2009

Liberdade: aptidão para o múltiplo simultâneo

por Marilena Chaui

Resumo

Desde Aristóteles, uma pergunta orienta as discussões sobre a ação humana (isto é, a ética e a política): o que está e o que não está em nosso poder? A resposta clássica enuncia que não estão em nosso poder o necessário e o contingente (ou a fortuna) e que está em nosso poder o possível, sobre o qual se exerce nossa liberdade.

Dessa maneira, fixou-se na tradição filosófica a distinção entre necessidade e liberdade pela diferença entre o que é “por natureza” e segue uma causalidade que não sofre exceção nem suspensão, e o que é “por vontade” e segue uma decisão do agente, que escolhe entre alternativas possíveis. Ora, o necessário é o determinado por sequências causais que instauram a obrigatoriedade do efeito tão logo a causa se exerça. Donde a tradição ter sempre afirmado que o que é por necessidade é o que é constrangido ou forçado a realizar-se e que a toda causa determinada corresponde um só efeito determinado. Em contrapartida, a liberdade pressupõe ausência de constrangimento ou coação, exige que o agente não seja forçado a realizar a ação e que sua vontade, ao escolher entre alternativas possíveis, produza efeitos múltiplos. Em suma, a liberdade é definida pela ausência de constrangimento externo sobre a vontade e, portanto, pela ideia de escolha voluntária.

Todavia, resta saber quando e por que uma escolha livre é virtuosa ou viciosa, ou seja, se é ou não eticamente correta. A solução encontrada pela tradição foi a ideia de finalidade ou de causa final, uma causa que inclina o agente a escolher livremente, mas não o constrange nem o obriga à escolha feita. Essa solução trouxe uma nova distinção: a diferença entre causalidade por necessidade — ou a que rege o que é por natureza — e causalidade por finalidade — ou a que orienta a escolha livre. A liberdade é uma ação voluntária em vista de fins e estes são as virtudes ou o bem. O agente pode escolher segundo os impulsos de seus apetites e desejos, segundo o que lhe ditam suas paixões; neste caso, sua escolha é viciosa, pois deixa-se arrastar pela causalidade natural, isto é, pelos impulsos de seu corpo. Mas pode — e deve — escolher segundo o que lhe dita a razão, que conhece os verdadeiros fins e lhe permite agir por finalidade e, portanto, por liberdade. O vício é paixão; a virtude, disposição interior nascida da escolha racional de um fim bom.

Entre os aspectos mais surpreendentes e perturbadores da ética de Espinosa estão a afirmação da necessidade livre ou da livre necessidade, a recusa da ideia de finalidade e a subversão dos conceitos de paixão e ação.

Para a tradição, paixão e ação eram termos reversíveis: a paixão era o lugar de recepção de uma ação, seu terminus ad quem; a ação, lugar de onde partia uma operação, seu terminus a quo, posições que podiam inverter-se, de sorte que, por exemplo, uma paixão da alma era uma ação do corpo e uma ação da alma, paixão do corpo. Em outras palavras, a uma alma ativa ou livre devia corresponder um corpo passivo, submetido ao império do espírito. Com Espinosa, paixão e ação deixam de ser termos reversíveis para se tornar intrinsecamente distintas, de tal maneira que a uma mente passiva não corresponde um corpo ativo, nem a um corpo passivo corresponde uma mente ativa, pois corpo e mente são passivos ou ativos juntos e simultaneamente.

Por sua vez, a identidade entre o necessário e o livre é inseparável dessa subversão conceituai, que permite ao filósofo demonstrar que, sendo a mente ideia do corpo, aquele que tem um corpo apto à pluralidade de afecções simultâneas tem uma mente apta à pluralidade de ideias simultâneas, de maneira que a liberdade humana, deixando de identificar-se com o exercício do livre arbítrio como escolha voluntária entre possíveis, é concebida como potência interior do indivíduo para o múltiplo simultâneo quando este se explica apenas pelas leis necessárias de nossa natureza. A liberdade não se encontra, portanto, na distância entre mim e mim mesma — distância que, usando a razão e a vontade, eu procuraria preencher com algo que não sou eu mesma, isto é, com o objeto de uma escolha ou com um fim—, porém, ao contrário, é a proximidade máxima de mim comigo mesma, a identidade do que sou e do que posso.

Porque a liberdade é a identidade de si consigo, Espinosa pode demonstrar que nossa potência para perseverar no ser é o único fundamento da virtude, uma vez que esta não é senão a força do corpo e da mente para afirmar-se como causa eficiente interna total de suas ações, isto é, para ser plenamente uma potência de agir, que encontra em si mesma a causa total de suas ações. É essa ideia da liberdade que permite a Espinosa fazer uma demonstração espantosa, a saber, que se nascêssemos livres, isto não significaria que estaríamos inteiramente imersos no bem e banhados pelo conhecimento dele, e sim que não teríamos sequer como formar qualquer conceito de bem e mal, pois não teríamos nenhuma experiência de uma distância entre nós e nós mesmos. Por que a liberdade é essa proximidade plena de si consigo mesmo e aptidão para o múltiplo simultâneo, Espinosa pode escrever: “A felicidade não é o prêmio da virtude, mas a própria virtude; e não a fruímos por refrearmos as paixões, mas ao contrário, porque a fruímos podemos refrear as paixões.”


Desde Aristóteles, uma pergunta orienta as discussões sobre a ação humana (isto é, a ética e a política): o que depende de nós? Ou: o que está e o que não, está em nosso poder? A resposta clássica enuncia que não estão em nosso poder o necessário e o contingente (ou a fortuna), e que em nosso poder está o possível, sobre o qual se exerce nossa liberdade.

Dessa maneira, fixou-se, na tradição filosófica, a distinção entre necessidade e liberdade, pela diferença entre o que é “por natureza” — e segue uma causalidade que não sofre exceção nem suspensão — e o que é “por vontade” — e segue de uma decisão do agente, que escolhe entre alternativas possíveis. Ora, o necessário é o determinado por sequências causais, que instauram a obrigatoriedade do efeito tão logo a causa se exerça. Donde a tradição ter sempre afirmado que o que é por necessidade é o que é constrangido ou forçado a realizar-se, e que a toda causa determinada necessária corresponde um só efeito determinado. Em contrapartida, a liberdade pressupõe ausência de constrangimento ou coação, exige que o agente não seja forçado a realizar a ação, e que sua vontade, ao escolher entre alternativas possíveis, produza efeitos múltiplos. Em suma, a liberdade é definida pela ausência de constrangimento externo sobre a vontade e, portanto, pela ideia de escolha voluntária.

Todavia, resta saber quando e por que uma escolha livre é virtuosa ou viciosa, ou seja, se é ou não eticamente correta. A solução encontrada pela tradição foi a ideia de que os valores morais são fins racionalmente corretos e verdadeiros, que orientam as escolhas e a ação ética. Em outras palavras, a solução consistiu em introduzir a ideia de finalidade ou de causa final, uma causa que inclina o agente a escolher livremente, mas não o constrange nem o obriga à escolha feita. Essa solução trouxe uma nova distinção: a diferença entre causalidade por necessidade — ou a que rege o que é por natureza — e causalidade por finalidade — ou a que orienta a escolha livre. A liberdade é, então, concebida como uma ação voluntária em vista de fins, e estes são as virtudes ou o bem. O agente pode escolher segundo os impulsos de seus apetites e desejos, segundo o que lhe ditam suas paixões; neste caso, sua escolha é viciosa, pois se deixa arrastar pela causalidade natural, isto é, pelos impulsos de seu corpo. Mas pode — e deve — escolher segundo o que lhe dita a razão, que conhece os verdadeiros fins e permite-lhe agir por finalidade e, portanto, por liberdade. O vício é paixão; a virtude, disposição interior nascida da escolha racional de um fim bom.

Entre os aspectos mais surpreendentes e perturbadores da ética de Espinosa estão a afirmação da necessidade livre ou da livre necessidade, a recusa das ideias de livre-arbítrio da vontade e de finalidade, e a subversão dos conceitos de paixão e ação.

Para a tradição, paixão e ação eram termos reversíveis: a paixão era o lugar de recepção de uma ação, seu terminus ad quem; a ação, lugar de onde partia uma operação, seu terminus a quo, posições que podiam inverter-se, de sorte que, por exemplo, uma paixão da alma era uma ação do corpo, e uma ação da alma, paixão do corpo. Em outras palavras, a uma alma ativa ou livre devia corresponder um corpo passivo, submetido ao império do espírito. Com Espinosa, paixão e ação deixam de ser termos reversíveis para tornar-se intrinsecamente distintos, de tal maneira que a uma mente passiva não corresponde um corpo ativo, nem a um corpo passivo corresponde uma mente ativa, pois corpo e mente são passivos ou ativos juntos e simultaneamente.

Por sua vez, a identidade entre o necessário e o livre é inseparável dessa subversão conceitual, que permite ao filósofo demonstrar que, sendo a mente ideia do corpo, aquele que tem um corpo apto à pluralidade de afecções simultâneas tem uma mente apta à pluralidade de ideias simultâneas, de maneira que a liberdade humana, deixando de identificar-se com o exercício do livre-arbítrio como escolha voluntária entre possíveis, é concebida como potência interior do indivíduo para o múltiplo simultâneo, quando este se explica apenas pelas leis necessárias de nossa natureza. A liberdade não se encontra, portanto, na distância entre mim e mim mesma — distância que, usando a razão e a vontade, eu procuraria preencher com algo que não sou eu mesma, isto é, com o objeto de uma escolha ou com um fim —; ao contrário, ela é a proximidade máxima de mim comigo mesma, a identidade do que sou e do que posso.

Por ser a liberdade a identidade de si consigo, Espinosa pode demonstrar que nossa potência para perseverar no ser é o único fundamento da virtude, uma vez que esta não é senão a força do corpo e da mente para afirmar-se como causa eficiente interna total de suas ações, isto é, para ser plenamente uma potência de agir, que encontra em si mesma a causa total de suas ações. É essa ideia da liberdade que permite a Espinosa fazer uma demonstração espantosa, a saber, a de que, se nascêssemos livres, isso não significaria que estaríamos inteiramente imersos no bem e banhados pelo conhecimento dele, e sim que não teríamos sequer como formar nenhum conceito de bem e mal, pois não teríamos nenhuma experiência de uma distância entre nós e nós mesmos. Por ser a liberdade essa proximidade plena de si consigo mesmo e a aptidão para o múltiplo simultâneo, Espinosa pode escrever: “A felicidade não é o prêmio da virtude, mas a própria virtude; e não a fruímos por refrearmos as paixões, mas, ao contrário, porque a fruímos podemos refrear as paixões”.

II.

A tradição teológico-religiosa concebe o homem como um ser decaído em decorrência de uma falta originária, o pecado original — quando, usando seu livre-arbítrio, o homem transgrediu os mandamentos divinos. Assim, a primeira manifestação da liberdade humana foi o pecado e, com ela, a culpa. Nessa tradição, o ser humano não é espontaneamente orientado para o bem, mas inclina-se naturalmente para o mal. Por esse motivo, a ética é concebida como um sistema de normas e valores que distinguem entre o bem e o mal, o vício e a virtude e que operam como fins da ação virtuosa ou correta. A liberdade é concebida como livre-arbítrio da vontade, que escolhe entre fins ou entre alternativas possíveis, cabendo à ética educar a vontade, submetê-la à razão, para que escolha fins bons e rejeite fins maus. A ética deve, portanto, oferecer modelos da conduta virtuosa (conformes ao bem) e afastar as formas de conduta viciosas (conformes ao mal), e o homem virtuoso é aquele que age em conformidade com o bom modelo, isto é, em conformidade com o bem e com o dever. Por meio do dever moral, o homem rejeita ou afasta seus impulsos e instintos perversos, abandona sua natureza pervertida, forçando sua vontade a submeter-se aos imperativos da razão. Nessa tradição, o corpo é considerado a causa das paixões da alma, e as paixões são tidas como vícios em que caímos por nossa culpa, contrariando as leis da natureza e a vontade de Deus.

Colocando-se contra a tradição, no prefácio à Parte III da Ética, Espinosa escreve:

Na maioria, os que escreveram sobre os afetos e a maneira de viver dos homens parecem ter tratado não de coisas naturais, que seguem as leis comuns da natureza, mas de coisas que estão fora da natureza. Mais ainda, parecem conceber o homem como um império num império. Acreditam, com efeito, que o homem perturba a ordem da natureza, mais do que a segue, que tem sobre suas ações potência absoluta e que não é determinado por outra coisa senão por si mesmo. Além disso, atribuem a causa da impotência e inconstância humanas não à potência comum da natureza, mas não sei a que vício da natureza humana, e por isso mesmo a lamentam, riem-se dela, a desprezam, ou, o que acontece mais amiúde, a detestam; e aquele que mais eloquente ou mais argutamente souber censurar a impotência da mente humana é tido por divino.

A ética espinosiana busca o livre exercício do corpo, da alma e da razão. Sua viga mestra é a ideia de que o homem é parte imanente da natureza, não sendo um império num império — um poder rival ao da natureza — e tampouco, por suas paixões e ações, um agente perturbador da ordem natural, mas ele é uma parte dessa ordem natural, parte que possui a peculiaridade de não ser apenas parte, mas sim capaz de tomar parte na atividade do todo do universo.

Há duas maneiras de ser e de existir: a do ser absolutamente infinito, constituído de infinitos atributos infinitos (ou de infinitas ordens de realidade simultâneas), substância eterna que existe em si e por si mesma; e a dos seres que existem como efeitos imanentes à substância, que neles se exprime e é por eles expressa — todos os seres, demonstra Espinosa, seguem da necessidade da essência e potência do ser absolutamente infinito, que é causa imanente de todos eles. A esta segunda maneira de existir, Espinosa dá o nome de modos da substância. À substância e seus atributos, enquanto atividade infinita que produz a totalidade do real, Espinosa dá o nome de Natureza Naturante. E designa com o nome de Natureza Naturada à totalidade dos modos produzidos pelos atributos. Graças à causalidade imanente — isto é, à produção de toda a realidade sem que a causa produtora se separe do que é produzido por ela —, a totalidade formada pela Natureza Naturante e pela Natureza Naturada constitui a unidade eterna e infinita do universo, e seu nome é Deus. A imanência está concentrada na expressão célebre: Deus sive Natura. Deus, ou seja, a Natureza.

Os atributos da substância são potências de ação, de cuja essência seguem todas as coisas do universo; e porque tudo segue da potência necessária dos atributos, tudo o que existe possui causa determinada e necessária para existir e ser tal como é — nada há de contingente ou possível no universo, pois todos os seres seguem as leis necessárias da Natureza. Os modos, por exprimirem a potência universal da substância, são também potências de agir, isto é, causas que produzem efeitos necessários. Assim, em lugar das distinções tradicionais entre “por natureza/por vontade” e “por necessidade/por liberdade”, a única distinção verdadeira admitida por Espinosa é a existente no interior da própria necessidade: o necessário pela essência e o necessário pela causa. Há um ser necessário por sua própria natureza ou por sua essência — a substância ou Deus — e há seres necessários pela causa — os modos, os seres singulares, efeitos imanentes da potência necessária de Deus. Necessidade e liberdade não são ideias opostas, mas concordantes e complementares, pois a liberdade não é a indeterminação que precede uma escolha contingente nem é a indeterminação dessa escolha, mas sim o poder interno de um ser que, ao agir, é determinado apenas por si mesmo ou pelas leis necessárias de sua natureza. Dizemos que um ser é livre quando é autodeterminado ou autônomo, isto é, quando nele, pela necessidade interna de sua essência e de sua potência, identificam-se sua maneira de existir, de ser e de agir. A liberdade não é, pois, escolha voluntária entre possíveis ou entre fins, mas a autodeterminação necessária do agente.

III.

O ser absolutamente infinito é constituído por infinitas ordens de realidades simultâneas a que Espinosa dá o nome de atributos da substância. Os atributos são potências produtoras de toda realidade e comunicam sua natureza causal ou produtora aos seus efeitos, por isso as modificações finitas do ser absolutamente infinito são também potências de agir ou de produzir efeitos necessários. A essa potência de agir singular e finita, Espinosa dá o nome de conatus, esforço de autoperseveração na existência. O ser humano é um conatus e é pelo conatus que ele é uma parte da natureza ou uma parte da potência infinita da substância. O homem, união de um corpo e de uma alma ou mente, é um modo singular finito, um efeito imanente da atividade dos atributos substanciais. Como modo produzido pela potência imanente do atributo Pensamento, ele é uma ideia ou mente ou alma; como modo produzido pela potência imanente do atributo Extensão, ele é um corpo.

O corpo humano é uma singularidade extremamente complexa, constituída por uma diversidade e pluralidade de corpúsculos duros e moles, e de fluidos relacionados entre si pela harmonia e equilíbrio de suas proporções de movimento e repouso. É uma unidade estruturada: não é um agregado de partes, mas unidade de conjunto e equilíbrio de ações internas interligadas de órgãos; é, portanto, um indivíduo. Sobretudo, é um indivíduo dinâmico, pois o equilíbrio interno é obtido por mudanças internas contínuas e por relações externas contínuas, formando um sistema de ações e reações centrípeto e centrífugo, de sorte que, por essência, o corpo é relacional: é constituído por relações internas entre seus órgãos, por relações externas com outros corpos, e por afecções, isto é, pela capacidade de afetar outros corpos e ser por eles afetado sem se destruir, regenerando-se com eles e os regenerando. O corpo, sistema complexo de movimentos internos e externos, pressupõe e põe como originária a intercorporeidade. E isso sob dois aspectos: de um lado, porque ele é, enquanto indivíduo singular, uma união de corpos; de outro, porque sua vida se realiza na coexistência com outros corpos externos. De fato, não só o corpo está exposto à ação de todos os outros corpos exteriores que o rodeiam e dos quais precisa para conservar-se, regenerar-se e transformar-se, como ele próprio é necessário à conservação, regeneração e transformação de outros corpos. Um corpo humano é tanto mais forte, mais potente, mais apto à conservação, à regeneração e à transformação, quanto mais ricas e complexas forem suas relações com outros corpos, isto é, quanto mais amplo e complexo for o sistema das afecções corporais.

A alma — mens, a mente, na linguagem de Espinosa — é uma força pensante. Pensar é conhecer alguma coisa afirmando ou negando sua ideia. Afirmar ou negar são atos singulares de afirmação ou negação, de sorte que uma ideia ou um pensamento é um ato de pensar. A mente humana é atividade pensante, que se realiza como percepção, razão e reflexão. Pensar é ter consciência de alguma coisa e ser consciente de alguma coisa. Isto significa que a mente, como potência pensante, está natural e essencialmente voltada para os objetos que constituem os conteúdos ou as significações de suas ideias ou imagens. É da natureza da mente estar internamente ligada a seu objeto, por ela não ser senão atividade de pensá-lo, potência para abrir-se ao objeto e para acolhê-lo. Em outros termos, porque é um ser pensante, a mente está natural e essencialmente voltada para os objetos que constituem os conteúdos ou as significações de suas ideias.

Se assim é, podemos avaliar a revolução espinosiana ao definir e demonstrar que a alma é ideia do corpo. De fato, demonstra Espinosa, o primeiro objeto que constitui a atividade pensante da mente humana é o seu corpo, e, por isso, a mente não é senão ideia do corpo. E por ser o poder para a reflexão, a mente, consciente de ser consciente de seu corpo, é também ideia da ideia do corpo, ou seja, é ideia de si mesma, ou ideia da ideia. Se o corpo humano é união de corpos, a mente humana é conexão de ideias, ou seja, atividade causal de uma singularidade, cujo ser é ser uma ideia que produz ideias. Em outras palavras, a união corporal e a conexão mental são as atividades que constituem a singularidade individual de um ser humano.

A mente humana é consciência das afecções de seu corpo e das ideias dessas afecções: é consciência do corpo e consciência de si. O corpo constitui o objeto atual da alma: é da natureza da alma estar ligada internamente ao seu corpo por ser ela a atividade de pensá-lo, e ele, o objeto pensado (imaginado, concebido, compreendido, desejado) por ela. A ligação entre a alma e o corpo não é algo que acontece a ambos, mas é o que ambos são quando são corpo e alma humanos. Por serem efeitos simultâneos da atividade de dois atributos substanciais de igual potência e de igual realidade, corpo e alma não estão em uma relação hierárquica de comando: o corpo comandando a alma na paixão e no vício; a alma assumindo o comando sobre o corpo na ação e na virtude. Corpo e alma são isonômicos, isto é, estão sob as mesmas leis e sob os mesmos princípios, expressos diferenciadamente. Rompe-se, portanto, a longa tradição filosófica que definira a alma como superior ao corpo e devendo ter comando sobre ele.

A mente é consciência dos movimentos, das mudanças, das ações e reações de seu corpo na relação com outros corpos, e das mudanças no equilíbrio interno de seu corpo sob a ação das causas externas. Ou seja, ela é consciência da vida de seu corpo e consciência de ser consciente disso. E ela só tem consciência de si através da consciência das modificações, dos movimentos, da vida ou das afecções de seu corpo.

No entanto, não nos precipitemos. Dizer que a mente é consciência de seu corpo e consciência de si não significa, porém, que por isso ela seria e teria imediatamente um conhecimento verdadeiro de seu corpo e de si. Pelo contrário. A mente vive em um conhecimento confuso de seu corpo e de si.

Afetando outros corpos e sendo por eles afetado de inúmeras maneiras, o corpo cria imagens de si a partir do modo como é afetado pelos demais corpos. Imaginar[1] exprime a primeira forma da intercorporeidade, aquela na qual a imagem do corpo e de sua vida é formada pela imagem que os demais corpos oferecem do nosso. A imagem, por nascer do sistema das afecções corporais, é instantânea e momentânea, volátil, fugaz e dispersa, oferecendo não a duração continua da vida do próprio corpo, mas instantes fragmentados dela. Nascida de encontros corporais fortuitos, a imagem institui o campo da experiência vivida como relação imediata com o mundo, porque contato direto de nosso corpo com os outros corpos.

A mente, consciente do corpo através dessas imagens, por meio delas o representa, e aos outros corpos, tendo por isso dele, e deles, um conhecimento inadequado. Vivencia seu corpo, mas não o conhece tal como é em si mesmo, nem tal como é sua vida própria, mas pensa-o segundo imagens externas que ele recebe ou forma na relação intercorporal. Pelo mesmo motivo, ela não possui um conhecimento verdadeiro dos corpos exteriores, pois os conhece segundo as imagens que seu corpo deles forma a partir das imagens que dele eles formaram, de sorte que há espelhamento dele neles e deles nele — e é isto o objeto atual que constitui o ser da alma. A ideia imaginativa é o esforço da mente para associar, diferenciar, generalizar e relacionar imagens, criando entre elas conexões para, com elas, orientar-se no mundo. Isto não significa, porém, como sempre afirmou a tradição intelectualista, que a mente esteja impedida do conhecimento verdadeiro de seu corpo, de si e do mundo porque estaria essencialmente ligada a seu corpo como se encarcerada numa prisão. O bloqueio à verdade não nasce da ligação corpo-alma, e sim do fato de que a alma deixa a iniciativa do conhecimento ao corpo, e este só é capaz de imaginar, pois não é de sua natureza pensar. O acesso ao verdadeiro abre-se para a alma ao assumir esta sua natureza própria, sua potência própria, isto é, o poder para pensar e tomar a iniciativa do conhecimento. Porém, longe de afirmar (como faria a tradição intelectualista) que tal iniciativa depende de um afastamento da alma em relação ao corpo, Espinosa demonstra que, pelo contrário, será aprofundando essa relação que a alma poderá tomar iniciativa para pensar.

IV.

Qual a relação originária entre a mente e seu corpo? A vida afetiva.

A mente humana não está alojada numa porção bruta de matéria, mas está unida ao seu objeto, ao seu corpo vivente. Como ela não é senão a consciência de sua vida corporal, quanto mais rica e complexa for a experiência corporal (ou o sistema das afecções corporais), tanto mais rica e complexa será a experiência mental, ou seja, tanto mais a mente será capaz de perceber e compreender uma pluralidade de coisas, pois, demonstra Espinosa, nada acontece no corpo de que a mente não forme uma ideia (mesmo que confusa). E, quanto mais rica a experiência mental, mais rica e complexa a reflexão, isto é, o conhecimento que a mente terá de si mesma. Evidentemente, o corpo não causa pensamentos na mente, nem a mente causa as ações corporais: ela percebe e interpreta o que se passa em seu corpo e em si mesma.

Os humanos, como os demais seres, são dotados de conatus, ou potência interna para existir e conservar-se na existência, mas uma força sempre em ação, e, por consequência, a essência de um ser singular é sua atividade, ou seja, as operações e ações que realiza para manter-se na existência. Essas operações, quando aumentam ou diminuem a potência de existir de nosso ser, são os afetos.

Na abertura da Parte III da Ética, Espinosa escreve:

Denomino causa adequada aquela cujo efeito pode ser percebido clara e distintamente por ela mesma. E inadequada ou parcial chamo aquela cujo efeito não pode só por ela ser compreendido.

Digo que agimos quando ocorre em nós ou fora de nós algo de que somos causa adequada, isto é, quando de nossa natureza segue em nós ou fora de nós algo que pode ser explicado clara e distintamente só por ela mesma. Digo, ao contrário, que padecemos quando em nós ocorre algo, ou de nossa natureza segue algo, de que não somos causa senão parcial.

Por Afeto entendo as afecções do corpo pelas quais a potência de agir do próprio corpo é aumentada ou diminuída, favorecida ou coibida, e simultaneamente as ideias destas afecções.

Assim, se podemos ser causa adequada de alguma destas afecções, então por afeto entendo ação; caso contrário, paixão.

Ser causa inadequada é ser determinado pela potência de causas externas. Ser causa adequada é ser determinado apenas pela potência interna de nossa própria essência. Somos causa inadequada de nossos afetos quando são causados em nós pelo poder de causas externas; somos causa adequada de nossos afetos quando são causados em nós por nossa própria potência interna. Ser causa inadequada é ser passivo e passional. Ser causa adequada é ser ativo e livre. Há, pois, afetos passivos ou paixões e afetos ativos ou ações.

Com a definição da paixão e da ação pelo conatus como causa inadequada ou adequada, Espinosa afasta a suposição tradicional de que somos movidos (seja na paixão, seja na ação) por causas finais externas e que seríamos livres quando nosso apetite e nosso desejo fossem levados por nossa vontade a escolher os fins bons, que nos fariam ser virtuosos. Na verdade, porém, os propósitos e intenções que realizamos passiva ou ativamente não são fins externos escolhidos por nossa vontade, mas exprimem a causalidade de nosso desejo, isto é, de nosso conatus.

Nosso ser é definido pela intensidade maior ou menor da força para existir — no caso do corpo, da força maior ou menor para afetar outros corpos e ser afetado por eles; no caso da mente, da força maior ou menor para pensar. A variação da intensidade da potência para existir depende da qualidade de nossos afetos e, portanto, da maneira como nos relacionamos com as forças externas, sempre muito mais numerosas e mais poderosas do que a nossa. O desejo realizado aumenta nossa força para existir e pensar. Chama-se alegria, definida por Espinosa como o sentimento que temos de que nossa capacidade para existir aumenta, chamando-se amor quando atribuímos esse aumento a uma causa externa (o objeto do desejo). O desejo frustrado diminui nossa força para existir e pensar. Chama-se tristeza, definida por Espinosa como o sentimento que temos de que nossa capacidade para existir diminui, chamando-se ódio, se considerarmos essa diminuição existencial um efeito proveniente de uma causa externa (o objeto do desejo). Todos os demais afetos são derivados dos três originários: desejo, alegria e tristeza.

As paixões, escreve Espinosa, não são vícios nem pecados, nem desordem nem doença, mas efeitos necessários do fato de sermos uma parte finita da natureza, circundados por um número ilimitado de outras forças que, mais poderosas e mais numerosas do que nós, exercem poder sobre nós. A passividade natural possui, assim, três causas: a necessidade natural do apetite e do desejo de objetos para sua satisfação; a força das causas externas maior do que a nossa; e a vida imaginária, que nos dirige cegamente ao mundo, esperando encontrar satisfação no consumo e apropriação das imagens das coisas, dos outros e de nós mesmos. Por isso, na paixão, somos causa inadequada de nossos apetites e de nossos desejos, isto é, somos apenas parcialmente causa do que sentimos, fazemos e desejamos, pois a causa mais forte e poderosa é a imagem das coisas, dos outros e de nós mesmos, portanto, a exterioridade é mais forte e mais poderosa do que a interioridade causal corporal e psíquica.

A naturalidade da paixão — e o fato de que o bom e o mau não são qualidades das coisas, mas sim dependem inteiramente da qualidade de nosso próprio desejo — não significa, porém, que seus efeitos sejam necessariamente positivos. Pelo contrário. Espinosa demonstrará que a paixão aumenta imaginariamente a intensidade do conatus mas realmente a diminui. Esse aumento imaginário da força para existir, e sua diminuição real, é a servidão humana. “Chamo servidão a impotência humana para moderar ou refrear os afetos. Com efeito, o homem submetido aos afetos não é senhor de si, mas depende da fortuna, sob cujo poder ele está, de tal modo que muitas vezes é forçado a seguir o pior, embora vendo o que é melhor para si.”

A servidão não resulta dos afetos, mas das paixões. Resulta da força de algumas delas sobre outras. Passividade significa ser determinado a existir, desejar, pensar a partir das imagens exteriores que operam como causas de nossos apetites e desejos. A servidão é o momento em que a força interna do conatus, tendo-se tornado excessivamente enfraquecida sob a ação das forças externas, submete-se a elas imaginando submetê-las. Ilusão de força na fraqueza interior extrema, a servidão é deixar-se habitar pela exterioridade, deixar-se governar por ela e, mais do que isto, Espinosa a define literalmente como alienação (o indivíduo passivo-passional é servo de causas exteriores, está sob o poder de um outro ou, em linguagem espinosiana, é alterius juris, está alienus juris). Alienados, não só não reconhecemos o poderio externo que nos domina, mas o desejamos e identificamo-nos com ele. A marca da servidão é levar o apetite-desejo à forma-limite: a carência insaciável que busca interminavelmente a satisfação fora de si, num outro que só existe imaginariamente.

Entre seus vários efeitos, a servidão produz dois de consequências gigantescas: do lado do indivíduo, coloca-o em contradição consigo mesmo, levando-o a confundir exterior e interior, perdendo a referência de seu conatus e, justamente por isso, provocando sua própria destruição; e, do lado da vida intersubjetiva, torna cada um contrário a todos os outros, em luta contra todos os outros, temendo e odiando todos os outros, cada qual imaginando satisfazer seu desejo com a destruição do outro, percebido como obstáculo aos apetites e desejos de cada um e de todos os outros.

V.

Se somos naturalmente passivos ou causas inadequadas, como explicar que, por natureza, sejamos também ativos ou causas adequadas? Como passamos dos afetos passivos aos afetos ativos? Como passar da servidão à liberdade? Em suma, se somos passivos por natureza, se somos passivos de corpo e alma, se a alma tem conhecimento inadequado dos apetites de seu corpo e de seus desejos, se não há uma livre vontade racional capaz de dominar as paixões, como há de ser possível a ética? Ela supõe e exige seres autônomos, mas somos naturalmente heterônomos; a ética supõe e exige seres racionais, mas somos naturalmente afetos e desejos. Como sair do imaginário sem sair dos afetos? Como sair da passividade sem separar corpo e alma? Como nos tornarmos causa adequada, isto é, causa interna total dos efeitos daquilo que se passa em nós?

Responde Espinosa: não basta ter uma ideia verdadeira de alguma coisa para que isso nos leve da paixão à ação, ou seja, para que se transforme a qualidade de nosso desejo, pois não há bem e mal em si, ou coisas boas ou más em si mesmas (não desejamos uma coisa porque seja boa, nem lhe temos aversão por ser má, e sim é boa porque a desejamos e é má porque lhe temos aversão). Também não passamos da paixão à ação por um domínio da mente sobre o corpo — somos passivos de corpo e mente ou somos ativos de corpo e mente. E também não passamos da paixão à ação por um domínio que a razão possa ter sobre o desejo, pois uma paixão só é vencida por outra paixão mais forte e contrária e não por uma ideia verdadeira.

Espinosa demonstra que “o esforço para se conservar — o conatus — é o primeiro e único fundamento da virtude”. A chave da ética encontra-se nessa posição do conatus como fundamento primeiro e único da virtude, palavra que, como vemos, é empregada por Espinosa não no sentido moral de valor e modelo a ser seguido, mas em seu sentido etimológico de força interna (em latim, virtus deriva de vis, força).

A virtude do corpo é poder afetar de inúmeras maneiras simultâneas outros corpos e ser por eles afetado de inúmeras maneiras simultâneas, pois, como vimos, o corpo é um indivíduo que se define tanto pelas relações internas de equilíbrio de seus órgãos quanto pelas relações de harmonia com os demais corpos, sendo por eles alimentado, revitalizado e fazendo o mesmo para eles. A virtude da alma, seu conatus próprio, é pensar, e sua força interior dependerá, portanto, de sua capacidade para interpretar as imagens de seu corpo e dos corpos exteriores, passando delas às ideias propriamente ditas, das quais é a única causa possível.

Um desejo só se encontra em nossa alma ao mesmo tempo em que a ideia da coisa desejada. Na paixão, a coisa desejada surge na imagem de um fim externo; na ação, como um afeto posto internamente por nosso próprio ato de desejar e, portanto, como algo de que nos reconhecemos como causa, interpretando o que se passa em nós e adquirindo a ideia verdadeira de nós mesmos e do desejado. E é no interior do próprio desejo que esse desenvolvimento intelectual acontece. A virtude é, por um lado, um movimento e um processo de interiorização da causalidade — ser causa interna ou adequada dos apetites, dos desejos, e das ideias — e, por outro lado, a instauração de uma nova relação com a exterioridade, quando esta deixa de ser sentida como ameaçadora ou como surpressão de carências imaginárias. Mas isto significa que a possibilidade da ética se encontra, portanto, na possibilidade de fortalecer o conatus para que se torne causa interna e autônoma dos apetites e imagens do corpo, e dos desejos e ideias da mente.

A originalidade inovadora de Espinosa está em considerar que essa possibilidade e esse processo são dados pelos próprios afetos, e não sem eles ou contra eles.

De fato, a alegria e todos os afetos dela derivados, mesmo quando passiva, é o sentimento do aumento da força para existir. Por isso Espinosa escreve: “O desejo que nasce da alegria é mais forte do que o desejo que nasce da tristeza”. Ora, vimos que uma paixão não é vencida por uma ideia verdadeira, mas por uma outra paixão contrária e mais forte. Espinosa nos mostra que a alegria e o desejo nascido da alegria (e, portanto, o desejo nascido de todos os afetos de alegria, como o amor, a amizade, a esperança, a segurança, a generosidade, o contentamento, a misericórdia, a benevolência, a gratidão, a glória) são as paixões mais fortes. A vida ética começa, assim, no interior das paixões, pelo fortalecimento das mais fortes e enfraquecimento das mais fracas, isto é, de todas as formas da tristeza e dos desejos nascidos da tristeza (ódio, medo, ambição, orgulho, humildade, modéstia, ciúme, avareza, vingança, remorso, arrependimento, inveja). Uma tristeza intensa é uma paixão fraca; uma alegria intensa, uma paixão forte, pois fraco e forte se referem à qualidade do conatus ou da potência de ser e agir, enquanto a intensidade se refere ao grau dessa potência. Passar dos desejos tristes aos alegres é passar da fraqueza à força. À medida que as paixões tristes vão sendo afastadas e as alegres vão sendo aproximadas, a força do conatus aumenta, de sorte que a alegria e o desejo dela nascido tendem, pouco a pouco, a diminuir nossa passividade e preparar-nos para a atividade.

Espinosa demonstra não apenas que uma paixão só é vencida por outra contrária e mais forte — e não por uma ideia verdadeira —, mas também demonstra que, por isso mesmo, a razão só terá força sobre as paixões se ela própria for experimentada como um afeto mais forte. Assim, o primeiro instante da atividade é sentido como um afeto decisivo: quando, para nossa alma, pensar e conhecer for sentido como o mais forte dos afetos, o mais forte desejo e a mais forte alegria, tem lugar um salto qualitativo, pois descobrimos a essência de nossa alma e sua virtude no instante mesmo em que a paixão de pensar nos lança para a ação de pensar. É o momento em que descobrimos a simultaneidade da potência do corpo e da potência da alma, e quando sabemos que os pensamentos se encadeiam na alma exatamente como as imagens se encadeiam no corpo, mas que uma ideia difere de uma imagem por ser o conhecimento verdadeiro das causas das imagens e das ideias, conhecimento verdadeiro da essência do corpo e da alma, conhecimento verdadeiro da relação entre ambos, e deles, com o todo da natureza.

A ética não é senão o movimento de reflexão, isto é, o movimento de interiorização no qual a alma interpreta seus afetos e os de seu corpo, afastando as causas externas imaginárias e descobrindo-se e a seu corpo como causas reais dos apetites e desejos. A possibilidade da ação reflexiva da alma encontra-se, portanto, na estrutura da própria afetividade: é o desejo de alegria que a impulsiona rumo ao conhecimento e à ação. Pensamos e agimos não contra os afetos, mas graças a eles.

A essência da mente, escreve Espinosa, é o conhecimento, e, quanto mais ela conhece, mais realiza sua essência ou potência, isto é, sua virtude. Ora, a mente é ideia de seu corpo ou consciência da vida de seu corpo; por isso mesmo, quanto mais apto for seu corpo para a multiplicidade de afecções e afetos simultâneos ou para a pluralidade simultânea, mais ativa será a mente, que pensará múltiplas ideias simultâneas e sentirá múltiplos afetos simultâneos e, finalmente, poderá compreender-se como poder reflexivo que, pelo pensamento, alcança o sentido de si mesma, de seu corpo, do mundo e da natureza inteira.

É isto a liberdade: reconhecer-se como causa interna dos apetites e imagens, dos desejos e ideias. Liberdade não é escolha voluntária, mas autonomia. Somos livres quando somos o que pensamos, sentimos e fazemos. A virtude, diz Espinosa, é a potência de agir e viver. A reflexão como interiorização e interpretação das causas reais e do sentido verdadeiro da vida afetiva é, assim, uma liberação que nos faz chegar à liberdade, pois, como diz Espinosa, é livre aquele que age segundo a necessidade de sua natureza. E quem age segundo as leis necessárias de sua natureza é virtuoso, pois não faz senão desdobrar a potência do corpo para relacionar-se com outros, e a da mente para conhecer essas relações, e a si mesma, como força pensante.

Notas

[1] Desde os gregos até o século XVIII, a imaginação não se confunde com a fantasia criadora. Imaginar é conhecer por meio de imagens sensoriais (visuais, táteis, olfativas, gustativas, sonoras, motrizes), ou seja, imaginar é perceber. Imaginação significa, portanto, sensação e percepção. Ao falar das imagens e das ideias imaginativas, Espinosa está, portanto, referindo-se ao conhecimento sensorial ou perceptivo.

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