2009

Identidades irreconhecíveis

por Oswaldo Giacoia Junior

Resumo

Em meados dos anos 50 do século passado, Michel Foucault registra a datação recente do aparecimento do homem como problema para o saber. Para Foucault, a figura do homem surge entre todas as mutações que afetaram o saber das coisas e sua ordem, surge entre o transcendental e o empírico, em meio a identidades e diferenças, na rede que remete uns aos outros os jogos de verdade e os efeitos de poder.

Dez anos mais tarde, sempre preocupado com a arqueogenealogia das mutações no espaço do saber, onde tomaram forma as ciências humanas, Foucault reconstitui o mosaico da sociedade europeia do século XIX como domínio normativo-previdenciário da biopolítica.

Ora, os corpos disciplinados e regulamentados pela biopolítica não têm a mesma consistência, a mesma densidade com que o homem era tematizado pela racionalidade jusnaturalista clássica: uma mutação decisiva produziu-se no campo de cruzamento entre o homem, as ciências humanas e o biopoder.

Mas, talvez por causa disso, tenhamos condições de ao menos pressentir um desaparecimento provável de identidades reconhecíveis, e também de adivinhar os signos de novos adventos, de novas experiências de subjetivação, para além das formas de assujeitamento como sujeição, que sequestra a vida nos cálculos políticos de uma gestão econômica dos corpos e dos ciclos biológicos das populações.

Em seus últimos cursos no Collège de France, Foucault experimenta novas reflexões sobre o governo dos vivos, sobre o exercício da política como direção das condutas, retornando aos primeiros anos da era cristã e às práticas ascéticas como tecnologias de si próprio.

É nesse horizonte de transformação que um diagnóstico do presente torna-se possível, como efeito do distanciamento crítico que reconduz à antiguidade Greco-romana, para daí retornar a uma hermenêutica do sujeito, que elabora novos quadros conceituais para outras experiências de subjetividade, na tentativa de pensar uma ética como estilística da existência, numa sobriedade lúcida que recusa a norma e a sujeição.


Faz sentido ainda a insistência em exumar o tema da conditio humana depois das exéquias do humanismo celebradas na pós-modernidade, num tempo em que a metafísica se converteu em cibernética, a nanotecnologia e a robótica reproduzem e aperfeiçoam quase todas as faculdades naturais do corpo e da mente e a engenharia genética – a ponto de decodificar o genoma – nos promete a decifração da fórmula encerrada na base somática da personalidade? Essas mutações no texto da “natureza humana” apagam sua antiga aura e preparam o advento de sua “reprodutibilidade técnica” potencialmente em escala industrial. Nossa pergunta pela condição humana, no presente contexto de mutações profundas, não incluiria também a preocupação com o desaparecimento da essência dessa condição, no próprio momento de realização total da ardentemente sonhada autodeterminação do Homo sapiens?

Uma nova mutação epocal da condição humana não surpreenderia um filósofo como Michel Foucault, que não cessou de anunciá-la, desde os anos 1960. Para ele, com efeito, o homem pode mudar, ou até mesmo desaparecer, simplesmente porque – enquanto designando uma positividade ontológica, uma essência ou natureza supra-histórica – o homem, a condição humana, nunca existiu. Como afirmou certa vez Deleuze, referindo-se a Foucault: “Da época clássica à modernidade, vamos de um estado onde o homem não existe ainda a um estado do qual o homem já desapareceu.”[1]

Vale a pena citar aqui a célebre e polêmica passagem de As palavras e as coisas a propósito da recente datação da invenção do homem na cultura ocidental. “O homem é uma invenção da qual a arqueologia de nosso pensamento mostra facilmente a data recente. E talvez o fim próximo. Se essas disposições vêm a desaparecer, tal como apareceram; se, por algum evento de que podemos ademais pressentir a possibilidade – mas de que não conhecemos ainda nem a forma nem a promessa, elas oscilam, como o fez na virada do século XVIII o solo do pensamento clássico, então pode-se bem apostar que o homem se apagaria, como, no limite do mar, um rosto de areia.”[2]

Michel Foucault registrava, assim, a datação recente do aparecimento do “homem” como um intrincado problema colocado para o saber. Para ele, a figura do homem surge em meio a todas as mutações que afetaram o saber das coisas e sua ordem, na passagem do classicismo para a modernidade. Surge a partir de uma analítica da finitude que pensa o homem como o polo referencial de todas as positividades a que tem acesso a faculdade de representação: pois só pode haver representação (portanto, abertura para o mundo) se algo que se apresenta como real for dado a um sujeito; sujeito que, nessas condições, não pode ser senão finito.

O homem surge, além disso, no espaço aberto entre o transcendental e o empírico – pois constitui, a um só tempo, objeto possível para a ciência e sujeito cuja atividade sintética produz todas as representações, inclusive as científicas. O homem encontra uma superfície de reflexão na relação permanente entre o cogito e o impensado – abertura na qual se inscrevem os três domínios de saber próprios da modernidade: a biologia, a filologia e a economia política, campos nos quais se implantarão a psicologia, a sociologia, a linguística e a antropologia.

O homem faz a experiência de si como corpo pertencente a uma cadeia de seres vivos, que precede toda consciência, a domina e ultrapassa, como falante de uma linguagem preexistente a seu próprio eu, que não faz senão atualizá-la em seus atos de fala; qualifica-se como trabalhador que reproduz sua existência em condições de produção historicamente configuradas, organizadas, estruturadas, em meio às quais é forçado a se inserir. Enfim, o homem aparece sempre no horizonte de uma história, sobre um fundo já começado, acerca de cuja origem possível ele não cessa de se interrogar, num movimento incessante de recuo e retorno dessa origem. O homem emerge, assim, historicamente, em meio a identidades e diferenças, na rede que interliga uns aos outros os jogos de verdade e os efeitos de poder.

Em meados dos anos 1970, sempre preocupado com a arqueogenealogia das mutações no espaço do saber em que se formaram as ciências humanas, Foucault reconstitui o mosaico da sociedade europeia do século XIX como o domínio normativo-previdenciário das disciplinas e da regulamentação biopolítica.

Dizer que o poder no século XIX incumbiu-se da vida é dizer que ele conseguiu cobrir toda a superfície que se estende do orgânico ao biológico, do corpo à população, mediante o jogo duplo das, tecnologias, de disciplina, de uma parte, e das tecnologias de regulamentação de outra. Portanto, estamos num poder que se incumbiu tanto do corpo quanto da vida, da vida em geral, com o polo do corpo e o polo da população.[3]

Em seus últimos cursos no Collège de France, Foucault experimenta novas reflexões sobre o governo dos vivos, sobre o exercício da política como direção das condutas, retornando aos primeiros anos da era cristã e às práticas ascéticas como tecnologias de si próprio.

É nesse horizonte de transformação que um diagnóstico do presente se torna possível, como efeito do distanciamento crítico que reconduz à antiguidade greco-romana, para daí retornar a uma hermenêutica do sujeito que elabora novos quadros categoriais para outras experiências de subjetividade, na tentativa de pensar uma ética como estilística da existência, numa sobriedade lúcida e austera, que denuncia a tirania da norma universal como mecanismo totalitário de sujeição.

Pode parecer estranho, anacrônico e irrealista que, no apogeu da racionalidade tecnocientífica, em que se efetivam modalidades diversas da produção do “humano” pelo caminho instrumental da objetificação e mesmo reificação de sua condição, alguém se proponha a retomar a antiga prática ascética do cuidado de si, vendo na ética uma alternativa plausível para nosso anseio permanente de uma “vida boa”, resgatando com isso uma desconcertante proposta de exercício da liberdade e domínio de si, no plano do pensar e do agir.

No entanto, esse anacronismo aparente é, em realidade, efeito de um pensamento deliberadamente extemporâneo. Em primeiro lugar, porque Foucault não se situa à margem de uma reflexão profunda sobre as mutações do humano promovidas pelas ciências e pela tecnologia. Apenas que sua atenção se volta para as modalidades de intervenção tecnocientíficas sobre o humano próprias das ciências humanas, das tecnologias sociopolíticas de exercício do poder com apoio e repercussão na rede dos saberes historicamente constituídos. Portanto, formas de produção da subjetividade por meio das ciências e das tecnologias sociopolíticas.

Em seguida porque a intervenção extemporânea instaura uma diferença fecunda em relação às tendências dominantes da atualidade, reativando uma função paradoxalmente tradicional da filosofia: sua função diagnóstica de dizer o que é o “hoje”, o que somos, e aquilo em que estamos a ponto de nos transformar, a partir de um afastamento crítico e estratégico com relação a nós mesmos. Para Foucault, efetuar o diagnóstico do presente é um dos grandes papéis exercidos pela filosofia, na esteira do modo kantiano de pensar e responder à pergunta “O que é o esclarecimento?”. Foucault pode nos ajudar muito na reconstituição do mosaico sobre cuja superfície se ajustam as peças que compõem a figura moderna do homem e do sujeito, permitindo-nos o recuo que torna possível um diagnóstico de nosso tempo.

Disciplina dos corpos e gestão econômico­política da população

Pela primeira vez na história, sem dúvida, o biológico se refletiu no político; o fato de viver não é mais esse subsolo inacessível que não emerge senão de tempos em tempos no acaso da morte e da fatalidade; ele passa para uma outra parte no campo de controle do saber e da intervenção do poder; seria necessário falar de “biopolítica” para designar o que faz ingressar a vida e seus mecanismos no domínio dos cálculos explícitos e faz do poder-saber um agente de transformação da vida humana; o que se poderia denominar o “limiar da modernidade biológica” de uma sociedade situa-se no momento em que a espécie ingressa como aposta no jogo nas próprias estratégias políticas. Durante milênios o homem permaneceu o que era para Aristóteles: um animal vivente e, além disso, capaz de uma existência política; o homem moderno é um animal em cuja política está em questão sua vida de ser vivente.[4]

Se, num movimento que se desdobrou do final do século XVII e, atravessando o XVIII, consolida-se, na sociedade ocidental, um tipo de poder característico da sociedade disciplinar, a passagem para o século XIX marcará o aparecimento de outra grande tecnologia política, que Foucault denomina biopoder. Uma dessas figuras não suprime a outra; trata-se antes de uma modificação e de um ajustamento nas engrenagens do poder-saber, com seus consequentes jogos de verdade.

Durante a segunda metade do século XVIII, eu creio que se vê aparecer algo de novo, que é uma outra tecnologia de poder, não disciplinar dessa feita. Uma tecnologia de poder que não exclui a técnica disciplinar, mas que a embute, que a integra, que a modifica parcialmente e que, sobretudo, vai utilizá-la implantando-se de certo modo nela, e incrustando-se efetivamente graças a essa técnica disciplinar prévia. Essa nova técnica não suprime a técnica disciplínar simplesmente porque é de outro nível, está em outra escala, tem outra superfície de suporte e é auxiliada por instrumentos, totalmente diferentes.[5]

Grosso modo, pode-se dizer que é sempre a vida e o corpo que se colocam como a presa do poder na sociedade europeia desse período. No entanto, essa presa deve ser considerada numa diferença de escala: a tecnologia do biopoder não é a mesma que a disciplinar – ela não incide prima facie sobre os corpos individuais, com o propósito de vigiá-los, treiná-los, utilizá-los, intensificar suas forças, maximizar seus rendimentos, individualizá-los, sujeitá-los, distribuí-los em série por referência à medida de uma norma, classificá-los e puni-los. Isso é o que caracteriza a tecnologia das modernas disciplinas.

Não centrado sobre os corpos individuais, o biopoder toma a seu encargo a espécie, o homem como ser vivo, a massa global de uma população, sobre cujos processos e ciclos biológicos (como a natalidade, a morbidez, a mortalidade, por exemplo) faz incidir sua intervenção – com apoio em regulamentações jurídicas, não em normas, como as disciplinas. O biopoder não normaliza, ele regulamenta, controla e gere a vida das populações. Temos, portanto, na modernidade, o que no léxico de Michel Foucault é um acoplamento de tecnologias disciplinares e regulamentares.

Dizer que o poder, no século XIX, incumbiu-se da vida, é dizer que ele conseguiu cobrir toda a superfície que se estende do orgânico ao biológico, do corpo à população, mediante o jogo duplo das tecnologias; de disciplina, de uma parte, e das tecnologias de regulamentação, de outra. Portanto, estamos num poder que se incumbiu tanto do corpo quanto da vida, ou que se incumbiu, se vocês preferirem, da vida em geral, com o polo do corpo e o polo da população.[6]

Esse processo produz seus efeitos tanto no macrorregistro das instituições de Estado, da soberania e do regime legal, como também se distribui por todas as camadas de estratificação da sociedade; a ela correspondem também uma alteração completa no modo de produção e organização da vida social, que poderíamos, grosseiramente, caracterizar como a configuração da sociedade burguesa, emergente da revolução industrial.

A possibilidade de encarregar-se da vida e de seus mecanismos, fazendo com que a espécie entre em suas próprias estratégias políticas, penetrando no domínio dos cálculos e da transformação da vida humana, é o que Foucault considera o ‘limiar de modernidade biológica de uma sociedade. Esse limiar é coetâneo do aparecimento, na modernidade, do homem em sua especificidade de ser vivo, como um corpo concreto, sujeito e objeto de si mesmo, com uma historicidade própria. Foucault ressalta, nesse limiar, a importância da proliferação de técnicas políticas investindo todo o espaço da existência.[7]

Desse modo, a moderna sociedade capitalista deixa progressivamente de se regrar por uma ordenação estritamente legal – característica do antigo regime – para se transformar numa sociedade de vigilância, controle e regulamentação, em que a norma ultrapassa a importância conferida à clássica legalidade jurídica. Surge assim, a partir do século XIXum tipo de configuração de poder – complementação entre disciplina e regulamento – cuja tarefa se especificará, cada vez mais, em termos de ajustamento à norma, operado por “mecanismos contínuos, reguladores e corretivos”.

Regressão do jurídico: normatividade, controle a nova figura da soberania

O que caracteriza o biopoder é a crescente importância da norma que distribui os seres, vivos num campo de valor e utilidade. A própria lei funciona como norma devido a suas funções reguladoras. Uma sociedade normalizadora é o efeito histórico de técnicas de poder centradas na vida. A principal caracteristica das técnicas de normalização consiste no fato de integrarem no corpo social a criação, a classificação e o controle sistemático das anormalidade.[8]

Trata-se, pois, de um tipo de poder em que o fundamental não é mais a segregação, sob a forma do banimento e do degredo legais, mas de um poder que “não tem que traçar a linha que separa as pessoas que obedecem, os inimigos do soberano; ele opera distribuições em torno da norma. Não quero dizer que a lei se apague, ou que as instituições de justiça tendem a desaparecer; mas que, doravante, a lei funciona sempre como norma, e que a instituição judiciária se integra cada vez mais a um continuum de aparelhos (médicos, administrativos, etc.) cujas funções são sobretudo reguladoras. Uma sociedade normalizadora é o efeito histórico de uma tecnologia do poder centrado sobre a vida. Por relação às sociedades que tínhamos conhecido até o século XVIII, ingressamos numa fase de regressão do jurídico; as Constituições escritas no mundo inteiro, depois da Revolução Francesa, os códigos redigidos e reformulados, toda uma atividade legislativa permanente e ruidosa não nos devem iludir: são formas que tornam aceitável um poder essencialmente normalizador”.[9]

Faz parte da lógica da normalização – e do exercício do poder disciplinar fundado na norma – um jogo antitético de inclusão/exclusão, em que os antípodas interagem permanentemente, num processo de inversão bipolar. Por meio dele, a norma se define tanto positivamente pela inclusão em seu domínio de um caso sob ela subsumido como também negativamente pela exclusão do caso que não se compreende em seu campo de incidência. Trata-se, assim, de uma exclusão includente, posto que a norma exige, para sua própria compreensão – assim como para a produção do efeito geral por ela visado (o controle sistemático das anormalidades) -, a referência necessária ao excluído de seu campo de abrangência.

Diferentemente da lei, a norma não exige promulgação official pelas instâncias legislativas do Estado, ela não tem o estatuto de imperativo formalmente estabelecido e garantido pelo poder central. Normas, no sentido em que as compreende Foucault, são regras que instituem padrões de medida e standards, pelos quais são mensurados rendimentos e performances. A norma é, assim, antes de tudo, um padrão de medida, uma técnica para produzir a medida comum. Nesse sentido, é pela norma que se pode referir uma multiplicidade a um padrão comparativo e, por meio dele, ao mesmo tempo, tornar comparável e individualizar, demarcar e fixar uma individualidade por comparação. Em relação a essa medida, definem-se limiares de aproximação e desvio, de normalidade e anormalidade – normas, portanto, são critérios para se definir tipos de subjetividade, para fixar identidades desejáveis e formações ou comportamentos desviantes.

A tecnologia do poder disciplinar tem na norma seu instrumento e nas ciências humanas seu campo privilegiado de atuação. Não se trata aqui do exercício maciço e homogêneo do poder da lei, mas da introjeção individual da norma, da vigilância para fins de adestramento. Aquilo que está efetivamente em jogo na tecnologia disciplinar é qualificar, medir, apreciar, hierarquizar as forças dos corpos tomados como máquinas para seu adestramento, ampliação de suas aptidões, extração de suas energias e rendimentos.

Elas operam a inclusão/exclusão de indivíduos e grupos nos processos econômicos, ajustando os corpos aos aparelhos de produção, integrando-os a estratégias eficazes de gestão de recursos, dos meios de produção, dos procedimentos e métodos de intensificação e majoração da forças produtivas. As disciplinas visam essencialmente a inserção de corpos úteis em sistemas eficientes de controle. As disciplinas são individualizantes: elas analisam, diferenciam, decompõem, singularizam, enfim, “fabricam” indivíduos. Antes de tudo, são indispensáveis corpos dóceis e úteis, por todo o tecido da sociedade: famílias, escolas, reformatórios, conventos, clínicas, hospitais, hospícios, casernas, fábricas, confessionários, prisões.

A essa tecnologia disciplinar vem se acoplar, a partir do século XVIII, outro grande agenciamento político da vida, a saber, a tecnologia da regulamentação biopolítica. Seu campo de incidência não é mais o indivíduo, mas o corpo massivo, global, da população, seus processos e ciclos vitais de conjunto, como o nascimento, a morte, as estatísticas de morbidade, as taxas de produtividade. O ajustamento dessas duas tecnologias de poder constitui a modernidade biopolítica – um elemento indispensável ao desenvolvimento do capitalismo.

Se o desenvolvimento dos grandes aparelhos de Estado, como instituições de poder, assegurou a manutenção das relações de produção, os rudimentos da anátomo e da biopolítica, inventados no século XVIII como técnicas de poder, presentes em todos os níveis do corpo social e utilizadas por instituições muito diversas (tanto a família como o exército, a escola ou a polícia, a medicina individual ou a administração das coletividades), agiram ao nível dos processos econômicos, de seu desdobramento, das forças que aí estão em operação e os sustentam. O investimento do corpo vivo, sua valorização e a gestão distributiva de suas forças foram indispensáveis nesse momento.[10]

No macrorregistro institucional dos grandes aparelhos de Estado, a gestão política da vida natural, que o poder tomava a seu cargo, marca o nascimento dos mecanismos de controle e regulamentação dos ciclos vitais da população, que passa a ser, de imediato, enquadrada no ordenamento jurídico-político da cidadania. Desse modo, a forma moderna da soberania é marcada historicamente pela gestão econômico-política dos fenômenos populacionais, sobretudo por uma técnicas e saberes jurídicos e médico-biológicos.

A essa alteração profunda na natureza e na forma da soberania corresponde uma modificação de sua expressão simbólica. A soberania fundada na força da lei e no corpo do rei tinha como insígnia o gládio e como efeito geral a morte: a lei, escreve Foucault, “não pode deixar de estar armada, e sua arma, por excelência, é a morte; àqueles que a transgridem, ela responde, ao menos a título de último recurso, com essa ameaça absoluta. A lei se refere sempre ao gládio”. O biopoder, todavia, é uma forma de “poder que tem por tarefa tomar a vida a seu cargo, (ele) terá necessidade de mecanismos contínuos, reguladores e corretivos. Não se trata mais de lançar a morte no campo da soberania, mas de distribuir o vivente em um domínio de valor e de utilidade. Um tal poder tem que qualificar, medir, apreciar, hierarquizar, antes do que se manifestar em seu brilho mortal”.[11]

Entretanto, essa mudança de regime não faz desaparecer o antigo modelo de soberania como poder de deixar viver e fazer morrer. Porque o soberano tem o direito de matar, ele exerce sobre a vida de outrem uma prerrogativa de concessão: “E eu creio que justamente uma das mais maciças transformações do direito político do século XIX consistiu não exatamente em substituir, mas em completar esse velho direito de soberania – fazer morrer ou deixar viver – com outro direito novo, que não vai apagar o primeiro, mas vai penetrá-lo, perpassá-lo, modificá-lo, e que vai ser um direito, ou melhor, um poder exatamente inverso: poder de ‘fazer’ viver e de ‘deixar’ morrer. O direito de soberania é, portanto, o de fazer morrer ou de deixar viver. E depois, este novo direito é que se instala: direito de fazer viver e de deixar morrer”.[12]

Corresponde ao homem das disciplinas e da regulamentação biopolítica a figura histórica do sujeito submetido à norma, da população governada. Mas a ele corresponde também a figura jurídico-política do cidadão, o titular de direitos universais e prerrogativas políticas a liberdades públicas inalienáveis, fundados não na autoridade teológica da vontade divina, mas em sua própria natureza de ser pensante e social. A biopolítica é também o campo de surgimento dos direitos do homem e do cidadão, do universalismo ético e do constitucionalismo moderno.

Biopolítica e a Dialética do Esclarecimento: para uma arqueogenealogia das ciências do homem

Essa combinação de referências históricas variadas permite dar expressão a uma suspeita de grande relevância para nossa reflexão: o período de surgimento e consolidação do biopoder é historicamente coincidente não apenas com a trajetória de desenvolvimento e crise dos modernos estados nacionais, mas também com o movimento sociopolítico e cultural do Esclarecimento. Em dezembro de 1783, quando os frutos do Esclarecimento tornavam-se figuras do mundo sob a forma das revoluções americana e francesa, Kant recolhia numa fórmula a definição essencial do espírito das Luzes: “Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem direção de outro indivíduo.”[13]

Eis, portanto, uma espécie de certidão de batismo do universalismo ético-político da figura moderna do homem, ou mais precisamente do gênero humano, que, pela via da moral, do direito, da história e da polftica, pode, enfim, elevar-se acima de um plano de mera animalida de. Nasce com isso o projeto de uma antropologia como pragmatica política. Desse modo, a quarta pergunta formulada pelo sistema crítico de Kant (O que é o homem?) constitui-se, ao mesmo tempo, na chave de interpretação do sentido das três outras (O que posso conhecer? Como devo agir? O que posso esperar?) e no fio condutor do programa filosófico da modernidade.

A Antropologia constituiu talvez a disposição fundamental que comandou e conduziu o pensamento filosófico desde Kant até nossos dias. Essa disposição é essencial, pois faz parte de nossa história; mas ela está em vias de se dissociar sob nossos olhos, porque começamos a reconhecer e a denunciar nela, de modo crítico, a uma vez o esquecimento da abertura que a tornou possível e o obstáculo teimoso que se opõe obstinadamente a um pensamento próximo.[14]

Como é sabido, o eixo do programa teórico e ético-político do Esclarecimento era a promoção material e a elevação moral do homem por meio do livre uso da razão, em particular da racionalidade tecnocientífica, em sua forma moderna e experimental. Esse elemento encontrou sua melhor formulação precoce na obra de Francis Bacon, como bem perceberam Horkheimer e Adorno. Já na abertura de sua Dialética do Esclarecimento, eles observam: “Desde sempre o Esclarecimento, no sentido mais abrangente do pensamento em progresso, perseguiu a meta de retirar dos homens o medo e instaurá-los como senhor. O programa do Esclarecimento era o desencantamento do mundo. Ele queria dissolver o mito e derrubar a imaginação pelo saber. Bacon, ‘o pai da filosofia experimental’, já tinha reunido os motivos. Ele despreza os adeptos da tradição, que ‘primeiramente acreditam que outros sabem o que eles não sabem; e depois que eles próprios sabem o que eles não sabem’.”[15] Não se deve esquecer que, para Bacon, o Esclarecimento marca a era do feliz consórcio entre o entendimento humano sadio e a natureza das coisas.

Pioneiros e epígonos da Aufklarung comungam de um otimismo triunfalista, que se põe na base do credo científico desses pensadores: o intelecto humano, emancipado de toda tutela e vassalagem, com base na ciência e na técnica dela decorrentes, coloca-se em condições de enfrentar e resolver com sucesso os mais importantes problemas humanos, de modo a garantir seu domínio sobre as forças da natureza, assim como realizar a justiça nas relações entre os homens.

Assim, o progresso do gênero humano seria o resultado de uma combinação inseparável entre o desenvolvimento do conhecimento teórico com apropriação técnico-pragmática da natureza por um lado e sua utilização em benefício da dimensão ético-moral da natureza humana por outro, essa última essencialmente compreendida por referência a valores universais como autonomia, dignidade, justiça.

No horizonte histórico da modernidade, vemos surgir duas formas de subjetividade, em aparência antitéticas, em realidade estritamente complementares: de um lado, o sujeito biopolítico, produzido pela incidência do poder disciplinar sobre os corpos e das tecnologias de controle e regulamentação do corpo massivo da população. De outro, uma autocompreensão ético-política da subjetividade, que assume a forma de pessoa, do homem-cidadão, titular de direitos fundamentais inalienáveis, inerentes à sua condição de ser racional. É nesse cruzamento entre biopolítica e Esclarecimento, profundamente tributário do nascimento contemporâneo das ciências humanas, que se formulam as pretensões emancipatórias do universalismo ético iluminista, em seus princípios basilares da igualdade, liberdade de autodeterminação e dignidade pessoal.

Ao longo do tempo, a figura do sujeito universal (titular de direitos políticos oponíveis ao Estado), que corresponde às primeiras declarações fundamentais de direito do homem e do cidadão, é substituída pelas formas de subjetividade coletivas (titular de difusos direitos sociais e econômicos) que acompanham as metamorfoses dos Estados-nação, em sua marcha para o Estado de bem-estar social contemporâneo. No entanto, essas figuras convivem, ainda que conflituosamente, com o assujeitamento que resulta das modernas tecnologias de saber-poder próprias da biopolítica.

Visceralmente leiga e pluralista, a modernidade cultural só comporta o universalismo ético formal – sintoma disso é que a subjetividade moral, tal como entendida por Kant, identifica justamente moralidade com a assunção de um ponto de vista universal -; pois, como a era da crítica, a Aufklärung necessariamente corrói as bases substantivas da metafísica, da ética e da política, deslegitimando pretensões de fundamentação absoluta para sistemas normativos assentados em valores conteudísticos. Nesse sentido, a modernidade é o tempo de desencantamento do mundo.

Sobre a base desse pressuposto não metafísico, um sistema normativo universal teria de fazer coincidir forma e conteúdo: os sujeitos morais seriam unicamente aqueles legitimados para dirigir uns aos outros pretensões e exigências em termos de direitos e deveres – o que coincide com o universo daqueles perante os quais todos podem se considerar moralmente obrigados. Sendo assim, sujeitos morais seriam apenas aqueles que poderiam reconhecer-se como parceiros numa comunidade moral de seres racionais – únicos entes capazes de se considerar mutuamente como legisladores, perante os quais teria sentido o conceito de obrigação.

A esse universalismo ético que, na modernidade, assume a forma dessubstancializada do imperativo categórico de Kant correspondem os princípios basilares do constitucionalismo moderno. Mas, corresponde também, “subterraneamente”, à figura contemporânea do sujeito assujeitado pelas disciplinas e pela regulamentação biopolítica. Justamente esse paradoxo poderia ser adequadamente interpretado, sob a ótica que interessa a Michel Foucault, como signo revelador da historicidade do universal.[16]

Se é verdade que o Esclarecimento é o ponto de culminação da modernidade cultural e política, é verdade também que outra face da historicidade do universalismo ético-moral (que se constitui como marca registrada da subjetividade moderna) é justamente o contributo que, para o seu surgimento, é provido pela interpenetração entre jogos de verdade e relações de poder – ou seja, pela cumplicidade entre as tecnologias de poder biopolítico, as ciências humanas e as pretensões de domínio da subjetividade ilustrada.

Já para Kant, o lema do Esclarecimento era “ousa saber”. Mesmo antes dele, para Bacon, valia o dístico: “Poder e conhecimento são sinônimos.” “Mas a terra completamente esclarecida brilha sob o signo do infortúnio triunfal.”[17] Sabemos hoje que esses sonhos da razão também produziram monstros e nutriram fantasias perigosas.

Um desses perigos consiste nos compromissos espúrios entre a razão completamente esclarecida, o universalismo formal e a dominação integral, levada a efeito como compulsão à administração total da vida. O que gostaria de sugerir é que talvez uma das faces mais perigosas da modernidade política seja justamente a captura da vida nos cálculos estratégicos do poder governamental, tal como Foucault a apreendeu no conceito de biopolítica. Ela constitui a face tenebrosa, o lado homicida do biopoder, que se concretizou e buscou legitimação nas diversas modalidades biopolíticas de racismo, nas quais o formalismo pode degenerar no predomínio absoluto de um tipo de racionalidade puramente instrumental e, com ela, em violência e dominação.

Quando o diagrama do poder abandona o modelo da soberania para fornecer um modelo disciplinar, quando ele se torna “biopoder”, “biopolítica” das populações, responsabilidade e gestão da vida, é a vida que surge como novo objeto do poder. Então, o direito renuncia cada vez mais, ao que constituía o privilégio do soberano, ao direito de causar a morte (pena de morte), mas paralelamente permite mais e mais hecatombes e genocídios: não retomando o velho direito de matar, mas, ao contrário, em nome da raça, do espaço vital, das condições de vida e de sobrevivência de uma população que se julga melhor, e que trata seu inimigo não mais como inimigo jurídico do antigo soberano, mas como um agente tóxico ou infeccioso, uma espécie de perigo biológico.[18]

O que se produz nessa imbricação entre a biopolítica e o Esclarecimento é também a consolidação das ciências humanas e, com elas, de uma forma nova de subjetivação. Como tecnologia de poder, as disciplinas promovem a objetivação dos corpos, esquadrinha-os, distribui no espaço racionalizado massas humanas que são decompostas em indivíduos adestrados. Por outro lado, a biopolítica, enquanto tecnologia de poder sobre a vida biológica das populações, tem seu complemento nos dispositivos de segurança, assim como a emergência dessa figura até então inédita: justamente a população, com os dispositivos teóricos e operacionais que tornam possíveis sua regulação e gestão econômico-política.

E as ciências humanas constituem o elo entre o domínio da verdade sobre o homem e os efeitos de poder sobre a vida das populações. Em outras palavras, a emergência das ciências humanas é uma figura gêmea das novas técnicas de racionalidade e governo, ou, nas palavras de Foucault, da governamentalidade.

O privilégio que o governo começa a exercer em relação às regras, a ponto de um dia ser possível dizer, para limitar o poder do rei: “o rei reina, mas não governa”, essa invenção do governo por relação ao reino e o fato de que o governo seja no fundo muito mais do que a soberania, muito mais do que o reino, muito mais do que o imperium, o problema político moderno, eu creio que isso está ligado absolutamente à população. A série: mecanismos de segurança – população -, governo e abertura do campo disso que se chama política, tudo isso, eu creio, constitui uma série que é preciso analisar. Emergência dessa coisa inteiramente nova que é a população, com a massa de problemas jurídicos, politicos, técnicos que isso coloca. Agora, se tomamos toda uma outra série de domínios, aquela que se poderia chamar os saberes, percebemos – e isso não é uma solução que proponho, mas um problema – que, em todas as séries de saberes, esse mesmo problema da população aparece. Eu acredito que, para resumir isso tudo, poderíamos dizer que se buscamos o operador de transformação que faz passar da história natural à biologia, da análise das, riquezas à economia política, da gramática geral à filologia histórica, o operador que fez, desse modo, bascular todos esses sistemas, esses conjuntos de saberes em direção às ciências da vida, do trabalho e da produção, para as ciências das línguas, é do lado da população que é preciso buscá-lo.[19]

A constelação formada pela segurança, território e população é característica da forma moderna de política, em que o homem figura como pessoa e sujeito universal de direitos inerentes à sua própria natureza, mas também da forma como a soberania penetra a vida, para dirigir condutas, governar os corpos e as almas, os indivíduos e as populações, produzindo os tipos de sujeitos que ainda somos – sujeitos assujeitados, contabilizados nos cálculos e estratégias de um poder que situa a vida na esfera política da decisão soberana. Mas também – e isso é apenas um prenúncio ainda inarticulado – sujeitos que talvez tenhamos começado, finalmente, a deixar de ser, em direção a novas formas de subjetividade, a novas tecnologias de si.

Ora, os corpos disciplinados e regulamentados pela biopolítica não têm a mesma consistência, a mesma densidade com que o homem era tematizado pela racionalidade jusnaturalista clássica: uma mutação decisiva produziu-se no campo de cruzamento entre o homem, as ciências humanas e o biopoder. Mas, talvez por causa disso tenhamos condições de ao menos pressentir um desaparecimento provável de identidades reconhecíveis, e também de adivinhar os signos de novos adventos, de novas experiências de subjetivação, para além das formas de assujeitamento como sujeição, que sequestra a vida nos cálculos políticos de uma gestão econômica dos corpos e dos ciclos biológicos das populações.

E é a partir da constituição da população como correlativo das técnicas de poder que pudemos ver abrir-se toda uma série de domínios de objetos para saberes possíveis. E, em retorno, é porque esses saberes recortam sem cessar novos objetos que a população pode se constituir, se continuar, manter-se como correlativo privilegiado dos mecanismos modernos de poder.

Daí essa consequência: é necessário entender a temática do homem, através das ciências humanas que o analisam como ser vivo, indivíduo trabalhador e sujeito falante, a partir da emergência da população como correlativo de poder e como objeto de saber. Depois de tudo, o homem não é nada de outro, tal como foi pensado, definido a partir das ciências humanas do século XIX, esse homem não é nada senão uma figura da população. Digamos ainda, se é verdade que, enquanto o problema do poder se formulava na teoria da soberania, em face da soberania não podia existir o homem, mas apenas a noção jurídica de sujeito de direito. Ao contrário, a partir do momento em que vis­à-vis não com a soberania, mas com o governo, com a arte de governar, tivemos a população, eu creio que se pode dizer que o homem foi para a população o que o sujeito de direito tinha sido para o soberano.[20]

Os Direitos do Homem e o Biopoder: Foucault e Agamben

Nesse terreno, Giorgio Agamben foi um dos contemporâneos que mais agudamente compreendeu a fecundidade dos insights de Foucault, cujo trabalho filosófico aprofunda e desenvolve as linhas de força contidas no conceito de biopoder. Tendo em vista resultados teóricos das investigações arqueogenealógicas que Foucault empreendeu no campo da modernidade política, Agamben se propõe a rever, desde o fundamento, nossos modos de avaliar as modernas declarações de direitos fundamentais do homem e do cidadão. Para ele, seria necessário deixar de considerá-las proclamações de valores eternos, universais e supra-históricos, para poder fazer justiça à sua função real no surgimento das modernas soberanias nacionais. Com isso, seria possível compreendê-las como peças integradas no dispositivo moderno da governamentalidade e da biopolítica, plasmadoras da figura tipicamente moderna do humano.

“As declarações dos direitos”, escreve Agamben, “representam aquela figura original da inscrição da vida natural na ordem jurídico-política do Estado-nação. Aquela vida nua natural que, no antigo regime, era politicamente indiferente e pertencia, como fruto da criação, a Deus, e no mundo clássico era (ao menos em aparência) claramente distinta como zoé da vida política (bios) entra agora em primeiro plano na estrutura do Estado e torna-se aliás o fundamento terreno de sua legitimidade soberana.”[21]

Que a vida nua, ou o simples fato do nascimento, passa a constituir a fonte originária de direitos é o que se consigna na abertura da Declaração dos Direitos Fundamentais do Homem e do Cidadão da Constituição Francesa de 1789: “Todos os homens permanecem livres e iguais em direitos.” Ora, é em relação a essa inscrição da vida natural na ordem jurídico-política do Estado-nação que se define princípio áureo da moderna noção de soberania, com o expressivo conjunto de metáforas biológicas que a acompanha: “O princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação. Nenhum corpo, nenhum indivíduo pode exercer uma autoridade que não emane expressamente da Nação.”

Nesse sentido, as modernas declarações dos direitos seriam o locus no qual se efetua a passagem da forma clássica e legal da sobernia régia, de origem divina, para a nova figura histórica da soberania nacional. As declarações de direitos assegurariam, assim, a captura da vida natural “na nova ordem estatal que deverá suceder à derrocada do ancien régime. Que, através dela, o “súdito” se transforme, como foi observado, em “cidadão” significa que o nascimento – isto é, a vida nua natural como tal – torna-se aqui pela primeira vez (com uma transformação cujas consequências biopolíticas somente hoje podemos começar a mensurar) o portador imediato da soberania. Não é possível compreender o desenvolvimento e a vocação “nacional” e biopolítica do Estado moderno nos séculos XIX e XX se esquecemos que em seu fundamento não está o homem como sujeito político livre e consciente, mas, antes de tudo, a sua vida nua, o simples nascimento que, na passagem do súdito ao cidadão, é investido como tal pelo princípio da soberania.[22]

Tomando como base os marcos teóricos que acabam de ser traçados, gostaria de sublinhar dois aspectos que considero de máxima relevância: em primeiro lugar, que o surgimento dos direitos humanos e das garantias fundamentais asseguradas nas declarações de direitos dos Estados democráticos liberais é estritamente contemporâneo dessa gestão política da vida natural, desse investimento do poder sobre a vida nua – ou seja, desse confisco da vida, sobretudo dos corpos vivos, pelos mecanismos de poder.

Em segundo lugar, os dois fenômenos podem ser considerados o verso e o reverso de uma mesma moeda: a forma histórica dos modernos Estados nacionais – elemento indispensável no desenvolvimento do capitalismo. Essas duas faces podem ser também compreendidas como polos indefectíveis na relação poder-saber: de um lado, o polo do exercício do poder, de outro, o da resistência que a ele se opõe. Assim, tanto as modernas declarações de direitos como o biopoder, que constitui o seu elemento mais essencial, formam corpo com a noção moderna de soberania.

O desaparecimento do sujeito de direito clássico e sua substituição pela figura do homem, tal como este é visto, analisado, definido pelas ciências humanas, foi um movimento historicamente preparado por uma forma de poder absolutamente nova, que marca o aparecimento de modos específicos de individualização, cuja importância é decisiva para a invenção do sujeito moderno. Essa invenção foi preparada por uma transposição das técnicas de governo das almas, própria do pastorado cristão, para o plano leigo e político do governo dos homens nas cidades, tomados tanto como indivíduos quanto como população.

Parece-me que o pastorado esboça, constitui o prelúdio do que chamei de governamentalidade, tal como esta vai se desenvolver a partir do século XVI. Ele preludia essa governamentalidade de dois modos. Pelos procedimentos próprios ao pastorado, por essa maneira, no fundo, de não fazer jogar pura e simplemente o princípio da salvação, o princípio da lei e o princípio da verdade, por todas essas espécies de diagonais que se instalam sob a lei, sob a salvação, sob a verdade, outros tipos de relações. Portanto,o pastorado preludia a governamentalidade por aí. E ele preludia também a governamentalidade pela constituição tão específica de um sujeito, de um sujeito cujos méritos são identificados de uma maneira analítica, de um sujeito que é assujeitado nas redes contínuas de obediência, de um sujeito que subjetividade por extração de verdade que se lhe impõem. E, bem, é isso, eu creio essa constituição típica do sujeito ocidental moderno, que faz com que o pastorado seja sem dúvida um dos momentos decissivos na história do poder nas sociedades ocidentais.[23]

Evidentemente as declarações de direito tiveram importância fundamental como garantia jurídica das liberdades públicas, exercendo um papel histórico de emancipação e resistência ao arbítrio e à tirania. Mas é também inegável o caráter de evento bifrontal que marca seu surgimento, como de todo evento histórico de relevância. Esse caráter é determinado pela conexão entre a soberania dos modernos Estados nacionais, o surgimento das novas formas de governamentalidade, as declarações universais de direitos do homem e do cidadão, a biopolítica da população, as tecnologias disciplinares de poder sobre o corpo e o surgimento das ciências humanas.

“Somente se compreendemos”, escreve Agamben, “esta essencial função histórica das declarações dos direitos, é possível também entender seu desenvolvimento e suas metamorfoses no nosso século [século XX]. Quando, após as convulsões do sistema geopolítico da Europa que se seguiram à Primeira Guerra Mundial, o resíduo removido entre nascimento e nação emerge como tal à luz, e o Estado-nação entra em uma crise duradoura, surgem então o fascismo e o nazismo, dois movimentos biopolíticos em sentido próprio, que fazem portanto da vida natural o local por excelência da decisão soberania”.[24]

Agamben tem aqui em vista as figuras do moderno totalitarismo político como loci privilegiados de manifestação massiva do vínculo histórico entre a soberania moderna e a biopolítica, de modo muito semelhante ao que vemos ocorrer nos textos de Foucault sobre o biopoder: “Afinal de contas, o nazismo é, de fato, o desenvolvimento até o paroxismo dos mecanismos de poder novos que haviam sido introduzidos desde o século XVIII. Não há Estado mais disciplinar, claro, do que o regime nazista; tampouco há Estado onde as regulamentações biológicas sejam adotadas de uma maneira mais densa e mais insistente. Poder disciplinar, biopoder: tudo isso percorreu, sustentou à força a sociedade nazista (assunção do biológico, da procriação, da hereditariedade, assunção também da doença, dos doentes). Não há sociedade a um só tempo mais disciplinar e mais previdenciária do que a que foi implantada, ou em todo caso projetada, pelos nazistas. O controle das eventualidades próprias dos processos biológicos era um dos objetivos imediatos do regime. Mas, ao mesmo tempo que se tinha essa sociedade universalmente previdenciária, universalmente seguradora, universalmente regulamentadora e disciplinar, através dessa sociedade, vemos o desencadeamento mais completo do poder assassino, ou seja, do velho poder soberano de matar.”[25]

Identidades irreconhecíveis

Acredito que o chamado “último Foucault” pressentiu com muita força a possibilidade de uma transformação no solo histórico de onde emergiram as ciências humanas e, com elas, a biopolítica. Seriam presságios de novas possibilidades de vida, de novas formas de subjetivação, não mais sujeitos assujeitados. Na hermenêutica do sujeito encontramos Foucault às voltas com possibilidades outras de organização de uma consciência de si, radicalmente diferentes do modelo de assujeitamento pelo qual a modernidade problematizou a constituição de si como sujeito.

Tratava-se, para Foucault, de investigar processos de subjetivação que produzissem novas modalidades de existência: nem pessoa, sujeito de direito, nem a figura de sujeito submetidos às disciplinas e à regulamentação biopolítica. Foucault analisará os modos de existência gregos, cristãos, em busca de estilísticas de si, ascese como arte de configurar formas de subjetivação, num austero trabalho consigo mesmo.

Sim, constituição de modos de existência ou dos estilos de vida não é somente estética, é o que Foucault chama de ética, por oposição à moral. A diferença é esta: a moral se apresenta como um conjunto de regras coercitivas, de um tipo especial, que consiste em julgar ações e intenções referindo-as a valores transcendentes (é certo, errado…); a ética é um conjunto de regras facultativas que avaliam o que fazemos e dizemos em função do modo de existência que isso implica. Dizemos isso, fazemos, aquilo: que modos de existência isso implica? Há coisas que só se pode fazer ou dizer levado por uma baixeza de alma, ou uma vida rancorosa ou porá vingança contra a vida. Às vezes basta um gesto ou uma palavra. São os estilos de vida, sempre implicados que nos constítuem de um jeito ou de outro. Já era a ideia de ‘modo’ em Espinosa.[26]

Depois do anúncio da morte de Deus, encontramo-nos no limiar da morte do homem, do sujeito assujeitado do Esclarecimento e das ciências humanas. “Por meio de uma crítica filológica, de certa forma de biologismo, Nietzsche reencontrou o ponto onde o homem e Deus se pertencem um ao outro, onde a morte do segundo é sinônimo do desaparecimento do primeiro, e onde a promessa do além-do-homem significa de início, e antes de tudo, a iminência da morte do homem. No que Nietzsche, propondo-nos esse futuro a uma vez como termo de pagamento e como tarefa, marca o limiar a partir do qual a filosofia contemporânea pode recomeçar a pensar; ele continuará sem dúvida por muito tempo a inclinar o seu encaminhamento.”[27]

O desaparecimento do homem, no entanto, não é uma perda a lamentar, uma lacuna a ser urgentemente preenchida. Para Foucault, ao contrário, esse desaparecimento é abertura de um espaço para novas possibilidades do pensamento. Pensamos, pois, equilibrando-nos no vácuo do homem desaparecido. Uma hermenêutica do sujeito pode então adquirir o sentido de uma filosofia que faz da ética, como forma de vida, uma estilística da existência, que se interroga sobre a constituição possível de uma modalidade outra de organização de uma consciência de si.

Trata-se, antes de tudo, do destino da filosófica como um ensaio, que pode arrogar para si um direito de explorar perspectivamente o que pode ser mudado no plano de seu próprio pensamento, fazendo experiências sobre tipos e formas de saber que lhe são estranhos, como se o recuo, o distanciamento crítico em relação ao próprio presente fosse também a melhor forma de experimentar modalidades outras de devir sujeito.

Mas o que é filosofar hoje em dia – quero dizer, a atividade filolosófica – senão o trabalho crítico do pensamento sobre o próprio pensamento? Se não consistir em tentar saber de que maneira e até onde seria possvel pensar diferentemente em vez de legitimar o que já se sabe. O ‘ensaio’ – que é necessário entender como experiência modificadora de si no jogo da verdade, e não como apropriação simplificadora de outrem para fins de comunicação – é o corpo vivo da filosofia, se, pelo menos, ela for ainda hoje o que era outrora, ou seja, uma ‘ascese’ um exercício de .si no pensamento.[28]

Não se trata, de modo algum, de uma nostalgia do Homem, nem de uma idealização romântica dos gregos ou dos primeiros cristãos. Para além da saudade da origem e da tirania dos modelos, trata-se de apontar (e apostar na) a diferença. “Não temos que escolher entre o nosso mundo e o mundo antigo. Porém, desde que podemos ver muito bem que alguns mais importantes de nossa ética têm sido relacionados num certo momento a uma estética da existência, eu penso que este tipo de análise pode ser útil.”[29]

Trata-se, portanto, de problematizar nossas maneiras específicas de constituição de um “si”; buscar, para tanto e para além do confisco da moral pela teoria do sujeito, vislumbrar novas e artísticas experiências de relação consigo. Nesse sentido, Foucault nos diz: “Uma experiência moral essencialmente centrada no sujeito não me parece mais hoje suficiente. E por isso mesmo um certo número de questões se colocam para nós nos mesmos termos em que se colocavam para a Antiguidade. A procura de uma forma moral que seria aceitável para todo mundo – no sentido de que todo mundo deveria se submeter a ela parece-me catastrófica.”[30]

Não está em questão a persistência intemporal de figuras do Mesmo, de identidades eternamente reconhecíveis, mas o exercício perspectivista de formas de identidade que pertencem a outras possíveis formas de ser. Ensaio como ascese é um exercício de si no plano do pensamento. Esse é o sentido do recuo crítico de Foucault para a Antiguidade grega e para os primeiros tempos do Cristianismo: uma condição filosófica para elaborar uma genealogia do presente, uma ontologia de nós mesmos.

No fundo, parece-me equivocada a obstinação historiográfica em identificar em Foucault periodizações, descontinuidades, rupturas, como se a análise das disciplinas e da biopolítica tivesse sido abandonada em proveito de um estudo que se dedicasse à ética e à ascética o célebre e paradoxal retorno do sujeito. O problema desse mestre do pensamento sempre permaneceu o mesmo: como formas de subjetivação são historicamente engendradas no espaço que se abre entre os jogos de verdade e os efeitos de poder.

A descoberta do homem como produto do século XVII, a partir da economia política, da filologia histórica e da biologia, como trabalhador-produtor, falante e população, é também a abertura de um horizonte para a problematização de si – um ensaio para se pensar diferente do que se pensou, de constituir-se de modo diferente daquele pelos quais fomos assujeitados aos jogos de saber-poder da modernidade. O trabalho de Foucault sempre se ocupou com uma ontologia de nós mesmos, numa variação a cada vez diversa e genial do mesmo tema, acabando como começou.

Como encerramento, gostaria de retomar a aproximação feita entre Michel Foucault e Giorgio Agamben. Talvez ela possa ser mais bem compreendida nessa chave de uma meditação profunda sobre novas modalidades de si no pensamento e na vida, particularmente a partir da decifração dos sinais dos tempos, dos signos do presente:

A queda do partido comunista soviético e a dominação sem véus em escala planetária do Estado democrático capitalista eliminaram os dos obstáculos ideológicos maiores que se opunham à reconsideração de uma filosofia política digna de nosso tempo: o stalinismo de um lado, o progressismo e o Estado de direito de outro. O pensamento se encontra assim pela primeira vez confrontando a sua tarefa sem nenhuma ilusão e sem nenhum álibi possível. Por todo lado, sob nossos olhos, conclui-se a “grande transformação” que arrasta um após outro os reinos de nosso planeta (repúblicas e monarquias, tirania e democracias, federações e Estados nacionais) em direção ao Estado espetacular integrado (Debord) ou “‘capital-parlamentarismo” (Badiou), grau último da forma Estado. E, assim como a grande transformação da primeira revolução industrial destruiu as estruturas sociais e políticas e as categorias do direito público do Antigo Regime, também os termos soberania, nação, povo e democracia e vontade geral recobrem a partir de agora uma realidade que nada tem a ver com aquela que esses conceitos designavam, e aquele que continua a deles se servir de modo acrítico não sabe literalmente do que fala.[31]

Filosofia como diagnóstico do presente, como detecção das fissuras pelas quais podemos experimentar novos modos de ser. Essa função de diagnóstico da filosofia “não consiste em caracterizar simplesmente o que somos, mas, acompanhando as linhas de fragilidade do presente, em chegar a alcançar por onde isso que é e como isso que é poderia não ser mais isso que é. E é nesse sentido que a descrição [desse ‘hoje’] deve ser feita sempre segundo essa espécie de fratura virtual, que abre um espaço de liberdade, entendido como espaço de liberdade concreta, isto é, de transformação possível”.[32]

Notas

  1. DELEUZE, G. “L’homme, une existence douteuse”. ln: Le Nouvel Observateur, 1º de junho de 1966. Quando não houver indicação, as traduções são de minha autoria. 
  2. FOUCAULT, M. Les mots, et les choses. Paris: Gallimard, 1966, p. 398. 
  3. ______. Em defesa da sociedade. Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 302. 
  4. ______. Histoire de la sexualité: la volonté de savoir. Paris: Gallimard, 1976, p. 187. 
  5. ______. Em defesa da sociedade. Curso no Collège de France (1975-76). Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 288. 
  6. ______. Em defesa da socíedade. Curso no Collège de France (1975-76). Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 302. 
  7. PORTOCARRERO, V. “Normalização e invenção: um uso do pensamento de Michel Foucault”. ln: CALOMENl, T. (org.). Michel Foucault: entre o murmúrio e a palavra. Campos/RJ: Ed. Faculdade de Direito de Campos, 2004, p.141. 
  8. ld. p. 141. 
  9. ld. p. 190. 
  10. FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité: la volonté de savoir. Paris: Gallimard, 1976, p.185. 
  11. ______. Histoire de la sexualité: la volonté de savoir. Paris: Gallimard, 1976, p. 189. 
  12. ______. Em defesa da sociedade. Curso no Collège de France (1975-76). Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 287. 
  13. KANT, I. “Resposta à pergunta: Que é ‘Esclarecimento’?”. ln:______. Textos seletos. Trad. Raimundo Vier e Floriano S. Fernandes. Petrópolis: Vozes, 1985, p.100. 
  14. FOUCAULT, M. Les mots et les choses. Paris: Gallimard, 1966, p. 353. 
  15. HORKHElMER, M.; ADORNO, T. Dialektik der Aufklärung. ln: HORKHElMER, Max. Gesammelte Schriften. Alfred Schmidt und Gunzelin Schmid Noerr (org.). Frankfurt/M: Fischer Verlag, 1987. Band 5, p. 25. 
  16. Cf. FOUCAULT, M. “Un cours inedit”. Magazine Littéraire, n. 207, p. 35-39, maio de 1984. A passagem sobre a historicidade do universal encontra-se à p. 39. O texto foi republicado no volume II dos Dits et écrits, Paris: Gallimard, 2001, p. 1498-1507. 
  17. HORKHElMER, M.; ADORNO, T. “Dialektik der Aufklarung”. ln: HORKHElMER, Max. Ge.1,ammelte Schríften. Alfred Schmidt und Gunzelin Schmid Noerr (org.). Frankfurt/M: Fischer Verlag, 1987. Band 5, p. 25. 
  18. DELEUZE, G. Foucault. Trad. Claudia Sant’Anna Martins. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 98- 99. 
  19. FOUCAULT, M. Securité, territoire, population. Leçon du 25 janvier 1978. Paris: Hautes Études, Gallimard, Seuil, 2004, p. 80. 
  20. Idem, p. 81. 
  21. AGAMBEN, G. Homo Aacer: o poder soberano e a vida nua I. Trad. Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002, p. 134. 
  22. Idem, p. 135. 
  23. FOUCAULT, M. Securité, territoire, population. Leçon du 22 février 1978. Paris: Hautes Études, Gallimard, Seuil, 2004, p. 187. 
  24. AGAMBEN, G., op. cit., p. 135. 
  25. FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. Curso no College de France (1975-76). Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 309. 
  26. DELEUZE, G.”Pensée nômade” ln:______. Union Générale d’Éditions, 1973, p. 126. 
  27. FOUCAULT, M. Les mots et les choses. Paris: Gallimard, 1966, p. 353. 
  28. _______. História da sexualidade 2. O uso dos prazeres. 5ª ed. Trad. Maria T. da Costa Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1984, p. 13. 
  29. _______. O retorno da moral. ln: ESCOBAR, C. H. (org). M. Foucault 1926-1984. dossier. Últimas entrevistas. Trad. Ana Maria de Lima e Maria G. R. da Silva. Rio de Janeiro: Taurus, p. 137. (Trata-se aqui da análise da ética sexual da Grécia clássica, OGJ.). 
  30. Ibid. 
  31. http://www.geocities.yahoo.com.br/polis_contemp/polis_agamben.html. 
  32. FOUCAULT, M. “Structuralisme et poststructuralisme”. ln: Dits et écrits. Paris: Gallimard, 2001, vol. II, p. 1267. 

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