,

For still I hop ‘d to see the stranger’s face,

Townsman, or aunt, or sister more beloved,

My play-mate when we both were clothed alike!

Dear Babe, that sleepest cradled by my side,

Whose gentle breathings, heard in this deep calm,

Fill up the interspersed vacancies

And momentary pauses of the thought!

My babe so beautiful! it thrills my heart

With tender gladness, thus to look at thee,

And think that thou shall learn far other lore

And in far other scenes! For I was reared

In the great city, pent ‘mid cloisters dim,

And saw nought lovely but the sky and stars.

But thou, my babe! shalt wander like a breeze

By lakes and sandy shores, beneath the crags

Of ancient mountain, and beneath the clouds,

Which image in their bulk both lakes and shores

And mountain crags: so shalt thou see and hear

The lovely shapes and sounds intelligible

Of that eternal language, which thy God

Utters, who from eternity doth teach

Himself in all, and all things in himself

Great universal Teacher! he shall mould

Thy spirit, and by giving make it ask.

Therefore all seasons shall be sweet to thee,

Whether the summer clothe the general earth

With greenness, or the redbreast sit and sing

Betwixt the tufts of snow on the bare branch

Of mossy apple-tree, while the nigh thatch

Smokes in the sun-thaw; whether the eave-drops fall

Heard only in the trances of the blast,

Or if the secret ministry of frost

Shall hang them up in silent icicles,

Quietly shining to the quiet Moon.

GEADA À MEIA-NOITE

A geada exerce o seu secreto ofício.

Sem ajuda do vento. O grito da coruja

Soou alto — de novo, escuta! — alto como antes.

Todos que vivem aqui estão repousando, e

Deixam-me entregue àquela solidão que bem condiz

Com idéias abstrusas: exceto, a meu lado, meu menino,

Dormindo mansamente no seu berço.

É uma calma absoluta — calma tal que chega a perturbar

E agastar o pensamento, com seu silêncio

Extremo e incomum. Mar, morro e mato,

E a populosa vila! Mar e morro e mato,

Com a incontrolável agitação da vida,

Inaudíveis como um sonho! A tênue chama azul

Já não se mexe na lareira escura;

Só aquela raspa, que se agitava há pouco sobre a grade,

Ainda se agita ali, a única coisa inquieta.

Para mim, em meio à meio à quietude da natureza, seu movimento

Sugere alguma vaga empatia — comigo, vivo,

E faz dela uma forma companheira,

Cujas fracas batidas e caprichos o Espírito desocupado

Interpreta como seu próprio humor, buscando em cada canto

Um eco ou espelho de si,

E faz do pensamento seu joguete.

Mas, ah! quantas vezes.

Quantas vezes, na escola, com a mente mais crédula

E cheia de pressentimentos, não dirigi o olhar ao gradeado,

Para ver aquele estranho se agitando! E quantas outras vezes,

De pálpebras erguidas, já não sonhara

Com meu doce lugar natal e a velha torre da igreja,

Cujos sinos, a única música dos pobres, soavam

Da manhã à noite, nos dias quentes de festa,

Tão docemente, que me perseguiam e equilhoavam

Com um prazer sem limite, caindo em meus ouvidos

Como o verdadeiro som articulado das coisas por vir!

Assim olhava, até que as coisas boas que eu sonhara

Embalavam o meu sono — e o sono, então, prolongava meus sonhos!

E assim passava pensativo toda manhã seguinte,

Aterrorado pela expressão severa do meu mestre, com os olhos

Concentrados falsamente sobre o livro girando:

Exceto quando .a porta era entreaberta, e eu vislumbrava

Algum olhar passageiro, e ainda uma vez meu coração pulava,

Pois não perdera ainda a esperança de ver o rosto do estranho —

Conterrâneo, ou tia, ou adorava irmã,

Companheira de jogos, quando eram iguais, ainda, as nossas roupas!

Querido Filho, que dormes neste berço aqui a meu lado,

Tua respiração suave, ouvida nesta calma tão profunda,

Preenche os intervalos descontínuos

E as pausas momentâneas do pensamento!


Meu filho tão bonito! — meu coração se enche


De uma terna alegria, só ao te olhar

E imaginar que aprenderás lições muito distintas

E em outras, bem distantes paisagens! Pois eu cresci


Na cidade grande, encerrado em claustros obscuros,

E não vi nada de belo, além do céu e das estrelas.

Mas tu, meu filho! vais passear como a brisa

Pela areia das praias, pelos lagos, sob as escarpas

Das velhas montanhas e sob as nuvens,

Que espelham em sua massa lagos e praias

E escarpas das montanhas: assim verás e escutarás

As lindas formas e sons inteligíveis

Daquela linguagem eterna, que o teu Deus

Pronuncia, ensinando, da eternidade,

Como Ele está em tudo e tudo n’Ele.

Oh, grande Pedagogo universal! Haverá de moldar

O teu espírito, e ao ofertar, fazer com que lhe peças.

Todas as estações, assim, serão doces para ti,

Quer o verão vista a terra de verde,

Ou o pássaro de inverno, imóvel, cante,

Entre os flocos de neve, sobre o galho seco

Da macieira coberta de musgo, enquanto, ao lado,

Derretendo ao sol, o teto da cabana se esfumaça,

Quer as gotas da calha vão caindo,

Entreouvidas em meio à tempestade,

Ou se o secreto ofício da geada,

Como pontas de gelo silenciosas, pendurá-las,

Brilhando calmamente à calma lua.

 Notas

[1] Leon Edel e Lyall H. Powers (orgs.), The complete notebooks of Henry James, Oxford e Nova York, Oxford University Press, 1987, p. 89. A figura de Coleridge serviria de modelo para a personagem central do conto “The Coxon Fund”, esboçado pela primeira vez por James nesta nota, de 17 de abril de 1894.

[2] Henry James, “The Coxon Fund”, em Henry James’ shorter masterpieces, vol. 1, Sussex, Harvester Press, 1984, p. 171.

[3] Notebooks, out. 1803; em Samuel Taylor Coleridge, “Oxford Authors”, ed. H. J. Jackson, Oxford e Nova York, Oxford University Press, 1985, p. 544. (Demais referências a este volume: STC.)

[4] Table talk, 24/6/1827. Ver Jonathan Bate (org.), The romantics on Shakespeare, Harmondsworth, Penguin, 1992, p. 161.

[5] Sobre este assunto, ver, entre outros, Barbara Freedman, Staging the gaze: postmodernism, psychoanalysis, and Shakespearean comedy, Ithaca, Nova York, Cornell University Press, 1991; ou Julia Reinhard Lupton e Kenneth Reinhard, After Oedipus — Shakespeare in psychoanalysis, Ithaca, Nova York, Cornell University Press, 1993. Ver também a introdução “The analysis of character”, de Harold Bloom, em todos os volumes da série “Major Literary Characters”, Nova York e Filadélfia, Chelsea House Publishers, 1992-.

[6] STC, 159, 165.

[7] Neste ponto, como em tantos outros, este trabalho deve muito às lições de Angus Fletcher, autor de um dos mais inspiradores ensaios sobre Coleridge: “Threshold, sequence, and personification in Coleridge”, em New perspectives on Coleridge and Wordsworth, Nova York, Columbia University Press, 1972. 0 ensaio foi republicado, mais recentemente, numa coletânea de ensaios de Fletcher, Colors of the mind. Conjectures on thinking in literature, Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press, 1991, pp. 166-88.

[8] “Fragmentos logológicos” (n? 36); em Pólen — Fragmentos, diálogos, monólogo, trad. Rubens Rodrigues Torres Filho, São Paulo, Iluminuras, 1988, p. 122.

[9] Biographia literaria, cap. IX (STC, 235).

[10] Geoffrey Hartman, “Coleridge and the Counterfeit”; em Easy pieces, Nova York, Columbia University Press, 1985, p. 77.

[11] Shakespearean criticism, cit. em M. H. Abrams, The mirror and the lamp. Romantic theory and the critical tradition, Nova York, Norton, 1958 e reed., p. 173.

[12] As três citações vêm de Table talk, em J. Bate (org.), The romantics on Shakespeare, pp. 161-3.

[13] Hartman e Wordsworth, De Man e Rousseau ou Shelley, Cavell e Emerson, Derri-da e Rousseau, Bloom e Emerson ou Whitman: são todos exemplos do forte interesse de alguns dos mais importantes críticos da nossa época pelos autores românticos.

[14] “Intentional structure of the romantic image”, em The rhetoric of romanticism, Nova York, Columbia University Press, 1984, pp. 1-17. Numa primeira versão, em francês, este ensaio foi publicado na Revue internationale de philosophie, n° 51, 1960, pp. 68-84.

[15] De Man, The rhetoric of romanticism, p. 6.

[16] Sobre a “tentação da imediatez”, no contexto mais amplo das relações entre modernidade e história, ver também, de Paul de Man, o ensaio “Literary history and literary modernity”, em Blindness and insight — Essays in the rhetoric of contemporary criticism, Minneapolis, University of Minnesota Press, 1983; sobre o mesmo assunto, mas num outro contexto que envolve o modernismo brasileiro, ver meu ensaio “Repercussões de Joyce”, em A Semana de Arte Moderna: desdobramentos 1922-1992, org. Vera Bastazin, São Paulo, Educ, 1992.

[17] Paul de Man, idem, p. 9.

[18] “Reflections on romanticism in France”, em Studies in romanticism, vol. 9, n? 4, outono, 1970, p. 245.

[19] Biographia literaria, cap. XII (STC, 290).

[20] Idem, cap. XIV (STC, 319).

[21] Table talk, 25/7/1832 (STC, 600).

[22] Biographia literaria, cap. XII (STC, 301).

[23] Biographia literaria, cap. XXIII (STC, 458).

[24] The Norton anthology of English literature, vol. 2, Nova York, Norton, 1968 e reed., p. 262, n. 1.

[25] Biographia literaria, cap. mil (STC, 313). Exceto onde indicado, todas as citações neste parágrafo encontram-se neste trecho.

[26] STC, 297.

[27] A referência, aqui, diz respeito às hipóteses de Hartley, que são língua franca da filosofia inglesa deste período. Semelhante em certos aspectos a Locke e Hume, Hartley imagina uma hierarquia, ou rede obrigatória de associações, em que certas sensações, repetidas muitas vezes, deixam vestígios na mente, como canais por onde devem, então, transitar as imagens “associadas” do mesmo grupo. Coleridge respeitava enormemente Hartley e deu a seu filho este nome em homenagem ao filósofo; mas discordava dele em muitos pontos.

[28] Notebooks, out. 1803 (STC, 544). Ver acima, p. 213.

[29] Notebooks, nov. 1809 (STC, 552).

[30] Thomas Weiskel, O sublime romântico. Estudos sobre a estrutura e psicologia da transcendência, trad. Patrícia Flores da Cunha, Rio de Janeiro, Imago, 1994, p. 293.

[31] The prelude (1805), v1.527, Harmondsworth, Penguin, 1971 e reed.

[32] Sobre este ponto, mas numa leitura que abrange também obras de Emerson e Freud, ver o belo ensaio de Mark Edmundson, “The work of melancholia”, em Towards reading Freud. Self-creation in Milton, Wordsworth, Emerson, and Sigmund Freud, Princeton, Nova Jersey, Princeton University Press, 1990, pp. 125-53.

[33] O poema integral aparece no fim deste ensaio, com tradução.

[34] Ver, entre outras, a conhecida passagem no Livro II do Prelúdio, onde o narrador descreve, num cenário igualmente noturno e solitário, a “força do som […] não profanado pelas imagens” (11. 304-6), e “notas” (ruídos de uma tormenta chegando), que são como “a linguagem espectral da velha terra”. “Thence did I drink the visionary power…” (11. 308-11).

[35] “Coleridge”, em Figures of capable imagination, Nova York, Seabury Press, 1976, p. 12.

[36] “Elegy written in a country churchyard” (1750).

[37] Angus Fletcher, “Silence and the voice of thought”, em Colors of the mind. Conjectures on thinking in literature, (ver n. 7 acima).

[38] Idem, ibidem, p. 211. São cruciais as imagens de silêncio no Prelúdio de Wordsworth. Valeria a pena estudar detidamente momentos como o do “Boy of Winander” (v.364-97), ou a primeira narrativa dos “spots of time” (x11.208-86); ou ainda o intervalo entre as duas estrofes do poema “A slumber did my spirit seal”.

[39] A genealogia é explicitada em Harold Bloom, The visionary company — A reading of English romantic poetry, ed. rev., Ithaca, Nova York, Cornell University Press, 1971 e reed., especialmente pp. 200-5.

[40] Carta a Joseph Cottle, em Collected letters, vol. iv, ed. Earl Leslie Griggs, Oxford, Oxford University Press, 1956, p. 545.

[41] “Samuel Taylor Coleridge” (1835), em Recollections of the Lakes and the Lake poets, Harmondsworth, Penguin, 1985, p. 92.

[42] The starlit dome, Londres, Methuen, 1941, p. 83.

[43] “The Daemon as sexual vampire”, cap. 12 de Sexual personae. Art and decadence from Nefertiti to Emily Dickinson, New Haven, Yale University Press, 1990. Trad. bras. Marcos Santarrita, Personas sexuais, São Paulo, Companhia das Letras, 1992.

[44] “Willing suspension of disbelief’. Biographia literaria, cap. )(Iv (STC, 314).

[45] David Bromwich, “Revolutionary justice and Wordsworth’s Borderers”, em Raritan, vol. 13/3, inverno de 1994.

[46] The prelude, v1.600.

[47]‘Was it for this…?’ Wordsworth and the birth of the gods”, em K. Johnston, G. Chaitin, K. Hanson e H. Marks (orgs.), Romantic revolutions. Criticism and theory, Bloomington, Indiana University Press, 1990, p. 18.

[48] Paul de Man, “Reading and history”, em The resistance to theory, Minneapolis, University of Minnesota Press, 1986, p. 68.

[49] Biographia literaria, cap. XVI (STC, 328-30).

[50] Idem (STC, 328).

[51] Samuel Weber, “Criticism underway. Walter Benjamin’s Romantic concept of criticism”, em Romantic revolutions, p. 307.

[52] Sobre este assunto, ver a tese de de Walter Benjamin, O conceito de crítica de arte no romantismo alemão, trad. Marcio Seligmann-Silva, São Paulo, Iluminuras, 1993. Seu ensaio “Die Aufgabe des Übersetzers”, em Illuminationen, Frankfurt, Suhrkamp, 1980, persegue a questão de um outro viés.

[53] Poetry and pragmatism, Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press, 1992, p. 46. Sobre a relação entre Emerson e Coleridge, ver também os ensaios de Mark Edmundson (cit. acima, n. 32) e Stanley Cavell, “Emerson, Coleridge, Kant”, em In quest of the ordinary: lines of skepticism and romanticism, Chicago, University of Chicago Press, 1988.

[54] Um equivalente aproximado, em nossa língua, seria o soneto de Camões, “O céu, a terra, o vento sossegado”. Aqui também, na primeira estrofe, a paisagem se apresenta sem nenhuma urgência, mais enumeração que narrativa.

[55] Le pas au-delà, Paris, Gallimard, 1973, p. 69.

[56] Nots, Chicago, University of Chicago Press, 1993, p. 1.

[57] Coleridge, Nova York, Macmillan, 1968, p. 176.

[58] “Threshold, sequence and personification in Coleridge”, em Colors of the mind, (n. 7), pp. 183-4.

[59] Harold Bloom, The visionary company, (n. 39), p. 234.

[60] De Man, “Reading and history” (n. 48), p. 68. Ver também seus ensaios “Hegel on the sublime”, em Mark Krupnick (org.), Displacement: Derrida and after, Bloomington, Indiana University Press, 1983, pp. 139-53, e “Sign and symbol in Hegel’s aesthetics”, em Critical Inquiry, vol. 8, verão de 1982, pp. 761-75.

[61] Citado em Bloom, “Coleridge”, (n. 35 acima), p. 17.

[62] “Coleridge”, um dos capítulos de Appreciations (1889), em Walter Pater: three major texts (The Renaissance, Appreciations and Imaginary portraits), ed. William E. Buckler, Nova York, New York University Press, 1986, p. 430.

[63] Shakespearean criticism, vol. 1, p. 223 e p. 225 (n. 11).

[64] “The Coxon Fund” (ver n. 1 acima), p. 215.

[65] “Editor’s Preface”, em The pedagogical imperative — Teaching as a literary genre, Yale French Studies, vol. 63, 1982, p. VI.

 

Vários amigos gentilmente leram e me ajudaram a melhorar este ensaio. Agradeço, em especial, a Yudith Rosenbaum, Andrea Lombardi, Otavio Frias Filho, Maria Rita Kehl e Marcelo Coelho, e a meus colegas no grupo de história cultural do Instituto de Estudos Avançados da USP.

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