2007

O imperio das palavras

por Jean-Michel Rey

Resumo

Durante a ocupação da França pela Alemanha na Segunda Guerra Mundial, alguns franceses colaboraram ativamente com autoridades invasoras. Sobre isso, em 1972, o então presidente francês Georges Pompidou assim se pronunciaria: “Não terá chegado a hora de deixar para trás, de esquecer aquele tempo em que os franceses não gostavam uns dos outros, se magoavam e até se matavam entre si?”.

A retórica desempenha um papel importante nos enunciados que procuram evocar para desarticular um episódio passado, por meio do uso de palavras que, a um só tempo, mencionam e neutralizam. O que poderá representar então um estado de paz decretado dessa maneira pelo poder político, instaurado através da supressão de um momento próximo constituído de conflitos graves e acompanhado de palavras lenientes – sem grande relação com a situação evocada? Supondo que o esquecimento procurado (ou desejado) possa acontecer, quanto tempo ele poderá efetivamente durar? E a quem interessa esse esquecimento? A quem se dirige, prioritariamente? Com que objetivo, exatamente? São perguntas elementares suscitadas por uma política de curto prazo, que aposta nos lapsos da memória coletiva e no que se pode chamar de ausência de eternidade; perguntas para uma política que conta com condições de possibilidade de pequeno alcance, que não se interroga sobre o que podem ser, nesses contextos, as diferentes feridas, agressões, dores, cicatrizes – e assim por diante.

Cabe mencionar um lado particularmente paradoxal de toda essa operação. É o fato de que uma política do esquecimento – pois é disso que, de fato, se trata – é, ao mesmo tempo, um rigoroso esquecimento da política; uma maneira, enfim, de não considerar o que está em jogo em toda política, tais como conflitos, diferenças, contradições, incompatibilidades e assim por diante; um modo também de não levar em conta a duração dos conflitos, uma duração que, evidentemente, é imprevisível, completamente aleatória. O paradoxo reforça-se ainda mais pelo fato de que, na sua fórmula mais elementar, trata-se, na verdade, de esquecer por ordem do poder. Mais: suprimir tendo em vista uma (sempre hipotética) reconciliação. É essa lógica singular que deve levar a interrogar, novamente, um termo evidentemente muito covarde e cômodo como o “esquecimento”, imaginando que não mais se trata de ausência pura e simples, mas de uma operação mais sutil que procura arrancar o que está mais presente na consciência coletiva, de modo a tentar obliterar ou recobrir um lapso do tempo social, que introduz uma distorção na temporalidade comum.

Do poder das palavras no campo político, da força dos enunciados ou das frases na ordem do poder, do efeito de certos termos no corpo social, de modos de dizer apoiados na autoridade – é disso que fala o tempo todo o poeta e ensaísta Paul Valéry quando, por exemplo, reinterpreta e redefine o termo “mito”, atribuindo-lhe um alcance inédito. Reflexão exemplar que tira o maior partido de um termo muito antigo. “Mito – escreve Valéry – é o nome de tudo aquilo que não existe e que só subsiste sustentado pela palavra. Não existe discurso que seja tão obscuro, mexerico que seja tão excêntrico, palavras que sejam tão incoerentes às quais não possamos dar um sentido. Há sempre uma suposição que dá sentido à linguagem mais estranha.”

Existiriam, portanto, em grande escala, “coisas” – deixemos aqui um termo bem amplo – que só têm consistência se forem enunciadas, formuladas ou escritas. Tudo leva a pensar que essas coisas só se mantêm por meio de um poderoso reforço retórico ou discursivo, por meio de um acréscimo de sentido que parece ser indefinidamente possível, e que elas consistem, antes de tudo, nessas operações. Trata-se, ao mesmo tempo, de um problema de duração – de manutenção no ser, para usar termos filosóficos – e numa dimensão em que o essencial parece proceder da formação de discursos. O mais importante, segundo Valéry, vem do “monstro” e da “quimera”, sobre os quais ele acrescenta a seguinte explicação: “Mas trata-se de um monstro ou de uma quimera que não são viáveis no fato, só estão à vontade no vazio dos espíritos”.  O impossível encontra assim, frequentemente, figuras consistentes, consegue ser – graças a certas modalidades do discurso, através de certa indeterminação. Esse será um dos principais paradoxos que Valéry encontra continuamente na sua reflexão sobre o estatuto do político e sobre os múltiplos usos do dizer.


Ao pensar o esquecimento da política, me veio subitamente à lembrança um episódio significativo da história francesa, de cerca de trinta e cinco anos atrás. Em 1972, o então presidente da República Georges Pompidou dizia, referindo-se ao período da ocupação alemã, durante o qual alguns franceses tinham colaborado de maneira ativa com as autoridades responsáveis pela ocupação: “Não terá chegado a hora de deixar para trás, de esquecer aquele tempo em que os franceses não gostavam uns dos outros, se magoavam e até se matavam entre si?” Essa frase, de certa forma, vinha justificar um acontecimento que havia suscitado, na época, uma grande comoção, pelo menos em certos meios. O presidente da República tinha acabado de exercer seu direito de conceder indulto a um homem, Paul Touvier, que havia sido, durante a última guerra, um notório colaborador da polícia nazista, um verdadeiro criminoso responsável pela morte de diversas pessoas. Haviam se passado um pouco mais de vinte e cinco anos do final da guerra e da ocupação. Georges Pompidou dizia também, no mesmo contexto, sob forma de pergunta, a seguinte frase: “Vamos continuar, eternamente, remexendo as feridas abertas de nossas desavenças nacionais?”

Não podemos deixar de nos interrogar sobre esses enunciados de diversas formas até. São enunciados que, na sua aparente simplicidade e objetividade, não têm absolutamente nada de evidente; mesmo que pareçam seguir comportamentos conhecidos, mesmo que pareçam estar de acordo com coisas consideradas comuns.

Inicialmente, observaremos alguns pontos significativos do primeiro enunciado. É a autoridade política por excelência, aquela que consideramos uma autoridade moral acima de interesses partidários, que pronuncia solenemente essa frase, enfatizando seu caráter imperativo e sua necessidade. A autoridade política decide e expõe sua decisão, com conhecimento de causa, supomos, e no momento que parece mais oportuno fazê-lo. Essa decisão, porém, está longe de ser insignificante. Pois se trata, essencialmente, de determinar o esquecimento de um conjunto de graves acontecimentos, de prescrever sua supressão, de intimar a não mais pensar nesses fatos que, como iremos observar, não são mencionados como sendo fatos. (Habilidade bem política dos discursos alusivos, principalmente quando se trata, como é o caso, de acontecimentos muito graves sobre os quais há discordâncias, acontecimentos sobre os quais podemos legitimamente perguntar se realmente fazem parte do passado.) Na verdade, é estranha essa disposição que vem prescrever a anulação de um momento histórico, um momento muito próximo que é também um momento especialmente doloroso para usar termos semelhantes aos do enunciado; mas é também, sem dúvida, um momento particularmente crucial na história recente. Querendo ou não, esses anos foram determinantes para toda a Europa e, particularmente, para a França. Temos, portanto, o direito de nos perguntar o que pode significar a necessidade desse esquecimento; e como é possível que uma autoridade política preconize uma amnésia dessa natureza; em nome de que, exatamente, um chefe de Estado se dá ao direito de recomendar, insistentemente, um gesto de esquecimento assim tão forte – parecendo com isso exaltar a eficácia de uma omissão dessa importância, qualificando essa época, da qual devemos a partir de agora nos afastar, de modo assim tão sumário, como “aque­le tempo em que os franceses não gostavam uns dos outros”. Quem estava pronunciando aquela frase podia ter quase a certeza de que a proposta seria compreendida, pelo menos por uma parte da população: ela é bem construída, é simples, elementar, mas é acima de tudo neutra, completamente ascética em relação àquilo que pretende evocar pelo menos na aparência. Tudo parece ter sido feito, principalmente, para atingir o maior consenso possível; ou seja, para desarticular (de uma forma que podemos chamar de conjuratória) todos os conflitos que poderiam surgir, através de uma palavra que se diz apaziguadora, através de um enunciado que também procura restaurar (a um pequeno custo, é preciso notar) o amor de todos por todos, uma espécie de unidade afetiva elementar. Um certo erotismo é suscitado para sustentar uma política baseada na omissão. E, principalmente, parece existir uma certa indeterminação, como exige um contexto dessa natureza, apenas uma alusão.

A retórica tem sempre um papel importante nos enunciados que procuram evocar e desarticular, ao mesmo tempo, um episódio passado, por meio do uso de palavras que, simultaneamente, mencionam e neutralizam. O que poderá representar então um estado de paz decretado dessa maneira pelo poder político, instaurado através da supressão de um momento próximo constituído de conflitos graves e acompanhado de palavras lenientes – sem grande relação com a situação evocada? Supondo que o esquecimento procurado (ou desejado) possa acontecer, quanto tempo ele poderá efetivamente durar? E a quem interessa esse esquecimento? A quem se dirige, prioritariamente? Com que objetivo, exatamente? São perguntas elementares suscitadas por uma política, digamos, de curto prazo, que aposta necessariamente nos defeitos da memória coletiva, que parece apostar naquilo que chamaríamos de ausência de eternidade; perguntas para uma política que conta com condições de possibilidade de pequeno alcance, que não se interroga sobre o que podem ser, nesses contextos, as diferentes feridas, as agressões, as dores, as cicatrizes, os traumatismos – e assim por diante. Perguntas extremamente comprometidas em uma política que parece dessa forma decidida a não dar a mínima consideração ao tempo, ou que só vê no tempo um lugar propício para desaparecimentos.

Citarei um trecho de Valéry que parece ser particularmente pertinente dentro dessa perspectiva. “Afinal, são as coisas vagas que nos permitem viver, pois nem o ser do homem lhe permitiria suportar aquilo que o espírito, que é absoluto, lhe infligiria; nem o próprio espírito se conservaria se não fosse tão inconsequente quanto consequente e também tão móvel e superficial quanto o contrário.”

Se generalizarmos um pouco o que dizia o presidente Pompidou, haveria portanto, em todos esses domínios, certas virtudes apro­priadas ao esquecimento, uma certa eficácia ligada à pura e simples supressão. Para nós, o mais surpreendente, talvez, é que isso possa ser dito aparentemente de boa-fé, embora uma prática como essa não seja novidade, seja mais ou menos conhecida, quase tão antiga quanto a própria democracia grega. Digo isso pensando nos trabalhos de Nicole Loraux, que mostram com extrema precisão que com algumas palavras, às vezes, a autoridade política instaura a amnésia, ou seja, a anistia as duas palavras têm a mesma origem em grego e, em certos contextos, podem até mesmo ser usadas uma no lugar da outra, são quase equivalentes. Desde a democracia grega, gestos dessa natureza se repetem mais ou menos de forma idêntica: são reiterados e repetidos por uma autoridade, sem maiores explicações. É uma receita antiga da qual os políticos não temem fazer uso. Entre tantos exemplos, conhecemos a frase de Plutarco que vai igualmente nessa direção, que prescreve uma anulação exatamente do mesmo tipo – para o bem de todos, supomos: “A política exige que não deixemos que o ódio se eternize.” A segunda frase de Pompidou que citei retoma mais ou menos exatamente esta máxima grega: “Vamos continuar eternamente remexendo as feridas abertas de nossas desavenças nacionais?” Novamente aqui – e o gesto do indulto de Pompidou é um exemplo indiscutível -, temos uma amnésia que é uma espécie de condição obrigatória para uma anistia, que prepara o terreno para ela, que a acompanha obrigatoriamente. Uma não existiria sem a outra; e, além do mais, isso precisa ser dito, precisa ser incorporado ao discurso. Olhando de perto, vemos assim uma dupla anulação: apagamos os crimes (de tal ou tal pessoa) e esquecemos também o período tumultuado em que eles ocorreram. Fazemos de conta de que nada mais resta, ou apenas muito pouco. Tiramos daí um duplo benefício. Para dizer de forma resumida, é como se nessas frases do presidente Pompidou, em 1972, uma certa evangelização tivesse vindo substituir uma prática da democracia grega – colocando em evidência, como solução para os conflitos, apenas aquilo que não existia no período invocado, ou seja, um amor generalizado. De fato, na democracia grega, a interdição de lembrar as desgraças recentes ou longínquas da região – pelo menos é o que se supõe ou o que se espera era a própria condição de uma paz civil. Isso significaria acabar de uma vez por todas com coisas que correm o risco – segundo Plutarco, e segundo Georges Pompidou, se podemos dizer assim – de se tornarem, de certa forma, eternas. E, na ordem política, há momentos – é nisso que a autoridade parece acreditar – particularmente favoráveis a operações desse tipo. (O homem político é aquele que tem que saber aproveitar essas ocasiões. É nisso que consiste principalmente o kairos – para falar grego.) Seria, finalmente, na boca do presidente Pompidou uma versão eminentemente cristã e moderna da amnésia e da anistia ao mesmo tempo, como convém. Em outras palavras, seria decretado o fechamento das feridas abertas. Poderíamos falar também, usando metáforas da mesma origem, da boa cicatrização que não deixa perceber mais nada da ferida anterior e que, por isso, é o melhor indício de uma nova vitalidade, de um renascimento do corpo social. A autoridade política seria então, nos diferentes casos evocados, essa instância que produz cura ao anunciá-la, que se situa assim numa perspectiva na qual, sob formas elementares, dizer é agir. Estamos na presença de uma espécie de vontade de regeneração, depois de um tempo de sofrimento, depois de um período fortemente marcado pela discórdia, que essa mesma autoridade ordena que acabe. A memória coletiva seria, consequentemente, em todos esses exemplos, aquilo que a própria autoridade é capaz de decretar, aquilo que ela decide, aquilo que é fundamentalmente da sua alçada.

Vou mencionar um lado particularmente paradoxal de toda essa operação. É o fato de que uma política do esquecimento – pois é disso, de fato, que se trata nos casos evocados – é, ao mesmo tempo, se refletirmos um pouco, um rigoroso esquecimento da política; uma maneira, enfim, de não considerar aquilo que está em jogo em toda política conflitos, diferenças, contradições, incompatibilidades e assim por diante; um modo também de não levar em conta a duração dos conflitos, uma duração que, evidentemente, é imprevisível, completamente aleatória. O paradoxo se reforça ainda mais pelo fato de que, na sua fórmula mais elementar, se trata, na verdade, de esquecer, de certa forma por ordem do poder e, mais ainda, trata-se de suprimir tendo em vista uma (sempre hipotética) reconciliação. É essa lógica singular que deve nos levar a interrogar, novamente, um termo evidentemente muito covarde e cômodo como o “esquecimento”, imaginando que não mais se trata de ausência pura e simples, mas de uma operação mais sutil que procura arrancar aquilo que está mais presente na consciência coletiva, aquilo que tenta obliterar ou recobrir um lapso do tempo social, que introduz uma distorção na temporalidade comum.

Ao falar da época do Consulado, Edgar Quinet, retomando a palavra de um antigo deputado, escreve o seguinte para demonstrar o alcance dessa questão: “‘Esqueçamos tudo isso!’ Esse era, de fato, o pensamento e a palavra de ordem de 1802. Esqueçamos os homens, as coisas, as esperanças, os juramentos e tudo que abalou o mundo. Mandemos embora o passado, e que ele não reapareça nem mesmo em sonho. O mais extraordinário é que essa ordem foi obedecida, sem nenhuma dificuldade. O primeiro efeito da servidão foi separar não apenas os indivíduos, mas as gerações […]. Em pouco tempo, a democracia tinha esquecido seus mortos.”

Esse esquecimento do político nem sempre toma formas assim tão diretas ou tão claras, tão espantosas. Em um texto escrito em 1913, intitulado Clio, diálogo da história e da alma pagã, Charles Péguy mostra como é importante diferenciar entre a história (como disciplina) e a memória. Esse é o grande tema que atravessa toda a sua exposição e que toma emprestadas certas orientações de Michelet, de quem Péguy era fiel leitor. Para explicar suas palavras, Péguy usa como exemplo o caso Dreyfus (recente, no momento em que ele escreve o que vamos citar), essa história importante que, como sabemos, ocupou todo o final do século XIX e o começo do século XX, e que dividiu realmente a França em duas partes – durante décadas. Um caso no qual o poder em exercício agiu em nome da mais cínica razão de Estado. Péguy mostra que, rapidamente, esse acontecimento foi banido através da própria história, de um certo uso da história. Outras observações são feitas em termos que evidenciam aquilo que podemos chamar de uma verdadeira política do esquecimento, que encontra apoio (ao menos em parte) no trabalho dos historiadores, e indica as consequências mais tortuosas desse modo de agir. Tudo aqui – ou quase tudo – é, primeiramente, algo momentâneo: perspectiva da utilidade, da ocasião, e até mesmo do artifício. “Quem não vê que todo o esforço e todo o trabalho dos políticos (talvez eles tivessem razão, pois foi dessa reconciliação que acabou saindo a nova grandeza da França) (que fazemos e à qual assistimos) foi de nos reconciliar em relação a esse caso, ou seja, de nos fazer perder, prematura e artificialmente, o seu sentido, a inteligência, o entendimento, o interior, o segredo, literalmente a sua memória. Resta ainda dizer, afinal, que todo o jogo dos políticos consistiu, exatamente, em nos transformar prematura e artificialmente em historiadores […] do caso Dreyfus. […] Quando ficamos todos de acordo sobre esse caso, é porque não entendemos mais nada. […] Quem diz reconciliação, nesse sentido histórico, diz pacificação e mumificação.”

Isso é algo que o próprio Michelet, aliás, havia imaginado, em meados do século XIX: a narrativa histórica pode, às vezes, ter como efeito apagar a memória; em todo caso, pode provocar nela forte erosão, desarticular delicadamente um conflito ou uma discórdia, neutralizar os elementos mais sensíveis inserindo-os num conjunto, pode arquivar o caso. Estranha virtude essa que vem apaziguar certas perspectivas produzidas pela disciplina histórica, sobre a qual refletem alguns autores do século XIX. Michelet reforça essa proposta mostrando que também existem povos que “se” esquecem – assim como um indivíduo pode “se” esquecer. Nietzsche também considera essa hipótese, mas de um ponto de vista totalmente diferente, indagando principalmente sobre os “inconvenientes da história para com a vida” – como se sabe, esse é o título de uma das suas Considerações extemporâneas. Espantosa coincidência que não podemos deixar de observar, e à qual deveríamos voltar: no momento em que a história se torna uma disciplina de maior importância e conquista um lugar hegemônico entre os diferentes saberes, algumas vozes se erguem, de modo bem solitário, aliás, como se estivessem querendo saber que preço deverá ser pago por essa promoção e, principalmente, para se perguntar sobre aquilo que está ameaçado de desaparecer com esse avanço. Penso também, nessa mesma linha, naquilo que faz frequentemente Walter Benjamin, que, entre outras coisas, fala da “pressa vulgar e bem jornalística com a qual eles [certos autores] procuram dominar o presente sem ter com­ preendido o passado”.

Como poderíamos não notar uma sensação de déjà-vu quando comparamos as palavras de Edgar Quinet, o caso Dreyfus analisado por Péguy e o discurso de Georges Pompidou de 1972? Com a diferença de alguns detalhes, e por meios apenas ligeiramente diferentes, o mesmo processo se repete; e acharemos facilmente outros exemplos aqui e ali, tanto no domínio daquilo que chamamos de política quanto no próprio campo da história. Estranho esse retorno do idêntico, em algumas décadas, no âmbito da França. Como se a história política de um país fosse, de fato, agenciada e como que ritmada por esquecimentos dessa natureza; e como se fosse preciso, periodicamente, esquecer aquilo que constitui a mola elementar de toda política, ou até mesmo simplesmente esquecer que esquecemos. Pois, nesse caso, a experiência parece não servir para nada: parece que ela não pode aprender nada, não permite nenhuma acumulação, nenhum saber. A impressão é de que, na verdade, temos que nos confrontar com renovadass capacidades de esquecimento em comum capazes de nos levar a acreditar que o direito ou a razão está a seu favor – sob diferentes formas, seria a razão de Estado e seus diversos avatares ou equivalentes que, na maioria das vezes, se tornaram irreconhecíveis; isso quando não se trata de uma espécie de bom senso. Permitimos o esquecimento apostando em garantias que são apenas imaginárias. Com esse detalhe suplementar que tem um certo peso nesses contextos: quanto mais o acontecimento a ser esquecido for importante, mais será necessária uma energia em sentido contrário – para encontrar os meios de aniquilá-lo ou simplesmente reduzi-lo a pouca coisa, minimizar-lhe o sentido ou o alcance, passar adiante. Ungeschehenmachen, diz Sigmund Freud para indicar, em um nível estritamente individual, um processo efetivamente do mesmo tipo, isto é, uma operação que consiste essencialmente em “fazer de conta que não aconteceu” – é esse exatamente o sentido do termo alemão. Aqui e ali, na história de um indivíduo, ou de uma nação, poderíamos constatar gestos, às vezes muito discretos, que, no final das contas, são como uma aposta no simples desaparecimento, na anulação sem resíduos, na supressão sem vestígios. Através desses desvios, desses expedientes, tentamos fazer que, com a ajuda do tempo, nada de crucial ou de determinante se produza, e o momento presente seja esvaziado o mais possível.

A cada vez, porém, continuamos querendo saber o que é aquilo que foi “esquecido” assim dessa maneira, o que é aquilo que foi recalcado, rejeitado, reprimido, colocado fora do alcance, ou seja, aquilo que sofreu um tipo qualquer de golpe, que foi submetido a uma certa violência – uma violência discursiva que pode ser tão forte quanto uma violência física. Há também uma certa preocupação: aquilo que foi “esquecido” não poderia voltar, retornar de forma mais virulenta, ainda mais violenta (e surpreendente) porque estaria irreconhecível, se manifestaria de outras maneiras e, como se diz, num outro palco e com outra roupagem? A psicanálise, principalmente, nos tornou mais atentos para essas perguntas – estou falando tanto do próprio procedimento freudiano quanto do modo de pensar de alguns escritores mais ou menos contemporâneos de Sigmund Freud: Edgard Quinet, Michelet, Nietzsche, Péguy, Valéry, Walter Benjamin e outros. Procedimentos e modos de pensar cujo alcance é quase sempre desconhecido; não que sejam ignorados, mas são desarticulados, destituídos de seu aspecto crítico. (Qualquer pretexto serve para isso, para ignorar esses diferentes modos de pensar: seu caráter irracional, seu aspecto romântico, a falta de rigor, uma ausência de inserção institucional e assim por diante.)

Nos diversos casos evocados, temos uma perspectiva essencialmente discursiva – ou seja, oriunda da palavra, de certas maneiras de dizer. Não se trata de reduzir a política a um discurso, a modalidades discursivas, mas sim de chamar a atenção para o que é crucial: alguns analistas do político têm como preocupação maior entender aquilo que os discursos políticos põem em jogo, mostrar – sempre que possível que nessa dimensão discursiva muitas coisas estão subentendidas poderíamos dizer, subentendidas e esquecidas ao mesmo tempo, evocadas e desconhecidas. É preciso observar também que os analistas dos quais estou falando não são necessariamente especialistas do campo político, embora suas análises tenham a meu ver uma grande pertinência, e as perguntas que eles fazem tenham uma força pouco comum. Não sei se isso pode ser considerado um fenômeno novo, nem se esse modo de pensar pode ser encontrado em outras partes da Europa, sob essa forma. São alguns nomes que representam pensamentos singulares que não podem, evidentemente, ser confundidos nem situados estritamente na mesma perspectiva, mesmo tendo semelhanças surpreendentes e analogias evidentes: Péguy, Valéry, Simone Weil. Ou ainda, um pouco anteriormente, o historiador Edgar Quinet, que escreveu a propósito de alguns discursos de Robespierre, de 1792, isto que parece ir direto ao ponto principal e atingir um propósito maior que será retomado por muitos outros autores, de formas diferentes: “No fundo, a retórica teve um papel que nunca tinha tido no mundo. Uma declaração valia por uma batalha. Num país cuja alma é a eloquência, as palavras deviam ter uma profunda influência. Foi nelas que vimos homens e partidos inteiros se perderem, por uma frase, de geração em geração […]. A linguagem não podia mais ser, de forma alguma, a medida da realidade.”

Do poder das palavras no campo político, da força dos enunciados ou das frases na ordem do poder, do efeito de certos termos no corpo social, de modos de dizer apoiados na autoridade: é disso que fala o tempo todo, a meu ver, Paul Valéry quando, por exemplo, reinterpreta e redefine o termo “mito” para nos fazer entender, é claro, outra coisa diferente daquilo que geralmente se conhece por esse nome tão usado de forma tão ampla, atribuindo-lhe um alcance inédito. Reflexão exemplar que tira o maior partido de um termo muito antigo, Mito [o termo está em itálico] é o nome de tudo aquilo que não existe e que só subsiste sustentado pela palavra. Não existe discurso que seja tão obscuro, mexerico que seja tão excêntrico, palavras que sejam tão incoerentes às quais não possamos dar um sentido. Há sempre uma suposição que dá sentido à linguagem mais estranha.”

Existiriam, portanto, em grande escala, “coisas” – deixemos aqui um termo bem amplo – que só têm consistência se forem enunciadas, formuladas ou escritas – a nuance aqui não tem muita importância. Tudo leva a pensar que essas coisas só se mantêm por meio de um poderoso reforço retórico ou discursivo, por meio de um acréscimo de sentido que parece ser indefinidamente possível, e que elas consistem, antes de tudo, nessas operações. Estamos, ao mesmo tempo, num problema de duração – de manutenção no ser, para usar termos filosóficos – e numa dimensão em que o essencial parece proceder da formação de discursos. O mais importante, segundo Valéry, vem do “monstro” e da “quimera”, ao que ele acrescenta esta explicação suplementar fundamental: “mas trata-se de um monstro ou de uma quimera que não são viáveis no fato, só estão à vontade no vazio dos espíritos”. O impossível encontra assim, frequentemente, figuras consistentes, consegue ser – graças a certas modalidades do discurso, através de uma certa indeterminação. Esse será um dos principais paradoxos que Valéry encontra continuamente na sua reflexão sobre o estatuto do político e sobre os múltiplos usos do dizer.

Consideraremos a grande diversidade dos termos utilizados por Valéry para tentar dar conta desse campo: “mito”, “monstro”, “ficção”, “quimera”, ou ainda aquilo que ele chama com muita frequência por um nome latino (ou italiano) “fidúcia”. É porque ele acha que nenhum desses termos por si sós bastaria para esclarecer o essencial daquilo que está em jogo nessas perspectivas. É preciso colocar os termos lado a lado, fazê-los funcionar, acentuar as diversas acepções, multiplicar as nuances e seus efeitos significativos; ainda mais porque, pelo uso que Valéry faz delas, todas essas palavras parecem nos levar (ao menos em parte) a uma espécie de unidade similar. Ou seja: “discursos” que não mostram nunca suas regras de funcionamento, que não podem nunca dizer com precisão o que são e o que fazem, que são completamente mudos sobre sua origem. Não estamos mais aqui na simples perspectiva da ideologia ou daquilo que foi chamado de falsa consciência – principalmente da forma como o marxismo a constituiu, aliás, aproximadamente nessa mesma época. Parece que estamos, na verdade, em processos mais complexos – consubstanciais, talvez, à política, indicando, em todo caso que, frequentemente, há algo de crucial que não foi pronunciado e que esse “esquecimento” pode tomar aspectos variados quase sempre desconcertantes, e com consequências importantes.

Isso também é válido para a autoridade – termo evidentemente determinante nessa perspectiva. No final dos anos 1930, Valéry escreve o seguinte: “A autoridade é o poder de ser obedecido apenas diante da ordem, da palavra, ser obedecido física ou intimamente, isto é, levado em conta. Não é necessário ter força nem apresentar provas – a condição é essa; e se a força estiver em jogo, a autoridade cessa, assim como o peso não mais existe quando o corpo cai.”

O uso, porém, do termo “mito” vai muito além disso. Ele implica considerações muito interessantes e muito novas sobre certos efeitos da linguagem, em todos os domínios que lhe dizem respeito. Isso toma a forma, principalmente, de uma grande comparação – esse procedimento, como sabemos, é frequente em Valéry. “Toda a história do pensamento nada mais é do que o jogo de uma infinidade de pequenos pesadelos com grandes consequências, enquanto no sono temos grandes pesadelos com pequenas e fracas consequências.” E acrescenta: “Na verdade, há tantos mitos em nós e são tão familiares que é quase impossível separar com precisão do nosso espírito algo que não o seja.”

A força dos mitos está no fato de ser uma palavra constituída, instituída, que se tornou comum para os indivíduos; uma palavra cuja característica maior é fornecer uma existência àquilo que não existe, que tem, portanto, uma carga imaginária de extrema importância. É como se fosse uma palavra que não pode ser compreendida, incapaz de explicar seu funcionamento e que tem por isso mesmo uma eficácia desconcertante. Sabemos que Valéry, principalmente a partir dos anos 1930, insiste com frequência naquilo que chama de “as causas imaginárias dos males reais”. A tarefa mais importante daquilo que para ele é o “espírito livre” é empreender todos os esforços para tentar extirpar as causalidades dessa natureza. Mas Valéry explica o seguinte: “A dificuldade está em não exterminar os bens reais que também produzem causas imaginárias.”

(A propósito de certas palavras de ordem da Revolução Francesa que dizem respeito à unidade e à centralização, Edgar Quinet faz al­gumas perguntas. “E se tudo fosse, por acaso, apenas uma monstruosidade retórica, um desses ídolos que os povos modernos fazem com palavras vazias e sonoras, degradadas pelo sangue? E se todos os crimes de Estado da velha França, todos aqueles que adiaram a chegada da novidade, tivessem sido cometidos com esse mesmo lugar-comum? Não deveríamos acreditar que se trata aqui de um desses preconceitos raciais que encontramos em todos os regimes, visando produzir, apesar das mudanças de hábitos e comportamentos, o mesmo resultado final, invariável, a renovação do antigo contrato de servidão ?” Quinet tem em comum com Michelet o seguinte: o historiador é evidentemente um cidadão e, mais ainda, um homem profundamente preocupado com a teoria política – uma teoria que busca, entre outras coisas, distinguir os diversos “sofismas” usados tanto pelos homens políticos quanto por um bom número de historiadores. Uma teoria política que tem um viés acentuadamente crítico.)

Mencionei Simone Weil como analista da coisa política. Num belo artigo de 1937, intitulado “Não recomecemos a guerra de Tróia”, ela diz o seguinte: “Basta colocar em letras maiúsculas palavras vazias de significado, por pouco que as circunstâncias assim exijam, e os homens derramarão rios de sangue, acumularão ruínas sobre ruínas, repetindo essas palavras […] Nosso universo político é exclusivamente povoado de mitos e de monstros; só conhecemos ali entidades e absolutos. […]

Vivemos em meio a realidades cambiantes, mas lutamos, nos sacrificamos e sacrificamos os outros por causa de abstrações cristalizadas, isoladas, que não podem se relacionar entre si ou com as coisas concretas.” Ela também fala, nesse mesmo artigo, de “entidades vazias” que “causam espanto aos espíritos”, que “matam” e “fazem esquecer o valor da vida”. E evoca ainda “as causas imaginárias do conflito”.

É grande a proximidade entre as palavras de Paul Valéry e de Simone Weil, as convergências nas análises. Tanto num como no outro, vemos a mesma atenção voltada para os elementos considerados os mais insignificantes da linguagem, a mesma preocupação com o detalhe das maneiras de dizer, uma vigilância idêntica em relação às imposições oriundas desses usos do discurso. De um certo ponto de vista, seria a retórica novamente na ordem do dia. Mas o que me chama a atenção é uma palavra usada por Simone Weil nesse artigo, e que é usada por Valéry no texto intitulado “Pequena carta sobre os mitos”, que data de 1928.

Dando prosseguimento ao que acabo de lembrar sobre as posições de Valéry em relação ao mito como modo de produção de sentido em detrimento do bom senso, existe a grande perplexidade que ele demonstra nessa mesma perspectiva. Um problema de uma extrema envergadura, como podemos ver pelas linhas que se seguem. “Sim, eu não sei o que fazer para sair daquilo que não existe!” Em outras palavras: como podemos nos manter a distância daquilo que não existe, nos desprender daquilo que nos manda agir dessa ou daquela maneira? Como podemos abolir essa espécie de não-ser que nos faz obedecer? Compreendo essas questões como sendo uma repetição – pouco importa que seja ou não à revelia do autor – do que diz La Boétie no famoso Discurso da servidão voluntária. Ainda mais porque Valéry define, imediatamente, o que está em jogo nessa posição, dando ao conjunto de suas palavras uma grande amplitude e fazendo delas uma proposição determinante: “Tanto é verdade que a palavra nos povoa e povoa tudo, que não sabemos como fazer para não ter imaginações de que nada está acontecendo.”

O que me chama a atenção nessa última citação é um simples verbo: povoar. Seu uso e suas flexões, o peso muito particular que ele tem aqui e os problemas que vem suscitar. Como sabemos, é um termo dos mais correntes que significa, de acordo com os contextos, “encher, preencher, habitar, ocupar, assombrar a mente”. Se tentássemos manter ao mesmo tempo essas diferentes nuances de sentido, o resultado seria este: a força dessa palavra, o “mito”, consiste em ocupar constantemente o espaço, saturá-lo, de certa forma, introduzir nele, quando for preciso, todos os fantasmas necessários para sua manutenção ou para o seu desenvolvimento. (Pierre Legendre fala, numa perspectiva que julgo bem próxima, de “mito adequado”.) Enfim, é um modo de habitação que não deixa subsistir nada fora de si, em separado. A política tem horror do vazio, poderíamos dizer parodiando uma célebre formulação. Ela parece desconhecer hiatos ou solução de continuidade. Nela, o impossível quase sempre acontece: aquilo que não é tem muitas vezes mais força do que aquilo que é. O imaginário tem primazia sobre todo o resto, por meio das mais diferentes maneiras. Onde não há nada ou quase nada, nós nos esforçamos para colocar muito, ocupamos todo o espaço, estamos num processo de acréscimo contínuo. Não paramos de preencher as lacunas, de várias maneiras, e damos valor a isso de um modo que é, essencialmente, o do fiduciário. Povoar seria tudo isso ao mesmo tempo, numa mistura difícil de desmembrar ou de analisar. Uma espécie de atividade em comum, tendo em vista uma ocupação de espaços que parecem acolhedores, propícios às tomadas de posse.

Entre tantos outros, este texto dos Cadernos explica uma das questões dessa concepção do político: “Em política tudo se sustenta através de fantasmas. Fantasmas que podem se converter (é o que acreditamos) em homens e forças, e fantasmas não-conversíveis. Entidades. O estado das coisas é estável quando existe equilíbrio – entre o signo e o real. ‘A confiança.’ A ordem é feita à base de confiança – ou de crença.”

Apresento rapidamente uma hipótese para ampliar um pouco mais minhas afirmações. Valéry, mesmo sem saber, está inscrito numa certa “tradição” do pensamento político, numa linhagem. Uma tradição que poderíamos chamar de minoritária ou menor, e que me parece ser constituída de alguns nomes: La Boétie, Pascal, Hume, Bentham, Nietzsche. (Não é importante saber se Valéry leu algum desses autores. Certamente, a maioria foi objeto da parte dele de uma leitura rápida e superficial. Mas essa não é a questão.) Logo podemos ver o quanto essa lista é heterogênea, e que não poderia formar uma tradição propriamente dita. (Também percebemos que ela não é exaustiva.) Com toda a certeza, somos nós, atualmente, que podemos constatar certas aproximações, certas semelhanças, que podemos estabelecer convergências sobre certos pontos, até mesmo fazer comparações significativas. Os pontos comuns mais evidentes seriam os seguintes: o poder do imaginário, a força da retórica, as relações entre o dizer e o fazer, o peso das ficções ou de diversas crenças, a dominância daquilo que chamamos de fiduciário – no domínio do político (no sentido mais amplo do termo). A meu ver, poderíamos acrescentar esse procedimento cujos traços vejo tanto em Valéry quanto em Simone Weil, que chamarei simplesmente de o povoamento.

No mesmo artigo – “Pequena carta sobre os mitos” -, Valéry também escreve o seguinte: “Toda a história é feita apenas de pensamentos aos quais acrescentamos esse valor essencialmente mítico: eles representam aquilo que aconteceu.” De forma sutil e sob forma de paródia – com múltiplos sentidos, como ele sempre faz-, isso significa: no começo tudo era a fábula.

Temos ainda a dizer que aquilo que preocupa Valéry, tanto nesse artigo como em outros, é certamente a lógica geral do povoamento: essa forma de ocupação dos grandes espaços que contribui para nos constituir, esse processo de investimento que não sabemos de quando data, e do qual somos altamente dependentes, mesmo sem saber. Valéry chama principalmente a atenção para o seguinte aspecto: sem essa contribuição oculta, sem esse investimento secreto, quase sempre ignorado, também aqui esquecido, sem uma montagem dessa natureza teríamos, de fato, bem pouca realidade.

Isso mostra a amplitude da reflexão que se desenvolve aqui e ali, e que parece ser particularmente usada pela política. “Que seria de nós se não pudéssemos recorrer àquilo que não existe? Pouca coisa, e nossos espíritos desocupados morreriam de tédio se as fábulas, os enganos, as abstrações, as crenças e os monstros, as hipóteses e os pretensos problemas da metafísica não povoassem de seres e de imagens sem objeto nosso ser profundo e nossas trevas naturais.”

Qualquer coisa que fizermos, mesmo nas nossas atividades mais fúteis ou mais falsas, nos nossos modos de agir ou nas histórias que inventamos, estaremos participando de uma atividade incessante, mais ou menos indefinida, de povoamento. Uma parte muito importante de não-ser – um não-ser que pode ser dito de várias maneiras – contribui para a construção do nosso ser. O objeto sobre o qual Valéry sempre trabalhou é desta ordem: as múltiplas inexistências – ficções, fantasmas, monstros, ídolos etc. – que estão na origem de um povoamento incessante, renovado à nossa revelia. Em outras palavras: essa atividade de povoamento é uma impossibilidade de capturar o real com nossas palavras, de nomeá-lo com precisão ou rigor; uma impossibilidade, portanto, de compreender aquilo que acontece de maneira singular nesse real. Estamos na ótica de um certo desconhecimento que obedeceria a uma necessidade.

Numa perspectiva bem próxima, creio, temos aqui uma das orientações do pensamento de Valéry: “Poucas obrigações sociais – justiça, guerra, encargos fiscais, formalidades etc. – podem ser enunciadas com clareza sem logo aparecer como sendo aplicações arbitrárias da força e como a troca de um mal real por um bem hipotético.”

A frase de Pompidou “esquecer aquele tempo em que…” poderia servir aqui de exemplo. Ela pode ser compreendida da seguinte maneira: o esquecimento do período sombrio deve vir, nesse caso, certamente, inaugurar tempos melhores. Trata-se, portanto, com essa frase, de encorajar uma operação elementar: trocar o mal efetivo do presente por um futuro mais alegre, no qual, finalmente, os franceses irão se amar. Como se, mais uma vez, o dizer fosse um acontecer.

Tenho também uma outra hipótese que me parece ter sido suscitada pelo que encontro em Valéry e em alguns outros: Simone Weil, Péguy, Nietzsche, Bentham… Existe nesses autores, vinda não se sabe de onde, alguma coisa da ordem de uma capacidade de escuta que lhes permite, se podemos dizer assim, capturar no ato esse processo prolífico do povoamento; que lhes permite seguir os efeitos desse processo em diferentes terrenos – sendo que o da política é, talvez, o mais significativo, o mais visível, em todo caso o mais convincente. Capacidade de escutar tanto aquilo que é dito quanto aquilo que não é dito, aquilo que é a condição do dizer; capacidade que não poderia tomar emprestados seus recursos ou seus princípios de um saber constituído. Não encontraremos nenhuma disciplina que possa legitimar ou dar uma aparência de coerência a uma escuta desse tipo. Estar assim particularmente atento às diferentes modalidades do “povoamento” vem, talvez – é o outro aspecto da minha hipótese -, do fato de que todos esses autores, de um modo ou de outro, são escritores: assim, eles se tornam particularmente sensíveis a certas formas de dizer como o silêncio, os brancos, a elipse, a concisão, a omissão, a negligência, a lacuna, o hiato – e assim por diante. A escritura é esse povoamento feito de palavras que ensina a cada um desses escritores o que representa sua atividade, que lhes indica através de que crenças ela pode se realizar, que lhes mostra também aquilo que eles aprendem dos outros escritores mais próximos.

Seria preciso voltar com mais calma a essa surpreendente figura de escritor que se arrisca em terrenos nos quais ele não é especialista, e que faz isso em nome da sua prática ou em virtude de uma certa experiência da sua língua.

Uma escuta como essa tem, geralmente, pouco a ver com as opiniões políticas explicitamente professadas por esses escritores. Não porque seu julgamento seja puro, desprovido de qualquer tendência ou de qualquer preconceito; mas principalmente pela seguinte razão: nessa escuta, é como se o escritor estivesse afastado de seu estado civil; ele é aquilo que faz – como acontece com a própria escritura. Em Valéry isso é reforçado pela espécie de “decisão” que ele toma muito cedo, isto é, o desejo de não acreditar mais, de não se fiar mais naquilo que se diz ou naquilo que está escrito, de retomar as coisas no seu prin cípio.

Minha hipótese tem um último aspecto: a importância dada às ficções, e isso, também aqui, não acontece em nome de um saber constituído que permitiria fazer uma seleção nesse conjunto de coisas, mas é baseado numa disciplina inexistente feita de repetições, de retomadas, de ruminações, sem que possamos chegar a um resultado, a uma doutrina formada. Falar de “ficções”, nesse contexto, como faz Valéry o tempo todo, é trazer à luz contrastes ou contradições dos quais não é fácil se desfazer. “Toda política, até mesmo a mais simplista, se reduz a uma especulação sobre o homem, a raciocínios e a uma espécie de ação, tudo feito de homens e de sistemas de homens. Os meios dessa ação são fictícios, enquanto os efetitos são bastante reais – em certas circunstâncias até demais. São ficções poderosas que conduzem o mundo; mas, por mais poderosas que sejam, um exame atento vê ali apenas uma mitologia de formação incoerente em que se misturam elementos populares, metafísicos, administrativos, legendários, teóricos e pragmáticos – uma confusão de temas sentimentais, de desejos, de ideais, de falsas lembranças.”

Valéry insiste na origem múltipla das ficções, como se estivesse fazendo eco a certos temas da Genealogia da moral de Nietzsche. O problema das ficções é seu modo de constituição, sua impureza nativa. Elas não podem explicar seu modo de funcionamento. A maior consequência disso é a seguinte: a política se reduz com muita frequência a uma “invenção de expedientes”. A expressão é importante. De fato, o expediente, como sabemos, é um meio de se esquivar do problema sem resolver verdadeiramente as dificuldades em que nos encontramos; uma artimanha, um artifício, um paliativo que só pode ter um efeito passageiro. E também aí encontramos a dimensão crucial do tempo – um tempo no qual se realizam, sem violência aparente, verdadeiros esforços, graças a “mitos” que de certa forma conquistaram um lugar de fato e de direito.

“Enquanto o material da vida está envolvido com as modificações profundas e imediatas que conhecemos, as convenções fundamentais da sociedade – os costumes, as leis civis, o direito público, as noções, as entidades, os mitos essenciais que conhecemos pelo nome de Moral, Política e História – permanecem, por outro lado, aparentemente quase intactos. Eles são mais ou menos depreciados aos olhos da inteligência que destrói sua substância metafísica; mas preservam sua força prática e mesmo afetiva. Pode-se dizer que eles perdem seu sentido e conservam sua força.”

No centro do político existiria então um processo muito contraditório: os mitos se desfazem, se destroem, perdem o significado, ao mesmo tempo em que preservam e até mesmo se fortalecem. Seria um outro aspecto do paradoxo ao qual Valéry retorna sempre, nos anos 1930. Talvez seja isso também que o leva a constatar o seguinte: “A Europa não teve uma política de acordo com sua maneira de pensar.” Frase particularmente cheia de consequências se pensarmos em tudo que aconteceu nos anos seguintes – durante a guerra de 1939-45.

Os mitos perdem seu sentido mesmo quando continuam ativos, se destroem ao querer usar sua força. Os mitos, ou aquilo que Valéry chama com frequência de mundos míticos: o mundo jurídico, político, social etc. São mundos cujas leis não estão estabelecidas e que não podemos observar diretamente. Valéry explica isso, que é crucial quanto ao modo de existência desses mundos e também quanto à sua consistência: esses diferentes “mundos” recebem de nós a sua existência, sua força, sua ação de impulsão e de obrigação; “e essa existência e essa ação são ainda mais poderosas porque ignoramos que elas vêm de nós, do nosso espírito.” Na minha opinião, esse é o ponto culminante do pensamento de Valéry nessa área, aquele que teve mais desdobramentos. Vou indicar, rapidamente, dois exemplos.

Primeiramente, a reconhecida importância do “nós”. Nenhuma política pode desprezar esse “nós”, essa pessoa plural que temos o direito de interrogar. Nietzsche fez isso o tempo todo, principalmente na Gaia Ciência e nos livros que vieram a seguir, sob a forma do “nós outros…” exatamente, como comunidade a ser formada, a ser inteiramente constituída. Além do mais, o “nós” pode designar também aquilo que supostamente já existe como comunidade. Valéry dá importância, principalmente, a esse último aspecto. O universo político por excelência é o lugar de um “nós” contraditório, dividido, habitado por tendências heterogêneas, de um “nós” que, supostamente, faz a ligação entre um passado que, frequentemente, dizemos estar “morto” e um futuro forçosamente contingente. Trata-se, porém, principalmente para Valéry, de observar que não AabemoA o que fazemoA nessas diferentes operações. O “nós” está sempre defasado em relação a si mesmo, como se estivesse atrasado nas suas atuações. De qualquer maneira, ele desconhece aquilo que constitui bem como a forma pela qual ele próprio é constituído. Aliás, é sobretudo essa característica que favorece as principais formas do esquecimento. É como se existisse ali um ponto cego de toda política: o “nós” está forçosamente inscrito na duração, mas não tem os meios para se encontrar ou se reconhecer. Poderíamos falar de uma instabilidade essencial desse “nós” que Valéry analisa de várias maneiras, uma instabilidade que faz, principalmente, com que ele se preste aos mais diversos usos.

“O caráter essencial desse sistema mítico é o seguinte: ele permite a desigualdade nessas trocas, troca de palavras ou de escrituras por mercadorias; troca do presente e daquilo que é certo pelo futuro e pelo incerto; troca da confiança pela obediência, do entusiasmo pela renúncia e pelo sacrifício.” A isso ele acrescenta algo que mostra bem as formas e, principalmente, as questões que estão em jogo numa troca forçosamente desequilibrada: “Ou seja, troca do presente, do sensível, do ponderável, do real, por vantagens imaginárias.”

Encontramos então aqui o tempo, a duração, a preservação do ser; mas trata-se de um tempo que está inteiramente voltado para um futuro – isto é, para alguma coisa na qual temos que acreditar, uma realidade indeterminada à qual atribuímos quase mecanicamente um valor, um valor forçosamente maior do que aqueles que existem no presente. É essa forma de crença que determina em boa parte aquilo que Valéry chama de “vida fiduciária do mundo”, ou seja, um estranho movimento que faz com que haja da parte do corpo social uma espécie de transferência para o dia seguinte, e que faz com que isso contribua para instaurar uma outra coisa também estranha, “a importância real do imaginário”.

Há um outro desdobramento importante a partir da designação “mundos míticos”, dada por Valéry: uma definição inédita do poder, da qual não vejo equivalente em lugar algum. O poder, para Valéry, não é um efeito da força. Ele é, essencialmente, “um valor espiritual” – principalmente no sentido de que o poder só pode ter “a força que lhe for atribuída”. Ele é “baseado na crença”. (Esse termo “crença” é sem dúvida inevitável na perspectiva de um verdadeiro questionamento do político. Embora ainda seja preciso investigar as razões dessa ocorrência.) Aqui também Valéry retoma a lição principal de La Boétie, que diz a mesma coisa de modo um pouco diferente. Comparar, como Valéry faz com frequência, o poder a um estabelecimento de crédito equivale a dizer, segundo a linha de pensamento de La Boétie, que é preciso, às vezes, pouca coisa para que um poder seja destituído ou derrubado, para que aquilo que “nós” demos seja efetivamente retirado. Isso mostra uma evidente fragilidade do poder – fragilidade que vem da maneira pela qual ele está constituído e daquilo sobre o que se sustenta, a “confiança” (ou seus equivalentes), isto é, a coisa mais instável e a mais determinante, ao mesmo tempo. Como se pode ver, não estamos muito distantes aqui daquilo que dizia Maquiavel.

Podemos ver nessas palavras uma posição que chamarei de “anarquista”. Não no sentido da doutrina política surgida na Europa no final do século XIX. O que estou tentando indicar sob esse termo é uma espécie de postura. Discretamente, aqui e ali, Valéry utiliza esse termo, tenta fazê-lo variar e dotá-lo de um conteúdo renovado. Por exemplo, da seguinte maneira: “‘Anarquista’ é o observador que vê aquilo que vê e não aquilo que o hábito nos faz ver.” É surpreendente constatar que Nietzsche, Valéry e Wittgenstein dizem a mesma coisa em termos bem próximos: o mais difícil é ver aquilo que está na nossa frente, sem misturar com “crenças” (no sentido amplo), com “qualidades” ou “valores”. E finalmente, o que é mais delicado: dizer como é – o que acontece, como acontece, sem mencionar um futuro contingente, sem acreditar que já se conhece o contexto daquilo que está se produzindo, ou ainda sem saber de antemão o sentido do acontecimento. “Anarquista” é esse ser indefinido que sabe apenas que deve, antes de tudo, se desfazer das maneiras habituais de dizer, que deve inventar o ângulo de visão mais elementar, se posicionar sempre a distância dos “mitos” e dos numerosos efeitos que esses mitos engendram. Isso significa uma posição que nunca poderia ser estabelecida de uma vez por todas.

Essa postura exige um movimento de recuo: Valéry dá a isso o nome de “antipolítica lenta”; diríamos também uma necessária repetição. Ou seja, uma maneira de só poder contar com aquilo que compreendemos por nós mesmos. Uma maneira de ficar atento, ao mesmo tempo, às ocorrências mais desconcertantes, aos acontecimentos singulares, a tudo aquilo que pode acontecer, àquilo que Valéry chama com energia de “o retorno singular, a singular vingança ou a revanche do acontecimento sobre as antecipações dos antigos desejos imaginários”.

“Um homem tranquilo que está no seu canto cuidando da sua vida – num lugar qualquer do mundo onde nasceu, ignorando o resto – o globo e a história – é, de repente, obrigado a suportar certos tratamentos, a declinar da sua liberdade, a dar suas forças, sua vida, obedecer etc. E, compreenda ou não, é forçado a sofrer, morrer, porque outros homens, que ele nem conhece, especulam sobre grandezas, durações, quantidades, modificações em escalas sobre-humanas, e dispõem de forças superiores àquelas de que precisa um homem – pois essa é a definição do poder. Como se pode suportar isso?

O invasor é antes de tudo esse poder – o inimigo é antes de tudo o Estado e, em seguida, o inimigo desse Estado. Esse infeliz indivíduo terá dois inimigos – e tudo aquilo que contradiz essa constatação pura e clara nada mais são do que meras palavras. Tapa tuas orelhas, recusa a acreditar que compreendes aquilo que não compreendes, e o universo fiduciário irá tremer, o ‘Crédito Político’ irá à falência – sem falar do Banco Transmortal.”

“Anarquia” é o que diz o pensamento reflexivo que procura, a cada instante, considerar essa vingança do acontecimento, que não quer saber daquilo que convém pensar. “Anarquia” é o que diz a confusão da escuta por causa da repetição das mesmas imperfeições; não se cansa de refletir sobre a consistência do “nós” e todas as formas de “confiança” que o animam; inventa os meios para aprender a ver o que está acontecendo – inventa todos os meios: o exercício, a poesia, a “mística”, uma certa ascese, entre outras coisas possíveis. “Anarquia” é talvez o nome de um pensamento que se exerce no presente, sabendo que não pode se dar ao luxo de comprar palavras.

TRADUÇÃO DE HORTENCIA SANTOS LENCASTRE

Notas

Les príncipes d’anarchie pure et appliquée, Gallimard, 1984, p. 38.

Talvez as duas coisas ao mesmo tempo.

Período da história da França entre 1799 e 1804 que resultou de um golpe de Estado comandado por Napoleão. (N. da T.)

La Révolution, Berlin, 1987, p. 719.

Charles Péguy, Oeuvres en prose complète.,1, Biblioteca da Pléiade, Gallimard, 1992, tomo III, pp. 1197-1199. (É a história que fala.)

Num artigo de 1930, intitulado “Teorias do fascismo alemão”.

La Révolution, p. 348.

“Petite lettre sur les mythes”, em Oeuvres, Bibliotheque de la Pléiade, Gallimard, 1957, tomo I, PP· 963-4.

Ibidem, p. 964.

Entre as numerosas alusões a esse tema, temos a seguinte: ‘”Aquilo que nenhum partido explica’/ Cada um tem suas sombras particulares – suas reservas./ Seus porões de coisas inconfessáveis/ Seus tesouros de coisas impensadas e de descasos./ Aquilo que ele esqueceu e aquilo que ele quer que se esqueça.” Cahiers 1894-1914, Gallimard, 2006, tomo X, p. 124.

Les principes d’anarchie pure et appliquée, p. 59.

“Petite lettre sur les mythes”, p. 965.

E. Quinet, La Révolution, p. 533.

Em Simone Weil, Oeuvres, Quarto, Gallimard, 1999, pp. 471-486.

“Petite lettre sur les mythes”, p. 965.

Paul Valéry, Cahiers, ed. CNRS, 1959, tomo 16, p. 909.

“Pequena carta sobre os mitos”, p. 966.

Quinet diz que Robespierre “só sabia se orientar através de fantasmas”, e acrescenta: “Ele os denuncia e de tanto denunciá-los acaba produzindo-os.”

Les principes d’anarchie pure et appliquée, p. 30.

Sobre isso, a fórmula mais corrente de Valéry é: fazer sem acreditar.

Paul Valéry, Oeuvres, Bibliothèque de la Plèiade, Gallimard, 1957, tomo I, p. 1143.

Ibidem, p. 1141.

Ibidem, p. 1033.

Ibidem.

P. Valéry, Cahiers, Bibliothèque de la Pléiade, Gallimard, tomo II, p. 1537.

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