2007

A racionalização do medo na política

por Maria Isabel Limongi

Resumo

O medo é definido por Hobbes como uma sorte de aversão por um objeto do qual se tem a expectativa de um dano e, como tal, é uma paixão peculiar no homem. Sendo o mais curioso dos animais, o homem é também o que mais sente medo. Pois, na medida em que nem sempre é capaz de satisfazer a curiosidade que lhe conduz particularmente longe na busca das causas, ele se vê submetido a um medo perpétuo diante de todo objeto do qual não é capaz de afastar, por ignorância das causas, a expectativa de um dano. O medo de uma possível e desconhecida causa de dano ou o medo dos poderes invisíveis é, segundo Hobbes, a semente da religião, uma semente que certos homens souberam cultivar para fazer com que aqueles que neles confiavam tendessem para a obediência civil. O medo é, deste modo, o princípio natural das sociedades civis.

Mas não é esta a única forma com que o medo pode servir de princípio à organização política. O argumento de Hobbes vai no sentido de mostrar que, assim como o conhecimento da natureza permite dar novos usos aos seus recursos, podemos fazer outro uso do medo e retirar dele outros efeitos que não a obediência civil fundada sobre a ignorância e o medo do invisível. O homem pode conhecer e tornar visíveis as causas próximas do medo que lhe é peculiar e, em consequência deste esforço cognitivo, instituir uma nova política, em que o medo é artificialmente racionalizado.


É natural que se reserve um espaço ao pensamento de Hobbes quando o assunto a ser tratado é o medo. Há, como lembra e documenta Renato Janine Ribeiro, uma longa tradição ligando o filósofo ao tema.[1] E não à toa.

Numa passagem bastante importante e muito conhecida de Do cidadão, Hobbes enuncia do seguinte modo o que vem a ser segundo ele a novidade de sua filosofia: a origem das sociedades deve ser reputada pelo medo recíproco (a mutuo metu) entre os homens e não, como se costuma pensar, pela boa vontade recíproca (a mutua benevolentia).[2] O medo é, assim, o que explica, para Hobbes, como segundo ele mesmo não se costumava pensar até então, a sociedade entre os homens.

E mais: não somente os homens se associam por medo, como, uma vez associados — e para Hobbes, como se sabe, essa associação se faz por contrato —, é o medo que dá sustentação às relações contratuais em que consistem os vínculos civis. Pois, como se diz numa passagem igualmente bem conhecida do Leviatã, onde não houver o medo de um poder coercitivo capaz de constranger os homens ao cumprimento dos contratos, estes não são válidos.[3] Assim, por medo, somos levados a instituir os vínculos que fazem a sociedade; e, não fosse o medo, os contratos, que são o instrumento dessa instituição, não seriam capazes de unir os homens uns aos outros no interior do Estado. O medo parece ser assim, para Hobbes, o cimento da vida civil.

Não é, pois, à toa que associamos o tema do medo à filosofia de Hobbes. Tampouco é à toa que, em virtude disso, olhemos de soslaio, com certa desconfiança, para essa filosofia que credita tamanha importância a uma paixão, com a qual, não sem razão, não simpatizamos. Mais de uma tradição nos ensinou a pensar que uma sociedade alicerçada sobre o medo não pode ser boa coisa.

Os leitores de Rousseau ponderariam que se faz sentido supor que os homens instituíram as leis e os governos por medo, como faz Hobbes, é apenas como uma etapa no caminho da constituição do despotismo e das práticas arbitrárias de governo.[4] De fato pode ter sido assim que as sociedades se constituíram, mas não de direito, pois obedecer por medo é ceder a uma força maior e — eis o que Rousseau esforça-se por mostrar — a força não cria direito e não confere moralidade aos seus efeitos.[5]

E mesmo que não sejamos rousseauístas e não estejamos dispostos a negar à força o direito de se impor e definir o perfil da vida social, ainda assim persiste a suspeita de que o medo possa não ser um bom princípio para a vida civil. Pois o medo, como diria Espinosa, é uma paixão triste, o índice de nossa submissão à vontade e ao poder de outrem, da incapacidade de fazer valer o próprio desejo, de ausência de autonomia e liberdade. Uma sociedade fundada sobre o medo talvez não seja arbitrária, como queria Rousseau, mas é certamente uma sociedade triste.

A despeito disso, pode ser interessante deixarmos por um momento de lado essa nossa desconfiança para investigarmos como uma filosofia pôde afinal pensar o medo positivamente. Não que Hobbes tenha em algum momento pretendido negar que é ruim sentir medo e que, em si mesmo, o medo é uma paixão negativa. Mas, partindo do princípio de que não somos capazes de anular totalmente suas causas e evitar que ele guie uma parcela de nossas ações (o que não é um privilégio do medo, mas algo que condiz a todas as paixões), Hobbes convida-nos a conhecermos o medo, suas causas e consequências, a fim de usá-lo a nosso favor, ao modo de um artesão que, por conhecer como a natureza opera, faz com que ela produza, por artifício, efeitos desejados. O medo não é, assim, em si mesmo uma paixão positiva, mas pode vir a ser, e mais, deve vir a ser por artifício, pois sem isso a vida do homem não apenas será pobre e miserável como dominada pelo pior dos medos, que é o medo da morte violenta. Como então fazer com que o medo, que ninguém gosta de sentir, mas que não podemos suprimir, sirva artificialmente à felicidade? Eis como podemos compreender a contribuição de Hobbes ao tema que aqui nos reúne.

I

A fim de iluminar essa contribuição é preciso partir da concepção que Hobbes tem das paixões, das quais o medo é um caso particular. Hobbes pensa as paixões a partir de um quadro clássico, segundo uma leitura dos antigos, que frequentou longa e detidamente durante seu período de formação.

De início, seu esquema é marcado pela herança do estoicismo. Cícero, ao apresentar a doutrina estoica das paixões, divide-as em duas classes: aquelas cuja causa é a opinião de um bem, como o apetite (libido), se o objeto que se crê bom está ausente, e a alegria (laetitia), se o objeto está presente, e aquelas cuja causa é a opinião de um mal, como o medo (metas), se o objeto que se crê mau é uma ameaça, e a tristeza (aegritudino), se o mal é presente.[6]

Hobbes adota um esquema classificatório semelhante, dividindo o que ele entende ser paixões simples em quatro grupos: apetite (appetite ou desire), amor (love), de um lado, aversão (aversion), ódio (hate), do outro, e acrescentando a esse grupo a alegria (joy) e a tristeza (grife), para designar o que ele denomina os prazeres e desprazeres da mente.[7] Grosso modo o esquema é estoico. E se é assim é porque Hobbes adota a concepção estoica segundo a qual as paixões são movimentos de aproximação (apetite) ou de fuga (aversão) de um objeto em virtude de uma opinião, boa ou má, que se tem a seu respeito.

Há dois traços importantes das paixões a assinalar nesse quadro inicial, marcado pela influência do estoicismo. Em primeiro lugar, o fato de que as paixões são movimento. “Os gregos usam a palavra pathos para todo movimento da alma (motus animi) que não obedece à razão”, escreve Cícero.[8] Quanto a isso, Hobbes faz questão de frisar que ao dizer com os antigos que a paixão é movimento, não está empregando uma linguagem metafórica, como pretendiam os escolásticos.[9] A paixão é movimento, diz ele, tanto quanto o deslocamento de uma pedra, com a única diferença de ser um movimento ínfimo e enquanto tal imperceptível, ao qual dá o nome de conatus, no latim, e endeavour, em inglês. Para todo movimento perceptível, argumenta, há um começo imperceptível nas partes internas do corpo que se move, e as paixões são um movimento desse tipo — um começo imperceptível do movimento de um corpo em suas partes internas; mais particularmente, “pequenos começos de movimentos no interior do corpo de um homem, antes de se manifestarem no andar, no falar, no lutar e em outras ações visíveis”.[10] Andar, falar e lutar são exemplos de movimentos voluntários, de modo que as paixões são, mais precisamente, o começo dos movimentos voluntários no interior de nossos corpos.

A paixão é, em segundo lugar, um pensamento, uma opinião. A causa de todas as paixões está numa opinião, diziam os estoicos,[11] e assim também Hobbes. Tais opiniões, esclarece, é o que chamamos prazer (se agradável) ou desprazer (se desagradável) e nada mais são do que as sensações ou as aparências dos movimentos internos do nosso corpo, o modo como sentimos e percebemos esses movimentos, não diferindo essencialmente deles. As paixões implicam, desse modo, uma certa apreciação do objeto da ação, do seu valor, conforme esse objeto desperte sensações prazerosas ou desprazerosas.

Que na base da ação esteja uma apreciação de seu objeto, uma opinião sobre o seu valor, é fundamental, pois é precisamente por isso que se diz da ação que ela é voluntária. “A imaginação — diz Hobbes — é o primeiro começo interno de todo movimento voluntário”,[12] o que quer dizer que antes de nos movermos na direção ou em fuga de um objeto, e como causa desse movimento, nós imaginamos nossa ação e suas consequências e, com base nessa qualificação prévia do objeto, em que consiste precisamente a paixão, agimos. Logo, a paixão está longe de ser um impulso irrefletido. Toda ação voluntária de que as paixões são o começo são primeiramente imaginadas, consistindo a paixão nessa imaginação.

Essa imaginação pode ser simples, o resultado de uma sensação imediata (mas nunca tão imediata ao ponto de dispensar a referência a alguma experiência passada do objeto), tal o caso das paixões simples que enumeramos há pouco; ou complexa, refletida e deliberada, quando diversas sensações se alternam na mente antes que uma prepondere e determine a ação. Essa deliberação, esse processo em que se alternam na imaginação diversas opiniões ou sensações sobre o objeto da ação, é responsável pela diversificação das paixões simples numa inumerável gama de paixões, todas variantes ou composições das simples. Tal é o caso de paixões como a esperança, o medo, a coragem, a desconfiança, a indignação etc. Cada uma delas é um composto de movimentos de atração e repulsa ao qual corresponde uma determinada opinião (complexa) acerca do objeto da ação.

Ao pensar que a paixão é uma sorte de apreciação dos objetos, uma opinião acerca de seu valor bom, mau ou, como na maioria dos casos, misto, não é porém propriamente ao estoicismo que Hobbes se filia. Desde a Antiguidade uma polêmica separa estoicos e peripatéticos, os primeiros defendendo que essa opinião em que consiste a paixão é uma opinião falsa, contrária à razão, da qual o sábio deve se livrar; e os segundos defendendo que essas opiniões são necessárias e naturais, cabendo ao sábio não eliminá-las, mas moderá-las.[13] Nesse debate, quanto a esse ponto, Hobbes adota claramente a posição dos peripatéticos: não podemos nem seria desejável nos livrarmos das paixões, até porque, acrescentaria ele, não temos nada para colocar em seu lugar como princípio regulador da ação, não havendo nada que seja bom ou mau além das opiniões que temos acerca dos objetos, baseadas nas sensações de prazer e desprazer que nos despertam.[14]

Aristóteles — mais precisamente: o que Aristóteles escreve sobre as paixões na Retórica — tem uma influência capital sobre a teoria hobbesiana das paixões. Hobbes conhecia muito bem a Arte retórica de Aristóteles, pois é autor de uma tradução resumida desse texto para o inglês. As definições que oferece das paixões seguem de perto, com pequenas variações, aquelas que se encontram na Arte retórica, e a comparação entre os textos comprova que Hobbes a tinha diante dos olhos (ou quem sabe a conhecesse de cor?) enquanto escrevia sobre o tema.[15] De Aristóteles, Hobbes empresta ainda a ideia de que bom e mau são os objetos do apetite e da aversão e nada além disso. Vem também de Aristóteles o que poderíamos chamar uma concepção retórica das paixões, ou seja, a ideia de que as paixões são, por assim dizer, sensíveis a argumentos, podendo ser movidas por um discurso — eis uma atribuição essencial do retor, segundo Aristóteles — que nos leve a apreciar os objetos e as circunstâncias de nossas ações de outro modo: a mudança nessa apreciação equivale exatamente a uma mudança na paixão.

Hobbes, porém, reencontra o partido dos estoicos ao dizer que as paixões podem ser compreendidas como um fator perturbador da reta razão, por “militarem contra o bem real e a favor do bem aparente e mais imediato”.[16] Vem dos estoicos a definição das paixões como perturbatio animi. De acordo com essa ideia, o homem virtuoso não é aquele que evita o excesso das paixões, como pensava Aristóteles (pelo menos o Aristóteles que figura no debate com os estoicos, segundo a narrativa de Cícero), mas aquele que as submete à razão e ao que essa faculdade discerne como bem e mal.[17] A boa disposição de caráter, que Hobbes compreendia com a tradição clássica como uma sorte de disposição afetiva bem equilibrada, consiste fundamentalmente em deixar-se guiar pela razão — pelo que Hobbes entende o seguinte: não se deixar levar irrefletidamente pelos primeiros sentimentos que os objetos nos despertam, mas postergar a ação e deliberar, considerar longamente e o mais longe possível suas consequências, de modo que uma opinião prudente se faça o seu princípio interno e imperceptível.

Nesse sentido, adequar as paixões à razão não é trocar um princípio da ação por outro de natureza distinta — as paixões são o princípio interno de todos os movimentos voluntários,[18] não havendo outro além delas —, mas racionalizar as paixões sem deixar de agir passionalmente. Pois, as paixões podem ser boas ou más, conforme a opinião em que elas consistem seja conforme ou desconforme à razão, isto é, a um cálculo bem-feito de consequências. Há assim bons e maus medos, como boas ou más esperanças, e assim para todas as paixões. Mas são sempre elas que conduzem nossas ações.

A importância de retomar esse quadro clássico sobre o fundo do qual Hobbes pensou as paixões, além de permitir indicar em que sentido é possível racionalizar as paixões, está em determinar o campo preciso em que se desenvolve a reflexão hobbesiana sobre o medo: trata-se do campo da ética, entendida como uma teoria dos costumes (manners), em que as paixões são consideradas disposições melhores ou piores para a ação, disposições perfeitamente maleáveis às circunstâncias — sejam as considerações que podemos fazer ou deixar de fazer acerca da ação, sejam as circunstâncias mesmas, o contexto externo da ação.

As paixões são, em suma, disposições circunstanciais e maleáveis da ação.[19] E é enquanto tal que o medo é definido por Hobbes no Leviatã como uma “ aversão, conjunta à opinião de um dano proveniente do objeto” (ou seja, como um movimento de recuo ao qual subjaz esta opinião),[20] no Elementos da lei como a “expectativa de um mal”,[21] no De homine (“Do homem”) como a concepção de um bem juntamente com a dos meios pelos quais se pode perdê-lo ou dos males que o acompanham[22] e, na versão abreviada que Hobbes fez da Arte retórica de Aristóteles, como “inquietação ou tormento da alma, advindo da apreensão de um mal iminente que pode causar dano ou destruir”.[23] Em todas as definições, o medo consiste na opinião, acompanhada de desprazer, de que algo pode nos fazer mal.

Assim, como toda paixão, o medo consiste numa opinião sobre um objeto. Em toda paixão complexa está presente uma sorte de expectativa com relação a determinado objeto advinda da experiência que se tem dele, se de prazer ou desprazer. O medo é um caso em que essa expectativa se forma de acordo com uma experiência prioritariamente de desprazer.

Mas, quanto a esse ponto, as paixões que são variantes da aversão, como é o caso do medo, apresentam uma peculiaridade bastante significativa: “temos aversão não apenas pelas coisas que sabemos nos prejudicar, como também pelas que não sabemos”.[24] Toda paixão repousa sobre o que sabemos e conhecemos dos seus objetos. Mas, nas variantes da aversão, não apenas o que se sabe e conhece, mas também o que não se sabe e não se conhece — a ignorância — pode fundar a paixão. Hobbes tira partido dessa peculiaridade na sua psicologia do medo. A importância política que atribui a essa paixão advém precisamente daí. Vejamos como.

II

O homem é, segundo Hobbes, uma criatura curiosa, pois, sabendo que tudo o que existe, existe em virtude de uma causa (nesse saber reside sua disposição racional), inclina-se a procurar as causas de todos os eventos, particularmente as de sua boa ou má fortuna. Isso reverte-se, porém, em motivo de ansiedade. Pois, ao mesmo tempo em que sabe que há uma causa para sua boa ou má fortuna, muito raramente consegue discerni-la, do que resulta uma “perpétua inquietude pelo futuro (a perpetuall solicitude of the time to come)”, uma “ansiedade (anxiety)”, um “medo perpétuo (perpetuall feare), acompanhando sempre a humanidade na ignorância das causas”.[25] O homem é, assim, mais que naturalmente medroso, naturalmente ansioso, pois o medo, proveniente de uma condição em que se entrecruzam a curiosidade e a ignorância, não tem em geral um objeto definido e é perpétuo. Não sabendo o que pode lhe causar algum dano, teme não sabe o quê. E sempre.

Essa ansiedade é uma condição humana. Dizemos condição e não natureza humana na medida em que o medo de que falamos não define a essência do homem, como se na falta dele o homem perdesse sua humanidade.[26] Como toda paixão, o medo é uma disposição circunstancial, e se ele está sempre presente na vida do homem é porque certas circunstâncias normalmente a acompanham: tal a curiosidade e a ignorância das causas. Mas nada impede pensar que essas circunstâncias se alterem — que os homens alcancem, por exemplo, uma situação de conforto tal que se vejam menos preocupados com as causas de sua boa ou má fortuna, ou que o conhecimento dessas causas avance de tal modo que o medo ganhe outros contornos.

Esta é, aliás, como mencionado, a aposta de Hobbes: que possamos transformar as condições que nos fazem criaturas naturalmente ansiosas e medrosas — o que não implica deixarmos de sentir medo, mas revesti-lo de outras formas, talvez menos angustiantes. E, se cabe fazer essa aposta, é porque o medo perpétuo que caracteriza nossa condição original (natural, nesse sentido, ou seja, anterior a todo fazer humano que transforme as condições da própria existência) produz uma série de más consequências.

A começar pelas religiões, que nascem, segundo Hobbes, no momento em que o homem atribuir uma causa ao medo que sente por desconhecimento das causas. Como não sabe qual é a causa do próprio medo (que não é outra senão sua condição de curiosidade e ignorância), ele a inventa (fancy). Tal serão seus deuses. Tem razão o antigo poeta ao dizer que os deuses nasceram do medo. A mesma ignorância que produz a ansiedade, o medo perpétuo e sem objetos, produz os deuses como suas causas fantasiadas — o que, por sua vez, coloca os homens na trilha da credulidade e da superstição, obstruindo o trabalho da razão, que consiste no cálculo bem fundado das causas e efeitos. O medo é, nesse contexto, um vício, porque, sendo nascido da ignorância, milita a seu favor, quando de sua semente brotam as religiões.

As religiões — entenda-se: as religiões estabelecidas, que Hobbes toma o cuidado de distinguir da religiosidade fundada sobre a crença, segundo ele perfeitamente racional em uma postulada e desconhecida causa primeira de tudo o que há, compatível com mas não idêntica à fé cristã — reforçam a ignorância por tratar o que não é senão fantasia como substâncias e coisas reais, o que produz uma série de confusões lógico-semânticas, uma linguagem incoerente e absurda acerca de seres logicamente impossíveis de existir, obstruindo assim o caminho racional da busca das causas, que se define pelo uso adequado da linguagem.[27] A crença em impossibilidades (impossibilities) leva o nome de credulidade.[28]

Além disso, as religiões alimentam-se da confusão entre a causa de um evento, isto é, o que responde por sua produção e gênese, e seu antecedente na experiência, o qual nem sempre encontra-se em conexão com o evento de maneira a explicá-lo. A superstição consiste em “esperar a boa ou má sorte de coisas que nada tem a ver com as suas causas”.[29] Como a credulidade, ela é uma forma de ignorância. E uma paixão que milita a seu favor, como o medo, é um vício, por obstruir desse modo o trabalho da razão.

Mas o medo não se limita a obstruir as ciências e favorecer a ignorância na forma da credulidade e da superstição. Desse primeiro efeito seguem-se consequências sociais importantes, que são precisamente as que interessam a Hobbes retirar. Pois essa tendência a crer em coisas acidentais como causas é também tendência a crer no que os homens dizem e a confiar em quem se credita sábio. Não sabemos o que pode nos acontecer, e ao querer saber nos enredamos numa série de contradições e confusões que nos levam a saber ainda menos e a ansiar saber mais ainda. Estão aqui presentes todos os ingredientes para a constituição de uma autoridade: “a falta de ciência, isto é, a ignorância das causas, dispõe, ou melhor, constrange (constraineth) os homens a confiar no conselho e na autoridade alheia”.[30] O resultado disso é evidente: o poder dos homens eloquentes e de todos aqueles a quem se credita um saber relevante no que concerne à própria felicidade e miséria.

Em Elementos da lei, como parênteses na exposição de sua teoria das paixões, Hobbes introduz uma série de considerações sobre o poder (que mais tarde vão compor o cerne do capítulo X do Leviatã), dizendo não ser possível tratar das paixões que envolvem alguma expectativa futura (como é o caso do medo, entre outras paixões complexas), sem antes apresentar o conceito de poder. “Como as paixões das quais falarei em seguida consistem numa concepção do futuro, isto é, numa concepção de um poder passado e da ação que se segue, antes de prosseguir é preciso dizer alguma coisa acerca deste poder”.[31] Mas, curiosamente, o que se segue não são considerações acerca do poder das coisas em geral, produzindo as paixões, na medida em que se apresentam como causas reais ou presumidas de felicidade e miséria, e sim considerações acerca do poder dos homens especificamente e do modo como se produzem nos outros expectativas (opiniões) acerca de sua quantidade e uso, opiniões que são determinantes das paixões. Passa-se assim, sem aviso, do poder das coisas ao poder dos homens — o que implica uma mudança do contexto em que as paixões são abordadas: não mais o dos homens tomados isoladamente, mas o dos homens em relação. Do mesmo modo, na análise das religiões no Leviatã, passa-se insensivelmente do medo dos poderes invisíveis, que acompanha cada homem isoladamente, à constituição do poder visível de uma autoridade humana, que diz respeito a uma relação entre os homens.

Tal é o poder dos homens que souberam cultivar as sementes da religião e dela colher obediência. Esse cultivo ou cultura é fundamental às religiões, que sem ele não floresceriam: “todas as religiões estabelecidas foram primeiro estabelecidas sobre a fé da multidão em alguma pessoa que se acreditava ser não somente um homem sábio, e trabalhar na busca de sua felicidade, como também um homem sagrado (holy man) a quem o próprio Deus concedeu declarar sua vontade sobrenaturalmente”.[32] As religiões precisam ser cultivadas para florescerem e o solo em que esse cultivo é feito é um solo político.

Isso nos traz ao campo preciso em que a temática do medo e das paixões em geral interessa a Hobbes. Assim como o conceito relevante de poder é o do poder de um homem sobre outro, a paixão relevante é aquela que nasce das relações entre os homens e produz nesse plano seus efeitos. Pois é aqui precisamente que a teoria das paixões, que nunca foi uma mera psicologia na percepção clássica de Hobbes, se faz uma ética, uma teoria dos costumes, sendo que o que é peculiar na ética de Hobbes é justamente essa relação que ele estabelece entre o conceito de paixão e o de poder, no sentido político do termo — como o poder de um homem relativamente ao de outro.

Se, como assinala Hobbes, “ter servos é poder e ter amigos é poder, porque são forças unidas”,[33] a opinião ou a reputação de poder reverte-se em poder, posto que essa opinião gera uma tendência ou um movimento de aproximação entre os homens, uma paixão, fundando uma relação de submissão ou aliança, que, por sua vez, reúne forças e constitui poder. “A reputação de poder é poder”, diz Hobbes.[34] E isso porque ela é uma paixão ligando um homem a outro. Hobbes explora, desse modo, as consequências políticas das paixões e dos costumes, mostrando como a eles correspondem certas relações de poder entre os homens.[35]

No que diz respeito às consequências políticas do medo dos poderes invisíveis, a análise de Hobbes caminha no sentido de mostrar que as relações de poder que, como os primeiros Estados pagãos assentam-se sobre a reputação de um poder (no caso, o poder de trazer felicidade ou infelicidade creditado a causas acidentais) são instáveis. Basta que os homens mudem de opinião, que se alterem as circunstâncias que sustentam a reputação de poder creditada a certos homens, que se retire dos fundadores da religião a reputação de sabedoria, de sinceridade ou de amor para que as religiões adquiram novas formas e com elas se alterem as relações de poder. “[…] Quando os que possuem o governo da religião têm sua sabedoria, sinceridade ou amor sob suspeita, ou quando não são mais capazes de mostrar algum sinal provável de divina revelação, a religião que eles querem sustentar recairá igualmente sob suspeita, e (sem o medo da espada civil) [voltaremos a esse medo adiante] será contradita e rejeitada”.[36] É com essa observação que Hobbes termina sua análise das religiões do capítulo XII do Leviatã, restando a sugestão de que a consequência dessa flutuação das opiniões é a instabilidade política.

Com efeito, não estamos muito distantes do que Hobbes descreveu no capítulo seguinte do Leviatã como uma condição de guerra de todos os homens contra todos homens. Há uma diferença, por certo, entre essas organizações teológico-políticas e a guerra generalizada. Mas a diferença é apenas de grau. O que Hobbes descreveu como uma condição de guerra é apenas a hipérbole, o caso limite em que pode se degenerar completamente o tecido esgarçado das sociedades mal fundadas, como essas. Uma linha sutil, mas decisiva, liga no argumento de Hobbes as sociedades fundadas na fé religiosa, como em outras formas semelhantes de fé na palavra alheia, à imagem da guerra generalizada, a guerra de todos contra todos, em que a vida se encontra em risco e todos temem a morte violenta. O medo está no fundamento dessas sociedades. Mas ele é também, na forma do medo da morte violenta, a sua mais indesejável consequência.

Não se trata, é verdade, nas religiões e na guerra exatamente do mesmo medo. Pois as religiões se nutrem do medo generalizado ante a não se sabe o quê, ao passo que a guerra se desenvolve a partir do medo de um objeto preciso: o medo de um outro homem e do dano que sabemos poder nos infligir. E, se o medo do desconhecido culmina numa relação de obediência, ainda que mal fundada, do medo recíproco entre os homens resulta, ao contrário, uma disposição para a desobediência e a desordem civil.

Notemos, porém, que a dinâmica da guerra descrita por Hobbes é tal que o medo do dano que eu sei que o outro pode me causar numa situação deflagrada de guerra (o medo dos piores dos danos que é a morte violenta) desenvolve-se a partir de uma outra figura do medo: a do medo que eu não sei se o outro vai me causar na medida em que tenha o poder para tanto e contra o uso do qual não tenho nenhuma garantia, a não ser meu próprio poder. É desse medo que nasce a inclinação para a aquisição de poder e mais poder que, gerando no outro a mesma disposição, culmina na guerra. Nesse sentido, a guerra nasce de uma disposição não idêntica, mas bastante semelhante àquela que dá origem às religiões: o reconhecimento de um poder de dano — o poder visível dos outros homens, na guerra; os poderes invisíveis ou as causas ocultas, nas religiões —, mas cuja disposição para causá-lo é desconhecida.

Os efeitos de um medo e de outro tampouco deixam de convergir. O medo dos poderes invisíveis quando cultivado em solo político reverte-se, como vimos, no poder visível de uma autoridade. Mas, além dos poderes invisíveis, os homens temem o poder dos outros homens. Segue-se que um poder mal fundado, um poder fundado sobre a simples opinião de um poder, como o das autoridades religiosas, é um poder temível e consequentemente sujeito à disputa, seja pelas armas da guerra e pela violência, seja pelas armas do discurso e da eloquência, influenciando a opinião que os homens fazem uns dos outros e, com isso, alterando as correlações de poder, jamais estáveis enquanto estiverem a mercê do jogo das opiniões e das paixões, do jogo das circunstâncias.

Hobbes, é bom repetir, não faz explicitamente esse raciocínio ligando o medo dos poderes invisíveis ao medo dos poderes visíveis e à guerra, mas conduz sutilmente seu leitor nesse caminho. Trata-se, no fundo, de uma sutilíssima estratégia retórica, com o intuito de convencer seus contemporâneos, que viram seu governo degenerar em guerra civil em meio a fortes disputas religiosas, de que é preciso fundá-lo sobre novas bases.[37] Quando lemos o capítulo XIII do Leviatã (que trata da guerra) na sequência do capítulo XII (que trata das religiões), como obviamente Hobbes esperava que fossem lidos, a função retórica da imagem da guerra de todos contra todos se explicita: a guerra é o resultado de todo governo fundado sobre o simples jogo das opiniões e das paixões, e o medo da morte violenta é a hipérbole a que Hobbes recorre, como bom retor que é, para nos mover no sentido da aceitação de seu argumento. A força do argumento está precisamente em que ele move nossas paixões (mais precisamente, o medo) de forma a aceitá-lo: que temamos a cultura do medo religioso sob o horizonte da qual reside o pior dos medos, o medo da morte violenta, e busquemos a solução de uma paz mais sólida e duradoura.

III

Mas como, se a solução que Hobbes oferece, longe de nos afastar dessa cultura do medo que nos convida a temer, nos põe diante de outro medo — o medo da espada civil? Pouco adianta dizer que esse medo é diverso, que é fundado sobre outras circunstâncias e produz outras consequências — um medo, por assim dizer, mais aceitável. Por que o seria? Não é, ainda assim, medo? É pouco convincente o argumento, por mais bem montado que seja, segundo o qual o medo possa vir a ser de algum modo desejável. Nós simplesmente não seremos movidos por ele.

O cerne da proposta de Hobbes não é, contudo, que troquemos um medo por outro, com o que ficaríamos na mesma. Não é disso que se trata. Fundamentalmente Hobbes propõe que instituamos obrigações. Este é o cerne de sua proposta política: que coloquemos, no lugar ou acima dos vínculos passionais em que consistem nossas relações naturais e das correlações de poder que deles se seguem, vínculos artificiais de obrigação e dever instituídos voluntariamente por contrato. Que os homens se comprometam mediante contratos, em determinadas circunstâncias, a não causar danos e a não fazer obstáculo ao gozo de um bem por parte do outro, recebendo em contrapartida um compromisso equivalente. Que os contratos firmados sirvam de base para um cálculo de direito e dever, assegurando-nos do comportamento alheio e alterando as circunstâncias de onde brotam o medo recíproco.

A proposta condiz com o que se sabe do medo: se a inclinação para a guerra nasce do medo de um dano possível, a paz depende de que saibamos não correr riscos. Não sabemos se os outros farão uso do poder de que dispõem para nos causar algum dano, e, não havendo nenhuma maneira eficiente para restringir esse poder (a causa eventual do dano), a restrição deve então recair sobre o seu uso (seu efeito: o dano possível). Eis precisamente o que faz a obrigação: ela restringe um direito, isto é, não o poder propriamente, mas a liberdade de usar o poder da maneira que se queira,[38] proibindo (ainda que apenas de direito) que esse uso se dê no sentido de produzir o dano temido.

O coração da proposta está, assim, em vencer o medo pelo conhecimento. Contra o medo dos poderes invisíveis, a ciência, o conhecimento adequado das causas. Contra o medo dos poderes visíveis, a previsibilidade, se não de fato, ao menos de direito dos comportamentos. Eis então o que Hobbes tem a propor: a sobreposição de vínculos jurídicos aos vínculos naturais (passionais) entre os homens, de modo que os comportamentos se tornem calculáveis a priori, isto é, a partir tão-somente dos termos dos contratos firmados. É em virtude do caráter a priori do cálculo que a previsibilidade do comportamento é uma previsibilidade de direito e, nesse plano, perfeita.

Curiosamente, porém, esse projeto não é factível sem o medo. Eis o que a razão mostrará em seu cálculo jurídico, que não é possível fundar obrigações sem o recurso ao medo, ou melhor, sem a alteração completa das relações de poder entre os homens, pela instituição de um poder soberano, um poder visível maior do que todos os outros, produzindo um medo proporcionalmente maior. E — o que é ainda mais curioso — essa impossibilidade deve-se precisamente ao medo, que não se deixa vencer por decreto. O medo é, assim, ao mesmo tempo, além do motivo que nos engaja no projeto de instituição de vínculos jurídicos de obrigação e dever, um obstáculo a essa instituição e um instrumento ao qual se recorre para viabilizá-la.

É fácil ver qual o obstáculo em questão. Que os comportamentos se tornem de direito previsíveis a partir dos contratos firmados, não quer dizer que sejam previsíveis de fato. Nada garante que os homens cumpram suas promessas contratuais. E na falta dessa garantia o raciocínio jurídico de Hobbes é nesse ponto arguto — não há contratos válidos, obrigações e, portanto, sequer a, previsibilidade de direito das condutas. “Quando se faz um pacto em que ninguém cumpre imediatamente sua parte e uns confiam nos outros, na condição de simples natureza (que é uma condição de guerra de todos os homens contra todos os homens), a menor suspeita razoável torna nulo esse pacto”.[39]

“A menor suspeita razoável [any reasonable suspition]… — tal suspeita é um medo, como será nomeada logo a seguir: no Estado Civil […] esse medo [that fear] deixa de ser razoável”.[40] Não seria preciso essa confirmação textual para que reconhecêssemos aí aquele medo, inseparável da condição humana, diante de um poder de dano cuja disposição para causá-lo é desconhecida; o dano em questão é o não cumprimento do contrato pelo outro, quando já se cumpriu a sua parte. Basta que não se saiba se esse dano vai ou não se produzir para que o medo se torne razoável — entenda-se: redutível à sua causa. Pois o medo, como vimos, não surge apenas do que sabemos nos causar dano, mas também do que não sabemos. Ele é razoável, portanto, na falta de uma garantia contra o dano. O medo anula desse modo os contratos, impondo-se como obstáculo à instituição das obrigações.[41]

Como então fornecer a garantia de reciprocidade requerida para essa instituição? Hobbes o diz explicitamente: “a paixão com a qual se deve contar [reckoned upon] é o medo”.[42] O medo dos poderes invisíveis poderia ser e é de fato usado para esse fim. Mas, como isso está na dependência de um governo, ele mesmo instável e no limite belicoso da religião, bem mais certo e eficiente — logo, racional —, é o medo de um poder visível claramente superior ao poder dos contratantes, como o do Estado, que é acordado por todos, disposto a punir quem faltar com a palavra dada e garantir com esse expediente a validade dos contratos.

Salientemos a expressão, bastante significativa, usada por Hobbes: o medo é a paixão com a qual se deve contar (reckoned upon; literalmente, “calcular”). Quem faz o cálculo, quem conta com o medo, é a razão, que não é para Hobbes uma potência meramente contemplativa. À razão cabe uma obra: a de conhecer para alterar por artifício as condições da nossa existência, quando suas consequências são indesejáveis. Nesse sentido, a razão primeiramente conhece o medo como parte da condição humana, suas causas e consequências, para então usá-lo para fundar obrigações e calcular deveres, garantindo com isso uma paz duradoura.

A razão instrumentaliza desse modo o medo, o que é diferente de cultivá-lo. Na cultura do medo, trata-se de fundar um poder sobre o medo e de produzir com isso mais medo, até o limite do pior deles, que é o da morte violenta. Mas o medo com o qual conta a razão não é o de um poder ele mesmo fundado sobre o medo, e sim sobre um contrato e, no limite, na própria razão; seu efeito tampouco é fundamentalmente o medo, mas a obrigação, e o medo apenas na medida em que torna possível os vínculos contratuais.

Resta que a filosofia de Hobbes não tem medo de contar com o medo — o que talvez hoje tenhamos, como quem pensa que assim estaríamos “cutucando a onça com a vara curta” e colocando-nos numa situação que pudesse sair de nosso controle. Mas isso, possivelmente, por não mais concebermos o medo como Hobbes o concebia, isto é, como uma disposição circunstancial, compatível com a razão e maleável ao seu trabalho.

Notas

[1] Cf. Renato Janine Ribeiro, Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra o seu tempo (São Paulo: Brasiliense, 1999), pp. 11‑13

[2] Thomas Hobbes, De cive, versão latina organizada por H. Warrender, capítulo I, seções 1 e 2 (Oxford: Clarendon Press, 1983); Thomas Hobbes: the Man and Citizen, versão inglesa organizada por B. Gert (Indiana: Hacket, 1993); Do cidadão, organizada por Renato Janine Ribeiro (São Paulo: Martins Fontes, 1992).

[3] Thomas Hobbes, Leviathan, organizado por C. B. Macpherson, Coleção Penguin Classics, capítulo XV (Londres: Penguin Books, 1985), pp. 202-203; Leviatã, trad. J. P. Monteiro & M. B. N. da Silva, Coleção Os Pensadores (São Paulo: Abril Cultural, 1974).

[4] Cf. Jean-Jacques Rousseau, Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, trad. de Lourdes Santos Machado, Coleção Os Pensadores, parte II (São Paulo: Abril Cultural, 1978).

[5] Cf. Jean-Jacques Rouseeau, Do contrato social, trad. de Lourdes Santos Machado, Coleção Os Pensadores, parte I, capítulo 3 (São Paulo: Abril Cultural, 1978).

[6] Cf. Marco Túlio Cícero, Tusculanas, texto estabelecido por G. Fohlen, trad. de J. Humbert, capítulos III (XI) e IV (VI) (Paris: Belles Lettres, 1970).

[7] Tais prazeres não se reduzem a uma sensação localizada em alguma parte do corpo, como os outros, e dependem de uma previsão das consequências boas ou más que se seguem dos objetos presentes aos sentidos.

[8] Marco Túlio Cícero, Tusculanas, cit.

[9] Thomas Hobbes, Leviathan, cit., p. 119.

[10] Ibidem.

[11] Marco Túlio Cicero, Tusculanas, cit.

[12] Thomas Hobbes, Leviathan, cit., p. 118.

[13] Cf. Marco Túlio Cícero, Tusculanas, cit.

[14] Thomas Hobbes, Leviathan, cit., p. 120.

[15] Ver a esse respeito Leo Strauss, La philosophic politique de Hobbes, trad. de André Enegrén e Michel Launey (Paris: Belim, 1991), p. 69.

[16] Thomas Hobbes, De homine, cit.

[17] Após enumerar no Leviatã as leis de natureza, entendendo-as como ditames da razão, Hobbes acrescenta: “os autores de filosofia moral, embora reconheçam as mesmas virtudes e vícios, não sabem ver em que consiste sua excelência, não sabem ver que elas são louvadas como meios para uma vida pacífica, sociável e confortável, e fazem-nas consistir numa mediocridade das paixões. Como se não fosse na causa, mas no grau de intrepidez que consiste a força (“fortitude“); ou se não fosse na causa, e sim na quantidade de uma dádiva, que consiste a liberalidade”. Cr. Thomas Hobbes, Leviathan, cit., p. 216.

[18] Cf. Leviathan, cit., p. 118.

[19] Importa distinguir essa concepção da paixão de outra, de matriz agostiniana, que com frequência é atribuída a Hobbes (quando se diz por exemplo que, para ele, o homem é mau por natureza e que esta sua disposição jamais pode ser alterada). Para Agostinho, mas não para Hobbes, as paixões são a expressão de uma disposição profunda da vontade, a concupiscência (“cupiditas”), para cuja alteração nos falta força em virtude de nossa natureza decaída. O princípio das paixões é para Agostinho a vontade tomada como causa interna e inaugural e não as circunstâncias tomadas como causas externas e elas mesmas causadas, como em Hobbes. Tampouco as paixões são maleáveis para Agostinho, uma vez que ele considera que a disposição da qual brotam só pode ser alterada pela graça e, de modo definitivo, apenas na outra vida. Sobre a concepção agostiniana das paixões, cf. Santo Agostinho, La cité de Dieu, em Œuvres, Bibliothèque de la Pléiade, vol. 2 (Paris: Gallimard, 2000).

[20] Ibidem.

[21] Ferdinand Tönnies (org.), Elements of Law, capítulos 1, 8 e 9 (Londres: Frank Cass & Co., 1969).

[22] Thomas Hobbes, De homine, cit.

[23] Thomas Hobbes, 1986, “A Briefe of the Art of Rhetorique”, em John T. Harwood (org.), The Rhetorics of Thomas Hobbes and Bernard Lamy (Carbondale and Edwardsville: Southern Illinois University Press, 1986), p. 75.

[24] Thomas Hobbes, Leviathan, cit., p.120.

[25] Ibid., pp. 169-170.

[26] Ver nesse sentido a distinção feita por Hannan Arendt entre o sentido das expressões natureza e condição humana, que acompanhamos aqui. Cf. Hannah Arendt, trad. de Roberto Raposo (Rio de janeiro: Forense Universitária, 2000), capítulo 1,1.

[27] Segundo Hobbes, a razão é um cálculo com nomes, um cálculo que só pode ser levado a bom termo ali onde se parte de definições logicamente consistentes. Não preenchem esse quesito as definições, abundantes nos discursos religiosos, que copulam um nome que significa um fantasma (algo meramente imaginado) com um nome que significa um corpo (algo que se supõe existir realmente para além da imaginação). Cf. Thomas Hobbes, Leviatã, capítulo V, cit.

[28] Ibid., pp. 166-167.

[29] Ibid., XII, 171.

[30] Ibid., pp. 164-165.

[31] Ferdinand Tönnies (org.), Elements of Law, cit.

[32] Thomas Hobbes, Leviathan, cit., p. 179.

[33] Ibid., p. 150.

[34] Ibidem.

[35] A fazê-lo, Hobbes trilha uma via aberta por Maquiavel, quando este mostra, nos capítulos XV e seguintes d’ O príncipe, que o poder de um príncipe funda-se sobre uma aparência, as qualidades em função das quais é louvado ou censurado — em suma: a opinião que se tem dele. Hobbes acrescenta a essa ideia que a aparência fundamental ao poder é precisamente a aparência ou opinião de poder. Nessa linha, define o valor de um homem como “o seu preço; isto é, o quanto é dado pelo uso de seu poder” (Cf. Thomas Hobbes, Leviathan, X, cit., p. 151) e faz do valor, assim definido, o princípio da honra pública — “valorizar um homem em alto grau é honrá-lo” (ibid., p. 152). A honra pública é assim opinião de poder e, ela mesma, poder, na medida em que sinaliza que aquele que goza dessa reputação reúne forças em torno de si.

[36] Thomas Hobbes, Leviathan, cit. p. 179. Vale notar que isso se aplica à religião cristã num tempo em que não se fazem mais milagres, quando se coloca o problema de saber a quem cabe a autoridade de interpretar as Escrituras.

[37] Que a questão do poder fundado sobre a religião seja uma preocupação de fundo do Leviatã é o que se nota quando se atenta ao conteúdo das duas últimas partes desse livro, dedicadas, em resumo, à difícil relação entre o poder de Deus e o poder temporal das pessoas que supostamente o representam.

[38] Cf. Thomas Hobbes, Leviathan, cit., p. 189.

[39] Ibid., p. 196; Leviatã, cit., p. 86.

[40] Ibidem.

[41] O medo anula os pactos porque estes são atos voluntários “o objeto dos atos voluntários dos homens é algum bem para si mesmo”(cf. Thomas Hobbes, Leviathan, cit., p. 192); daí que na falta da garantia de gozar do bem visado, não haja obrigação, posto que de direito ninguém se disporia a assumi-la. Se alguém ainda assim firma contratos, suas palavras não passam de palavras ao vento, formalmente incapazes de obrigar.

[42] Thomas Hobbes, Leviathan, cit., p. 200.

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