2002

Liberdades imaginárias

por Luiz Carlos Villalta

Resumo

As “Inconfidências” no Brasil do final do século XVIII não se inspiraram num modelo comum de liberdade. Houve influência das Luzes francesas, mas matizada. Na Inconfidência mineira de 1789, mais conhecida, o sentido da liberdade era sobretudo econômico e político. Seus participantes eram senhores de escravos, arrecadadores de impostos, magistrados (como Tomás Antônio Gonzaga) ou militares (como Tiradentes) que estavam sendo prejudicados. Reagia-se ao declínio da produção aurífera e buscava-se escapar ao arrocho tributário da Coroa. Vagas ideias republicanas se associavam a uma recusa da tirania. No Rio de Janeiro (1794) a Inconfidência se resumiu a discussões privadas ou públicas. O ponto principal era a rejeição do poder monárquico absoluto. Para o entalhador Francisco Antônio, um dos acusados, “o rei era como qualquer de nós” e “matar o rei não era pecado”. Já na Bahia (1798) a defesa da liberdade teve um aspecto mais social e igualitário, envolvendo membros das classes populares. Dos 33 acusados, 22 eram pardos e nove deles escravos. Houve também uma tentativa de aliança com a França revolucionária, por ocasião da visita de Antoine Lascher, do Diretório, a Salvador. Os conjurados sonhavam com o livre comércio e com uma “república democrática” sem distinção de cor, embora não se falasse ainda de abolição. Todas as Inconfidências foram derrotadas, com exceção da que propunha a edificação de um Império sob a dinastia dos Bragança no Brasil, vitoriosa com a independência em 1822.


O final do século XVIII na América Portuguesa marcou-se pela ocorrência das denominadas Inconfidências: em Minas Gerais (1789), no Rio de Janeiro (1794) e na Bahia (1798).

A denominação comum Inconfidência segreda diferenças substantivas: em Minas, tratou-se de uma conspiração abortada, protagonizada por pessoas cujas origens se circunscreviam às elites; na outrora capital do Vice-Reino do Brasil, os supostos conspiradores, pertencentes a um espectro social mais amplo, embora restrito à limitada camada dos homens livres, não foram além de discussões e tertúlias, não cogitando nenhuma ação contra a monarquia portuguesa ou contra o domínio colonial; enquanto em solo soteropolitano assistiu-se à gestação de um projeto de revolução que articulava, de modo fluido e, ainda hoje, difícil de esclarecer, as elites locais e indivíduos egressos da escravidão ou que ainda se encontravam no estado de cativos.

Essas “inconfidências” de fins do século XVIII, protagonizadas por gentes de perfil socioeconômico tão distinto, não se inspiraram num modelo comum: a Inconfidência Mineira pode ser associada tanto às rebeliões ocorridas anteriormente na capitania de Minas Gerais quanto à independência dos Estados Unidos e à Restauração portuguesa de 1640; já no Rio de Janeiro e na Bahia, a fonte de inquietação e inspiração foi a Revolução Francesa.

Esses movimentos, ademais, não beberam das mesmas fontes intelectuais: enquanto em Minas Gerais as Luzes conjugaram-se com tradições histórico-culturais luso-brasileiras, com destaque para a Segunda Escolástica[1] e para os escritos do padre Antônio Vieira e, ainda, para livros de história da Restauração portuguesa de 1640,[2] no Rio de Janeiro, as Luzes ampliaram seu espaço, sem contudo eliminar totalmente a influência da Neo-Escolástica, e, na Bahia, as ideias ilustradas imperaram, ainda que se conjugando com elementos místicos e ocultistas de proveniência francesa.[3] A influência das Luzes, elemento comum às Inconfidências, é preciso salientar, foi bastante matizada. Em Minas sobressaiu a Histoire philosophique et politique des établissements et du commerce des européens dans les Deux Indes, do abade Raynal.[4] Na capital do Vice-Reino do Brasil também houve, ao que parece, influência de escritos de pensadores ilustrados, mais precisamente de Mably e de Rousseau, porém nenhum desses foi tão onipresente quanto os jornais, alguns proibidos (Correio da Europa e Mercúrio), outros autorizados pela censura portuguesa (Gazeta de Lisboa e Correio de Londres), e que, ao noticiarem os fatos contemporâneos, emanavam e popularizavam máximas ilustradas ou narravam fatos revolucionários. Na Bahia, por fim, essa vertente vulgarizada do pensamento ilustrado, isto é, das Luzes aplicadas e repensadas no calor da ação, em meio ao clima revolucionário francês, teve uma repercussão sem par, por meio de O orador dos Estados Gerais de 1789, texto de grande êxito internacional, encontrado praticamente entre todos os participantes do movimento baiano, que contém ideias frontalmente contrárias ao absolutismo de Luís XVI e aos abusos e privilégios de sua Corte; e Fala de Boissy d’Anglas — 30 de janeiro de 1795, texto elaborado pelo conde de mesmo nome, que tinha por objetivo desarticular a coligação formada contra a França, apresentando, para tanto, a Rússia e a Inglaterra como as duas grandes inimigas dos países europeus, secundadas pela Áustria, e conclamando esses últimos a se unirem com a França, cujo governo, por ser “plenipotenciário e nomeado pela totalidade do povo francês” para fazer a paz, poderia, por isso mesmo, assegurá-la de forma “muito mais sólida”.[5]

Nas discussões e/ou nos projetos de que as Inconfidências se constituíram, consequentemente, a palavra e a ideia de liberdade apresentaram amplitudes e significados radicalmente diversos. Este artigo propõe-se a falar dessas liberdades diversas, na verdade imaginárias, posto que não se traduziram nem em Minas, nem no Rio, nem na Bahia, em práticas vitoriosas.

“LIBERTAS QUAE SERA TAMEN”: A LIBERDADE IMBRICADA ENTRE A ÂNSIA DE RIQUEZA E DE COMANDO DO PODER POLÍTICO

Nos idos de 1788-89, figuras proeminentes da sociedade de Minas Gerais fizeram sucessivas reuniões, nas quais debateram a situação da capitania, a possibilidade, as estratégias e os alvos de uma sedição, traçando as linhas muito gerais de uma nova ordem política e econômica. Desses homens, 24 foram condenados por Dona Maria I em 1792, prevalecendo numericamente, dentre esses últimos, os que se dedicavam a um ofício que pressupunha formação específica: dezessete eram ou clérigos, ou advogados, ou dentistas, ou oficiais de tropa paga. Mais da metade (catorze) dos condenados eram senhores de escravos; metade deles (doze) dedicava-se à agropecuária, oito dos quais conjugavam-na à mineração; quatro desenvolviam só a agricultura; um, apenas a mineração.[6]

Por que homens como o mineralogista José Álvares Maciel e os poetas Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Tomás Antônio Gonzaga, esses dois últimos também magistrados, todos eles formados pela Universidade de Coimbra, engajaram-se numa conspiração? Por que o fizeram clérigos como o cônego Luís Vieira da Silva, o padre Carlos Correia de Toledo, o padre José da Silva e Oliveira Rolim e o padre Manuel Rodrigues da Costa? O que movera na mesma direção o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, o segundo homem na hierarquia militar da capitania, o alferes Joaquim José da Silva Xavier; grandes proprietários de terras minerais e agrícolas como José Aires Gomes, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, e José Resende Costa, o pai, e seu filho homônimo; e, ainda, contratantes de impostos como Domingos de Abreu Vieira, devedor da Fazenda Real? Por fim, por que também conspiraram os devedores e contratantes João Rodrigues de Macedo e Joaquim Silvério dos Reis, ambos escapando ilesos da devassa e da condenação ordenadas pela Coroa? Todos esses homens envolveram-se numa conjura, empunhando a bandeira da liberdade, mas o que exatamente entendiam por liberdade?

Um dos sentidos da liberdade imaginada pelos inconfidentes insinua-se num brinde, ocorrido em São João del Rei, hoje Tiradentes, no dia 8 de outubro de 1788, quando várias pessoas se reuniram para o batizado de dois filhos de Inácio José de Alvarenga Peixoto e de Bárbara Heliodora. Nessa ocasião, houve manifestações de descontentamento contra o governo, tendo um dos presentes brindado à saúde de “Silvério dos Reis, dizendo-lhe que cedo se havia de ver livre da Fazenda Real.’”[7] Liberdade, pode-se depreender desse brinde, consiste em escapar do fisco régio; liberdade imbrica, ao mesmo tempo, a economia e a política, a ânsia pela riqueza e a contestação velada da ordem política instituída. A liberdade sonhada pelos inconfidentes se inscreveu nessa imbricação, transitando do econômico para o político, envolvendo a oposição às diretrizes governamentais que vinham de Lisboa e que tinham nas autoridades coloniais seus executores.

É certo, assim, que o envolvimento daqueles homens numa conspiração tinha, primeiramente, motivações socioeconômicas. No ultimo quartel do século XVIII, a economia de Minas Gerais experimentava um processo de diversificação, que produzia demonstrações de relativa auto-suficiência, e paralelamente enfrentava o declínio da produção aurífera e a mudança de eixo da região central para o sul, mais precisamente para a comarca do Rio das Mortes.

Existiam, além disso, motivos de ordem política para aqueles homens conspirarem: de um lado, sobretudo questões de política econômica ou, ao menos, de impacto econômico e, de outro, de representação política. As restrições impostas pela política imperial da rainha Dona Maria I, dentre elas a proibição às manufaturas e principalmente as medidas implementadas e/ou anunciadas por Luís da Cunha Menezes e Luís Antônio Furtado de Castro do Rio de Mendonça, visconde de Barbacena, governadores de Minas, respectivamente, entre 1783 e 1786 e 1788 e 1797. Em sua maioria apresentando um cunho fiscal e impactos econômicos, tais medidas, de algum modo, reforçavam o sistema colonial, provocavam danos e suscitavam temores, agudizando as tensões políticas entre aquelas figuras proeminentes de Minas e o governo local e, em última instância, a própria Coroa portuguesa.

Cunha Menezes afastou muitos dos membros da elite local de posições e possibilidades lucrativas, lícitas e ilícitas. Assumiu o controle da rede de contrabando, da qual antes o padre José da Silva e Oliveira Rolim, Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga conseguiam ganhos. Promoveu muitos de seus protegidos na carreira militar e, inversamente, suspendeu os pagamentos de soldos aos soldados e oficiais irregularmente listados por Freire de Andrada. Preteriu o alferes Tiradentes em várias promoções e tirou-o do comando do destacamento da Mantiqueira, afastando-o da possibilidade de lucrar com o contrabando. Iniciou uma ação para que o sogro de Freire de Andrada pagasse seus débitos com a Fazenda Real. Deu ordem de banimento da capitania ao padre Rolim e, ainda, contrariou os interesses do ouvidor Tomás Antônio Gonzaga em diversos momentos.[8]

As instruções trazidas pelo visconde de Barbacena, passadas por Martinho de Mello e Castro, ministro de Dona Maria I, em 1788, continham medidas para aumentar a receita e ampliar a dependência da economia mineira em relação a Portugal. Tais medidas afetavam especialmente os rendimentos dos clérigos, a autonomia dos magistrados, a riqueza dos arrematadores de impostos e, ainda, as condições econômicas do povo em geral. Neste último caso porque se cogitava a decretação da derrama: obrigação, extensiva a toda a população, de complementar as cem arrobas anuais de ouro através do pagamento per capita, soma essa devida ao fisco e que não estava sendo paga. Todo esse rol, obviamente, desagradava aos arrematadores de impostos, aos magistrados, aos clérigos, aos envolvidos com o contrabando e, ainda, às Câmaras e às gentes no geral.

A isso se somava o fato de a região de Rio das Mortes encontrar-se sub-representada politicamente, na medida em que localidades como Campanha do Rio Verde, Borda do Campo e Igreja Nova não possuíam o status de vila, não tendo, assim, câmaras.[9] Significativamente, dos 24 réus condenados pelo crime de inconfidência, catorze eram da comarca mais rica, a do Rio das Mortes, os quais, ademais, eram os mais ricos e os maiores proprietários de escravos.

Esses fatos todos fizeram com que a ideia de liberdade, bem como sua amplitude, transitassem do âmbito econômico para o campo da gestão do poder. A imbricação do político ao econômico encontra-se sintetizada numa afirmação feita pelo alferes Joaquim José da Silva Xavier. Segundo Tiradentes, “os mazombos [isto é, os naturais da Colônia] também tinham valimento e sabiam governar, e que dando a sua terra tantos haveres, se achavam pobres por lhe tirarem tudo para fora, mas que a haviam de pôr em liberdade, que só esperavam se botasse a derrama, pois que a terra não podia pagar e que tudo ia para o Reino”.[10] Nessa afirmação vê-se, primeiramente, uma percepção econômica, aquela segundo a qual a terra comportava “tantos haveres”, sendo, portanto, compreendida como potencialmente rica. A isso, mistura-se uma crítica velada, senão ao sistema colonial, ao menos à política tributária da metrópole em relação à Colônia: os mazombos seriam pobres “por lhe tirarem tudo para fora”, ou seja, devido ao fato de ser a riqueza drenada para o Reino, sendo a derrama algo impossível de pagar. Essas ideias complementavam-se com a crença na capacidade de governar dos mazombos e, por fim, com o anúncio de um movimento político pelo qual a terra seria posta em liberdade, sendo essa conquista associada à decretação da derrama, medida que demarcava um arrocho tributário, o que, conforme o alferes e outros conjurados disseram várias vezes, acirraria os ânimos das gentes, colocando-as ao lado de uma sedição. A liberdade surgia, portanto, de uma análise e uma compreensão que transitavam do econômico para o político: confunde-se com uma ruptura política, que seria desencadeada tendo como estopim um arrocho tributário, ruptura esta, ainda, cujo conteúdo não é declarado, mas que claramente anuncia o fim da pobreza, a realização de um potencial de riqueza.

Sob as inspirações assinaladas no início deste artigo e premidos pelo anseio de garantir e ampliar as possibilidades de enriquecimento para si mesmos e para sua “pátria”, nutrindo ambições em relação à gestão do poder, os conjurados de Minas Gerais defendiam liberdades de caráter econômico e liberdades políticas. Do ponto de vista econômico, primeiramente, advogavam a liberdade de comércio, a qual, segundo Tiradentes, alçaria o ouro ao seu legítimo valor, fazendo com que se tornasse desnecessário contrabandeá-lo. O livre-comércio, esperava-se, ademais, granjearia o apoio das potências estrangeiras, possivelmente interessadas em ter liberdade de negociar nos portos da América, tendo portanto uma conotação também política.[11] Liberdade, além disso, significava para os inconfidentes pôr abaixo os limites até então estabelecidos à extração dos diamantes, tornando-a livre; implicava, ainda, a destinação dos dízimos aos vigários e a alforria para alguns cativos, proposta esta motivada por fatores táticos — era possível que os escravos, “para conseguirem a liberdade”, tomassem o “partido contrário” da sedição — e que não contava com o consenso. [12]

Os inconfidentes propunham mudanças políticas cujo conteúdo fica difícil precisar com rigor, mesmo porque eles mesmos contemplavam alternativas diversas, liberdades distintas. É certo que implicavam o fim da tirania representada pelas medidas tomadas pelo governo da capitania. A oposição à tirania, de forma mais genérica, sem ter claramente um sentido anticolonial ou, muito menos, envolver uma oposição à Coroa portuguesa, encontra-se claramente nas Cartas chilenas, de Tomás Antônio Gonzaga.[13] Outros exemplos são os pronunciamentos feitos pelo Tiradentes a favor da liberdade. O alferes criticava o vice-rei do Brasil, dizendo que “não podia habitar” na “cidade do Rio de Janeiro, porque eram tantas as violências que o excelentíssimo senhor vice-rei praticava que todo o povo estava aflito e desesperado, de tal sorte que, se houvesse um que gritasse ‘Viva a liberdade’, todo o resto o seguia”.[14] Tiradentes, porém, queixava-se “amargamente dos governadores destas Minas: que se achavam assoladas e que já se faziam intoleráveis os seus despotismos”, classificando Luís da Cunha Menezes como um “demônio” e dizendo desejar que assim também fosse o visconde de Barbacena, pois isso legitimaria a eclosão de um levante, com a subsequente instalação de uma república.[15] A recusa à tirania, portanto, assumiu também contornos mais definidos: a instalação de uma República em Minas Gerais. Nessa República, haveria um parlamento central e vários parlamentos locais, que não parecem ser senão as câmaras já existentes das vilas, projeto este que aparece nas falas de Tiradentes e também de outros conjurados.[16] Não se pode dizer que essa via republicana tenha sido a tendência dominante entre os inconfidentes, mas o fato de ser aventada indica que havia, em algum grau, propósitos decididamente anti-coloniais e antimonárquicos.

Contraditoriamente, no entanto, a variante monárquica também foi cogitada. Enquanto Tiradentes, Alvarenga Peixoto e Joaquim Silvério dos Reis, o traidor dos conjurados de Minas, aludiam vagamente à transformação da capitania num “Império florente”,[17] o cônego Luís Vieira da Silva sonhava com a constituição de um Império Luso-Brasileiro com sede na América, isto é, com a transferência da Corte portuguesa para a colônia. Nesta última proposta vê-se explicitamente a defesa da via monárquica, da manutenção da submissão à dinastia de Bragança e da preservação dos laços, embora invertidos, com a pátria mãe-portuguesa.[18] Tal ideal foi esboçado também por Inácio José de Alvarenga Peixoto quando, já preso sob acusação de inconfidência, rogava a Dona Maria I que viesse ser aclamada no Rio de Janeiro.[19]

Essas opções distintas que emergem das falas dos diferentes conjurados — antitirania no genérico e antitirania confundida com a implantação de uma República ou de um Império Luso-Brasileiro sediado na América — sinalizam uma indefinição política. Ecos dessa ambiguidade foram as discussões sobre a bandeira a ser adotada. Na casa de Cláudio Manuel ou de Gonzaga, assim, falou-se em “umas bandeiras, que o alferes Joaquim josé da Silva Xavier tinha ideado para servirem na nova premeditada República, que eram três triângulos enlaçados em comemoração da Santíssima Trindade”.[20] Então, “se lembrou o doutor Cláudio Manuel da Costa das bandeiras da República Americana Inglesa, que era um gênio da América, quebrando as cadeias com a inscrição — Libertas aquo Spiritus— e que podia servir à mesma.[21] Divergindo da sugestão, Alvarenga Peixoto “disse que seria pobreza” o uso dessa inscrição, tendo, então, Cláudio replicado que “podia servir a letra — Aut libertas, aut nihil”.[22] Alvarenga, no entanto, apresentou aquilo que pareceu agradar aos demais: “se lembrou do versinho de Virgílio — Libertas quae sera tamem — que ele achou, e todos os que estavam presentes, muito bonito”.[23] Se toda essa discussão traduzia uma patente simpatia dos inconfidentes de Minas pelos norte-americanos, sua causa, suas conquistas e sua república, contudo, não significava que fossem ao extremo de querer meramente copiá-los. A adesão à América, ao que tudo indica, prendia-se àquilo que parecia ser mais essencial e elemento comum a todas as inscrições latinas descartadas: a liberdade. O conteúdo político dessa, enfim, não era clara e definitivamente republicano, confundindo-se com uma expectativa senão propriamente de romper os grilhões que atrelavam Minas a Portugal, pela via de uma República independente, ao menos de afrouxá-los, pelo rearranjo no poder local ou pela instituição de um Império Luso-Brasileiro com sede na América. Um denominador comum, enfim, subsiste a essas propostas: ou a conquista de autonomia política plena para a capitania de Minas Gerais, ou, ao menos, o cerceamento do que se compreendia como desmandos do governo local. Algo, ademais, era-lhes subjacente: a compreensão de que a falta de liberdade política, a subordinação das Minas a Lisboa, tinha consequências econômicas prejudiciais. Para os inconfidentes, por conseguinte, a liberdade política, correlata e necessariamente, remetia à possibilidade de enriquecer-se como indivíduos e, ao mesmo tempo, como pátria, respondendo assim aos interesses mais imediatos dos que a anunciavam e também àqueles que se imaginava, de um modo um tanto abstrato, enraizarem-se em uma demarcação territorial que não era senão o espaço da própria capitania de Minas Gerais.

UTOPIAS NO RIO DE JANEIRO EM 1794: A LIBERDADE COMO O “AVESSO” DO ANTIGO REGIME

A denominada Inconfidência do Rio de Janeiro de 1794 resumiu-se a conversas, discussões, algumas ocorridas em espaços públicos, outras em locais privados. Não comportando nenhuma ação quer contra o governo local, quer contra a Coroa portuguesa, quer contra o domínio colonial, a Inconfidência do Rio de Janeiro, contudo, encerrou utopias. Utopias que possuíam a peculiaridade de levantar a bandeira da liberdade como o avesso do Antigo Regime.[24]

Quem foram os acusados de inconfidência? Como já se afirmou no início deste artigo, tratava-se de gentes cujas origens encontravam-se num espectro social mais amplo. Dos onze acusados, naturais da América e do Reino, predominantemente homens maduros e solteiros, dois pertenciam à camada de proprietários de bens de raiz, ambos brasileiros de nascimento: Francisco Coelho Solano da Silva e o bacharel Mariano José Pereira da Fonseca, então com cerca de vinte anos, conhecido como Biscoito e que, na maturidade, seria figura proeminente da nobreza imperial. Havia, além disso, quatro artesãos, todos eles portugueses: o marceneiro João da Silva Antunes, o sapateiro João Sá da Conceição, o ourives Antônio Gonçalves dos Santos e o entalhador Francisco Antônio Lisboa. Reinol também era o médico dr. Jacinto José da Silva. Ao lado deles, figuravam o estudante José Antônio de Almeida, o mais jovem de todos, e dois professores régios: o poeta Manuel Inácio da Silva Alvarenga e João Marques, professor de grego.[25]

A concepção de liberdade que os movia encontra-se sintetizada na “Oração feita por José Antônio de Almeida e recitada na aula de retórica no mês de outubro do ano de 1794”, de que era mestre o poeta Manuel Inácio da Silva Alvarenga. Essa oração, de acordo com o parecer do juiz da devassa aberta contra os acusados, inspirava-se em Mably,[26] trazendo uma concepção de liberdade do homem, em última instância, como originada na natureza e em seu “autor”, o “Ente infinito e perfeitissimamente sábio”. Segundo a Oração, este último criara o homem para que seu “eterno poder fosse de alguma sorte conhecido por uma criatura” que, dotada “de uma alma racional”, “soubesse admirara sua grandeza e gratificar os seus benefícios”.[27] Providenciara, ademais, “tudo o que deveria servir de recrear o espírito do homem”, sustentando seu corpo e recreando seu espírito. De todas as maravilhas criadas pelo Onipotente, entretanto, nenhuma era mais valorizada pelo homem do que sua própria vida.[28] Uma coisa, porém, animaria o homem “a tirar a vida a si próprio”, este bem que estimaria mais do que tudo: ele arriscaria a vida excitado por um “valor”,[29] o princípio de que “a ninguém devia estar sujeita a sua vida senão à vontade daquele que lhe deu o ser, e que em nenhum tempo deveria sujeitar a sua liberdade aos rigores do seu semelhante, a quem não deve, nem cooperou a sua essência”.[30] A Oração conclui-se com um pesar: “Qual não deve ser a fraqueza e vileza dos espíritos daquele que chega a submeter-se totalmente às disposições de outrem, na consideração de ser ele uma criatura a quem ainda seu Supremo Senhor concedeu a livre disposição da sua vontade! e que esse mesmo que o pretende oprimir e abater não recebeu da mão do seu criador outra alma mais perfeita que lhe possa infundir uma natural superioridade!”.[31] A liberdade, assim, era sinônimo de recusa à opressão, implicando a compreensão de que haveria uma igualdade inata a todos os homens, intrínseca à própria criação, considerando-se aviltante à sujeição a outrem.

A partir dessa concepção de liberdade, os “inconfidentes” do Rio de Janeiro puseram em xeque um ou mais elementos do Antigo Regime. Conforme a avaliação do conde de Resende, vice-rei do Brasil, os acusados haviam se esquecido “de si e da honra do nome português, que até o presente consistia principalmente no amor e fidelidade aos nossos clementíssimos soberanos”, do que se subentende que rejeitavam a monarquia absolutista portuguesa.[32] Os acusados, além disso, em “casas particulares” e “nos lugares públicos” da cidade do Rio de Janeiro, teriam debatido, naquele contexto de guerra das potências europeias contra a França, “questões sobre o governo público dos estados”, proferindo algumas pessoas afirmações como as de “que os reis não são necessários; que os homens são livres e podem, em todo o tempo, reclamar sua liberdade; que as leis por que” se governava “a nação francesa” seriam “justas e que o mesmo que aquela nação praticou se devia praticar neste continente”, ou seja, além de se oporem ao absolutismo, os implicados refutavam a monarquia, advogavam a liberdade do homem, defendiam as leis francesas e sua implantação na América.[33] Completava, ainda, o vice-rei, informando que os inconfidentes achavam “que os franceses deviam vir e conquistar” o Rio de Janeiro e “que a Sagrada Escritura, assim como dá poder aos reis para castigar os vassalos, o dá aos vassalos para castigar os reis”: os direitos dos reis e dos vassalos eram colocados, portanto, em condições de igualdade, derivados ambos que eram da Bíblia.[34]

De fato, o entalhador Francisco Antônio defendeu que o “rei era como qualquer de nós”; que “matar o rei não era pecado”, “sendo bem feito” o que sucedera a Luís XVI — com o que, aliás, concordava o não-acusado Jacó Munier.[35] O sapateiro João da Conceição afirmou que a “lei dos franceses” era “justa e santa porque” fora “tirada da Sagrada Escritura”, a partir do que concluía que era legítimo o rei matar os homens e também o inverso, sacralizando-se, assim, o direito dos governados.[36] Outros, ainda, prognosticavam o fim da monarquia,[37] ou então, passavam da oposição ao absolutismo na França para a crítica da monarquia no mundo luso-brasileiro e, ainda, resvalando da Coroa para a religião, mais precisamente para pronunciamentos contra o fanatismo religioso. Assim, Manoel Inácio da Silva Alvarenga e outros acusados, falando sobre a “liberdade, depois de haverem lido alguns discursos na língua francesa contra a soberania dos monarcas, disseram que o nosso reino estava entregue a frades”, censuravam alguns procedimentos do príncipe regente dom João, avaliando-os como “nascidos do fanatismo”.[38] Atingiam também, em cheio, a própria monarquia portuguesa e, ainda, aliavam a isso um outro importante elemento, a repulsa à influência dos fidalgos: Manoel da Costa Santos considerava que os reis, aconselhados pelos fidalgos, procuravam apoderar-se dos bens do seus vassalos, motivo pelo qual simpatizava com a eliminação deles na Espanha e França.[39] Francisco Antônio ia além, pois classificava os reis portugueses como corruptos, em razão da ascensão que tinham sobre eles os fidalgos, e defendia que essa situação fosse superada, no Brasil, com a vinda das leis francesas.[40] João Marques, depois de considerar injusta uma ação de dom João, sentenciou que o rei deveria ser enforcado quando cometesse injustiça, do que se deduz que defendia o regicídio também em relação ao soberano português.[41]

Tudo isso, enfim, vem corroborar as afirmações do vice-rei. Escapou aos seus olhos, porém, um importante aspecto: houve quem associasse entre os acusados — e entre os que não estavam incluídos entre eles — liberdade e igualdade. Por instaurarem a igualdade, as leis francesas mereciam a admiração do entalhador Francisco Antônio, o não-acusado João Veloso, homem pardo, disse que gostaria de estar na França para “gozar da minha liberdade”, do que se pode inferir que tomava esta última no sentido de igualdade, visto que ele vivia numa sociedade em que havia discriminação dos homens de cor.[42] Liberdade e igualdade levaram alguns dos supostos inconfidentes a defenderem a República. Nada veemente, essa defesa parece ter seduzido mais aqueles que ocupavam posição inferior na hierarquia social: João Antunes, marceneiro, para quem “as repúblicas pagavam tudo o que tiravam aos vassalos” e “o governo de muitos era melhor porque sabiam mais” várias “cabeças do que uma só”, Antônio Gonçalves dos Santos, o Passageiro Bonito, ourives, considerava a República melhor que o “governo monárquico”.[43]

O conde de Resende, saliente-se, temia profundamente as “consequências muitos perigosas” que tais máximas poderiam produzir e que seria conveniente “atalhar”.[44] Aqui haveria algum exagero? O próprio vice-rei e o juiz da devassa admitiam que jamais se deixara o terreno das palavras para a ação, que não se concebera nenhum projeto de rebelião. De fato, não se cogitou fazer um levante. Limitando a análise, além disso, unicamente às ideias, poderemos concluir que nem mesmo o perigo compreendido como numa rejeição ao domínio metropolitano, aos vínculos entre Portugal e América, deveria ser objeto de muita preocupação do vice-rei. Este, na verdade, poderia ficar quase totalmente tranquilo, pois os acusados raramente esboçaram uma percepção sobre as especificidades do viver numa colônia, do ser português na América e, por conseguinte, muitos menos se opuseram ao domínio metropolitano. Embora raras, as percepções dessas especificidades existiram. Mariano José Pereira da Fonseca, defendendo-se do seu acusador, frei Raimundo Penaforte, disse que ele era “inimigo dos brasileiros”, denunciando a discriminação dos nascidos no Brasil e, de algum modo, deixando entrever a possibilidade de os “brasileiros” contestarem-na.[45] Numa correspondência recebida pelo dr. Jacinto, encaminhada por seu amigo e colega de ofício lisboeta, o dr. Manuel José de Novais de Almeida, em 1791, este último discordava das reclamações apresentadas pelo primeiro no sentido de que, na América, haveria mais “injustiças” que no reino, afirmando que isso também se verificava “no centro da Corte”, isto é, em Lisboa[46]— o dr. Jacinto, portanto, demonstrava perceber que ser português na América era pior do que na Corte.

Sem terem cogitado nenhuma rebelião, mas feito pronunciamentos e esboçado sonhos de liberdade que representavam a morte de elementos característicos do Antigo Regime — absolutismo monárquico, fanatismo religioso, preeminência dos fidalgos e discriminação dos homens de cor — os acusados, em suma, mostravam-se atentos ao que sucedia na
Europa, animados com os sucessos da Revolução Francesa, partidários do regicídio. Alguns levaram suas divagações a um terreno mais abstrato, situando a liberdade fora da sociedade humana. Os letrados Silva Alvarenga, João Marques, Mariano Pereira da Fonseca e o dr. Jacinto, capitaneados pelo primeiro, sonharam com uma “república de animais nas cabeceiras ou sertão do rio Tageaí”. República imaginária, expressava a necessidade de Silva Alvarenga, “nas horas de melancolia”, de evadir-se da sociedade em que vivia, negando, com isso, os fundamentos em que se assentava; seria uma república de animais, “porque era melhor viver entre os bichos do que entre os homens maus”.[47] A “República do Tageaí”, na realidade, evocava as críticas de Rousseau à sociedade: para o grande filósofo das Luzes, o homem, ao abandonar o estado de natureza, ingressar na cultura e sujeitar-se a uma forma coercitiva de sociedade, entregara-se aos vícios, corrompendo sua natureza, valorizando o amor-próprio e a vaidade e empenhando-se em dominar os seus semelhantes.[48] Essa República imaginária, assim, apontava para uma liberdade existente fora das fronteiras da existência humana, segredando simpatias por uma modificação radical e, ao mesmo tempo, por mais paradoxal que possa parecer, abstrata da sociedade.

“REVOLUÇÃO” NA BAHIA: LIBERDADE E IGUALDADE

Trinta e três homens — presos, fugidos ou mortos — foram acusados de Inconfidência na Bahia, sendo 22 deles reconhecidamente pardos, dois negros; dez eram simples artesãos; dezesseis não tinham bens, encontrando-se oito provavelmente nas mesmas condições; nove deles eram escravos. Dentre esses homens de condição social bastante precária, destacavam-se Luiz Gonzaga das Virgens, pardo, liberto, soldado granadeiro do 1o Regimento de Linha; Lucas Dantas d’Amorim Torres, pardo livre, soldado do Regimento de Artilharia; João de Deus do Nascimento, pardo livre, alfaiate cabo da esquadra do 2o Regimento de Milícias e Manoel Faustino dos Santos Lira, pardo forro, alfaiate. Ao lado deles, figuravam pessoas de origem social mais abastada: Cipriano José Barata de Almeida, cirurgião, bacharel em filosofia pela Universidade de Coimbra, e seu irmão José Raimundo Barata D’Almeida, Francisco Moniz Barreto d’Aragão, professor de gramática latina na Vila de Rio das Contas; e Hermógenes Francisco de Aguilar Pantoja, tenente do 2o Regimento da Linha.[49] Esse perfil dá uma ideia da abrangência social do movimento, ainda que oculte o envolvimento de algumas pessoas oriundas dos estratos superiores da sociedade baiana, como o padre Francisco Agostinho Gomes, rico comerciante; o cônego Salvador Pires de Carvalho e Albuquerque; Luiz Gercente e José Porfírio, dentre outros. Essas ausências devem-se ao fato de o governador da Bahia dom Fernando José de Portugal ter conduzido a devassa, aberta para investigar a conjura, de modo a demonstrar que para ela “não concorreram pessoas de consideração”.[50]

As origens e o teor da ideia de liberdade cultivada pelos conjurados baianos, homens de maior e menor distinção, encontram-se traduzidos com bastante clareza em um poema cuja autoria é atribuída ao professor Francisco Muniz Barreto, poema este decorado por alguns outros, dentre eles Lucas Dantas. Segundo o poema, igualdade e liberdade encontravam-se no “sacrário da razão”, preenchendo, ao lado da “justiça”, o “meu coração”:

Igualdade e liberdade

No sacrário da razão

Ao lado da sã justiça

Preenchem o meu coração[51]

Liberdade e igualdade, ademais, seriam leis infalíveis e imprescritíveis de Deus, na medida em que os entes marcar-se-iam pela equidade, tendo em comum uma mesma “causa motriz”, iguais “sensações”, “órgãos” e “precisões”:

Se a causa motriz dos entes


Tem as mesmas sensações


Mesmos órgãos e precisões


Dados a todos os viventes


Se a qualquer suficientes


Meios da necessidade


Remir deu com equidade


Logo são imprescritiveis


E de Deus Leis infalíveis


Igualdade e liberdade.[52]

Tal “dogma”, sendo seguido por todos, tornaria “bem-aventurado” “povo rude e polido”, florescera nos Estados Unidos da América, fora imitado pelos “franceses”, que, “afoitos”, entraram “no sacrário da razão”:

Se este dogma for seguido,

E de todos respeitado,

Fará bem-aventurado

Ao povo rude e polido.

É assim que florescido

Tem da América a Nação!

Assim flutue o pendão

Dos franceses, que a imitaram

Depois que afoitos entraram

No sacrário da razão.[53]

O poema anunciava a “doce comoção” que nasceria das futuras “venturas” dos baianos quando viessem a se levantar contra os “mil despóticos tiranos”, ficando, então, “felizes e soberanos”.

Quando os olhos dos baianos


Estes quadros divisarem,

E longe de si lançarem


Mil despóticos tiranos


Quão felizes e soberanos,


Nas suas terras serão!


Oh, doce comoção

Experimentam estas venturas

Se elas me que futuras

Preenchem o meu coração[54]

Em suma, o poema, atrelando-se às Luzes, à Revolução Americana e à Revolução Francesa, exprimia uma crítica à tirania e associava liberdade e igualdade em termos muito próximos aos defendidos pelos acusados de inconfidência no Rio de Janeiro. No entanto, o poema sinalizava que, ao contrário do que sucedera na capital do Vice-Reino do Brasil, os baianos estavam dispostos a apear os tiranos do poder, ensaiando um projeto de revolução. Na verdade, movidos por esse propósito, os baianos tentaram até mesmo uma aliança com a França revolucionária, de que é testemunho o projeto de invasão da Bahia apresentado ao governo do Diretório, aos 24 de agosto de 1797, pelo comandante Antoine René Archer, que estivera meses antes em Salvador.[55]

Representantes das elites baianas e pessoas oriundas das camadas populares tentaram articular uma revolução contra o domínio português e a Coroa, situados numa conjuntura revolucionária em que despontavam os sucessos dos franceses, imersos num sistema colonial que restringia as possibilidades de acumulação por parte da camada senhorial, marcados pelas barreiras legais que limitavam o desenvolvimento de atividades produtivas de tipo urbano pelo povo mecânico e por um recrutamento militar que atingia a setores mais amplos da população, envolvendo pardos e negros, sem contudo permitir aos não-brancos ter maiores expectativas de progressão na carreira militar e, ainda, colocados diante da contradição entre a prosperidade econômica, dada pela alta de preços dos produtos de exportação, e seu efeito inflacionário na Colônia, perverso para aqueles que não se ligavam ao setor exportador, obrigados a lidar com o aumento dos preços dos gêneros alimentícios sem uma compensação em seus próprios ganhos.[56] Os contornos desse projeto são difíceis de precisar, porém sabe-se que ele gorou duplamente: por um lado, houve o afastamento das elites, temerosas em relação à perda de controle das camadas populares e, sobretudo, prisioneiras de preconceitos sobre a capacidade de pessoas de “baixa ralé” promover um levante e, por outro, o governo local reprimiu com rigor a tentativa de sedição.

A formulação, o abandono e a destruição desse projeto de revolução têm uma cronologia. De fins de 1793 até agosto-setembro de 1797, alguns “homens de consideração” manifestaram seu repúdio à exploração colonial e sua simpatia pela França e pelos ideais de sua revolução, formando um pensamento contrário ao absolutismo monárquico, localizando nele os males que afligiam os povos. Essas conversas desenvolveram-se dentro de um círculo restrito de familiares e amigos. A presença de Antoine René Larcher na Bahia, entre fins de 1796 e inícios de 1797, fez recrudescer a contestação política.[57] Essas reuniões, de cunho político explícito, deram-se inicialmente em residências particulares, mas avançaram depois para o espaço público, “ganhando as ruas, tanto na esfera urbana quanto nas cercanias do Recôncavo”.[58]

Algumas pessoas pertencentes às elites, como o padre Francisco Agostinho Gomes, o tenente Hermógenes Pantoja, o professor Muniz Barreto e o cirurgião Cipriano Barata de Almeida envolveram-se nessas discussões e pronunciamentos, ao mesmo tempo que artesãos pobres e escravos miseráveis conseguiram ter acesso às ideias revolucionárias, eivadas de influências das Luzes e das máximas e notícias dos acontecimentos revolucionários franceses.[59] Certamente foi nesse momento que o soldado pardo Lucas Dantas, por exemplo, conseguiu gravar na memória aqueles versos supracitados, de autoria do professor Muniz Barreto.[60] Nos idos de agosto-setembro de 1797, dom Fernando José de Portugal e Castro, governador da Bahia, informado pelo coronel José de Mattos Ferreira e Lucena sobre essas conversas, advertiu os participantes sobre os perigos que corriam, com o que alguns deles saíram de circulação.[61]

A segunda fase estendeu-se do final de 1797 até o início das prisões em 1798. Nessa fase, as conversas ganharam desenvolvimento relativamente autônomo em relação às elites, cativando “alguns soldados e artesãos de suas relações profissionais e domésticas”.[62] Nessa ultrapassagem, homens livres “socialmente discriminados, mulatos, soldados, artesãos, ex-escravos e descendentes de escravos”, conceberam a ideia de instalar uma república que garantisse igualdade,[63] no início de agosto de 1798, foram afixados em locais diferentes da cidade dez boletins-pasquins sediciosos.[64] No dia 12 de agosto de 1798, o governador, tomando conhecimento dos boletins, ordenou a abertura de uma devassa para descobrir seus autores, tendo-se seguido a isso as prisões do pardo Domingos da Silva Lisboa e, depois da afixação de dois novos boletins, em 22 de agosto, de Luís Gonzaga das Virgens, também pardo.[65]

Com as prisões, começou a terceira fase do movimento. Nessa fase, as pessoas de “condição”, porventura ainda envolvidas nas conversas de sedição não obstante as advertências anteriores do governador, por medo da repressão ou dos rumos que a “gente ordinária” dava à iniciativa,[66] afastaram-se do projeto. A exceção, ao que parece única, foi José Raimundo Barata de Almeida, irmão de Cipriano Barata, negociante que mascateava pelos sertões.[67] Nos dias imediatamente posteriores às prisões, sucederam-se conversas daqueles que provinham dos estratos inferiores da hierarquia social, ficando acertado entre eles uma reunião para a noite do dia 25 de agosto, no campo do dique do Desterro, durante a qual os conjurados avaliariam se havia número suficiente de partidários para realizar o levante ou se, pelo contrário, esses eram poucos, sendo mais conveniente calarem-se.[68] Essa reunião, no entanto, foi denunciada por Joaquim José da Veiga e Joaquim José de Santa Ana,[69] tendo os presentes percebido o malogro.

Que liberdades postulavam esses homens? Nos pasquins-boletins afixados em agosto de 1798, vêem-se máximas contra a monarquia absolutista portuguesa, qualificada como “péssimo jugo reinável da Europa”: por “ordem da rainha de Lisboa” se fariam “latrocínios” nos “títulos, imposturas, tributos e direitos”.[70] Essas máximas traziam implícitos o reconhecimento do princípio segundo o qual todos os homens livres seriam cidadãos e também a ideia de nação como sinônimo de Estado, instaurado pela soberania popular. Não continham, entretanto, uma rejeição à nação portuguesa: o alvo era o trono, o “despotismo”, o “rei tirano”, a subordinação a Lisboa.[71] Nos pasquins, no entanto, é preciso dizer, havia ideias contra o jugo colonial e defendia-se o livre-comércio, a elevação dos soldos e o apoio externo para o extermínio do “péssimo jugo reinável da Europa”. As liberdades, portanto, atingiam dois pilares básicos do Antigo Regime: o absolutismo e o sistema colonial, visto que este tinha no monopólio comercial um de seus alicerces. Os conjurados sonhavam, além disso, com uma “república democrática”, “onde os acessos e lugares representativos” seriam “comuns, sem diferença de cor, nem de condição, onde eles ocupariam os primeiros ministérios, vivendo debaixo d’uma geral abundância e contentamento”.[72] Na revolução preconizada pelos pasquins e pelo discurso preponderante entre os conjurados, frise-se, não se colocava a abolição. Segundo Lucas Dantas, a revolução envolveria uma guerra no interior da sociedade baiana e instituiria uma sociedade fundada na igualdade jurídica entre os indivíduos de cores diferentes, um governo democrático estabelecido nos limites da capitania da Bahia e exercido por homens capazes e de maior juízo, não importando de que nação. A democracia, assim, fundava-se na crença de que havia pessoas mais e menos preparadas para o governo, devendo apenas os mais capazes governar, a nação do governante não seria critério de inclusão ou exclusão para sua escolha.[73] A igualdade pressuposta na ideia de liberdade abraçada pelos conjurados da Bahia repercutia também no âmbito militar: o soldado pardo Lucas Dantas “andava falando em revoluções e sistemas de liberdade”, tentando persuadir a José Joaquim de Sirqueira, homem branco, soldado, “a segui-lo, representando-lhe a escravidão, que viviam sujeitos aos seus coronéis, e seus superiores, e a severidade dos seus castigos”.[74]

Alguns conspiradores radicais estenderam a um universo mais amplo de relações a associação entre as ideias de liberdade e igualdade, pronunciando-se contra a desigualdade de riqueza e a escravidão. O pardo João de Deus, conversando com Antônio Joaquim de Oliveira que se locomovia sentado em uma cadeira, segurada por escravos, acusou-o de não ter “medo ao tempo” porque seria “rico, não querendo molhar os pés”, ouvindo de Oliveira, em resposta, que seriam “mercês do Céu”. João de Deus, então, retrucou: “Está feito, e o tempo virá em que possa ser que eu ande de cadeira e vossa mercê, de pé”.[75] Ao ver passando “um homem carregado em uma cadeira”, João de Deus fez outro pronunciamento contra a desigualdade dada pela riqueza, dizendo: “Grande cousa é ter dinheiro, como vai aquele repimpando na sua cadeira, e eu que não tenho dinheiro ando a pé, e acaso haverá tempo que andem a pé todos, sem serem carregados por criaturas?”.[76] A rejeição à desigualdade de riqueza, portanto, aos olhos de João de Deus, somava-se à crítica velada ao escravismo e à defesa da superação dessa ordem das coisas. João de Deus, ademais, defendia a liberdade para presos e frades e sonhava com uma igualdade fugidia de riqueza: dizia que os revoltosos iriam saquear a cidade, constranger o governador a apoiá-los e, caso houvesse resistência dele, iriam matá-lo, “destruir ao mesmo tempo todas as pessoas públicas, atacar os mosteiros, franquear aos que quisessem sair, saqueá-los de todo o preciso, arrombar as cadeias, pôr os presos e os forçados em liberdade, reduzindo tudo a uma inteira revolução, que todos ficariam ricos, tirados da miséria em que se achavam, extinta a diferença de cor branca, preta, e parda: porque uns e outros seriam sem diferença chamados e admitidos a todos os ministérios e cargos”.[77] Outro conjurado, Manoel Faustino, foi mais explícito nos seus ideais abolicionistas, afirmando que o “levante” teria por fim “serem libertos todos os pretos, e pardos cativos, e viverem em uma igualdade tal, que não houvesse distinção de cores, e assim viveriam todos contentes”.[78] Em suma, se é certo que, na Conjuração Baiana, egressos da escravidão ingressaram na sociedade política além dos “limites do que poderia ser assimilado pelas classes dominantes”,[79] se é certo também que a abolição não fazia parte do projeto político dos conspira-dores explicitado nos pasquins e no discurso predominante entre os conjurados, é verdadeiro também que, entre os partidários da sedição, houve quem sonhasse com uma igualdade, quase etérea, de riqueza e quem defendesse “que todos os cativos pardos e pretos ficariam libertos sem que houvesse mais escravo algum”.[80]

CONCLUSÃO

As “inconfidências” de fins do século XVIII imaginaram liberdades distintas. Em Minas Gerais, enfatizou-se a liberdade para produzir e apropriar-se das riquezas, instituindo-se o livre-comércio, promovendo-se uma mera reocupação dos postos de mando na capitania ou então constituindo-se um governo autônomo, monárquico ou republicano. No Rio de Janeiro, a liberdade foi concebida em termos de rejeição a um poder monárquico absoluto, ao fanatismo e a uma sociedade assentada em privilégios, sem postular a ruptura com Portugal ou uma rebelião. Já na Bahia, a liberdade foi entendida como superação do vínculo colonial, como instalação do livre-comércio e como eliminação da discriminação contra negros e mulatos, agora cidadãos.

Ao final do século XVIII, as “inconfidências”, conspirações ou meras divagações político-literárias, colocaram em questão o problema da liberdade, apreendendo-o sob diversos ângulos e, ainda, segundo um repertório intelectual e politico variado e complexo. Liberdades imaginárias, foram, além disso, liberdades derrotadas, à exceção verdadeiramente de uma delas: a ideia de liberdade presente no projeto de edificação de um Império, sob o domínio da dinastia de Bragança, centrado na América e, no limite, autônomo em relação à pátria-mãe portuguesa. Esse projeto sairia vitorioso mais tarde, em 1808 e em 1822.

 

[1] Segunda Escolástica ou Neo-Escolástica designa o sistema teológico-filosófico constituído no início da Idade Moderna, em torno da revitalização da escolástica medieval, relendo as ideias de Aristóteles e os ensinamentos de santo Tomás de Aquino, assentando-se fundamentalmente no método dedutivo e refutando o experimentalismo. Dentro desse sistema, destacavam-se as concepções corporativas de poder, segundo as quais este último, embora fosse oriundo de Deus, não transitava diretamente para o Rei, passando, ao contrário, pela mediação da comunidade, cujo bem-estar deveria ser objeto de cuidado do soberano e que, caso o governante se tornasse um tirano, teria legitimidade para insurgir-se, ainda que em relação a isso alguns teóricos fossem bastante cautelosos, descrevendo os modos apropriados de fazê-lo. Na Ibéria, tais concepções predominaram até meados do século xvii, impregnando a doutrinação política até o século XVII, constituindo-se como as premissas do pensamento político luso-brasileiro e hispano-americano (Quentin Skinner, As fundações do pensamento político moderno. Trad. de Renato Janine Ribeiro e Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, pp. 417 e 450-4; Richard M. Morse, O espelho de Próspero: cultura e ideias nas Américas. Trad. de Paulo Neves. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, pp. 28-9, 64, 72 e 92-3; Luís Reis Torgal, Ideologia política e teoria do Estado na Restauração. Coimbra: Biblioteca Geral da Universidade, 1981, vol. 1, pp. 110 e 245; A. B. Xavier, “El Rei aonde póde, & não aonde quér” : razões da política no Portugal seiscentista. Lisboa: Colibri, 1998; Jorge Borges de Macedo, “Formas e premissas do pensamento luso-brasileiro”, Revista da Biblioteca Nacional, Lisboa, 1(1): 76-77, jan./jun. 1981; Tiago Costa Pinto dos Reis Miranda, “Ervas de Ruim Qualidade”: a expulsão da Companhia de Jesus e a aliança anglo-portuguesa: 1750-1763. São Paulo: FFICH-SP, 1991, pp. 256-7 (Dissertação de Mestrado); e Sérgio Buarque de Holanda, Capítulos de literatura colonial. (Org. e notas de Antonio Candido.) São Paulo, Brasiliense, 1991, pp. 447-8.

[2] Com relação à Inconfidência Mineira, a influência mais perceptível de Antônio Vieira foi o sermão feito na Bahia, aos 2 de julho de 1640, em homenagem ao marquês de Montalvão, d. Jorge de Mascarenhas, primeiro vice-rei do Brasil. Sobre este sermão (que pode ser encontrado em Padre Antônio Vieira, Por Brasil e Portugal. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938, pp. 156-8),veja: Cidade, Antônio Vieira. Lisboa: Editorial Presença, 1985, p. 22. Dos livros de história de Portugal, são influências presumidas: sobretudo História de Portugal restaurado, de d. Luís de Menezes, Conde da Ericeira; e, ainda, Histoire des révolutions de Portugal, do Abbé Vertot; Histoire générale de Portugal, de Nicolas de La Clède; e História genealógica da Casa Real Portuguesa, de d. Antônio Caetano de Souza.

[3] Os textos místicos encontrados pela devassa na Bahia são: Aviso de Petesburgo — fevereiro de 1796e Les rumes ou méditation sur les révolutions des empires, de Volnay, este último extraído do capítulo XXII, intitulado “Origem da ideia de Deus” (Katia de Queirós Mattoso, Presença francesa no movimento democrático baiano de 1798. Salvador: Itapuã/ Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Bahia, 1969, pp. 122-4 e 139).

[4] Obra publicada inicialmente em 1770, analisa a colonização europeia nas duas Índias e narra a independência das treze colônias inglesas da América do Norte; contém uma parte, o tomo 5, inteiramente dedicada à América Portuguesa. Segundo Raynal, a dualidade entre riqueza e pobreza; opressão fiscal e comercial, válida para o Novo Mundo efil geral, também se encontrava na América Portuguesa. Raynal criticava as alterações tributárias feitas pela Coroa portuguesa e o descuido desta com as atividades econômicas não mineratórias após a descoberta das minas (G. T Guillaume-Thomas François Raynal, Histoire philosophique et politique des etablissements et du commerce des européens dans les Deux Indes. Nouvelle edition, corrigée et augmentée d’après les manuscrits autographés de l’auteur […] par M. Peuchet. Paris, Amable Costes et Cie., 1820, vol. 5, pp. 74-5). Esse tomo, bem como a narrativa sobre a independência dos Estados Unidos, foram editados em português recentemente: Guillaume-Thomas François Raynal, A Revolução da América, trad. de Regina Clara Simões Lopes. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1993 e Idem, O estabelecimento dos portugueses no Brasil, trad. Mônica E Campos de Almeida e Flávia Roncari Gomes. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. Brasília: Editora UNB, 1998.

[5] “Discurso de Boissy D’Anglas”, em Katia de Queirós Mattoso. Presença francesa no movimento democrático baiano de 1798. Salvador: Itapuã/ Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Bahia, 1969, pp. 122-4 e 129. Sobre os textos que influenciaram os inconfidentes da Bahia, veja: Katia de Queirós Mattoso, op. cit.; Idem, “Bahia 1798: os panfletos revolucionários: proposta de uma nova leitura”, em Osvaldo Coggiola, A Revolução Francesa e seu impacto na América Latina. São Paulo: Edusp/ Novastela, Brasília: CNPq, 1990, pp. 341-56; Guilherme Pereira das Neves, “Bahia,1798: uma leitura colonial da Revolução Francesa: a propósito da tradução portuguesa de um texto de Jean-Louis Cana”, Acervo: Revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, 4 (1): 121-5, jan./jun. 1989.

[6] João Pinto Furtado, Inconfidência Mineira: crítica histórica e diálogo com a historiografia, São Paulo: FFLCH-SP, 2000 [Tese de Doutoramento], p. 131.

[7] Adelto Gonçalves, Gonzaga, um poeta do Iluminismo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, pp. 224-6.

[8] Em 1784, como presidente da Junta da Fazenda, impôs José Pereira Marques como contratante do arrendamento das entradas, enquanto Gonzaga se opôs, defendendo outro candidato; deu a Pereira Marques e a Joaquim Silvério dos Reis poderes especiais para cobrar dívidas e executar hipotecas, com o que Gonzaga perdeu ganhos correspondentes a custos e remunerações legais; desrespeitou a autoridade do ouvidor ao dar uma contra-ordem em relação à prisão de Basílio de Brito Malheiros, acusado de assassinato; e feriu suas suscetibilidades estamentais, fazendo concessões a indivíduos de cor ou que exerciam ofícios mecânicos — Kenneth Maxwell, A devassa da devassa: a Inconfidência Mineira, Brasil — Portugal, 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, 3a ed., pp. 120-1; Laura de Mello e Souza, “Os ricos, os pobres e a revolta nas Minas Gerais do século XVIII (1707-1789)”, em. Análise & Conjuntura, Belo Horizonte, 4 (2-3): 35, maio/dez. 1989; e Tomás Antônio Gonzaga, “Cartas Chilenas”, em Domício Proença Filho (org.), A poesia dos Inconfidentes: poesia completa de Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996, pp. 809, 833, 836 e 889. A animosidade de Gonzaga com Menezes tinha também motivações particulares: o governador tomara a amante do ouvidor, Maria Joaquina Anselma de Figueiredo (Adelto Gonçalves, op. cit., pp. 153 e 217.)

[9] João Pinto Furtado, op. cit., p. 214.

[10] Autos de devassa da Inconfidência Mineira [ADM. Brasília: Câmara dos Deputados, Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1980, vol. 1, 2 ed., p. 124.

[11] Luiz Carlos Villalta, 1789-1808— O império luso-brasileiro e os Brasis. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, pp. 47-8.

[12] Alvarenga Peixoto e o padre Correia de Toledo defenderam a alforria dos mulatos e dos crioulos (isto é, negros nascidos na Colônia), inscrevendo-a numa estratégia de confronto com a metrópole; outros inconfidentes, contudo, posicionaram-se contra a medida. Álvares Maciel afirmou que os “serviços das Minas ficariam muito mar com a abolição da escravidão; paradoxalmente, Maciel familiarizara-se na Inglaterra com a produção fabril e o trabalho assalariado (ADIM, vol. 5, p. 330 e João Pinto Furtado, op. cit., pp. 98-101). As liberdades econômicas propugnadas pelos inconfidentes, bem como a associação entre a sua falta e a situação de pobreza e as críticas veladas ou explícitas à tributação, ecoam ideias presentes na obra já citada do abade Raynal. É certo, porém, que as críticas à tributação encontram reforço em obras de história referentes à Restauração portuguesa, nas quais se atribui a aspectos fiscais um papel importante na caracterização do domínio espanhol como tirânico e, por conseguinte, na legitimação do levante dos portugueses contra ele.

[13] Nas Cartas chilenas de Tomás Antônio Gonzaga, obra em que se costumou enxergar há até bem pouco tempo influências ilustradas pela denúncia que faz da tirania e, inversamente, pelo que apresenta como o modelo do bom governo, é nítida a adesão às ideias da Segunda Escolástica. Lá estão a compreensão de que o soberano não pode tudo, de que deve respeitar as leis, as diferenças de direito e as hierarquias no interior da sociedade e a capacidade dos povos de pagar os tributos; necessita procurar a felicidade do reino, repartir com justiça prêmios e castigos (Luiz Carlos Villalta, 1789-1808— O império luso-brasileiro e os Brasis, op. cit., pp. 52-3).

[14] Autos de Devassa da Inconfidência Mineira Brasília: Câmara dos Deputados, Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1980, 2o ed., vol. 1, p. 220.

[15] ADIM, VOL 1, p. 200. Tiradentes dissera que antes Barbacena “fosse um demônio; porque se disporiam as coisas ao estabelecimento de uma República: e que agora com a nova derrama se desesperariam os povos para fazer algum levante” (ADIM, vol. 5, p. 48)

[16] Ibidem, vol. 5, pp. 33, 48 e 180-1 e vol. 1, pp. 156 e 251.

[17] Ibidem, vol. 5, pp. 125, 251 e vol. 1, pp. 169, 199 e 203.

[18] O cônego Luís Vieira da Silva afirmou que, “se no tempo da aclamação do senhor rei dom João IV, viesse esse príncipe para o Brasil, que a esta hora se acharia a América constituindo um formidável Império, e que ainda seria felicíssimo este continente se viesse para ele algum dos príncipes portugueses; mais, que a suceder assim, sempre corria risco de o quererem cá aclamar; e que o melhor de tudo seria mudar a rainha a sua corte para a América” (ADIM, vol. 1, p. 158).

[19] Luiz Carlos Villalta, 1789-1808— O império luso-brasileiro e os Brasis, op. cit., p. 59.

[20] ADIM, vol. 5, p. 122.

[21] Ibidem, loc. cit.

[22] Ibidem, loc. cit.

[23] Ibidem, loc. cit.

[24] Luiz Carlos Villalta, op. cit., pp. 69-70.

[25] Ibidem, pp. 77-8.

[26] Autos de devassa: prisão dos letrados do Rio de Janeiro (1794) . Niterói: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: UERJ, 1994, pp. 147-8.

[27] Ibidem, p. 212.

[28] Ibidem, pp. 212-13.

[29] Ibidem, p. 213.

[30] Ibidem, p. 213.

[31] Ibidem, p. 213.

[32] Ibidem, p. 37.

[33] Ibidem, loc. cit.

[34] Ibidem, loc. cit.

[35] Ibidem, pp. 44, 53 e 69.

[36] Ibidem, pp. 41-2.

[37] Ibidem, pp. 41-63.

[38] Ibidem, p. 38.

[39] Ibidem, p. 43.

[40] Ibidem, pp. 53 e 82.

[41] Ibidem, pp. 46-7.

[42] Ibidem, p. 81.

[43] Ibidem, pp. 59, 67 e 69.

[44] Ibidem, loc. cit..

[45] Ibidem, pp. 156-7.

[46] Na carta escrita por Almeida em 24 de fevereiro de 1791, o missivista apresenta sua Utopia, localizada no longínquo ano de 2440, momento em que os direitos do homem seriam respeitados, inexistiriam privilégios sociais e políticos para alguns grupos, os filósofos seriam reis, haveria tolerância religiosa e estariam constituídas duas repúblicas na América, uma ao norte e outra, “ao meio-dia”. Em 2440, pode-se supor, portanto, a América Portuguesa constituiria uma República, separada de Portugal, segundo o dr. Novais de Almeida (Ibidem, pp. 119-20).

[47] Ibidem, pp. 145 e 167-8.

[48] Ernst Cassirer, Filosofia de la Ilustración. Trad. Eugenio Ímaz. Madrid: Fondo de Cultura Económica, 1993, 2′ ed., pp. 177-81.

[49] A Inconfidência da Bahia: devassas e sequestros [‘Bps]. Separata de Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1931,vol. 1, pp. 90-1.

[50] IBDS, op. cit., vol. 1, pp. 57-61.

[51] Francisco Muniz Tavares, apud Luís Henrique Dias Tavares. História da sedição intentada na Bahia em 1798: a conspiração dos alfaiates. São Paulo: Pioneira, 1975, pp. 89-91.

[52] Ibidem, loc. cit.

[53] Ibidem, loc. cit.

[54] Ibidem, loc. cit.

[55] Luís Henrique Dias Tavares, op. cit., pp. 81-2 e I. Jancsó, ‘Bahia, 1798: a hipótese de auxílio francês ou a cor dos gatos”, em J. Furtado (org.). Diálogos oceânicos. Belo Horizonte: UFMG, 2000 (no prelo), p.1.

[56] Sobre a situação econômica da Bahia e as tensões existentes em seu território, veja sobretudo: István Jancsó, Na Bahia, contra o império: história do ensaio de sedição de 1798. São Paulo: Hucitec: Salvador: uFBA, 1996, pp. 57-67 e 90-7 e Katia de Queirós Mattoso, “Bahia 1798: os panfletos revolucionários: proposta de uma nova leitura”, op. cit., p. 342.

[57] István Jancsó, “Bahia, 1798: a hipótese de auxílio francês ou a cor dos gatos”, op. cit., pp. 9-10.

[58] Ibidem, p. 10

[59] Guilherme Pereira das Neves, “Bahia, 1798: uma leitura colonial da Revolução Francesa: a propósito da tradução portuguesa de um texto de Jean-Louis Cana”, em Acervo, Rio de Janeiro, (4-1):121-5, jan./jun. 1989, p. 122.

[60] Luís Henrique Dias Tavares, História da sedição intentada na Bahia em 1798, op. cit., pp. 89-91.

[61] Ibidem, pp. 37, 59 e 94-5.

[62] Ibidem, pp. 94-5.

[63] Ibidem, p. 96.

[64] Ibidem, pp. 19-35.

[65] Ibidem, p. 36. A prisão de Luís Gonzaga parece ter acelerado o movimento. Após sua realização, Romão Pinheiro afirmou: “nos é preciso adiantar este particular, antes que o dito Gonzaga declare as pessoas que nele estavam metidas” (IBDS, vol. 1, p. 35).

[66] Sobre o afastamento das elites, veja: Guilherme Pereira das Neves, “Bahia, 1798: uma leitura colonial da Revolução Francesa: a propósito da tradução portuguesa de um texto de Jean-Louis Carra”, op. cit., p. 124. Segundo este autor, até às vésperas de 1822, a “elite brasileira não planejava uma ruptura com Portugal. Ela recusava apenas os excessos de um sistema colonial agonizante” (Ibidem, loc. cit).

[67] Luís Henrique Dias Tavares, História da sedição intentada na Bahia em 1798, op. cit., p. 52.

[68] Ibidem, p. 51.

[69] Ibidem, p. 57.

[70] IBDS, op. cit., vol. 1, p. 7 e “Aviso ao clero e ao povo bahiense indouto”. Apud Luis Henrique Dias Tavares, História da sedição intentada na Bahia em 1798, op. cit., p. 30.

[71] István Jancsó e João Paulo G. Pimenta, “Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira)”, em Carlos Guilherme Motta (org.), Viagem incompleta. A experiência brasileira (1500-2000) . Formação: histórias. São Paulo: SENAC, 2000, pp. 145-9 e “Aviso ao povo bahiense”. Apud Luís Henrique Dias Tavares, História da sedição intentada na Bahia em 1798, op. cit., p. 24.

[72] IBDS, vol. 2, p. 170.

[73] IBDS, vol 1, p. 262.

[74] Ibidem, vol. 1, p. 18.

[75] Ibidem, vol. 1, p. 55.

[76] Ibidem, vol. 1, p. 66.

[77] Ibidem, vol. 1, p. 8.

[78] Ibidem, vol. 2, p. 182.

[79] István Jancsó e João Paulo G. Pimenta, op. cit., pp. 145-8.

[80] IBDS , vol. 1, pp. 202-3.

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