2010

O bem comum e a vontade geral

por Newton Bignotto

Resumo

Nas últimas décadas, houve uma transformação tão radical nas condições de vida que já parece não haver vestígios de gerações anteriores à atual. Quando Hannah Arendt alertou, ainda na década de 1950, que o início da corrida espacial indicava uma mudança na existência do homem que não mais podia ser compreendida com o aparato conceitual herdado da tradição, ela foi além de perceber o poder que a tecnociência exercia então. De forma lúcida e premonitória, ela indicou que a própria experiência do pensamento seria afetada pelo mundo que surgia.

A concordar com essa premissa, é preciso interrogar não apenas o significado dos acontecimentos que mudaram as vidas em suas dimensões mais imediatas, mas também a maneira como essas transformações afetaram a filosofia e as ciências sociais. Se é impossível pensar sem a tradição, é impossível também pensar apenas através dela. Mais ainda se for o caso de incorporar à experiência do pensamento o impacto das mutações.

Mas antes há que se saber se numa era dominada pelo discurso das ciências e moldada pelo individualismo ainda é possível falar de bem comum? Num século que carrega a herança dos regimes totalitários e da dissolução dos espaços públicos, faz sentido tentar encontrar um conceito cuja referência seja uma comunidade que reconhece valores e ideias que transcendem a simples somatória dos desejos individuais?

O problema do bem comum é quase tão antigo quanto a própria filosofia, mas ele não pode ser corretamente abordado se ignoradas as condições históricas em que ele se põe. Se não faltaram pensadores que desde Platão buscaram um significado universal para o termo, muitas também foram as situações nas quais a própria ideia de que se pode buscar algo em comum, além do pertencimento à mesma espécie, soou como um equívoco. Daí a impossibilidade de oferecer uma forma acabada a tal conceito. O esforço deve-se então voltar para como abordá-lo corretamente no contexto das sociedades capitalistas atuais.

Um dos aspectos de tal tarefa remete à ideia de que a questão do bem comum deva se restringir à esfera do direito, já que não há outra linguagem reconhecida para regular as relações humanas. Não se trata, é claro, de questionar o papel do direito nas sociedades democráticas, mas de questionar seus limites. Como lembra Pierre Manent, o perigo não está em desejar que nossas sociedades sejam regidas pelo direito, “mas que ele reine sozinho”.

Assim, se é o caso de voltar ao problema do bem comum, é imperativo passar por sua afirmação na esfera jurídica. Ao mesmo tempo, trata-se de pensar se a limitação a essa esfera não corresponde a uma deformação na concepção da política. A afirmação da importância do direito será, portanto, secundada pela crítica a quem defende a preponderância do jurídico na determinação da natureza da esfera pública.

Decorre disso a importância de considerar a ideia de vontade geral, já que ela pode reconduzir o debate sobre o bem comum e a natureza da lei para o terreno da política, e não para a apreciação do especialista.


Nas últimas décadas assistimos a uma transformação tão radical de nossas condições de vida, que já não mais reconhecemos os traços principais do mundo de nossos antepassados como parte de nosso cotidiano. Quando Hannah Arendt alertou, ainda na metade do século passado, que o início da corrida espacial indicava uma mudança em nossa existência, que não mais podia ser compreendida com o aparato conceitual herdado da tradição, ela fez mais do que perceber a força que a tecnociência passara a ocupar no mundo. De forma lúcida e premonitória, ela nos ensinou que a própria experiência do pensamento seria afetada pelo mundo que surgia.

Levando em conta essa premissa, somos conduzidos a interrogar não apenas o significado dos acontecimentos que mudaram nossas vidas, mas também a maneira como pensamos essas transformações e seus impactos na filosofia e nas ciências sociais. Se não podemos pensar sem a tradição, é preciso reconhecer que não podemos pensar apenas com ela se quisermos incorporar à experiência do pensamento o impacto das mutações que alteraram nossas vidas e nosso tempo.

A questão que gostaríamos de abordar é a seguinte: numa era dominada pelo discurso das ciências e moldada pelo individualismo, ainda é possível falar de bem comum? Num século que carrega a herança dos regimes totalitários e da dissolução dos espaços públicos, faz sentido tentar encontrar um conceito que tenha por referência uma comunidade a qual reconhece valores e ideias que transcendem a simples soma dos desejos individuais?

O problema do bem comum é quase tão antigo quanto a própria filosofia, mas ele não pode ser corretamente abordado se não levarmos em conta as condições históricas nas quais formulamos a pergunta. Se não faltaram pensadores que desde Platão buscaram um significado universal para o termo, muitas também foram as situações nas quais a própria ideia de que podemos buscar algo em comum, além de nosso pertencimento à mesma espécie, soou como uma ilusão.

Não temos a pretensão de oferecer uma resposta acabada à questão da natureza do bem comum. Nosso esforço será bem mais modesto e se limita à interrogação sobre a maneira como podemos formular corretamente o problema que anunciamos nas condições que acreditamos presidir nossa existência nas sociedades capitalistas atuais.

Nosso problema pode ser mais bem compreendido levando em conta o fato de que vivemos uma era de desenvolvimento extremo do individualismo, na qual apenas aquilo que cada um sabe e deseja para si parece ter realidade. Falamos sobre o bem comum como algo abstrato e distante de nosso cotidiano, ao mesmo tempo que lutamos desesperadamente para garantir as condições de realizações de nossos sonhos pessoais. Essa afirmação não visa desqualificar nossa forma de vida em proveito de um modelo de vida do passado, no qual as referências principais que orientavam os membros de uma comunidade eram antes coletivas e gerais do que particulares e centradas em indivíduos autorreferenciados. Fazer a crítica do individualismo contemporâneo não nos conduzirá de volta a uma época na qual o bem comum se mostrava a todos em total transparência. Na verdade, essa época de pura claridade jamais existiu. Desde sempre houve conflito entre a esfera dos interesses particulares e aqueles comuns a todos os membros da comunidade à qual pertenciam.

Mas, mesmo partindo de um pressuposto mais realista com relação ao tema que nos interessa, não há como desprezar o fato de que estamos hoje muito distantes da cena política dos antigos, na qual a felicidade da cidade servia de horizonte para a ação no mundo público. Como nos lembra Arendt, até mesmo a gloriosa cena pública derivada da Revolução Francesa se esgotou, com o evento dos regimes totalitários. O que nos resta é um mundo complexo e em mutação constante. É dele que devemos partir para abordar o problema que nos interessa.

Em nossos dias, a linguagem dominante para se estudar o bem comum é aquela do cálculo dos beneficios e da busca pela maximização dos interesses. Em uma palavra, nossa linguagem política é dominada pela referência à utilidade e às maneiras de distribuí-la entre os cidadãos. Essa visão, dominante entre os cientistas sociais, reflete não apenas a maneira como setores importantes da academia lidam com a questão do bem comum, mas também a organização das sociedades que alcançaram certo grau de desenvolvimento e daquelas que aspiram a desenvolver-se. Importa compreender as consequências de tal postura para nossas vidas.

I

Uma pesquisa recente, elaborada pelo Centro de Referência do Interesse Público[1], mostrou que 58% dosbrasileiros acreditam que o interesse da maioria significa a mesma coisa que o interesse público e que apenas 9% dizem que as duas coisas não podem ser confundidas. Do total dos pesquisados, 27% acham que as duas coisas nem sempre são idênticas, e apenas 6% declararam não ter opinião a respeito do tema. Quando observamos as tabelas mais detalhadas, aparecem algumas diferenças interessantes, que não chegam, no entanto, a mudar o resultado obtido pela média nacional. Assim, na região Sul, 71% dos entrevistados responderam “sim” à pergunta sobre a identidade entre interesse da maioria e interesse público, enquanto no Centro-Oeste essa média cai para 44%. Também podemos constatar diferenças importantes, quando analisamos os dados tomando como referência a escolaridade dos entrevistados. Nesse quesito, 65% dos que cursaram até a quarta série do fundamental responderam “sim” à pergunta de base, enquanto 50% dos mais escolarizados responderam afirmativamente quando perguntados.

Os dados apresentados apontam de forma consistente para a crença de boa parte da população brasileira de que a soma das vontades particulares é o eixo em torno do qual devem girar as decisões coletivas. Poderíamos até falar em consolidação dos traços individualistas de nossa sociedade, observando que no meio rural 64% dos entrevistados concordam com a ideia de que a maioria define o que é público, contrariando a imagem de um habitante do campo ainda marcado por valores que negam a individualidade como um assento privilegiado da cidadania. Um pensador político pouco preocupado com as mutações de nosso tempo poderia até comemorar o fato de que o Brasil entrou de forma definitiva no campo das nações contemporâneas ao reconhecer no indivíduo o elemento de base de sua constituição.

É claro que muitos problemas observados na aplicação dos direitos individuais e sociais no Brasil freiam o entusiasmo dos que creem que não há como escapar do avanço do individualismo nas sociedades industrializadas, mas isso não impede a constatação de que o quadro de referências de valores de parte significativa da população brasileira passou a acompanhar o padrão dominante no mundo capitalista contemporâneo.

Os dados apresentados acima poderiam servir de apoio para a interpretação que acabamos de sugerir, se não viessem misturados com outros resultados, que nos ajudam a nuançar as conclusões apresentadas e a compreender que no Brasil a questão do interesse público é bem mais complexa do que parece à primeira vista, e também nos auxiliam a alargar a compreensão do desafio teórico representado pela definição do que seja o bem comum. Na mesma pesquisa do CRIP os entrevistados foram perguntados sobre a quem cabia resolver os problemas levantados pela busca do interesse público no Brasil. Contrariamente ao que poderíamos esperar em uma sociedade marcada pela crença no poder da maioria para decidir sobre questões que afetam a todos, 68% dos brasileiros declararam que cabe ao Estado responsabilizar-se pela implementação do interesse público. Esse dado permanece estável, mesmo quando observamos variáveis como escolaridade, renda e lugar de residência. Se cabe à maioria decidir o que é o interesse público, é papel do Estado torná-lo realidade.

Se estivéssemos lidando com um país marcado pela herança liberal, poderíamos concluir que o Estado é visto como mero executor das políticas decididas pela maioria, o que é algo esperado pelos defensores da tese do Estado mínimo. Nesse caso, no entanto, deveríamos enfrentar as críticas de John Rawls ao utilitarismo, que apontam para o fato de que considerar como bens primários apenas aqueles ligados à busca da riqueza tem profundas consequências na concepção de justiça subjacente às sociedades liberais contemporâneas. Para o pensador, desejamos sim a posse de bens materiais, mas para almejarmos viver em uma sociedade, que ele chama de bem ordenada, e que se quer justa, é preciso também afirmar a prioridade da liberdade sobre outros bens[2].

O caso brasileiro nos permite explorar esse caminho, em busca de novas referências para uma teoria sobre o bem comum, em harmonia com as mutações que dominam nossa época. O Estado brasileiro não foi construído segundo o modelo liberal e, por isso, não pode ser pensado como um organismo ideal de regulação de conflitos. Ele encarnou um processo histórico próprio ao consolidar suas instituições antes da criação dos mecanismos de compensação do poder próprios da esfera da chamada sociedade civil. Além disso, ele tem se mostrado pouco eficiente para atender às demandas da maioria da população pelo simples fato de que se orienta com frequência muito mais por critérios de poder dos grandes grupos políticos do que por referência à busca pela realização do interesse comum.

A combinação dos dois resultados apresentados acaba por sugerir um impasse na questão do interesse comum, que ultrapassa em muito o caso brasileiro. De um lado está a tendência a enxergar na sociedade apenas aquilo que resulta da vontade dos indivíduos; de outro, o fato de que essa maneira de conceber a política conduz a formas variadas de apatia na cena política. Se nos países de tradição liberal ela se manifesta pelo esvaziamento da esfera pública e de suas instituições, no caso do Brasil, país no qual essa esfera nunca foi totalmente desenvolvida, a apatia se revela na transferência cega da responsabilidade de implementação do interesse público para o Estado, que historicamente se mostrou incapaz de agir nesse sentido. Na própria pesquisa, aliás, a população se mostra consciente desse risco, pois 73% dos brasileiros consideram a corrupção um fenômeno muito grave no país e outros 24% a consideram grave.

Do que acabamos de apresentar devemos ressaltar dois pontos. Em primeiro lugar, devemos observar que a confusão em torno do que devemos chamar de interesse público e como podemos enunciá-lo corretamente implica uma compreensão da cena pública que está longe de ser ingênua. Se o bem comum é o efeito de uma maioria que fala sempre a linguagem da soma de suas vontades, isso implica dizer que não há espaço para a constituição de uma arena pública na qual a opinião minoritária prevaleça, ou para que critérios oriundos de outras esferas do pensamento possam prevalecer. Pensar o que é comum parece ser a tarefa de uma maioria que conhece somente seus próprios desejos e os expressa por meio de números.

O segundo ponto a ser destacado é a crença, cada vez mais partilhada de que o que sabemos sobre o bem comum é apenas aquilo que aprendemos quando interrogamos os indivíduos que formam em seu conjunto nossa comunidade política. O mundo surgido das estatísticas parece, nessa lógica, o único real. Conceitos que dependem de uma apreciação diferente do processo de formação dos consensos parecem ferramentas destinadas a perecer num mundo cada dia mais ansioso por precisão estatística.

Resumidamente, podemos dizer que nossa experiência de pensar o que é comum se transformou na busca por dados, que estejam em conformidade com as ideias vigentes em uma sociedade que anseia pelo consumo e se vê como o produto da soma final de vontades cegas e indiferentes uma às outras. Ora, nesse universo de números opacos, temos de enfrentar duas questões, se quisermos experimentar pensar nosso tempo partindo de uma linguagem que não se reduz à sua tradução numérica. Em primeiro lugar, devemos refletir sobre o papel que as pesquisas de opinião ocuparam em nossas sociedades. Em segundo lugar, cabe pensar sobre os riscos de deixar o problema do bem comum entregue à mecânica de produção da vontade de uma maioria abstrata que aparece como a única dotada de realidade para os membros do corpo político. Depois desses dois movimentos, vamos voltar ao conceito de vontade geral, para ver se ele pode nos ajudar a compreender os impasses de nossa época por meio da evocação de uma concepção da política, que não se reduz à operação do produto da soma de vontades individuais, elas mesmas incapazes de se comunicar por meio de outra linguagem do que aquela dos desejos individuais.

II

No final do século XVIII, quando a França estava prestes a iniciar um período de intensa transformação de suas estruturas sociais, Condorcet, então uma figura central do Iluminismo europeu, lançou-se no estudo dos mecanismos eleitorais, que acreditava serem um dos pilares das sociedades livres, que se anunciavam como o fruto mais visível do progresso. Sua preocupação principal era com a compreensão dos mecanismos de formação dos consensos e com as ferramentas capazes de desvendar os segredos das manifestações coletivas, que não mais contavam com a transparência da ágora grega para se efetivar. Com grande lucidez, ele soube ver que o voto, ou o ato de votar, estava destinado a ser a manifestação por excelência do habitante das nações que caminhavam em direção à democracia. Como resumiu Granger, para o pensador: “O animal político é, antes de tudo, um homo suffragans”[3].

Ao destacar a importância do voto, Condorcet, segundo Granger: “[…] parte simultaneamente de um dado positivo empírico – que é o fenômeno psicossocial do voto -, e de um dado normativo, que é sua concepção ideal do sufrágio como modo de determinação de uma verdade”[4]. O problema do filósofo iluminista tinha duas faces. De um lado ele queria saber quais eram as ferramentas racionais que permitiriam analisar corretamente o resultado das votações que ocorriam em sociedades e colocavam o povo no centro de sua vida política. Antes da Revolução de 1789, Condorcet tinha por referência principal os Estados Unidos e a história recente de sua constituição como nação. Com o correr dos anos, o processo revolucionário francês, do qual ele participou ativamente, transformou-se em seu objeto privilegiado. Mas havia em sua busca de uma teoria sobre o voto, algo mais do que o desejo de um matemático de estudar um processo estatístico interessante. A outra face de sua busca estava no fato de que ele queria, sobretudo, “determinar as leis probabilísticas da confiança que podemos acordar às decisões tomadas por sufrágio”[5].

Condorcet foi duplamente visionário. No plano das ciências humanas, ele soube antecipar a importância do uso de ferramentas matemáticas para o estudo de fenômenos sociais. Como um dos grandes matemáticos de sua época, chegou a resultados interessantes ao buscar uma teoria capaz de definir as condições ideais para uma decisão correta, partindo da manifestação individual das crenças dos diversos participantes de um processo de votação. Pouco importa, para nós, o fato de que os instrumentos matemáticos usados pelo filósofo eram insuficientes para tratar do problema do voto em sociedades conflituosas. Ele sabia dos limites de seu estudo e acreditava que seus resultados diziam respeito a situações ideais, que não eram facilmente encontráveis.

As limitações de suas descobertas não estavam, no entanto, ligadas apenas às dificuldades matemáticas para descrever os complexos fenômenos sociais que apareceriam com a modernidade. Ao condicionar a qualidade do voto à qualidade dos votantes, Condorcet antecipou uma das grandes dificuldades das sociedades de massa, que mesmo concedendo grande espaço para a manifestação de seus membros por meio do voto, não são capazes de se pronunciar sobre a qualidade das decisões que daí derivam. Para o iluminista, às condições formais de constituição das assembleias e de seus procedimentos, era preciso agregar o grau de educação da população, para encontrar as condições ideais nas quais as decisões seriam não apenas formalmente equilibradas, mas também corretas[6]. Segundo ele, mesmo com todas as preocupações com o equilíbrio formal do processo de votação, de um corpo de eleitores pouco instruído não há nada a esperar, pois ele não exercerá seu direito de voto nas condições necessárias para chegar a decisões corretas a respeito de temas que lhe são caros. Essa asserção não visava afirmar um preconceito aristocrático qualquer do autor, mesmo se ainda estivéssemos longe da afirmação da igualdade radical entre os cidadãos como o centro de uma concepção moderna da democracia. Condorcet queria apenas alertar para o fato de que o progresso das luzes deveria se estender a todos e que isso aumentaria naturalmente a qualidade das decisões coletivas. Na ausência de uma extensão universal da educação, o corpo político seria vítima de suas próprias limitações e seria incapaz de enunciar seus interesses comuns em conformidade com uma razão que, em pleno século XVIII, parecia conter todas as esperanças de um verdadeiro progresso da humanidade. Desde os estudos pioneiros do filósofo iluminista nos acostumamos com o uso das matemáticas como parte dos diversos métodos de investigação das ciências sociais. Nesse sentido, podemos dizer que ele antecipou de forma brilhante um dos caminhos metodológicos que serviu para orientar muitas pesquisas importantes e que acabou se incorporando à nossa vida cotidiana por meio das muitas pesquisas de opinião que são realizadas e divulgadas pelos mais diversos meios. Também nos acostumamos com a ideia da importância da educação para o processo político, embora nem sempre estejamos dispostos a aceitar os custos decorrentes de uma generalização verdadeira da educação pública.

O uso de ferramentas matemáticas nas ciências sociais tem produzido resultados muito interessantes e bastante consistentes. Não há razão alguma para abandoná-lo ou mesmo condená-lo. Com seu aprimoramento, tornamo-nos capazes, por exemplo, de antever resultados eleitorais e a direção da opinião pública em um tempo cada vez menor.

O problema não está no meio utilizado, nem mesmo na confiabilidade dos resultados alcançados em pesquisas sobre temas de interesse público. O problema aparece no conteúdo implícito em muitas das pesquisas e que, longe dos alertas de Condorcet, acabam nos levando a acreditar que os resultados alcançados espelham a verdade de uma dada sociedade e não seu retrato transitório. A escolha de uma ideia estatística de maioria como referente, no lugar de um corpo político ativo, é um dos resultados preocupantes da pesquisa que citamos. Ele indica com clareza a importância do debate acerca da natureza das concepções que informam os membros de uma sociedade que se quer democrática e que toma por referência a soma dos interesses privados para construir o bem comum.

Vale a pena insistir. Pesquisas de opinião pública são instrumentos preciosos para o conhecimento de nossas sociedades. Não há nada de errado com elas. A questão é transformar a opinião pública, ouvida por meio de enquetes, no único referencial das decisões políticas que afetam toda a coletividade. Se o público é o resultado da soma de vontades, que oscilam segundo os humores dos tempos, a política se converte na administração de resultados estatísticos, que transformam os membros do corpo político em seres voltados para as coisas e seu consumo.
III

Vamos nos ocupar agora com as consequências de se pensar o mundo político sob a ótica da maioria. Tocqueville enxergou com grande lucidez os impasses que rondavam as sociedades democráticas no momento em que, segundo ele, se tornava inexorável seu estabelecimento como regime dominante da modernidade[7]. Ao estudar a democracia norte-americana, que ele considerava modelar, não por ser um ideal a ser perseguido por todos, mas pelo fato de que era a única forma de governo na qual suas origens podiam ser analisadas sem ter de recorrer às brumas da história, Tocqueville viu na questão da maioria um dos nós da questão democrática moderna. De forma límpida ele afirma: “É da essência dos governos democráticos que a maioria tenha um império absoluto, pois, fora da maioria, nas democracias, não há nada que resista”[8].

Para o pensador francês esse fato, que classifica como “império moral da maioria”, se funda na ideia de que há mais sabedoria na reunião de muitos homens do que em apenas alguns[9]. Nessa ótica, os norte-americanos preferiram confiar no resultado da agregação de talentos – que, tomados individualmente, seriam apenas medianos – a apelar para a figura de um legislador excepcional, capaz de criar as estruturas do corpo político a partir da compreensão superior de suas demandas.

Tocqueville mostra que a democracia moderna abdica da tópica do legislador – presente sob várias formas no pensamento político até o século XIX -, e adota uma forma de mediania ponderada como referência para a criação das instituições centrais do corpo político. Essa mudança de perspectiva foi possível, segundo ele, porque a democracia norte-americana transformou o desejo por igualdade em seu motor central e a igualdade se acomoda melhor em uma sociedade na qual prevalecem os desejos do homem mediano do que naquelas em que brilham talentos especiais. Essa constatação era para o pensador francês fruto da observação da marcha do tempo, que condenava ao esquecimento toda forma de aristocracia e fazia nascer uma sociedade em total sintonia com as transformações que alteravam para sempre não apenas a cena política do antigo regime, mas também a imaginação do século XVIII, que ainda sonhava com os antigos heróis gregos e romanos e sua virtude fora do comum.

A consequência direta, para nosso tema, é que: “O império moral da maioria se funda também sobre o princípio segundo o qual os interesses do grande número devem prevalecer sobre aqueles do pequeno número”[10]. Nessa ótica, a pesquisa citada – que demonstra que parte importante da população brasileira identifica interesse público com interesse da maioria – nada mais faz do que expressar a expansão dos valores democráticos que, no século XIX, se consolidavam nos Estados Unidos. A regra da maioria passa a valer em todos os domínios e se transforma no operador central da vida política, sem que para isso os governantes tenhàm de lançar mão de instrumentos excepcionais, ou mesmo de um uso exagerado da força, para fazer valer a vontade da maioria.

Um exemplo disso aparece no dominio do pensamento. De forma aparentemente surpreendente, o pensador francês afirma: “Eu não conheço um país no qual exista, em geral, menos independência de espírito de verdadeira liberdade de discussão do que na América”[11]. Essa afirmação pode desconcertar o leitor, que até então seguira as análises sobre a democracia da América como se elas revelassem um ideal que deveria ser imitado por todos os países do mundo civilizado. Ora, Tocqueville via ·na democracia o regime por excelência dos tempos modernos, mas não a realização de uma utopia que poria fim às mazelas humanas. Se ele admirava muitas de suas realizações, também observava seus vícios e seus riscos.

A predominância absoluta da vontade da maioria fazia algo com que nem mesmo as monarquias absolutas sonhavam: impedia a proliferação da diferença no seio de uma sociedade que se via como o produto mais acabado da difusão da liberdade. A maioria “vive em uma perpétua adoração de si mesma”[12], dizia ele, e, com isso, “traça um círculo formidável em torno do pensamento”[13]. Contrariar a maioria corresponde a se colocar fora da grande corrente de opinião que fornece a direção da sociedade como um todo. Não se trata de impedir a manifestação da divergência, mas de torná-la estéril e perigosa, para os que se arriscam a sair do círculo da igualdade democrática.

A criação da indústria cultural, o avanço da massificação dos costumes nas sociedades capitalistas e a crescente solidão do homem de massa mostram que Tocqueville soube como poucos compreender os vícios da modernidade democrática e como o·desaparecimento da liberdade de pensamento, mesmo quando feita de forma suave e pouco violenta, pode ameaçar a liberdade de todos.

É verdade que ao longo do século XX, as sociedades democráticas ocidentais se mostraram muito mais preocupadas com os direitos das minorias (e com a expressão de suas diferenças) do que no tempo da viagem do grande pensador aos Estados Unidos; mas isso não significou o desaparecimento do império da maioria e de seus perigos. A tentação do pensamento único continua a rondar os governantes, que se apoiam na corrente irresistível da maioria, para negar-lhe o oxigênio necessário para toda reflexão verdadeiramente autônoma. Esses perigos são parte integrante das democracias contemporâneas. Em alguma medida, eles a constituem tanto quanto o amor pela igualdade. Tal constatação não deve, no entanto, nos afastar da compreensão de que a existência dos riscos apontados implica a possibilidade de que as sociedades democráticas encontrem em seu interior mesmo os elementos que a conduzem a dissolução.

É sabido que o segundo livro da Democracia na América tem um tom mais reflexivo do que o primeiro, e não foram poucos os intérpretes que o associaram ao pensamento de Rousseau, enquanto o primeiro livro seria marcado pelas leituras de Montesquieu[14]. Essa mudança de tom trará algo de fundamental à démarche do autor, pois, com o passar do tempo, suas preocupações se voltaram para aspectos gerais da sociedade americana, deixando de lado a vontade de oferecer uma descrição minuciosa do funcionamento das instituições políticas norte-americanas, que domina muitos capítulos da primeira parte. Chama a atenção, no entanto, que pouco antes de terminar seu estudo monumental, Tocqueville tenha achado necessário discorrer sobre o tipo de despotismo que deve ser temido pelas sociedades democráticas. No primeiro volume já tínhamos aprendido os riscos que o império da maioria representa para as sociedades livres, agora, trata-se de compreender seu ponto de ruptura com os valores que as sustentam[15].

Para ele, o que as sociedades democráticas devem temer é uma forma de despotismo que, sem usar da violência normalmente associada aos tiranos, possa se estender a quase todas as partes do corpo político. A partir dessa constatação inicial, ele traça um perfil do que seria esse despotismo, que assusta pela imensa proximidade com o que vivemos nas sociedades atuais. Assim, o desenvolvimento do despotismo democrático – essa expressão eivada de paradoxos que ele cunha – tem de um lado cidadãos acostumados com a liberdade, “que se retornam o tempo todo sobre eles mesmos para buscar os prazeres pequenos e vulgares, com os quais contentam suas almas”[16]. Todos procuram o conforto de uma vida calma e isolada, indiferente aos outros, salvo àqueles que estão próximos.

Para governar essa multidão ávida por conforto e indiferente ao que é comum existe “um poder imenso”. “Ele é absoluto, detalhado, regular, precavido e doce”[17]. Nessa contraposição entre a crescente apatia dos cidadãos e a eficiência de um poder, que não se incomoda de “trabalhar para sua felicidade, mas quer ser o único agente e o único árbitro”[18] forjam-se as condições para o aparecimento de uma sociedade que não se parece em nada com as sociedades aristocráticas do passado e nem mesmo com aquelas que viviam sob o governo dos déspotas orientais.

Os cidadãos das democracias não perdem de imediato suas prerrogativas, mas o desenvolvimento do despotismo democrático torna “cada dia mais raro e inútil o exercício do livre arbítrio”[19]. Eles querem ao mesmo tempo ser livres e se sentir guiados por uma mão poderosa e providencial. Sem se darem conta da impossibilidade de conciliar “despotismo administrativo” com a “soberania do povo”, os cidadãos das democracias contribuem de forma decisiva para a destruição das bases do contrato que os tornou livres[20].

Retomando as preocupações de Condorcet com a natureza do corpo de eleitores que deve eleger os governantes em uma democracia, ele afirma com tintas melancólicas: “[…] nada me leva a crer que um governo liberal, enérgico e sábio, possa sair dos sufrágios de um povo de servos”[21]. Voltado para a defesa de suas pequenas vantagens, o corpo dos cidadãos acaba não se dando conta de que para alcançá-las teve de renunciar a partes importantes das liberdades que são necessárias em todos os momentos da vida e não somente no que diz respeito às grandes questões.

À luz dessas considerações, podemos voltar aos impasses sugeridos pela pesquisa que citamos. De um lado se encontra a crença no papel fundamental da vontade da maioria e em sua capacidade de conter o interesse público. Como acabamos de ver, a crença irrestrita na verdade das proposições que emanam da manifestação da maioria conduz de fato a um estreitamento do campo de ação nas democracias e não à consolidação de um espaço público rico e plural. De outro lado, a delegação aos governantes dos poderes necessários para a instituição do que todos acreditam ser o interesse público, coloca em marcha um mecanismo que, longe de preservar as conquistas democráticas, ameaça-as de dentro. Não se trata de afirmar que estamos à beira de uma ruptura institucional que nos levaria a outro ciclo autoritário, mas de compreender os aspectos de uma sociedade de consumidores de massa, os quais apontam para os limites dos paradigmas teóricos que se contentam com a busca incessante por mecanismos de regulação, que, sozinhos, não podem conter a marcha em direção ao que Tocqueville chamou de despotismo democrático.

Tocqueville não viu, e não poderia ver, que, para além do despotismo democrático, a apatia e a renúncia à soberania do povo continham em germe outra forma de dominação extrema, que nenhum dos termos históricos empregados para descrever o poder arbitrário dos governantes do passado poderia conter. O aparecimento das diversas formas de totalitarismo mostrou que a democracia moderna não possui a capacidade de barrar as formas extravagantes de mando, que germinam em seus campos povoados por cidadãos silenciosos e anônimos. O cidadão apático se converte facilmente em homem da massa, e com ele surge a possibilidade de uma igualdade negativa, que abre as portas para todos os horrores. Não é nosso propósito investigar essa transformação final da democracia moderna em totalitarismo, mas é importante lembrar que o próprio pensador francês alertava para o fato de que a passividade, resultante de uma relação mecânica com o Estado, abre as portas para o esquecimento das raízes de todo poder legítimo. Isso o leva a concluir: “Eu sempre acreditei que essa forma de servidão regulada, doce e calma, que acabo de descrever, poderia se combinar muito melhor do que imaginamos com algumas formas exteriores da liberdade e que não lhe seria impossível se estabelecer à sombra da soberania do povo”[22].

Para continuarmos a pensar a questão do bem comum, devemos voltar nossos olhos para o que foi sendo deixado de lado no curso do extraordinário avanço das forças internas das democracias, que as corrompem e dão nascimento às novas formas de despotismo. É preciso se interrogar se, para além da vontade da maioria, não é necessário falar da vontade geral – se quisermos preservar a imensa herança do movimento de democratização que envolveu a modernidade, e vai aos poucos se consolidando entre nós.

IV

Para muitos atuais estudiosos da política, o recurso aos métodos estatísticos é o único que confere objetividade às ciências sociais e reflete corretamente a organização das sociedades democráticas. Pretender que exista algo além da soma das vontades, que produz um magma comum de desejos e serve de guia para os governantes, é correr o risco de trazer de volta formas autoritárias nas quais o suposto bem coletivo é um freio para a constituição dos direitos individuais e uma ameaça para as liberdades civis. Deixando de lado o alerta de Tocqueville, e os riscos inerentes às sociedades demo­ cráticas, eles preferem apostar na constituição pela “mão invisível” dé uma comunidade de interesses, que seja o produto da interação dos múltiplos desejos que atravessam o corpo político. Nessa lógica, continua existindo um lugar para o interesse comum, mas não para uma vontade geral. O que se pretende não é negar a necessidade de um lugar de regulação dos conflitos – a esfera do direito é esse lugar por excelência – mas sim de podermos falar em interesse comum, ou em bem comum, como ligado a algo mais do que o terreno da interação das vontades individuais.

Para esses pensadores, a pergunta sobre o que temos em comum pode ser respondida de forma positiva; ela se expressa nas leis que escolhemos, mas para eles nossa interrogação deve parar por aí, se não quiser avançar para o terreno perigoso dos excessos dos grandes tiranos. Um mundo apático e regulado é o ideal para pensadores que classificam como perigosos conceitos que impliquem em algo que vá além do que podemos experimentar em nosso cotidiano mais imediato. Para eles, a experiência do pensamento deve se autolimitar, para evitar a deriva das formas poéticas e da imaginação. A política deve ser tola para não nos obrigar a correr riscos excessivos.

Nesse sentido, devemos deixar a criação para a arte, mas bani-la da política. Buscar compreender o momento inaugural das sociedades é procurar uma metafisica impossível, que só pode conduzir a mais sofrimento. Por isso, diante de transformações profundas como as que estamos experimentando, acreditam alguns, o pensamento deve se manter na esteira da racionalidade instrumental e buscar na técnica a solução para os problemas que sua invasão de nosso cotidiano produziu.

As raízes dessa crítica a conceitos, que colocam o problema do bem comum numa ótica que transcende a pura objetividade dos interesses privados, teve início ainda no século XIX por meio dos ataques de Benjamin Constant ao pensamento de Rousseau e a alguns aspectos da Revolução Francesa. Num texto que se tornou célebre, ele afirmou: “A liberdade que foi apresentada aos homens no final do século passado foi tomada de empréstimo das repúblicas antigas”. Partindo da ideia de que foi o recurso a tópicas do passado (em particular a recuperação dos antigos valores cívicos dos gregos e dos romanos, que provocou os desvios da Revolução) Constant não hesitou em atribuir a culpa pelos excessos revolucionários a todos aqueles que de uma maneira ou de outra lançaram mão dos exemplos antigos para fundar suas concepções. Comentando o recurso à ideia de uma liberdade, que exigia dos cidadãos algo mais do que sua simples manifestação no processo de representação pelo voto, ele conclui: “Essa liberdade compunha-se muito mais da participação ativa no poder coletivo do que no gozo suave da independência individual”[23].

O verdadeiro objeto das preocupações de Constant não era, no entanto, a querela entre antigos e modernos, mas sim o fato de que ele acreditava que os excessos da Revolução Francesa haviam sido cometidos por aqueles que quiseram transportar para o presente, comportamentos que só faziam sentido na Antiguidade. Para que isso se tornasse possível, foi preciso que poderosas correias de transmissão tivessem sido postas em marcha, capitaneadas por autores como Rousseau e Mably. Sem ambiguidades, ele acusava o filósofo de Genebra de ser um dos responsáveis pela tragédia do Terror. ”Veremos – diz ele – […] que a metafísica sutil do Contrato social só serve em nossos dias para fornecer as armas e os pretextos para todos os tipos de tirania”[24] Para ele: “Os homens, que foram levados pela onda dos acontecimentos a liderar nossa Revolução, estavam, em consequência da educação que haviam recebido, imbuídos das opiniões antiquadas e tornadas falsas, que os filósofos de que falei haviam posto em realce”[25].

A confusão entre os escritos de Rousseau e as ações dos jacobinos nos anos do Terror serviu para criar a identidade do pensamento liberal francês ao mesmo tempo em que fazia do modelo, que surgia na Inglaterra e, sobretudo, nos Estados Unidos, o único válido. Se de um lado pensadores como Constant contribuíram para uma melhor compreensão do fenômeno democrático moderno, numa linhagem na qual se situa o próprio Tocqueville, de outro, jogaram na lixeira conceitos como o de vontade geral e as questões que a ela se associavam. Nossa hipótese é que um retorno ao tema da vontade geral pode nos ajudar a pensar os impasses e riscos das democracias atuais em meio a transformações que estão longe de poderem ser pensadas com o instrumental herdado dos críticos de Rousseau no século XIX.

Comecemos por um esclarecimento. Oconceito de vontade geral é comumente associado à obra do pensador de Genebra, mas seu impacto na vida política do século XVIII transcende em muito o campo do debate de ideias. Como observa Pierre Rosanvallon, o ano de 1789 marca uma virada importante na discussão sobre a origem da lei[26]. Até então, podemos identificar dois modelos concorrentes no estabelecimento da fonte de legitimidade das leis de um povo. O primeiro, próximo de encontrar seus limites, era aquele teológico-político que asseverava que Deus era a única fonte da lei e os monarcas seus representantes. No outro polo estavam os iluministas que garantiam que a razão universal era a depositária do sentido da lei e deveria servir de guia para todo corpo de leis.

O recurso ao conceito de vontade geral contribuiu para clarear um aspecto do problema e abrir um novo campo de reflexão. Em primeiro lugar, não resta dúvida que a questão da soberania devia ser respondida de uma maneira diferente daquela dominante nos últimos séculos se quisesse marcar uma ruptura radical com o modelo monárquico. Como sublinha Rosanvallon, no ambiente da Revolução Francesa e do que ele chama de “coroamento” da vontade geral: “[…] a reconstrução da ordem política, o apagamento da figura do monarca absoluto não podia ser realizado ao preço de uma transferênciá direta de seu poder para a nação, a simples perspectiva, à moda inglesa, de uma limitação da soberania real parecia ultrapassada e insuficiente”[27].

Todo o problema se encontra, afirma o historiador, no fato de que “a vontade geral é inicialmente a vontade da nação”[28]. Com isso ela possui um grau de generalidade, faz apelo a uma totalidade tão abstrata, que deixa inteiramente de fora a questão do lugar do povo concreto na constituição do corpo político e na definição do interesse comum. Os autores liberais, desde Bentham, vão se servir dessa constatação, para dizer que a única correia de transmissão entre o povo e o corpo político é o voto e que tentar encontrar algo além dele é partir em busca de quimeras. Dessa maneira o conceito de vontade geral perde toda significação sociológica e também política e passa a ser apenas uma expressão metafisica em um mundo à cata de valores positivos.

Vale a pena retornar a Rousseau para ver se essa interpretação de um conceito-chave de sua obra se sustenta e se podemos de alguma maneira lançar mão de suas reflexões para esclarecer os problemas que levantamos antes. No começo do segundo livro do Contrato social, ele afirma que “[…] só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado de acordo com a finalidade de sua instituição que é o bem comum, pois, se a oposição entre os interesses particulares tornou necessário o estabelecimento das sociedades, foi o acordo desses mesmos interesses que o tornou possível[29].

Os termos de nosso problema estão todos presentes na citação acima, mas o sentido de sua ordenação é diferente. O filósofo de Genebra não nega a presença dos interesses particulares nas sociedades humanas. Ao contrário: ele afirma que mesmo antes de sua constituição como sociedade política, os homens se dividem em razão mesmo da impossibilidade de conciliar o que é pura particularidade. Ou seja, se os interesses particulares têm existência, eles não são capazes de produzir nada além da divisão que os caracteriza. Noutra linguagem, poderíamos dizer que eles são uma força passiva, da qual não é possível passar de um estágio de desagregação a uma ordenação do convívio dos homens que seja algo mais do que um caos de eterno conflito. Rousseau reconhece a anterioridade dos interesses particulares, mas nega que eles sirvam de fundamento ao Estado.

Ao contrário, a vontade geral é a força que dá sentido ao convívio dos homens, que os reúne em uma associação, que é mais do que um agregado de membros em disputa contínua em torno de seus interesses. O bem comum é assim o vetor de superação de um estado de coisas, que por suas forças internas permaneceria inerte e desordenado para sempre. O termo vontade não implica, no entanto, que se trata de uma força, que pode ser guiada por algo exterior ao grupo humano do qual ela nasce. Como diz Rousseau, ”A vontade é geral ou não é; ela é aquela do corpo do povo, ou somente de uma parte”[30]. Apenas no primeiro caso ela pode servir de princípio de criação do Estado. O que interessa sublinhar é que o conceito de vontade geral nos ajuda a compreender que o problema do bem comum se coloca em linha direta com aquele da criação do Estado. Ele implica a unidade do corpo político, porque é só na unidade das vontades particulares que encontramos o solo para a manifestação do desejo de todos.

Uma vez criado o Estado, as vontades particulares continuam a existir e a agir. Em seu interior continuam a existir atos que não são gerais, mas eles não são o fundamento da vida em comum. O que aprendemos com Rousseau é que o bem comum é o que dirige a fundação das sociedades políticas. Ele lhes dá sentido e indica o que queremos partilhar e o que ficará de fora de nossa associação. Ele concerne ao que consideramos essencial para nossas sociedades, e o que deve ser evitado. Por isso, a vontade geral só é evocada nos momentos em que decidimos sobre os fundamentos de nossa vida política e não nos pequenos embates cotidianos, que caracterizam qualquer associação humana. Nessa lógica é que podemos dizer que o bem comum não nasce de um processo de agregação automática de interesses, mas de uma vontade que visa a totalidade do corpo, no momento em que escolhemos viver juntos de uma forma determinada.

Na sequência do texto, Rousseau chega a uma distinção que nos interessa diretamente. “Existe – diz ele – uma diferença entre a vontade de todos e a vontade da maioria, a primeira só diz respeito ao interesse comum, a outra concerne ao interesse privado e é somente a soma das vontades particulares”[31]. Mais uma vez fica explícito que não podemos falar de vontade geral quando o que está em jogo são parcelas que disputam o poder do Estado. Dessas lutas nasce a corrupção das sociedades políticas, mas não seus princípios básicos.

Ora, na primeira versão do Contrato social Rousseau havia enunciado o problema da diferença entre vontade geral e vontade da maioria em termos ainda mais próximos daqueles que adotamos em nosso texto. Ele afirma:

Devemos conceber, dessa maneira, que o que generaliza a vontade pública não é a quantidade dos votantes, mas o interesse que os une, pois, nessa instituição cada um se submete necessariamente às condições que ele impõe aos outros; acordo admirável do interesse e da justiça, que dá às deliberações comuns um caráter de equidade, que vemos se evaporar na discussão de qualquer negócio particular, na falta de um interesse comum que una e identifique a vontade do Juiz com aquela da parte.[32]

Alguns intérpretes quiseram ver nessa passagem o sinal da incompreensão de Rousseau da natureza dos processos de representação, que tornaram possível a democracia nas sociedades modernas. Outros insistiram no caráter amplo de sua linguagem e em sua dificuldade de apontar os mecanismos institucionais que deveriam corresponder às suas ideias. Ora, essas críticas parecem desconhecer o objeto mesmo das preocupações do pensador de Genebra. Assim como Tocqueville soube ver os perigos que se escondem na aceitação do governo da maioria em uma democracia estabelecida, Rousseau soube enxergar os riscos de derivar do acordo numérico das vontades as leis básicas de um corpo político.

Sem o reconhecimento prévio do interesse comum não é possível nem mesmo falar de legitimidade dos interesses individuais. A menos de acreditarmos que os direitos individuais e civis nos são dados diretamente pela natureza ou por Deus, é preciso descobrir o ponto de união entre os interesses, um estado de equidade real, que nos permita falar de justiça das leis e de valores comuns. Esse é o território da vontade geral.

A vontade geral afeta diretamente o momento da criação do corpo político, mas, como observa Rosanvallon, ela “não tem por vocação ser uma força de governo. Seu único objeto é a legislação. […] Ela intervém na origem da sociedade e na ocasião de suas escolhas solenes, mas não participa de seu funcionamento ordinário”.[33]

De alguma maneira, podemos dizer que a situação ideal imaginada por Rawls, dos homens escolhendo os princípios que devem estruturar uma sociedade justa debaixo de um véu de ignorância, traduz a cena original na qual a vontade geral se faz valer. Mas para Rousseau, e acreditamos que essa lição pode ser conservada até hoje, tal cena não é apenas um constructo racional destinado a facilitar os cálculos racionais que podem nos conduzir a escolher um modelo de sociedade e não outro, como em Rawls. A vontade geral não é o enunciado de seres racionais destituídos de particularidades, embora não possamos negar a influência do racionalismo iluminista do século XVIII sobre os homens que adotaram essa ideia em 1789 no processo de criação de uma Constituição para a França.

Ela guia as forças instituidoras dos homens, exatamente porque eles se mostram pouco inclinados a renunciar à particularidade de suas vontades, e isso os conduz à catástrofe das disputas sem fim entre desejos privados e bens públicos. Num certo sentido, Rousseau imagina o cenário de emergência da vontade geral, como uma cena extrema, da qual depende o futuro dos membros do corpo político, e não aquele de um acordo racional, baseado em cálculos de melhor conveniência ou utilidade. Para o pensador de Genebra, o momento de recurso à vontade geral é justamente aquele de suspensão de todos os cálculos e todas as previsões. A vontade geral só tem existência no momento em que os fundamentos de nossa existência em comum estão ameaçados ou são inexistentes. Ela é pertinente em tempos de revolução ou de mutações dos grandes paradigmas da vida social.

Os riscos de se recorrer a um conceito como o de vontade geral, um guia para a formação do interesse público, não podem, entretanto, ser postos de lado, sob o preço de legitimarmos formas extremas de governo, que se põem no lugar do povo e pretendem agir em seu nome. Nos anos que se seguiram à Revolução de 1789, os franceses experimentaram as consequências da utilização da soberania do povo como um mecanismo de legitimação do poder executivo. Se no momento da Constituinte o recurso à vontade geral serviu para definir as bases sobre as quais deveria ser erguido o novo poder e seu acento constitucional, com o advento do poder dos jacobinos, a pretensão de falar diretamente a linguagem do soberano popular e de enunciar sua vontade transformou-se numa peça chave do mecanismo de violência política que instituiu o Terror como forma de governo[34]. Por isso, não podemos simplesmente evocar o conceito de vontade geral sem levar em conta as derivas que cercaram sua recepção na cena política do passado.

A atualidade do conceito de vontade geral não está, portanto, no fato de que ele se associou em primeiro lugar a uma espécie de “totalidade abstrata” – para conservar os termos usados por Rosanvallon – nem mesmo por significar a mudança de direção da soberania do monarca para a nação. Em alguma medida essas são questões que dizem respeito aos historiadores. O apelo à ideia de vontade geral é importante por apontar para um problema que é típico das épocas de mutações profundas das sociedades e que dependem da íntervenção dos homens para ser enfrentado.

Ora, olhando para nosso tempo, podemos dizer que não há razão para acreditarmos que a soma das vontades da maioria abriria espaço nas políticas atuais para tratar de temas candentes como aqueles do meio ambiente, das mínorias, dos limites éticos do uso de novas tecnologias para transformar o corpo humano. Essas não são questões acessíveis a lógica simples dos interesses privados. É perfeitamente possível que não tenhamos consciência direta da questão ecológica e que, por isso, não vejamos razão suficiente para alterar nosso padrão de consumo, enquanto os efeitos da crise ambiental não nos afetarem de forma muito imediata. Da mesma maneira, a maioria, em geral, é pouco atenta aos problemas das mínorias, pelo simples fato de que ela é a vontade dominante. Por que razão, por exemplo, deveríamos nos preocupar com o problema do casamento homossexual, se isso não está em nosso horizonte direto, ou com a eutanásia, se nenhum de nossos entes queridos, ou nós mesmos, nos sentirmos concernidos?

Isso não quer dizer que os homens não se preocupem com problemas desse tipo. Cada um de nós pode ser mais ou menos sensível a temas da atualidade, mas isso pode ser percebido como um problema particular e não como algo que coloque em questão os princípios do corpo político ao qual pertencemos. A maioria silenciosa das estatísticas forja o campo no qual buscamos ressonância para nossos projetos individuais, mas não fornece a imagem das fundações da sociedade na qual queremos viver diante dos imensos desafios que temos de enfrentar em nossa época.

O recurso ao conceito de vontade geral nos lembra que a condução de todo processo de transformação radical da sociedade será o fruto da intervenção direta dos homens e que, por isso, eles terão de visar algo além dos horizontes de suas vidas privadas se não quiserem ser o joguete fácil das grandes estruturas de poder, que se consolidaram ao longo do último século, sobretudo na esfera econômica. Com todas as dificuldades para se encontrarem os mecanismos que façam “falar” a vontade geral, é preciso romper com o encantamento matemático da vontade da maioria – para nos darmos conta de que estamos diante da exigência de uma nova fundação da vida em comum em consonância com os valores democráticos e republicanos, os quais colocaram a liberdade e a igualdade no centro de nossas vidas públicas.

Vivemos em uma época avassalada pela corrente de mudanças trazidas pela revolução do avanço das tecnociências. Se nos renunciarmos a pensar sobre o desenho de nossos interesses em comum, eles terão a face dos processos automáticos, que negam ao homem a humanidade de sua condição. Já ouvimos os arautos de uma mutação, que vai nos condenar aos automatismos de uma revolução sem fim dos processos produtivos e técnicos.

A afirmação de que estamos diante do inexorável é muito semelhante àquela dos monarcas que insistiam que seu poder vinha de Deus e não poderia ser contrariado. Há a marca das crenças radicais na predeterminação dos destinos do homem, numa lógica que lhes é impenetrável. Mesmo reconhecendo as dificuldades suscitadas pelo recurso ao conceito de vontade geral, ele serve para mostrar que a construção da esfera do bem comum pode ser um projeto consciente e racional, que, para ser realizado, terá de enfrentar a verdadeira batalha de instauração de uma nova soberania, a qual transforme em problemas coletivos – e não em mecanismos automáticos e fora de controle – as mutações que estamos sofrendo em vários níveis de nossa existência. Ele nos ajuda a fazer a experiência de um pensamento que enfrenta o problema dos fundamentos da vida em comum, mesmo sabendo que nesse movimento talvez tenhamos de nos contentar com uma ferramenta cujo potencial crítico nunca poderá nos livrar da contingência de nossas próprias criações.

Notas

  1. Trata-se da pesquisa elaborada pelo CRIP-UFMG (Centro de Referência do Interesse Público) em colaboração com a Vox Populi, aplicada em todo o território nacional, no primeiro semestre de 2009, nomeada “Interesse público e corrupção”. 
  2. John Rawls, A Theory of Justice. Oxford: Oxford University Press, 1973. pp. 395-587. 
  3. Gilles-Gaston Granger, La Mathématique sacia/e du marquis de Condorcet, Paris: Odile Jacob, 1989, p. 95. 
  4. ld, p. 98. 
  5. ld, p. 100. 
  6. Catherine Kintzler. Condorcet: L’lnstruction publique et la naissance du citoyen. Paris: Minerve, 1984, pp. 27-29. 
  7. Alexis De Tocqueville, De la démocratie en Amérique, vol. 1, Paris: Gamier-Flammarion, 1981, p. 53. 
  8. ld., Deuxiême partie, cap. VII. p. 343. 
  9. ld., Deuxiême partie, cap. VII. p. 344. 
  10. ld., Deuxiême partie, cap. VII. p. 345. 
  11. ld., Deuxième partie, cap. VII. p. 353. 
  12. ld., Deuxième partie, cap. VII. p. 355. 
  13. ld., Deuxième partie, cap. VII. p. 353. 
  14. Para um estudo da recepção de Tocqueville na França, ver Françoise Mélonio, Tocqueville et les trançais, Paris: Aubier, 1993. 
  15. Para uma aproximação do pensamento de Tocqueville e Rousseau ver: Agnes Antoine, L’impensé de la démocratie: Tocqueville, la citoyenneté et la religion, Paris: Fayard, 2003, pp. 217-234. 
  16. Alexis de Tocqueville. De la démocratie en Amérique, vol. II, Quatrième partie, Paris: Garnier-Flammarion, 1981, p. 385. 
  17. Id. Quatrième partie. P.385 
  18. Id. Quatrième partie. P.385 
  19. Id. Quatrième partie. P.385 
  20. Para uma análise excelente sobre a questão do despotismo democrático em Tocqueville, ver Marcelo Jasmin, Alexis de Tocqueville: A historiografia como ciência política, Rio de Janeiro: ACCESS, 1997, pp.53-85. 
  21. Alexis De Tocqueville. De la démocratie en Amérique. vol. II. Quatrième partie. Paris: Garnier-Flammarion, 1981, p. 388. 
  22. ld., Quatrième partie, p. 386. 
  23. Benjamin Constant. “De l’esprit de conquête et de l’usurpation”, in De la liberté chez /es modernes. (Ed. Marcel Gauchet). Paris: Hachette, 1980, p.182. 
  24. ld., p. 187. 
  25. Benjamin Constant. “De la liberté des anciens comparé à celle des modernes”, in De la liberté chez les modernes, ed. Marcel Gauchet, Paris: Hachette, 1980, p. 505. 
  26. Pierre Rosanvallon, Le sacré du citoyen, Paris: Gallimard, 1992, p. 209. 
  27. ld., p. 210. 
  28. ld., p. 211. 
  29. Jean-Jacques Rousseau, “Du contrat social”, in Oeuvres complètes. vol. III Paris: Gallimard. 1964. p. 368. 30 ld., p. 369. 
  30. Id., p. 369. 
  31. ld., p. 371. 
  32. Jean-Jacques Rousseau, “Du contrat social: Première version”. in Oeuvres complètes, vol. III, Paris: Gallimard, 1964, p. 307. 
  33. Pierre Rosanvallon, Lesacreducitoyen, Paris: Gallimard, 1992, p. 217. 
  34. Sobre esse tema ver Timothy Tackett, Par la volonté du peuple. Paris: Albin Michel, 1997. 

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