1996

O declínio de Don Juan

por Lorenzo Mammi

Resumo

Entre estudiosos, é aceito que “O burlador de Sevilha”, peça escrita em 1613 por Tirso de Molina, é a primeira versão do mito de Don Juan. Dela, é importante destacar sua descendência humanista, já que se trata de um momento em que as produções culturais não mais se originam nas pequenas cortes, mas em instituições pertencentes à Igreja contra-reformista e aos Estados nacionais. A escala disso é tal que todos os segmentos do conhecimento passam por processos de reorganização, racionalização e aprimoramento técnico. Mesmo assim, importantes manifestações do Renascimento não são absorvidas por tais instituições, a exemplo da astrologia, alquimia, teoria política, alegoria maneirista, dissonância musical, mitologia pagã… Tudo isso que é, no máximo, reutilizado, mas não em seu significado original. É assim que surge um território ambíguo, indeterminado, flutuante. E, nele, o libertino, que, segundo o teólogo jesuíta Paul Zehether, lança-se em alto-mar sob o risco de ser engolido pelo abismo.

O “Don Juan” de Moliére, escrito em 1673, veste uma peruca que se destaca da cabeça, mangas em que entrariam confortavelmente duas pessoas e, no lugar das cuecas, um guarda-roupas inteiro. Mesmo assim, Moliére costura-o perfeitamente ao pano de fundo da França na época. Hipócrita, ele tenta levar uma vida honesta, como se o respeito à convenção fosse o complemento exterior da liberdade interior viciosa. Seu destino é o Inferno.

Já sob mando de Luís XIV, o teatro lírico se desdobra em seriedade. Daí, o Don Juan da época, que, casado, permite-se um caso ou outro como nas “Bodas de Fígaro”. Perde,então, seu lado demoníaco para tornar-se homem de Estado e família

A ópera-cômica subjaz, contudo. Isso até que os filósofos iluministas saem em defesa dos bufos italianos contra a tradição francesa. Feito o estrago, a libertinagem teatral está sob novo signo, transgressor – perigoso até –, porque manifestação de toda uma classe social, insatisfeita.

Já se tentou associar tal fenômeno a “Don Giovanni” de Mozart, já que nele se canta “não quero mais servir” ou “viva a liberdade”. Fato é que tais frases explicam-se muito mais pelo contexto narrativo do que pelo político. Foi porque escrevia às pressas que Lorenzo da Ponte (librelista que trabalhou com Mozart) reaproveitou material popular escrito para a commedia dell’arte. Nele, sobreviviam, fossilizadas e simplificadas, transgressões carnavalescas dos teatros lírico e dramático da primeira fase barroca. Um mundo que semi-esquecido volta, pelas mãos de Mozart, a viver, oblíquo, fantasmático e inquietante.

Não por acaso será ninguém menos do que Sören Kierkegaard a concluir que “Don Giovanni”, mais do que a melhor ópera da história, é a única ópera cujo conteúdo é verdadeiramente musical. É a música mesma – até –, num impulso sensual inapreensível, inarrestável, rumo à morte, cadência final.

 


Em 1615, na cidade alemã de Ingolstadt, representou-se uma peça teatral em que um tal conde Leonzio, discípulo direto de Maquiavel, passeava por um cemitério dando pontapés numa caveira, para depois convidá-la para jantar. Conhecemos essa peça pelo resumo do teólogo jesuíta Paul Zehetner, em sua obra Promontorium malae spei impus periculose navigantibus propositum [Promontório contraposto à má expectativa dos ímpios, que navegam perigosamente], publicada em 1643. A obra é mais ou menos contemporânea de O burlador de Sevilha, de Tirso de Molina, escrita por volta de 1613 e publicada em 1630, que costuma ser indicada como a primeira versão do mito de Don Juan. Se a destaco aqui, embora a conheça indiretamente, é porque ela me parece conter, de forma bastante explícita uma série de elementos que pretendo desenvolver neste artigo.

Em primeiro lugar, a descendência de Don Juan da linhagem da cultura humanista, expressa pela relação Maquiavel/d. Leonzio. Entre os séculos XVI e XVII se verifica a passagem de uma produção cultural pulverizada em pequenas cortes às grandes instituições culturais e religiosas da Igreja contra-reformista e dos Estados nacionais. Todos os campos da cultura, da religião à ciência e à arte, passam por um processo de reorganização, racionalização e aprimoramento técnico. Setores importantes da cultura renascentista não podem ser absorvidos facilmente pelas novas instituições: a astrologia, a alquimia, as teorias políticas de Maquiavel, as alegorias do maneirismo, as dissonâncias dos madrigais, os mitos pagãos, tudo isso é reutilizável em parte, mas não em seu significado original. No entanto, todas essas expressões culturais não são expulsas de uma vez, e sim transferidas para uma espécie de terra de ninguém onde gozam de uma precária tolerância, e de onde podem até chegar a influenciar, em momentos particulares, a cultura oficial. Esse território ambíguo, indeterminado e flutuante, torna-se então terreno de cultura das temáticas libertinas. Podemos vislumbrar uma metáfora sua em duas imagens complementares do relato de Zehetner: o espaço indefinido do cemitério, onde as caveiras estão espalhadas como pedras e o libertino pode ultrapassar o limite da vida e jantar com os mortos, é análogo ao espaço indefinido do mar, onde o ímpio navega perigosamente, segundo o título do livro que nos transmitiu essa história. Quebrando as regras do mundo dos vivos, o libertino se põe em alto-mar e corre o perigo de ser engolido pelo abismo.

Além do mar e do cemitério, há um terceiro lugar onde as regras são suspensas e o libertino encontra seu reino: o teatro — o teatro lírico, em particular, no qual não só se ultrapassa o limite entre realidade e ficção, mas desrespeitam-se até as normas clássicas que mantêm o mundo da ficção nos eixos de uma aparência de realidade: a verossimilhança, a unidade de tempo, de lugar, de ação etc. Partindo das representações altamente ritualizadas da Renascença, o teatro musical barroco se transforma aos poucos num espaço onírico, aparentemente anárquico e alógico.

Talvez seja bom começar do começo: a ópera surge na última década do século XVI, do cruzamento do teatro religioso com a poesia elegíaca. Não se sustenta a tese, defendida por muitos historiadores, segundo a qual a ópera seria uma tentativa de reproduzir a tragédia grega, que se imaginava cantada. Os temas tratados pelas primeiras peças derivam todos da tradição arcádica e pastoral, não da tragédia: Orfeu, Apolo e Dafne, Plutão e Prosérpina são todos mitos solares, que em geral pressupõem uma morte (ou uma descida ao Inferno) e uma ressurreição. Em outros casos, o desfecho do drama é uma metamorfose (de Dafne em louro, de Calisto em constelação, das Piérides em gralhas etc.). Por essa via, a representação operística se aproxima do mistério religioso, no qual são narradas a morte e ressurreição de Cristo, ou são encenadas as transfigurações e os milagres de Cristo, de Nossa Senhora, dos santos. Em particular, o mito de Orfeu, herói civilizador que ensina a arte aos homens e à natureza, sofre algumas modificações (sobretudo o final feliz, com a volta de Eurídice à vida) e se torna exemplar por seu conteúdo simbólico. Encenado por ocasião de núpcias reais, prenuncia a volta à idade de ouro sob o governo do casal recém-formado. Graças a identificação Orfeu/príncipe, o poder é justificado por sua missão civilizadora, ou, mais exatamente, estética: a transformação do Estado em obra de arte, segundo a feliz expressão de Buckhardt. Nessa primeira fase, portanto, a ópera se caracteriza como grande liturgia política, oposta mas análoga à liturgia religiosa dos mistérios.

O modelo se perpetua no teatro barroco, mas seu caráter ritual se dissolve junto com o projeto político-estético que o sustentava. Na ópera L’Orfeo, de Antonio Sartorio (1673), a analogia entre Parnaso e corte permanece, tornando-se, aliás, mais explícita: Orfeu é um príncipe, e Eurídice, uma princesa, os pastores são cavalheiros, e as ninfas, damas. No entanto, o comportamento das personagens está longe de prometer uma volta à idade de ouro. Eurídice é insidiada pelo irmão de Orfeu, Aristeu. Louco de ciúme, Orfeu ameaça matá-la. Numa cena bastante grotesca, corre atrás dela, com uma faca na mão, gritando: “Vou te pegar, nem que seja no Inferno” (Sin colá negli Abissi ti seguirò). Enquanto isso Antinoe, amante abandonada por Aristeu, se disfarça de cigana e se dirige ao castelo de Orfeu, para vingar-se. No caminho, encontra Aquiles e Hércules adolescentes, que se apaixonam por ela e abandonam a escola do centauro Quíron para segui-la. Erinda, a velha ama de Aristeu, se apaixona pelo jovem pastor Orillo, que se deixa seduzir por dinheiro. Mais tarde, Orfeu contrata Orillo para matar Eurídice. E assim por diante. Entre o primeiro, o nobre Orfeu de Jacopo Peri (1600), e este Orfeu de Sartório há evidentemente uma subversão de valores, uma dessacralização sistemática, que não deixa porém de se apoiar numa continuidade paradoxal. No teatro lírico barroco, os conteúdos e as convenções da ópera renascentista sobrevivem, mas mudam de lugar e de significado.

Há um momento decisivo nessa transformação: durante o Carnaval de 1637, em Veneza, um grupo de cantores aluga um teatro de máscaras da commedia dell’arte e encena a primeira ópera para público pagante. O teatro lírico passa de espetáculo de corte, destinado a ocasiões especiais, a estrutura empresarial, sustentada pelo preço dos ingressos e pelas assinaturas dos camarotes. É significativo que isso aconteça na república veneziana, num teatro das máscaras e durante o Carnaval. Na época da Contra-reforma, Veneza se torna uma espécie de zona franca de tolerância religiosa e moral. Situa-se, literal e metaforicamente, fora da terra firme dos Estados nacionais e das Igrejas, território, justamente, do Carnaval e das máscaras, onde o maquiavelismo sobrevive como intriga amorosa e como burla. Durante todo o século, será a principal produtora de óperas, espetáculo que permanece ligado, até o século XIX, à temporada do Carnaval. Veneza, a máscara e o Carnaval concorrem a delimitar um espaço onde a utopia renascentista se transforma na representação de um mundo às avessas, onírico, transgressivo, ambíguo. Nele, a subversão dos valores se manifesta a partir da ruptura dos princípios clássicos de realidade:

a) Unidade de tempo, de lugar e de ação. No teatro clássico (e, mais tarde, no classicismo de influência francesa) as ações eram ficcionais, mas o espaço e o tempo em que se desenvolviam eram reais: este espaço presente, este tempo atual. Nas encenações renascentistas a unidade de lugar e de tempo era quebrada por influência dos mistérios processionais ou, no caso do teatro cômico, pela vontade de transpor para a cena um novo gênero literário, a novela. No entanto, o tempo representado, se não coincidia mais com o tempo real, permanecia um tempo cíclico, racional, compreensível por analogia. Quando o ciclo solar não estava embutido no mito, como no caso de Orfeu, era representado alegoricamente, por atores que simbolizavam a noite ou as horas do dia. O espaço, igualmente, não era sempre unitário, mas na maioria das vezes se reduzia a uma oposição dualística (Parnaso-Inferno, no caso de Orfeu). Por outro lado, o espaço operístico barroco (como aquele do teatro elisabetano ou espanhol, mas de forma ainda mais acentuada) é um espaço em transformação contínua, que acaba se tornando a somatória de todos os espaços, portanto, lugar nenhum. O mais genial dos cenógrafos do século XVII, Giacomo Torelli, inventa cenários que correm sobre trilhos e que podem ser mudados instantaneamente, com o movimento de uma única leva. Não há mais relação entre tempo e espaço, e as cenas se sucedem por mera associação de ideias. A dissociação entre tempo e espaço permite, por sua vez, a dissociação da narração em recitativo, em que a ação se desenvolve, e ária, em que a ação é bloqueada para ser comentada musicalmente.

b)Verossimilhança. Era o outro princípio básico que fornecia um fundo de realidade ao teatro clássico. Verossimilhança não é, evidentemente, realismo. Diz respeito a como as coisas deveriam ser, se a realidade fosse racional. Por exemplo: não é verossímil que uma alma nobre traia os amigos. A ópera renascentista se limitava à representação da idade de ouro, porque apenas nessa época feliz era verossímil que os homens falassem cantando. Na ópera barroca, ao contrário, o tema é muitas vezes histórico, e reis, generais, criados cantam nas situações mais triviais. A associação de cenas realistas, e às vezes cruamente realistas (usava-se sangue verdadeiro), com a convenção do canto é um dos mecanismos principais mediante os quais o teatro barroco introduz o espectador numa atmosfera de irrealidade.

c)A unidade da personagem. Aqui estamos muito perto de um dos focos principais da ópera barroca, que é também um dos pontos pelos quais a ópera entra em contato mais direto com a temática libertina. A unidade da personagem não é uma regra explícita da dramaturgia clássica, mas um corolário necessário do princípio da verossimilhança, segundo o qual a personagem deveria agir conforme seu tipo, e do princípio da unidade de ação, pelo qual esse caráter é posto à prova numa situação determinada e circunscrita. Ao contrário, o princípio que governa o comportamento das personagens líricas barrocas é a metamorfose. Como as cenas de Torelli, elas mudam constantemente, por movimentos repentinos. O Orfeu de Sartorio manda Orillo matar Eurídice e, na espera, começa a ensaiar a lamentação fúnebre. Orillo volta anunciando a morte acidental da princesa, que pisou numa serpente fugindo de Aristeu. Orfeu se desespera e canta uma lamentação, desta vez sincera. Logo porém se consola e encontra conforto no sono. Em sonho Eurídice lhe aparece acusando-o de abandoná-la aos demônios. Orfeu acorda, se desespera de novo e parte para o Inferno. Não acredito que haja uma intenção satírica nesse comportamento esquizofrênico. Orfeu age por impulsos momentâneos, que não superam a duração de uma ária, e não segundo um projeto coerente, porque a substância do teatro musical barroco não está na coerência narrativa, mas na degustação do instante.

No romantismo, a percepção do instante se tornará um dos temas centrais da reflexão filosófica sobre a música. De fato, são instantâneas seja a sensação imediata, pré-racional, seja a intuição metafísica, supra-racional. A união inseparável dessas duas experiências é o que carateriza a música, para grande parte da estética pós-hegeliana. Voltaremos a esse tema ao falar das leituras românticas do Don Giovanni de Mozart. Mas, por enquanto, parece-me possível identificar um primeiro embrião dessa concepção do instante musical na personalidade fragmentária dos heróis líricos barrocos. Sem dúvida, a carnavalização do tempo na ópera do século ainda não comporta as implicações metafísicas ou psicológicas da suspensão temporal romântica. Mas já descostura a sucessão natural dos eventos, enfraquece as relações de causa e efeito, e com isso cria uma alternativa ao tempo mecânico, inexorável, que novos instrumentos de mensuração estavam implantando na Europa inteira. O tempo renascentista fora sobretudo articulação harmônica do discurso, construção de enredo. Na Idade Barroca, a experiência temporal se polariza em dois extremos irredutíveis um ao outro: o tique-taque inumano do relógio e a flutuação irracional da ária — tempo do trabalho e tempo do gozo. Na cadência da ária, sobretudo, quando o castrato suspendia no penúltimo acorde uma série infinita de variações melódicas, frases que, graças à potência de seus pulmões e à leveza de suas cordas vocais, podiam ter um comprimento extraordinário — enquanto a orquestra se calava, sem saber quando poderia retomar o discurso interrompido e resolver finalmente a dissonância no último acorde —, nesse momento o público barroco devia acompanhar a música como se fosse performance erótica e êxtase místico, realização de um prazer sensual absoluto, fora do tempo.

A suspensão do fluxo temporal é, porém, apenas um aspecto da sedução lírica barroca. Mediante a prática do travestimento, os cantores mudam constantemente de sexo. Um caso recorrente é o da velha ama, como a Erinda do Orfeu de Sartorio, que na verdade é um cantor disfarçado de mulher e que, de regra, tenta seduzir um adolescente (como Orillo), que é uma cantora disfarçada de homem. Na Calisto de Francesco Cavalli (1651), o transformismo é levado até um alto grau de complexidade. Calisto é uma sacerdotisa de Diana, votada à castidade. Júpiter se apaixona por ela e, para seduzi-la, se transforma em Diana. Calisto, que é virgem como todas as ninfas de Diana, é possuída por Júpiter sem suspeitar que ele seja um homem. Acredita estar amando Diana, mas quando a encontra é rejeitada por ela. A deusa, por sua vez, é secretamente apaixonada por um jovem pastor, que encontra Júpiter disfarçado e o confunde com Diana etc. O libreto é escrito de maneira que um mesmo cantor possa criar os papéis de Júpiter (ao natural e disfarçado de Diana) e da própria Diana.

Esse cantor capaz de transitar com naturalidade de um sexo ao outro é, de novo, o grande objeto de desejo da época barroca, o castrado. Fusão de Orfeu e Eurídice, do poeta e da ninfa, ele representa a conciliação da fratura entre masculino e feminino, conciliação que inaugura uma liberdade infinita. Na terra de ninguém instaurada pelo teatro musical barroco, o castrado é o centro e o rei. Ele é o corpo que não está em lugar nenhum, e portanto está em todos os lugares.

Algumas produções mais sofisticadas, já na primeira metade do século XVII, esboçam uma reflexão sobre a nova linguagem teatral e tentam criar, a partir desse mundo às avessas, uma espécie de moral negativa. Entre essas produções, merecem um destaque particular as obras da última fase de Monteverdi. Monteverdi foi o maior compositor de sua época e o autor da melhor ópera renascentista, o Orfeo, encenado em Mântua em 1607. Mas foi também um homem irrequieto, refratário ao papel submisso do músico de corte. Estudou alquimia, entrou em polêmicas teóricas em que anuncia novas práticas musicais, fez experiências revolucionárias com a combinação de vozes e instrumentos. Na última parte de sua carreira deixou Mântua e se tornou mestre-de-capela na basílica de São Marco, em Veneza, trabalhando também para os teatros e para as festas da aristocracia veneziana. Por essas ocasiões escreveu obras singulares como O baile das ingratas, pequena cena lírica em que Plutão, a pedido de Vênus e Cupido, chama do Inferno e mostra ao público as sombras danadas das mulheres que se recusaram ao amor, ou a belíssima Carta amorosa, uma longa e elaboradíssima descrição dos cabelos da amada, que Monteverdi escreve “sem compasso”, isto é: sem pulso, num tempo flutuante e suspenso. Mas esses exemplos, apesar de sua originalidade, ainda podem ser inscritos no universo da poesia cortesã renascentista. É diferente o caso das óperas destinadas ao teatro empresarial, e sobretudo a última, L’ incoronazione di Poppea, composta poucos meses antes de sua morte, em 1643, quando o músico tinha 76 anos.

O libretista da Incoronazione é também personagem singular: Giovanni Francesco Busenello, advogado rico e nobre, membro da misteriosa Academia dos Incógnitos. Escreveu pouquíssimos libretos, todos bastante originais. A sua Didone, por exemplo, quando abandonada por Enéias, não se mata: desmaia, tenta o suicídio, mas afinal casa com Jartba, um pretendente grosseiro e desengonçado, tratado até então como uma personagem cômica. Uma outra ópera, ainda mais curiosa, chama-se A prosperidade infeliz de Júlio César ditador (1646) e narra a última fase da vida de César, das guerras contra Pompeu até a morte (de 49 a 44 a. C.). O exército de César é representado como um bando de ladrões, preocupados sobretudo em encher os bolsos, e a narração é uma sucessão de traições e de vinganças sangrentas.

O libreto escrito para Monteverdi é também uma “obra de tese”: Poppea é a amante dissoluta de Nero, e sua coroação é o triunfo do amor sensual sobre as convenções morais. No prólogo alegórico são mostradas a Fortuna e a Virtude, disputando o domínio do mundo. Logo porém aparece o Amor, e as outras duas divindades se ajoelham submissas. A narração que segue é uma exemplificação dessa alegoria inicial: Sêneca, retrato da Virtude, é obrigado a matar-se; Otavia, a nobre e poderosa imperatriz que exemplifica a Fortuna, é repudiada e exilada; a belíssima Poppea triunfa na cena final, quando é coroada imperatriz. Trata-se de um final feliz, segundo as convenções da ópera? Talvez seja. As vítimas são vistas sem nenhuma simpatia — sobretudo Sêneca. Duas sentinelas de Nero falam dele como de um “velho rapaz, uma raposa esperta, um ímpio arquiteto que constrói sua casa sobre o túmulo dos outros” (talvez uma referência à justificação estóica do suicídio). Quando tenta consolar Otavia, dizendo que as provações são uma ocasião de pôr à prova nosso caráter, a resposta da imperatriz é cortante: “Desculpe, Sêneca, mas esses são argumentos vazios e sofísticos, artifícios rebuscados, remédios inúteis para os infelizes” E o criado de Otavia é ainda mais agressivo: “Senhora, com sua permissão, eu vou descarregar a raiva que me provoca esse filósofo astuto, esse enrolador de Júpiter, esse ciselador de belos conceitos. Não posso ficar tranqüilo enquanto ele encanta os outros com palavras douradas, meras invenções de seu cérebro que revende como mistérios, e são canções”. Até quando Sêneca se suicida na frente de dois discípulos e da mulher, suas reflexões morais a favor da morte voluntária recebem uma resposta inesperada. Seus interlocutores cantam, em ritmo de dança, um coro de que transcrevo o refrão e uma estrofe:

Não morra, Sêneca, não.
Eu, por mim, não vou morrer.

Esta vida é muito doce
Este céu é muito sereno

Toda aspereza, todo veneno
Afinal é um pequeno incômodo.

O filósofo rígido e estraga-prazeres, que tenta inutilmente opor-se à força do amor, e que por isso é submetido a fortes humilhações ou até à morte, é uma personagem recorrente na ópera desse período, quase uma vítima sacrifical do ritual carnavalesco. No Orfeo de Sartorio, por exemplo, o preceptor Quíron tenta inutilmente manter seus alunos Hércules e Aquiles longe das paixões amorosas, com longos sermões que o pastor Orillo se diverte em ridicularizar. Finalmente, volta sozinho ao seu antro, sem ter conseguido nada. Em geral, esses filósofos rígidos e impotentes eram baixos profundos, e suas linhas melódicas, cheias de grandes saltos descendentes, se reencontram na personagem do Comendador do Don Giovanni de Mozart. De fato, ao interromper o jantar de d. Giovanni, o Convidado de Pedra apresenta aos libertinos uma conta de quase dois séculos de humilhações. No libreto de Busenello, todavia, há algo mais do que o deslocamento e a paródia da moral tradicional em época de Carnaval. O enfoque da narração e a escolha dos temas indicam que o autor pretende dizer algumas verdades universais sobre a relação entre moral e história. Seria certamente anacrônico atribuir-lhe uma intenção de crítica social, transformando-o numa espécie de Bertold Brecht do século XVII. Mas sem dúvida há, nele, uma veia cínica que em alguns pontos roça a blasfêmia (por exemplo, quando indica o amor sexual com a expressão com que Dante se refere ao amor divino: “Amor que move o céu e as outras estrelas”).

A peça seria portanto amarga e sombria, se Monteverdi não conferisse à sensualidade de Poppea uma força musical e uma evidência cênica extraordinárias. Toda a composição é encentrada sobre uma série de duetos vertiginosos em que Nero e Poppea (uma soprano e um contratenor) entrelaçam suas vozes, como corpos, em motivos de pequenos intervalos, com movimentos preguiçosos e macios. Na fusão das duas vozes, que se aproximam sempre mais, como se beijando, é possível ler o mesmo mito hermafrodita que se encarna no corpo do castrado.

O crítico literário Claude Reichler divide a época libertina em três fases: a primeira é aquela francamente transgressiva e carnavalesca em que se insere o estilo operístico que acabei de descrever, a última é a do libertinismo filosófico e revolucionário do século XVIII, o mais conhecido. A fase central corresponde mais ou menos ao reinado de Luís XIV e é chamada por Reichler de época do “libertino honesto”. Na corte de Luís XIV a ideologia libertina parece triunfar e, ao mesmo tempo, desmanchar-se. O mundo é teatro. Os princípios morais são convenções que se dobram à busca do prazer. Mas esse mundo profanizado encontra um novo centro no desejo do Rei, vértice de todos os desejos e espelho de todos os prazeres. As convenções sociais devem ser respeitadas não porque tenham fundamento, mas porque provêm do desejo absoluto do monarca. O corpo sagrado do Rei, que a cena lírica carnavalesca mostrara entregue à paixão sexual, se ressacraliza justamente como corpo sexual, hipersexual, aliás. Luís XIV se cerca de amantes tão oficiais quanto os seus ministros, até numa idade em que, como nota Montesquieu nas Cartas persas, não deveria mais precisar delas. Nos retratos, aparece coberto de meias de seda, cetins, veludos, grandes perucas. É um corpo teatral, que imita o dos castrados. Dessa forma, o poder incorpora o Carnaval e o transforma em seu instrumento.

Imitando o rei, o libertino multiplica os sinais exteriores de sexualidade, transformados em sinais de status. No Don Juan de Molière, um camponês descreve estupefato a vestimenta do prótagonista: ele tem cabelos que se separam da cabeça, mangas em que entrariam confortavelmente duas pessoas e, no lugar das cuecas, um guarda-roupa inteiro (ato II, cena I).

No entanto, é no ato V que Molière costura magistralmente o mito de Don Juan ao pano de fundo da sociedade francesa contemporânea. Após jantar com a estátua do Comendador, o libertino se arrepende, se reconcilia com o pai, promete uma vida honesta. Na realidade, é uma mise-en-scène, mas, como explica Don Juan ao criado Sgaranello, o respeito exterior à convenção é o complemento perfeito da liberdade interior do vício. A comédia poderia se interromper aqui, ainda que Molière acrescente a cena tradicional em que o protagonista é engolido pelo Inferno, talvez porque, como empresário teatral, soubesse que um Don Juan sem demônios teria poucas probabilidades de pagar as despesas.

A transformação do “libertinismo honesto” em instrumento de poder segue uma estratégia rigorosa, num percurso pontilhado por festas de cortes e representações teatrais. A invasão simbólica do território livre do melodrama se dá durante a monumental festa de corte Les plaisirs de l’ Isle enchantée, em maio de 1664. Nessa ocasião, o jovem rei, fantasiado como o guerreiro cristão Rogério e acompanhado por representantes da alta aristocracia, ingressa na ilha da feiticeira Alcina, construída para a ocasião numa piscina do parque de Versalhes — enredo inspirado no Orlando furioso de Ariosto, mas também alusivo aos amores do próprio rei por Marie Mancini. Quando Luís XIV deixa de participar em pessoa dos balés de corte, a Académie de Musique, dirigida por Lully e controlada diretamente pelo soberano, se encarrega de produzir óperas que o representem metaforicamente, nas figuras de heróis ou divindades clássicas. Nessas óperas enobrecidas pela presença do Rei (metafórica no palco, real no camarote central), não há mais espaço para a comicidade e o escracho. O teatro lírico, portanto, se desdobra. Na ópera séria, há representação de enredos em que o amor triunfa como ato político: o príncipe que se apaixona por uma escrava e liberta um povo inteiro, ou por uma sacerdotisa de Diana que a própria deusa dispensa do voto de castidade, e assim por diante. Por outro lado, surgem (inicialmente nos intervalos da ópera séria) representações cômicas, de conteúdo burguês. Aqui, o sedutor se transforma num jovem solteiro pronto a arrepender-se e casar-se, com a reserva implícita de que, casado, vai se conceder suas liberdades — eventualmente com a criada, como o Almaviva das Bodas de Figaro. Em outras palavras, Don Juan perde o lado demoníaco e se torna homem de Estado ou de família, dependendo de seu nível social e do gênero operístico.

A comicidade e a amoralidade são separadas, dessa forma, da encenação dos temas heroicos, para que não os contaminem, e circunscritas à representação das classes inferiores. A ópera-cômica, no entanto, acaba funcionando como um casulo onde se desenvolve, livre de intervenções exteriores, uma nova moral, sentimental e realista: a do teatro burguês. Quando os philosophes, em meados do século XVIII, saem em defesa dos bufos italianos contra a tradição da ópera francesa, o estrago já está feito. O libertinismo teatral muda mais uma vez de signo, assume de novo uma conotação transgressiva — mais perigosa, dessa vez, porque ligada à insatisfação de uma classe social inteira.

Já se tentou ligar o Don Giovanni de Mozart a esse clima, aproveitando algumas passagens avulsas: a ária de Leporello na introdução (“Não quero mais servir”), ou a exclamação de d. Giovanni na cena da festa, “Viva a liberdade!”, que no revolucionário século XIX estendeu-se ao coro e às vezes foi cantada, às vezes, pela inflamadas platéias dos teatros. Essas frases, porém, se explicam no contexto da narração, e não têm um sentido político. Ao escrever sua versão do mito, em 1787, Mozart e Da Ponte não se preocuparam em encenar uma peça com um conteúdo filosófico ou de atualidade. Nesse sentido, o Don Giovanni é muito menos “clássico” ou “moderno” do que As bodas de Figaro e Cosi fan tutte, as outras duas grandes produções cômicas da dupla. Escrevendo às pressas, preocupado com a redação de outros libretos mais importantes (o Axur de Salieri, este sim, obra polêmica), Lorenzo da Ponte reaproveitou um material em grande parte popular, originário do teatro de feira e da commedia dell’arte. Nessas produções humildes sobrevivia, fossilizada e simplificada, a transgressão carnavalesca do teatro lírico e dramático da primeira fase barroca. Pela música de Mozart todo um mundo semi-esquecido torna a viver, porém na forma oblíqua, fantasmática, inquietante, que tanto impressionou os românticos.

A primeira cena, por exemplo, é muito parecida com a primeira da L’incoronazione di Poppea, que Mozart certamente desconhecia. Na ópera de Monteverdi, como em todas as óperas barrocas, a cena mostrava uma perspectiva central com uma porta no fundo. Essa porta estava exatamente na frente do camarote das autoridades, formando com ele um eixo, ou um raio de visão em volta do qual se organizavam todos os movimentos teatrais. Havia, portanto, uma situação de espelhamento que era confirmada, de regra, quando da porta central da cena saía a personagem do Rei ou da Divindade, indo ao encontro do Rei verdadeiro, que assistia do camarote central. No caso da Incoronazione, a porta é a do palácio de Popéia, é noite e Popéia está com Nero. Na frente dela, estão duas sentinelas, que lamentam serem arrastados, ambos e Roma inteira, pela paixão do imperador, e Otavio, ex-amante de Popéia, que não consegue esquecê-la e volta àquela porta, nas suas próprias palavras, “como uma linha a seu centro” — por uma necessidade da perspectiva, portanto. Dessa forma, sabemos que atrás da porta está se consumando um ato sexual e que esse ato é o centro de gravidade de toda ação cênica. Da porta sairão, logo depois, os dois amantes, cantando o primeiro dos grandes duetos da ópera. O sexo, enquanto união de masculino e feminino na fusão hermafrodita da soprano e do castrado, oferece à autoridade do camarote central a provocação de um espelho deformante, mas ao mesmo tempo revelador. Na primeira cena do Don Giovanni também é noite, também há uma fachada de palácio onde d. Giovanni entrou, disfarçado de d. Otavio, para seduzir a prometida deste, d. Anna. Também há um criado, Leporello, que reclama ser arrastado nas aventuras do patrão. Mas algo dá errado: em vez de sair duetando com d. Anna, d. Giovanni sai lutando com ela. As duas vozes, baixo-barítono e soprano, longe de se fundir, se chocam. D. Anna foge e em cena ficam d. Giovanni, Leporello e o Comendador, pai de d. Anna, que acorrera para defendê-la. Três vozes de baixo: as mesmas que, no final da ópera, protagonizarão o jantar fatídico. A fusão hermafrodita não é mais possível: d. Giovanni está sob a ameaça constante de ser absorvido pelo mundo masculino que detesta e que acabará por engoli-lo. Ao matar o pai de d. Anna, o sedutor obtém um adiamento, mas não abole seu destino. Com uma extraordinária intuição teatral, Mozart caracteriza a morte do Comendador como um momento de calma absoluta, num trio em tempo quase de barcarola, durante o qual d. Giovanni e Leporello contemplam estupefatos a agonia da vítima, e o velho fidalgo se observa calmamente morrer — um momento de imobilidade e de mágica suspensão, que serviu de modelo a Beethoven para o primeiro movimento da “Sonata ao luar”.

Lorenzo da Ponte construíra o libreto a partir de uma versão italiana em um ato, que ampliara até dois atos acrescentando uma série de episódios descosturados. Mozart reorganiza musicalmente a narração dividindo-a em dois níveis: a primeira cena, até a morte do Comendador, e a última, quando a estátua do Comendador vem para levar d. Giovanni ao Inferno, formam uma unidade: o Comendador morre sobre um acorde dissonante (uma sétima diminuta: si-ré-fá-lá b) que fica em suspenso para reaparecer justamente no último ato (com uma grafia modificada: si-ré-fé-sol #), quando a estátua entra em cena, e finalmente resolver num acorde em lá maior. Dentro dessa grande moldura tonal, as cenas se encadeiam de forma alógica, como num delírio — a descontinuidade narrativa e a mistura contínua de elementos cômicos e trágicos são, aliás, os dois elementos estruturais da peça que mais a afastam do sentimento clássico e a aproximam de uma afabulação barroca. Teoricamente, tudo acontece na mesma noite, e portanto haveria um respeito à unidade de tempo, bastante raro nas óperas. Mas os eventos que se desenrolam na cena parecem contradizer essa unidade: d. Giovanni foge da cena do crime e encontra Elvira, sua ex-mulher, que veio a Sevilha para procurá-lo. Foge de Elvira e cai num casamento de camponeses (mas não era noite? não estávamos na cidade?). Manda Leporello afastar o esposo e tenta seduzir a esposa, Zerlina, mas de novo é interrompido por d. Elvira. Foge, e encontra d. Anna e d. Otavio, que não o reconhecem. Chega de novo d. Elvira que o desmascara. Foge… Após essas e muitas outras peripécias, incluindo uma festa de baile com três orquestras e uma caça ao sedutor pelas ruas da cidade, encontramos d. Giovanni no muro do cemitério, olhando tranqüilo para a noite clara e dizendo a si mesmo: “São duas horas, ainda. Ainda há muito tempo, muitas mulheres a serem seduzidas”. Sabemos que não é verdade e que o protagonista, entrando no cemitério, está se encaminhando para o desfecho final. Essa simples indicação temporal pronunciada de passagem, em recitativo, tem portanto um valor narrativo importante: marca a volta ao tempo real e o fim do tempo que d. Giovanni, fugindo, roubou à morte. A hora do destino será selada definitivamente, como vimos, pela resolução do acorde que estava em suspenso desde o começo do primeiro ato.

Se Fausto, o outro grande mito da modernidade, é o homem que quer parar o instante (“Continua, momento fugaz! És belo!”), d. Giovanni, ao contrário, é o homem que não pode parar um instante, que não pode permanecer um instante igual a si mesmo. Embora seja o protagonista, ele canta apenas três brevíssimas árias solo. Em duas delas, está disfarçado de Leporello, apenas na primeira, a famosa “ária do vinho”, ele realmente expressa a si mesmo. Mas nessa ária não aparece nenhuma interioridade, ou melhor: a interioridade de d. Giovanni revela-se apenas um movimento frenético, compulsivo — movimento que busca a si mesmo, movimento que foge à morte.

A subversão onírica e carnavalesca que a sociedade barroca ainda tolerava no perímetro circunscrito e controlado do teatro encontra sua última encarnação nesse sedutor afobado e oco. Nele, o espaço público da transgressão libertina se mostra em cena pela última vez como abismo interior, para retirar-se, logo depois, a uma camada da alma onde já não é possível algum discurso. Sören Kierkegaard, o melhor leitor que Don Giovanni já teve, escreveu que a obra-prima de Mozart não é apenas a melhor ópera já escrita: é a única ópera que tem um conteúdo verdadeiramente musical. D. Giovanni, para ele, é a própria música: um impulso sensual inapreensível, inarrestável, que corre inevitavelmente para sua morte, para a cadência final. Um movimento que é quase linguagem, mas que nunca chega a articular-se em significados. Dessa maneira, d. Giovanni se identifica não tanto com a música em geral, mas com a música romântica, como expressão de uma interioridade ainda mais profunda da interioridade psicológica que a literatura pode exprimir.

O Don Giovanni inaugura um espaço interior que ainda hoje é nosso. Mas esse espaço foi, num determinado momento da história, um espaço real, onde atuaram atores em carne e osso, e onde se entrava pagando ingresso. Mozart e Da Ponte trabalharam sobre uma história popular, marginal em relação às grandes questões da época. Talvez não dessem a ela muita importância. Mas a recuperação do tema do sedutor pôs em movimento algo enterrado nas camadas profundas da forma operística, algo que ainda estava presente, embora invisível. Reaparecem, com a violência repentina de um insight, o caráter demoníaco de certa música, a associação de música e sensualidade, de música e irracional, enfim: todas aquelas inquietações que o classicismo de Luís XIV e, mais tarde, o Iluminismo pareciam ter resolvido.

Projetado no Romantismo, Don Giovanni torna-se mito. Melhor dizendo, torna-se um gerador de mitos — o mito do herói eternamente insatisfeito, o mito da música como expressão de um fluxo vital, o mito de Mozart como músico supremo, revelador de verdades inefáveis. Tudo isso entrou na nossa cultura com o Don Giovanni. Nenhuma outra partitura conseguiu tanto.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Philippe Beaussant, Versailles, Opéra, Paris, Gallimard, 1987.

Lorenzo Bianconi & Giorgio Pesteli (orgs.), Storia dell’ opera italiana. Parte II: I sistemi, Turim, EDT, 1987.

Enrico Fubini, Gli enciclopedisti e la musica, Turim, Einaudi, 1971.
Sören Kierkegaard, Ou bien… ou bien…, Paris, Gallimard, 1988.

Massimo Mila, Lettura del “Don Giovanni” di Mozart, Turim, Einaudi, 1988.

Claude Reichler, L’âge libertin, Paris, Minuit, 1987.

 

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