1987

Apresentação

por Adauto Novaes

Em 1985 a Funarte, através do seu Núcleo de Estudos e Pesquisas/NEP, promoveu o curso sobre Tradição/Contradição, uma reflexão sobre momentos importantes da cultura brasileira, considerada sob dois aspectos: o da continuidade e o da ruptura dessa continuidade.

Para orientar essa reflexão – conferências e debates – foram convidados alguns dos principais nomes da inteligência brasileira: Gerd Bornheim, Alfredo Bosi, José Américo Motta Pessanha, Roberto Schwarz, Roland Corbisier, Marilena Chaur, Silviano Santiago, José Miguel Wisnik, Hans-Joachim Koellreuter, Júlio Medaglia, Ferreira Gullar, lná Camargo Costa, lumna Simon, Paulo Sérgio Duarte, Davi Arrigucci, José Arthur Giannotti, Homero Sanchez e Celso Japiassu. Essas conferências, revistas pelos autores, foram publicadas pela editora Jorge Zahar.

Gerd Bornheim, em “O conceito de tradição”, analisa os conceitos de tradição e ruptura desde os gregos, observando que já eles “perceberam que conceitos opostos costumam atrair-se, que eles formam de algum modo uma unidade, ainda que conflituada; mas os opostos se pertencem, e como que nascem de uma mesma raiz”. O filósofo acrescenta: “Se se pensa na situação atual do problema, parece claro que se tornou impossível a abordagem do conceito de tradição independentemente desse seu corolário atual que é a ruptura; tradição e ruptura se espelham reciprocamente, e a dialética dos dois termos esclarece a quantas andamos nessa grande crise que é a história do nosso tempo.”

Alfredo Bosi, em “Cultura como tradição”, acentua a tradição enquanto memória: “A memória”, diz ele, “é o centro vivo da tradição, é o pressuposto da cultura no sentido de trabalho, acumulado e refeito através da História.” E ainda: “Falar em cultura como tradição sem falar em memória é não tocar no nervo do assunto.”

José Américo Motta Pessanha, em “Cultura como ruptura”, ensina que, em nossos dias, “vive-se filosoficamente sob o signo do pluralismo e da ruptura”. Mas, diz ele, “aceitar e assumir a multiplicidade não significa necessariamente rejeitar a razão. Significa, isto sim, dessacralizá-la, retirando-a da intemporalidade. Significa, por exemplo, concebê-la e exercitá-la não mais ‘à luz da eternidade’, porém enquanto razão histórica, humanizada, circunstancializada, ‘razoável’, persuasiva e não coagente (como em Perelman); ou enquanto existindo sbb a forma de racionalismos setoriais, abertos e retificáveis (como em Bachelard)”.

Refletindo sobre a cultura brasileira, Roberto Schwarz, em “Nacional por subtração”, analisa o problema das ideias importadas, ou da “cópia”, esclarecendo como essa questão vem sendo apresentada de modo linear, e acentua “a dimensão organizada e cumulativa do processo, a força da tradição, mesmo ruim, as relações de poder em jogo, internacionais inclusive”. Conclui que “a vida cultural tem dinamismos próprios, de que a eventual originalidade, bem como a falta dela, são elementos entre outros. A questão da cópia não é falsa, desde que tratada pragmaticamente, de um ponto de vista estético e político, e liberta a mitológica exigência da criação a partir do nada”.

Em “Permanência do discurso da tradição no modernismo”, Silviano Santiago afirma que essa tradição existe – e pergunta: “Qual é a razão para o retorno da tradição hoje? E principalmente por que estaremos interessados em investigar os traços da tradição no interior do Modernismo?” A tentativa de Santiago é a de “compreender o Modernismo dentro de especulações que levam em conta a tradição”.

Finalmente, em “Regressão e tradição na arte nos anos 80”, Paulo Sérgio Duarte, ao analisar algumas características do chamado pós-moderno, questiona a “apologia da democratização e socialização do saber através de simplificação e de exagerado apelo a certas tradições, ou seja, a tradição recente que é a tradição moderna”. E afirma: “E é isso que eu estou chamando de tradição, e com esta nós temos que romper. Em busca de que outra tradição? Na medida em que não existe uma referência e uma tradição clara e nenhum pensador profundo pode procurar a tradição na sociedade fragmentada industrial, essa tradição seria regredir para o presente, ou seja, esquecer a história, esquecer o passado, os progressos que atingimos.”

NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS