2009

A passividade

por Maria Rita Kehl

Resumo

Passividade de vida é receptividade. É contemplação. Deixar o espírito livre e disponível para captar o que vier, como no zen: sem memória, sem anseios. Só assim se consegue acolher o novo com a mente liberta e aproveitar a repetição do belo e do agradável sem medo de envelhecer. A passividade é uma das condições do prazer, chamado injustamente de feminino, como se os homens estivessem excluído dessas delícias.

Sujar o pé na areia pra depois lavar na água / lavar o pé na água pra depois “sujar de areia / esperar o vagalume piscar outra vez / ouvir a onda mais distante atrás da onda mais próxima…

O poema não é de autoria de uma mulher: é de Arnaldo Antunes. Mas a associação entre passividade e sexualidade feminina funciona como boa provocação em uma sociedade falocêntrica como a nossa, onde a vida parece só ter valor quando se traduz em ação, velocidade, movimento.

Passividade de morte é conformismo. É desistir da briga, culpar o outro pelo que fracassou, instalar-se na queixa e no ressentimento. O ressentido exercita uma revolta passiva, escreveu Nietzsche. É aquele que não se arrisca a lutar por seu desejo, mas está sempre pronto a acusar alguém, mais decidido ou mais corajoso que ele, de ter lhe roubado uma oportunidade. Para Nietzsche, o ressentimento caracteriza a “moral escrava”, dos que se deixam abater por covardia e escolhem a servidão voluntária, a humildade auto-imposta, a vida rebaixada.

Em Walter Benjamin, a passividade participa da constelação afetiva da melancolia. O melancólico benjaminiano não é idêntico ao do quadro clínico da psicanálise. É o sujeito derrotado da ação política, que se deixou abater pelo fatalismo, o sentimento de inutilidade da ação humana diante da exibição de força dos poderosos, os vencedores da História.

Tanto em Benjamin quanto em Nietzsche a pulsão de morte, não nomeada como tal, está na origem da passividade dos ressentidos e dos melancólicos. Se a passividade de vida é aliada das modalidades contemplativas e femininas do prazer, a passividade de morte se tra­duz em fascínio pela imobilidade regressiva, apego à segurança, repetição do mesmo.


Quando fui convidada para participar deste livro, muitos temas já estavam destinados a seus respectivos autores. Escolhi o tema da intolerância sem saber que já pertencia à Marilena Chauí, parece que depois ela preferiu a liberdade e que, então, a intolerância passou a ser do Eugênio Bucci, o que fazia sentido, uma vez que ele tinha acabado de lançar um livro sobre a intolerância na política. Sendo assim, dos temas disponíveis escolhi a passividade; escolha para a qual encontro dois motivos mais imediatos. Primeiro: nunca tinha tratado dela diretamente, mas descobri que estava relacionada a muitos de meus escritos.

Além disso, a passividade é interessante porque não pode ser sumariamente definida nem como vício nem como virtude. Abordar a posição passiva exige que se levem em conta algumas circunstâncias: o que com ela se obtém? Que relações ela permite estabelecer? O que significa a passividade para cada sujeito? Assim, não é de espantar que, ao longo deste ensaio, eu mude constantemente de ponto de vista e aborde a passividade como vício, como virtude, além dos casos em  que talvez possa ser virtude no limite de tornar-se vício. É preciso também dispensar o devido cuidado aos termos vício e virtude, já que, do ponto de vista da psicanálise, a questão não é moral, ainda que tenha consequências éticas. Isto nos conduz a considerações relativas à posição do sujeito, a seu sofrimento, uma vez que, a cada situação, ele pode dar-se por vicioso ou virtuoso.

A primeira consideração sobre a passividade não poderia ser outra senão uma constatação: a de que todos estão irremediavelmente marcados pela experiência da passividade. Mais: de que somos/estamos marcados pela experiência radical da passividade, anterior a qualquer possibilidade de escolha. A primeira posição do bebê é passiva, de completa dependência de um adulto que o tome a seus cuidados: seja a mãe, o pai, uma mãe adotiva, uma babá. Isso porque, diferente de outras espécies, o filhote humano permanece por muito tempo nesse estado de desamparo, nesta dependência de que um Outro deseje se ocupar dele. Se a criança não for tomada ao cuidado do outro, se esse outro não souber, desde o instante do nascimento e ainda por um longo tempo a que chamamos infância, interpretar as expressões de insatisfação e sofrimento da criança e responder a elas, a criança sequer sobrevive fisicamente — ao passo que a maioria dos animais, pouco depois de nascidos, a não ser que sejam abandonados em um ecossistema muito diferente do seu natural, tendem a sobreviver instintivamente. A cria do mamífero, por exemplo, busca instintivamente a teta, bastando, para tanto, que a mãe coloque-a à disposição. Nisto consiste a diferença, para a psicanálise, entre o instinto e a pulsão. Enquanto o animal é adaptado biologicamente ao meio — seu código genético o provê de um “saber” sobre os objetos de satisfação de suas necessidades —, o humano, marcado pela linguagem e destinado a um ambiente cultural, discursivo, se não contar com quem “saiba” do que ele precisa, não sobreviverá. É claro que os recém-nascidos contam com uma reserva vital. Talvez vocês se lembrem do que se passou durante o terremoto do México, quando parte do berçário de uma maternidade foi soterrada e as crianças sobreviveram uma semana, pois ficaram em um bolsão de ar, contando ainda com suas respectivas reservas vitais provenientes das placentas que há pouco tempo ainda as envolviam.

Volto ao ponto: a posição passiva que marca a entrada do recém-nascido no mundo deve-se não apenas à falta de habilidade corporal para obter, por exemplo, alimento ou calor junto ao corpo materno, mas também à falta de conhecimento instintivo sobre os objetos que possam satisfazer suas necessidades. Estes objetos já estão inscritos no campo da cultura. Todo bebê, antes mesmo de nascer, já ocupa um lugar na cultura — pensem na escolha do nome, no desejo de que seja menino ou menina, no lugar que ele ocupa, desde a gestação, na fantasia de seus pais. Diríamos que os humanos são desnaturados, apartados da ordem da natureza e atravessados pela linguagem; todo recém-nascido é induído, através dos cuidados advindos do Outro materno, nas práticas discursivas da sociedade a que pertence. Este é o sentido de sua passividade, que, entretanto, não faz dele um ser inerte: desde o início ele manifesta seu desconforto e sua insatisfação, às vezes violentamente. Ele é capaz de despender enorme dose de energia gritando e esperneando, como se protestasse com fúria contra seu desconforto — seja fome, frio, todo tipo de tensão corporal que Freud chamou de “tensão de necessidade”. Reparem que eu escrevi “como se protestasse”, pois nisso reside seu desamparo: para que seus gritos tenham o valor de um protesto ou de um apelo, é preciso que um adulto o escute e o interprete assim. Não é que o passivo não aja. Ele age como pode. Ele se expressa. Isso é tudo o que ele pode fazer, uma vez que não pode, por si só, alcançar seu objetivo — e é a partir daqui, então, que começo a construir a ideia da passividade. O pediatra e psicanalista Donald Winnicott criou a expressão “mães suficientemente boas” para se referir à maioria das mães (imagino), ou seja, as que nem tentam ser boas demais nem são boas de menos, isto é, negligentes. Enfim, as mães que interpretam mais ou menos corretamente os choros de seus bebês. Como elas aprendem a fazer isso? Em geral, começam por oferecer alimento; se o bebê não se aquieta elas imaginam tratar-se de frio ou qualquer outro tipo de desconforto, que tentam aplacar oferecendo colo, embalo, calor. De todo modo, o alimento é a oferta primordial, a primeira interpretação para o choro do bebê. Tanto que, para a psicanálise, a amamentação tornou-se o paradigma da satisfação.

O filhote do homem, por mais que saiba berrar e espernear, inaugura sua vida na posição passiva porque quem lhe diz o que ele quer é o Outro. O Outro materno. Se este primeiro sentido da passividade ficar claro para nós, todos os desdobramentos do que pode vir a ser passividade ao longo da vida tornam-se mais claros, seja na parceria erótica, seja, por exemplo, nas ações da vida pública. Passivo não é quem deixa de agir para alcançar o que deseja; é quem depende do outro para dizer-lhe o que ele deve desejar.

De volta aos bebês, é preciso fazer a ressalva de que sua insatisfação inicial ainda não é propriamente o desejo, tal como a psicanálise o define. A dependência inicial do infans é constitucional. Não é por gosto que o bebê é passivo, mas por ser esta a sua condição. Isso vale mesmo no caso dos bebês mais ativos corporalmente, o que é do âmbito da pulsão, ou seja, dessa força do biológico que age sobre o psiquismo. A pulsão é a mera força das necessidades bioló­gicas que agem sobre o psiquismo ainda imaturo, sem indicar qual o objeto de sua satisfação. A pulsão, escreveu Freud, é “muda”: ela não se liga, a priori, a nenhum significante. Logo, o que o bebê sente, antes de tudo, é “tensão de necessidade”, a que Freud confere o sentido de desprazer em oposição ao estado confortável do corpo/psiquismo em repouso.[1] A reação primitiva à tensão de necessidade pode ser uma descarga aleatória de energia, como o primeiro grito do bebê. Tal descarga, à maneira da descarga orgástica, por exemplo, tende a diminuir a tensão, e tanto a explosão de energia quanto o apaziguamento que a ela se segue podem ser considerados prazerosos.

Mas, para todo organismo vivo, o repouso é um estado passageiro, que tende a ser desfeito pelas tensões características da vida. Nos primeiros dias de vida de um recém-nascido, pode acontecer que ele se encontre em um prolongamento da sensação uterina, o que leva algumas mães a dizer que seus bebês são muito bonzinhos porque quase não choram. Ao que um psicanalista diria que não é bem assim: na verdade, aquele bebê ainda “não descobriu que nasceu”. Só quando surge um desconforto que ele não tem como apaziguar é que ele descobre que está no mundo e — o que mais pode fazer? — abre um berreiro danado. Esse é um choro saudável, o contrário é que seria preocupante.

Esta primeira marca de satisfação, de ter a necessidade atendida pelo Outro, é uma forma quase plena de gozo proporcionada por uma mãe “suficientemente boa” (pois mais do que isso não há). Esta é a mãe que transmite a seu bebê o prazer que ela sente ao cuidar dele, numa corrente erótica que passa pelo que a mãe sente e marca as bordas pulsionais no corpo do bebê: boca, ânus, órgãos genitais, pele, órgãos dos sentidos, enfim, todos os pontos de contato do infans com o Outro. O contrário da mãe “suficientemente boa” seria a chamada mãe “funcional”, que se limita a atender mecanicamente as necessidades físicas da criança sem que seu desejo se apresente nestes atos.

Partamos, portanto, da experiência do gozo que o infans compartilha com aquela que supostamente sabe do que ele necessita e apresenta-se como capaz de atendê-lo plenamente, principalmente porque o faz a partir de seu desejo. Esta experiência inaugural de gozo passivo, de ter sido objeto de desejo e de investimento prazeroso vindo do outro, marca para sempre todo bebê que virá a tornar-se um sujeito. Estamos fatalmente marcados pela passividade, como experiência inaugural da vida biológica e psíquica. Mas tal experiência de gozo passivo virá a ser recalcada, de modo que esta plenitude inaugural se perde para sempre: trata-se de uma perda vital para que, do bebê-objeto-do-Outro, possa advir um pequeno sujeito desejante. Para que isto ocorra, é necessário que até mesmo a mãe mais dedicada também se interesse por outros objetos que não o bebê — outros filhos, um marido ou namorado, o trabalho para o qual ela terá que voltar etc. É a posição da mãe diante do desejo dela mesma — que, por definição, nunca se satisfaz em um objeto só — que permite que a criança aos poucos se separe de seu gozo passivo e comece a lutar mais ativamente pelo seu prazer. Deste ponto da vida em diante, até mesmo os prazeres passivos exigirão um pouco de trabalho. Como escreveu Freud, é preciso muita atividade para se obter um gozo passivo.

É claro que, na prática clínica, é possível deparar-se com várias formas de volta ao gozo passivo, patológicas ou não, que são muito conhecidas. A drogadicção, por exemplo: dizemos que o viciado é que é objeto da droga. Essas formas de gozo passivo de modalidade oral — álcool e drogas, lícitas ou ilícitas — podem ser até certo ponto prazeres vitais, mas acenam sempre com um convite mortífero, uma vez que a entrega ilimitada a eles pode corresponder a entregar-se à morte. É a pulsão de morte que aí se satisfaz, esta que busca o estado menos tenso do organismo: o estado de entropia absoluta. Assim, a busca do gozo passivo sem limite, mesmo que desprovida de vontade consciente de morte, não é só mortal porque a droga é tóxica, mas também porque ela vai desorganizando o corpo erógeno que se organizou a partir de uma tensão inevitável, vital, no fio da navalha entre a busca de objetos de satisfação total e o encontro com objetos de prazer possível, que é sempre parcial. É por essa via de buscar uma coisa e encontrar outra que o corpo (e o psiquismo, evidentemente) se organiza de maneira vital; é assim que as pulsões de vida desenham o corpo erógeno a partir das bordas, das regiões em que o contato com o outro proporciona experiências de prazer. Não é por acaso que se chama o orgasmo de “pequena morte”, embora, claro, não se busque o orgasmo para morrer, mas simplesmente pelo estado de distensão que ele proporciona. O ciclo atividade/ passividade é muito bem representado pelo estado de excitação e gozo sexuais.

A relação entre tensão e desprazer, distensão e prazer, adotada por Freud, não pode ser tomada como norma inflexível. Ele próprio admite, em “O problema econômico do masoquismo”,[2] que na economia do prazer sexual o aumento de tensão que corresponde à excitação pode ser tão prazeroso como a distensão orgástica. Mas de maneira geral, na economia psíquica freudiana, o aumento de tensão é avaliado como fonte de desprazer. Aqui existe um paradoxo que vou apenas enunciar, sem aprofundar: para Freud,[3] o estado mais absoluto de repouso, como meta final da pulsão, é a morte; daí advém o conceito de Pulsão de Morte como uma força desorganizadora que empurra o psiquismo em direção aos estados mortíferos a que Lacan, mais tarde, virá a chamar de gozo do Outro. Esta é a modalidade de gozo passivo que o bebê perde ao tornar-se um pequeno sujeito, separado do Outro materno pelo fato de ele viver em um mundo organizado não pelo que está “além do princípio do prazer”, mas pela linguagem.

Mas, antes de perder o gozo da plena passividade, o infans foi marcado por ele. O modo como a mãe dita “suficientemente boa” se ocupa de sua cria e compartilha com ela o enorme prazer que sente ao tomá-la nos braços, ao contemplá-la, ao oferecer-lhe conforto, calor e alimento, inclui o bebê em uma corrente erótica — a palavra é essa mesmo, embora não se trate de erotismo genital —, uma corrente erótica que se transmite do corpo da mãe para o corpo da criança que não está sendo satisfeita só biologicamente. Ela se satisfaz, sobretudo, de uma maneira que pouco mais tarde se tornará muito enigmática para ela, depois que ela se separar para sempre da posição passiva que caracterizou seus primeiros dias de vida. O recalque da experiência de passividade, chamado recalque primário, inaugura o inconsciente. A partir daí, o sujeito nunca mais deixará de estar vulnerável à sedução de um Outro que se apresente como aquele que é capaz de adivinhar suas necessidades e seus desejos e de satisfazê-los plenamente. O fato de esta plenitude estar irremediavelmente perdida não significa que o sujeito deixe de procurar reencontrá-la ao longo da vida. O grande organizador da fantasia inconsciente, a que chamamos de fantasma, não passa de um artificio que o sujeito inventa para se oferecer como objeto passivo do gozo de quem quer que ele escolha para ocupar o lugar do Outro.

Estamos, portanto, fatalmente marcados pela passividade como experiência inaugural da vida biológica e da vida psíquica. Não é preciso combater esse gozo passivo porque, necessariamente, ele vai perder-se. Basta que a mãe, não sendo uma psicótica, ocupe-se de outro(s) objeto(s) além de seu bebê, seja um marido que ela deseja, ou outros filhos, ou o trabalho para o qual ela tem de voltar, enfim, na medida em que a mãe dirige sua atenção e também seu desejo a outros objetos, a criança vai se desiludindo desse sentimento primordial de que ela é tudo para a mãe, assim como a mãe é tudo para ela. Aos poucos ela terá de exercer cada vez mais atividades para obter o seu gozo passivo. Freud tem uma observação muito importante, ao referir-se às perversões sexuais (logo mais chego a elas), de que é necessária uma grande dose de atividade para se produzir um gozo passivo. A partir do momento em que a criança, ainda muito pequena, percebe que tem de “trabalhar” por seu prazer, já não podemos falar em passividade como uma posição absoluta do sujeito. Quando eu me referir à posição do sujeito nas neuroses, talvez fique mais claro o que eu quero dizer.

Na prática clínica nos deparamos com várias formas de volta ao gozo passivo, todas apatológicas ou não. A drogadição é uma delas; mas outras modalidades de adição bioquímica, ainda que medicamentosas, revelam uma busca de um gozo passivo. São modos de o sujeito fazer-se objeto da droga, que age nele ou no lugar dele. O sujeito torna-se objeto de sua droga ou de sua medicação. A entrega ilimitada ao gozo da droga pode conduzir à morte. O objeto da pulsão de morte é exatamente o estado de menor tensão vital, a que chamamos, por analogia com a física, um estado de entropia absoluta. Toda busca de gozo sem limite, de estados de fusão com o absoluto, de aniquilação do intervalo que separa o sujeito do Outro (ou da natureza, etc.), é orientada pela pulsão de morte. Tais estados de gozo, ainda que não venham acompanhados de nenhuma vontade consciente de morrer, desorganizam o corpo erógeno — este que se organizou a partir de uma tensão inevitável, vital, entre a perda do objeto primordial e a busca de modalidades parciais de satisfação. É assim que as pulsões de vida marcam as bordas do corpo, que são justamente as bordas de contato com objetos de satisfação: boca, pele, ânus, olhos, ouvidos, genitais.

Todas estas satisfações vitais correspondem, freudianamente falando, a uma queda de tensão/excitação, cujo paradigma é exatamente o da excitação sexual que culmina na descarga orgástica. Como já dito, não é por acaso que se chama o orgasmo de “pequena morte”, embora a maioria de nós não busque o orgasmo pensando na hipótese de morrer ali. Mas é com muita propriedade que dizemos “morrer de amor”; “morrer de prazer”.

Menciono também o gozo místico como modo consagrado de gozo passivo. O gozo místico é alcançado por meio de um estado de abandono absoluto do sujeito com relação a suas ânsias e ambições, desejos, projetos — uma experiência com o vazio que é, paradoxalmente, experiência de plenitude. O místico — como certos poetas radicais — é capaz de alcançar um estado de desligamento (ainda que momentâneo) dos objetos e dos apelos do mundo em que vivemos; este despojamento é uma abertura radical para o mistério, para o nada, que alguns chamam de Deus, outros de poesia. Mas, como minha perspectiva não é religiosa, prefiro aproximar o gozo místico do gozo estético. O que os aproxima é o fato de ambos dependerem de o sujeito colocar-se disponível para algum modo de percepção (do mundo e, consequentemente, de si mesmo) diferente do habitual. O sistema psíquico que Freud batizou de percepção-consciência é organizado a partir da repetição de circuitos de atividade psíquica: receber impactos e estímulos do mundo interno e externo, atribuir-lhes significado a partir do trabalho da memória pontual, responder adequadamente a eles. Supõe-se, por exemplo, que estou na sala de minha casa, com meus amigos. Vejo o ambiente, ouço as pessoas, percebo olhares que me são familiares e me solicitam que eu responda, de alguma forma, à presença deles. Este é o estado da percepção organizada. Mas é possível abandonar o plano da atenção consciente, que é o plano fundamental da vida funcional, e deixar-se levar pelo sonho, pelo devaneio, por estados que eu chamo vulgarmente de estados de distração. No caso da sala com amigos, alguém em estado de distração (ou por efeito de álcool ou de maconha) pode desligar-se das solicitações mais imedia­tas e começar a perceber prioritariamente as cores do ambiente, os contrastes entre as cores das cadeiras e das roupas, e assim entregar-se a uma experiência estética diferente do contexto real da sala de visitas — e, no entanto, nada indica que tal experiência não pudesse ser também real. O que a diferencia da dita “realidade” é que ela não é compartilhada automaticamente pelos outros.

Este tipo de experiência refere-se a modos de percepção, da chamada reali­dade, diferentes daqueles organizados pelo ego, pelo superego, pelos compromissos e pelos automatismos (adquiridos) do sistema percepção-consciência.

Agora — e eis a questão que deve ser abordada —, por que se chama tal experiência de passiva? Porque para alcançá-la preciso permitir que a atenção consciente entre em repouso de modo que abandone qualquer compromisso em que eu tenha me engajado ativamente. Quem experimentou qualquer tipo de droga leve sabe que, ocasionalmente, a desorganização perceptiva que ela promove pode ser angustiante. Para alguns, tal percepção pode ser divertida; para outros, angustiante, porque o eu, esse sentimento que me indica quem eu sou, minha identidade, o que faço em determinado lugar, depende muito dessa organização da percepção/consciência.
No entanto, devo mencionar Walter Benjamin, um filósofo que dá muito valor a tais estados de entrega ao devaneio, ao ócio, à escuta de histórias e de narrativas que ativam a memória e a imaginação e desativam, pelo menos provisoriamente, a prontidão da atenção consciente. Para Benjamin, estas experiências formadoras da riqueza psíquica são destruídas pelas condições da vida moderna (observem que ele escreve na década de 1930), que solicita permanentemente a capacidade de prestar atenção e reagir a estímulos, incompatíveis com o que outro filósofo do começo do século XX, Henri Bergson, chamou de “vida do espírito”. Por caminhos teóricos diferentes, tanto Bergson quanto Benjamin nos fazem pensar que a velocidade que a vida moderna imprime ao trabalho psíquico de acolher e reagir a estímulos traumatiza o psiquismo e empobrece seus recursos mais fecundos, que são o da memória e da imaginação. Ora, a imaginação é fundamental para que o sujeito se sinta estimulado a transformar a realidade. Não é a imaginação que é transforma­dora por si só; é o impulso transformador que ela alimenta — este, por sua vez, é claro que tem de levar em conta a realidade.

Mas observem que, neste ponto, demos mais uma volta no parafuso do conceito de passividade: a nossa hiperatividade cotidiana na vida contemporânea pode nos tornar passivos sem que tenhamos a menor noção disso. Uma agitação frenética não é necessariamente ativa, no sentido forte do termo, se ela se resume a responder automaticamente a estímulos e exigências corriquei­ras, à agenda cotidiana, à custa do trabalho da imaginação. Sem a imaginação, é impossível fazer qualquer aposta transformadora, qualquer projeto de mudar a vida ou, se não for muito pretensioso dizer, de transformar o mundo.

Este salto no vazio é impulsionado pelo que foi, um dia, nossa capacidade de fantasiar realidades diferentes dessa máquina de produção de banalidades a que nos acostumamos a chamar de real. A velocidade da realidade cotidiana é mais apassivadora do que pode parecer.

Passividade e erotismo

Retomemos por mais algum tempo a referência ao gozo do bebê que se percebe como fundido ao corpo de sua mãe e chamemos a este gozo primordial de “comunhão erótica”. Não propriamente sexual, no sentido da sexualidade adulta, mas erótica. Esta é a forma primordial, passiva, de gozo erótico, no sentido amplo do termo. Com isso volto a falar de passividade como, possivelmente, uma virtude. Preciso então retomar um conceito freudiano que não é muito bem visto, o conceito de masoquismo. A comunhão erótica a que me refiro é chamada por Freud de “masoquismo erógeno”.

A palavra masoquismo deriva do nome do autor que consagrou, na literatura, esta montagem erótica dita perversa (e que faz par com o sadismo, termo que deriva do título de nobreza do marquês de Sade). Leopold von Sacher—Masoch foi um galiciano[4] descendente de uma família de altos funcionários do império austro-húngaro. Viveu de 1836 a 1895. Seu livro, A Vênus das peles, relata a longa relação do personagem-narrador com sua mulher Wanda, a quem ele adorava como a uma deusa e por quem gostava de ser maltratado, pisoteado, chicoteado, humilhado como uma criança malvada que merece punição e rasteja aos pés da mulher grandiosa. Masoch descobriu na infância “a afinidade misteriosa entre a crueldade e a volúpia”, ao ser espancado por uma bela tia cujas infidelidades conjugais o menino andara espionando. No texto Apresentação de Sacher Masoch,[5] Gilles Deleuze chama a atenção para o papel ativo do primeiro dos masoquistas, que estabelecia por contrato a natureza das relações que desejava estabelecer tanto com Wanda quanto com outros(as) amantes. As peles do título do livro de Masoch remetem às usadas pela tia “Zibelina” e também compõem, obrigatoriamente, as montagens eróticas do autor.

Confesso que a repetição exaustiva das encenações relatadas por Masoch resulta entediante para mim, tanto quanto as montagens complicadíssimas e igualmente repetitivas relatadas por Sade, o mestre que antecipou a lei do gozo na modernidade.

Nem todo masoquismo é erótico. Freud considera três formas de masoquismo: deixarei por último o exame do masoquismo primário, que está mais estreitamente ligado à passividade enquanto, digamos, uma virtude. Os outros são o masoquismo feminino e o masoquismo moral. O masoquismo moral é o mais frequente na clínica das neuroses; quase todos nós estamos, em certa medida, sujeitos a ele. Ele é tributário de um sentimento de culpa inconsciente que faz com que o superego torture o ego de maneira análoga às punições sofridas pela criança malvada, nos relatos de Sacher-Masoch. Como a origem da culpa é inconsciente, o sujeito encontra pretextos para confirmar na vida real que ele não presta, que merece castigos e censuras, que tudo o que faz dá errado — são pessoas que passam a vida a punir-se e censurar-se, convencidas de que nada do que fazem é suficientemente bom. O gozo do superego no masoquismo moral também precisa, para ser ativado, da relação com o outro; essas pessoas agem na vida de modo a se fazerem, de fato, castigar pelo outro, como o funcionário que repete sempre o mesmo erro até ser demitido, ou o recruta que “sabe” se fazer humilhar pelo sargento, a mulher que se oferece ao homem de alguma maneira rebaixada, etc.

O masoquismo inaugurado na literatura por Sacher-Masoch é uma perversão tipicamente masculina; paradoxalmente nós o chamaremos de masoquismo feminino. O masoquismo dito feminino não é uma perversão característica das mulheres. Na clínica, masoquismo feminino é um modo de gozo perverso de alguns homens que interpretam a posição da mulher como uma posição inferior devida à “castração” feminina, ou seja, à falta de um órgão fálico no corpo feminino. Esses homens se fazem maltratar como se fossem mulheres, segundo a fantasia infantil de que as mulheres deveriam ser castigadas por sua inferioridade (fálica) à qual eles atribuem uma origem moral. Esta é uma interpretação infantil do ato sexual: de que o homem maltrata a mulher, submete a mulher porque ele é o poderoso detentor do falo e ela uma reles castrada. Na cena erótica, o adulto que faz o papel da mulher castigada está, paradoxalmente, tentando entronizar a superioridade masculina de sua fantasia infantil.

Qual é a forma do masoquismo mais acessível à mulher? Não é o masoquismo feminino. Essa é uma perversão masculina. O masoquismo mais acessível à mulher, o que não significa que todas as mulheres sejam disponíveis para ele, é o que Freud chama de masoquismo erógeno. Ora, o masoquismo erógeno participa da constituição de todos nós. Ele é a derivação daquele masoquismo primário da criança apassivada pelos cuidados da mãe. Aquilo que resta em nós, no corpo e no psiquismo, da experiência primordial daquele gozo passivo, vai nos propiciar a possibilidade de, na parceria erótica, exercer a posição do ma­soquismo erógeno, que não tem nada a ver com gostar de apanhar. Observem que erógeno indica aquilo que é gerador de erotismo. A posição do masoquismo erógeno na parceria sexual é daquele que, sendo homem ou mais frequente­mente mulher, permite que o outro o(a) tome como seu objeto. Vejam como as associações que se estabelecem no imaginário da cultura produzem mal-entendidos. Na perversão a que chamamos masoquismo feminino, quem se faz maltratar são os homens. Os homens perversos (não qualquer um) é que gos­tam de apanhar e humilhar-se, encenando uma suposta posição feminina. Já as mulheres, por sua relação particular com a fantasia infantil da castração, são mais aptas a ocupar a posição passiva que caracteriza o masoquismo erógeno — a posição de objeto para o desejo do outro.

Por que essa posição é mais acessível às mulheres? Porque as mulheres têm uma relação muito particular com a angústia de castração. Retomo rapidamente a teoria freudiana sobre as consequências (psíquicas) da diferença sexual anatômica. A criança pequena, quando descobre a diferença sexual, percebe que o menino tem um órgão que a menina não tem; ela interpreta a diferença sexual como evidência de que quem possui o órgão é superior a quem não o possui. O menino, ao perceber que possui um órgão semelhante ao de seu pai, percebe ao mesmo tempo o que lhe parece ser uma falta no corpo da mãe. Assim ele se alinha do lado do pai, aquele que “faz a lei para o desejo da mãe”; esta, assim como a irmã e as outras mulheres, não teriam sido, aos olhos da criança, merecedoras do falo.

Vale lembrar que esta é a versão infantil da castração, termo que, em psicanálise, designa a condição fundadora do sujeito: a perda da fusão com o Outro materno.

A castração equivale à perda da totalidade e da alienação do infans no cam­po do Outro; em função dela, somos marcados pela falta e, consequentemente, pelo desejo. Por que Freud consagrou o termo castração, essa palavra carniceira que remete à extirpação do órgão sexual masculino, para designar a operação simbólica que nos constitui como humanos? Porque ele construiu sua teoria a partir da escuta das fantasias infantis de seus pacientes. A fantasia de castração é a versão que as crianças inventam para explicar a diferença sexual entre homens e mulheres.

Não vou repetir aqui tudo o que já se divulgou sobre a travessia do complexo de Édipo. Retenho apenas a consequência que nos interessa no que diz respeito à passividade e ao masoquismo erógeno: é que os meninos terminam a travessia edípica marcados pela angústia de castração, o medo de perder o precioso órgão viril, determinante para a constituição da masculinidade e da normatização da sexualidade masculina. Uma das consequências da angústia de castração é que ela impede o acesso dos homens — não todos, só os “normais”! — a todas as possibilidades de ocupar na relação erótica uma posição considerada “feminina”: a de quem se deixa manipular, de quem se deixa pe­netrar, de quem se deixa usar, digamos passivamente. Nem todas as parcerias eróticas heterossexuais seguem esta estereotipia. Mas não é exagero afirmar que a normalidade erótica, para o homem, é muito marcada por uma preocupação constante com o desempenho de órgão, o desempenho fálico, que atesta o tempo todo que ele é o dono do falo, que ele agora está no lugar que na infância atribuiu ao pai e angustia-se ante a possibilidade de perder isso. A mulher não é marcada por essa forma de angústia de castração porque, na origem de sua identificação ao gênero, ela já se vê como castrada, como quem já perdeu o falo. Tal constatação pode ser humilhante para a menina, pode desencadear a famosa inveja do pênis, que é o nome infantil para a inveja fálica nas mulheres.

Em compensação, ao subjetivar-se a partir dessa posição de quem não tem mais nada a perder, as mulheres são menos barradas pela angústia e têm, portanto, uma plasticidade erótica maior do que a da maioria dos homens. Não é por outra razão que as mulheres na Antiguidade eram consideradas as mestras do erotismo. A falta da angústia de castração, pelo menos a que se manifesta ligada ao desempenho de órgão, torna as mulheres mais maleáveis na relação com o próprio corpo e mais disponíveis para o masoquismo erógeno. Nisto, podem inclusive se prestar a ocupar uma posição masculina, ativa, podem desempenhar, por exemplo, o papel sádico que um homem como Leopold von Sacher-Masoch exigia de suas parceiras. E, por esta mesma razão, podem ocupar, sem angústia, a posição passiva. O masoquismo erógeno está ligado à posição passiva, a mesma que um dia foi ocupada pelo bebê dependente dos cuidados e carinhos de sua mãe. É claro que, na vida adulta, essa posição infantil não se repete tal e qual, mas a passividade erógena permite ao sujeito — tanto mulheres quanto homens femininos — promover, para si mesmo e para o outro, modalidades de gozo que podem ser inventadas para além de uma estereotipia de quem penetra e de quem é penetrado, esta a que chamamos vulgarmente de papai-mamãe. Que, aliás, também pode ser prazerosa quando não se torna a única possível.
É importante lembrar que Freud tem muita dificuldade em estabelecer uma diferença clara entre masculino e feminino, justamente porque as diferenças são construídas pela cultura. A única diferença que permanece em sua obra, não entre homens e mulheres, mas entre masculino e feminino, é a diferença ativo-passivo, a partir da divisão de papéis, no ato sexual, entre quem penetra e quem é penetrado. Mesmo assim, Freud continua dando voltas no parafuso ao perceber que existem homens passivos e mulheres ativas.

Em todo caso, a analogia entre posição feminina e posição passiva permite que Lacan afirme que há um gozo feminino, embora ele admita que este não é exclusivo das mulheres: também os homens alcoólatras, os homossexuais, os místicos, os estetas, etc., conhecem o tal gozo feminino. É um gozo que não está todo circunscrito pelo prazer de órgão, nem é limitado pela angústia de castração: é a possibilidade de ir um pouco além desse limite imaginário da castração. Aí temos uma acepção de passividade como uma acepção que pode­ríamos chamar de virtuosa. Eu a considero virtuosa porque, se ela é geradora de erotismo, é erógena, certamente para nós ela é virtuosa.

No entanto, esta passividade nunca é absoluta. Não é a mesma passividade da mulher que deixa o seu desejo por conta do homem, como na histeria por exemplo. Quando a mulher conhece o que a faz gozar, pelo menos eroticamente, ela pode colocar-se de maneira que faça do homem o mestre capaz de satisfazê-la. Neste caso, ela não é subjetivamente passiva, embora a posição na parceria erótica possa ser a posição de objeto.

Volto mais uma vez a mencionar a passividade do bebê como a única e verdadeira experiência de passividade: a daquele que depende de que o Outro não apenas o satisfaça, mas supostamente saiba o que ele quer. O masoquismo erógeno, ou seja, a passividade feminina no erotismo, não é necessariamente passiva do ponto de vista da posição subjetiva. Isso é muito importante porque, como escreveu Freud, poucos sabem quanta atividade é necessária para se gozar de uma posição passiva. No prefácio à Vênus das peles, Deleuze retoma esta observação de Freud ao afirmar que Masoch só era passivo corporalmente na cena erótica que ele determinava que seus parceiros desempenhassem com ele. Pois, na verdade, quem comanda a cena é o masoquista, e isso é muito interessante. Na parceria sadomasoquista, é o masoquista quem estabelece o que ele quer que seja feito e determina até que ponto o sádico pode ir, em seus suplícios. É ele quem determina uma senha que indique: “aqui, parou”.

Quando Freud se refere ao masoquismo feminino, essa perversão de alguns homens que se fazem bater e maltratar por seus (suas) parceiros(as), ele faz uma afirmação aparentemente paradoxal: o masoquista conhece seu limite.Sua passividade, seu prazer na dor e na humilhação nunca chegam tão longe quanto as fantasias do sádico. Então, quem está na posição passiva, afinal? O masoquista comanda a cena conforme sua fantasia, a exemplo de Sacher-Masoch, que fazia as mulheres assinarem um contrato: era ele o mestre do seu gozo. O (a) parceiro(a) entrava para gozar também, mas ele era o mestre do seu gozo. A questão dele não era submeter o outro, como no sadismo: era colocar o outro a serviço do seu gozo, se o outro quisesse.

A partir da perversão, vejamos o que acontece na neurose. Os neuróticos somos nós, que nos consideramos pessoas “normais”. Digo isto porque a psicanálise foi criada a partir da clínica das neuroses; do ponto de vista da experiência clínica, a neurose é a norma. A neurose é a melhor das hipóteses para a vida psíquica; depois dela vêm a perversão e a psicose. Bem, a má notícia é que a posição subjetiva dos neuróticos normais é uma posição passiva, e esta não é exatamente uma das versões virtuosas da passividade.

De que ponto de vista o neurótico é passivo? Do ponto de vista de sua posição inconsciente diante do Outro. Esta se define num momento da vida subjetiva que Freud chamou de “escolha de neurose”. Não é uma escolha consciente, que passa pela atividade do pensamento; ela se dá no começo da vida psíquica, no momento em que a criança se dá conta de que foi separada do Outro materno e com isso perdeu uma parcela importante de seu gozo primordial. A perda de gozo é condição do desejo, mas disso o pequeno sujeito não quer saber: não quer saber da falta, do “duro dever de desejar”, como diz Lacan. A passagem por uma boa análise nos leva de volta do gozo ao desejo, com todas as vantagens vitais, e de liberdade, que esta mudança traz — mas não vou tratar disso agora.

Do ponto de vista da criança que “escolhe” sua posição diante do Outro, como seria possível recuperar o gozo perdido? Primeiro: ao se dar conta de que a mãe não se satisfaz 100% com ela (o que é uma sorte, podem crer), a criança se volta para o pai, ou qualquer substituto dele, atribuindo ao pai um saber sobre o desejo da mãe. E, na fantasia, constrói suas hipóteses sobre o saber do pai: ele sabe o que a mãe demanda dele para se satisfazer. Assim, a criança passa a se oferecer como objeto da demanda do Outro — este Outro que, na origem, é a mãe, mas pode ser qualquer outra pessoa a quem, ao longo da vida, ela atribui saber e poder. Ela escapa da condição desejante, que é uma condição ativa, para se oferecer como objeto — portanto, passivo — da demanda do Outro. Sua aposta é: se eu o(a) satisfizer, ele (ela) me tomará novamente como seu objeto e eu recupero a plenitude perdida.

Só que não recupera. O neurótico fica suspenso entre o desejo e o gozo, por isso tem tanta dificuldade em se satisfazer — refiro-me às diversas satisfações parciais que estão ao nosso alcance, na vida. Ao construir sua hipótese imaginária sobre como deve satisfazer o Outro, o neurótico lança-se em uma atividade frenética e vã, que encobre sua posição passiva. Ele é passivo no momento em que se coloca na dependência de um Outro, qualquer Outro, que supostamente lhe diga o que ele deve fazer para completar a passagem de volta do desejo ao gozo. Eis um exemplo banal: um neurótico obsessivo, por exemplo, que escolhe uma mulher, vai tentar refazer nessa parceria alguma vivência infantil filial. Não com a própria mãe, evidentemente, mas com alguém que ele associe a uma representação do materno. E vai tentar ser o homem capaz de dar conta da satisfação plena dessa mulher. Ele pode se oferecer como salvador da mulher, ele pode se colocar como o homem que vai tirar aquela mulher maravilhosa de uma situação de falta, dar-lhe tudo o que ela quer, etc. Aparentemente, esse homem é muito ativo. Se você olhar de fora o que acontece com o obsessivo, há de pensar que ele é muito ativo. Ele não para de tentar conquistar essa mulher, presenteá-la, deixá-la feliz, ganhar dinheiro para comprar mais coisas para ela, seduzi-la. Mas só ele sabe, intimamente, quanto ele é uma espécie de fantoche a serviço d’A Mulher. O que ele quer é colocar-se sob as ordens dela. Toda essa atividade dele mascara uma passividade na sua posição subjetiva; ele não é o mestre do desejo, ele está a serviço do Outro.

Outro exemplo banal: a incansável atividade de sedução na histeria. Um dos modos como as histéricas se oferecem para o Outro, no amor, é afirmando: “você é tudo para mim”. Esta não é a relação do bebê com sua mãe? Aparentemente, a sedução histérica também é muito ativa. Mas essa atividade também corresponde a uma posição passiva. É um modo de se oferecer para que o homem amado se ocupe só dela e adivinhe seu desejo, que conheça o caminho do prazer sexual que ela deveria saber, mas recalcou porque não quer saber do desejo. Enfim: a posição neurótica é, por excelência, passiva, é uma posição de quem espera que o Outro demande alguma coisa dele.

Ora, esta é uma estratégia condenada ao fracasso. Primeiro porque o Outro também não sabe, o outro que foi escolhido para mestre do neurótico desconhece a natureza da missão que o espera, assim como o lugar que o parceiro lhe atribui. Afinal, na melhor das hipóteses, ele também é um neurótico à procura de um mestre. Mas essa negociação que o neurótico faz, de trocar o desejo pela demanda do outro, não ocorre apenas na parceria amorosa. Em todos os campos da vida nós assistimos a estes engajamentos, às vezes um pouco cômicos e às vezes bastante trágicos, dos neuróticos em relação à causa do Outro. Não é incomum que, nesses casos, o sujeito se considere um sacrificado e reclame reconhecimento de seu esforço em nome — de quê? Cada um elege um Deus a quem se oferecer em sacrifício

No limite, tal vontade de submissão produz o que se chama paixão da ins-trumentalidade. Assim se tenta explicar, por exemplo, por que uma parte tão representativa da população alemã se deixou engajar pelo projeto nazista e se pôs voluntariamente a serviço daquela máquina de extermínio. Essa é a servidão voluntária a que se referia Étiènne de La Boétie, no século XVI, o amigo de Montaigne. Foi ele o primeiro a desenvolver a crítica desta paixão de submissão. Para La Boétie, a força do tirano não vem dele mesmo nem de seus exércitos, mas de sua capacidade de mobilizar nos súditos o desejo de servi-lo para receber dele amor e proteção. São assustadoras as máquinas totalitárias que se podem montar a partir da passividade neurótica. As pessoas entram cegamente, sem crítica, em engajamentos desse tipo. Não é só nas parcerias amorosas, nem na relação com pai e mãe que isso acontece — esta é apenas a origem da nossa paixão pela servidão.

Passividade, ressentimento, fatalismo

Para encerrar, vou referir-me a duas manifestações de passividade que afetam a relação dos sujeitos com a esfera pública. Agora estamos abertamente nos referindo à passividade como vício, não como virtude. A primeira dessas manifestações é a combinação entre passividade e ressentimento, na qual a passividade produz ressentimento e o ressentimento produz a passividade. Começo com um pequeno rodeio para esclarecer a relação entre o ressentimento social e a forma moderna da democracia. Na verdade, o ressentimento só começou a ser objeto da filosofia e do pensamento moral a partir do século XIX, quando o Estado Moderno estava no auge de seu desenvolvimento, e algumas conquistas democráticas instituídas pela Revolução Francesa haviam estabelecido o princípio de igualdade de direitos na base da ordem social. O pressuposto de igualdade está na base do sentimento de injustiça social; e ele é uma produção das democracias modernas. Em uma sociedade escravocrata, ou organizada a partir de uma rígida divisão em castas, ou em uma sociedade aristocrática, os escravos, os membros das castas inferiores, os servos e camponeses certamente sofriam as privações físicas e morais determinadas por sua posição social, mas não necessariamente se ressentiam disso. O ressentimento é uma forma de revolta passiva, no dizer de Pierre Bourdieu, que pode ocorrer quando um grupo ou uma classe social se vê excluído das oportunidades e dos benefícios aos quais todos deveriam ter direito. Por que uma revolta passiva?

Porque é o tipo de revolta que não contesta a origem social e política da injustiça. O ressentido reivindica proteção do Estado, mas não deseja reformar ou revolucionar o Estado; deseja ser incluído na ordem dos privilégios, mas não quer a abolição do privilégio. Ele demanda do poder que lhe concede o que é seu por direito, mas não questiona o modo como o poder está estabeleci­do. Quando a injustiça acontece — e ela fatalmente acontece —, o ressentimento é a expressão dessa posição passiva dos injustiçados diante dos poderosos. A injustiça fatalmente acontece, uma vez que a manutenção da justiça é fruto de uma permanente tensão social entre os interesses de classe. A sociedade de direitos existe enquanto palco de conflitos, embora na letra da lei eles estejam garantidos desde a declaração dos direitos do homem. Eles não se exercem magicamente por obra de graça do Estado.

Nietzsche foi, a meu ver, o grande pensador do ressentimento no século XIX. Arrisco afirmar que a crítica do ressentimento, mesmo quando não nomeada assim, encontra-se na base de seu pensamento sobre a origem da moral, da justiça moderna e do Estado. Nietzsche foi grande crítico do Estado Moderno e de sua base moral no século XIX, o cristianismo. Para ele, Estado e Igreja são duas máquinas de produzir submissão, que apassivam os homens e os transformam em escravos submissos às forças que supostamente os protegem. Os sujeitos modernos se deixariam domesticar ao delegar ao Estado sua vontade de potência e acatar o princípio cristão de oferecer a outra face ao agressor.

Freud, que confessou ter lido pouquíssimo da obra de Nietzsche, mas considerava-se muito próximo ao pensamento dele, expressou uma opinião radicalmente contrária no que toca à função civilizadora do Estado. Para ele, a identificação dos povos com os princípios morais dos governantes teria sido uma grande conquista da modernidade. O superego, instância moral intrapsíquica, seria o guardião desse avanço civilizatório: a identificação dos homens comuns com os ideais dos governantes (ou dos opressores? Freud não usaria esse termo) permitiria que os primeiros obedecessem às regras impostas pelos segundos por vontade própria, dispensando a força policial ou militar, que só agiria para controlar o comportamento das massas em algumas situações excepcionais. Mas no mesmo texto, chamado “O futuro de uma ilusão”,[6] o criador da psicanálise admite que, diante dessa grande máquina protetora, assim como diante da ideia de Deus, os sujeitos sentem-se como crianças diante dos pais que, na infância, se encarregavam de protegê-los por amor.

Para Nietzsche (que não leu nem poderia ter lido Freud) — ele escreve sua última obra, Ecce Homo, em 1888 e termina seus dias internado em um hospício —, a barganha entre submissão e proteção está na raiz do ressentimento social. O ressentimento seria a contrapartida da servidão voluntária; ele ocorre quando o sujeito se dá conta de que delegou sua vontade de potência à máquina do Estado, ou da política, ou da empresa, da universidade, da Igreja etc., como uma criança obediente aos pais amorosos, e não recebeu a contrapartida esperada. O sentimento de injustiça está na raiz do ressentimento, mas nem toda injustiça produz ressentimento. O ressentimento não é a mágoa daqueles que lutaram e foram derrotados. A derrota produz sofrimento, assim como a injustiça, a escravidão, a opressão. Mas nem todo sofrimento social é ressentimento. A derrota dos que lutaram não é vivida da mesma forma que a derrota dos que abriram mão de lutar por seus direitos em troca de algum suposto privilégio concedido pelo opressor.

Pierre Bourdieu, um autor do século XX, escreveu que o ressentimento é uma revolta submissa. Como uma revolta pode ser submissa? É uma reivindicação de direitos, ou de justiça, ou de proteção, que não enfrenta a necessidade de alterar a correlação de forças que produz a falta de direitos, a injustiça, o desamparo. Para Bourdieu, a reivindicação do ressentido limita-se a um pedido de reconhecimento de seu valor e de seus supostos méritos por parte dos poderosos, de modo a que estes lhe concedam (por amor?) direitos e proteção. O ressentido não deseja mudar a correlação de forças na sociedade em que vive, nem luta para se empoderar. Ele prefere manter seus opressores no poder e luta apenas para que eles reconheçam seu mérito e seu sofrimento — como o Deus cristão, que promete reparar o sofrimento dos humildes no Juízo Final.

A revolta submissa de Bourdieu remete ao que Nietzsche chamara da vingança passiva do ressentido. Este espera que a justiça divina venha vingá-lo, reparar as humilhações que ele sofreu sem reagir, as injustiças que ele aceitou passivamente. A vingança passiva é uma ruminação imaginária, uma vingança adiada. O ressentido não dá a volta por cima. Ele apenas cultiva sua mágoa e aposta na culpa do agressor. Sua aposta é que o outro sofra com a culpa de tê-lo feito sofrer. Desse jeito, ele também não pode abandonar sua mágoa e seu sofrimento, porque, se ele superasse o agravo sofrido, perderia a condição de acusar o outro. Por isso ele se ressente.

Tzvetan Todorov, em O homem desenraizado,[7] aborda o ressentimento social a partir de suas observações sobre a sociedade norte-americana contemporânea. Para Todorov, o ressentimento social é consequência de uma relação reativa, e não ativa, dos homens com seus direitos universais. A revolta submissa de Bourdieu, a vingança adiada de Nietzsche e a atitude reativa de Todorov são formas encobertas da passividade encontradas na raiz do ressentimento. Todorov pensa que, nas sociedades liberais contemporâneas, as pessoas só conseguem reivindicar seus direitos ao serem reconhecidas como vítimas. A despolitização da vida social, sob o individualismo liberal, faz com que os sujeitos não se vejam como agentes da vida social a não ser que obtenham o estatuto de vítimas de agravos, abusos ou preconceitos: neste caso, sim, teriam direito a ser reconhecidas, ressarcidas ou protegidas pelo Estado, além de dignificadas em razão de seu sofrimento.

Numa ótica um pouco diferente, o filósofo alemão Walter Benjamin concebeu a melancolia como consequência de outro tipo de atitude passiva, muito próxima às que acabo de mencionar: o fatalismo. Observem que o conceito de melancolia em Benjamin não é o mesmo de Freud. Não vou abordar aqui as diferenças entre a melancolia freudiana e a melancolia em Walter Benjamin; retenho apenas a ideia de que Benjamin se filia a uma tradição de pensamento que, desde a Antiguidade clássica, articula a melancolia como uma posição de exceção do sujeito em relação ao laço social, enquanto, em Freud, a origem da melancolia reside no laço mais íntimo da vida humana, a relação precoce com o objeto materno. Talvez a melancolia benjaminiana esteja muito mais próxima de nossa ideia contemporânea de depressão, que também considero como um sintoma social relacionado a atitudes fatalistas diante do mundo e da história.

Benjamin, na sétima de suas Teses sobre o conceito de história,[8] escreveu que o fatalismo é um modo de interpretar a história como a série de vitórias inexoráveis dos poderosos. O fatalista é aquele que acredita na moral dos vencedores, segundo a qual os que vencem são sempre os melhores. Se os vencedores estão do lado do Bem, só resta aos derrotados alinhar-se em suas fileiras. A melancolia seria a “indolência do coração” dos que traem sua perspectiva histórica, a perspectiva das lutas de seus antepassados, e embarcam no cortejo triunfal dos poderosos. Ao se deixar seduzir pelos signos do poder, o melancólico abre mão de sua perspectiva de classe e se deixa derrotar sem luta — tal como o ressentido, aliás. Só que, ao fazer isto, ele se depara com um mundo vazio — vazio de sua própria presença, de sua própria ação política, da qual ele abdicou voluntariamente. O mundo parece vazio da própria existência dos homens enquanto sujeitos da ação política. Daí a melancolia inconsolável que o abate. O fatalismo é a última versão da passividade que quero apresentar a vocês. Aquele que abre mão da sua potência como agente de transformação da história e simplesmente adere a quem o derrotou não só trai todos os que lutaram e foram derrotados antes dele, como também passa a interpretar a história do ponto de vista de seus próprios opressores. Este é o modo como nos sentimos hoje, diante da expansão inexorável do capitalismo globalizado. O capitalismo globalizado nos parece tão avassalador, tão sem brechas, que é como se fosse uma força indestrutível da natureza. A tentação fatalista consiste em pensar que, se ele se instalou dessa forma, é porque realmente está correto, não é possível transformá-lo, já não existem contradições nesse sistema. Diante disso, a imaginação, a coragem, a esperança, os laços de solidariedade parecem inúteis, patéticos, incapazes de fazer valer outra perspectiva que não seja a perspectiva do vencedor.

Com o ressentimento e o fatalismo, somados à posição passiva do neurótico que se deixa comandar pelo Outro, temos três formas viciosas da passividade. Por aí é possível articular a passividade individual do neurótico que se oferece como escravo para um Mestre que comande seu desejo e as formas de passividade que têm efeitos perniciosos na vida social.
A vida social é essencialmente conflitiva. Viver em sociedade implica resolver e negociar conflitos, pois a sociedade é um campo de convivência entre diferentes. A passividade diante do conflito empobrece a vida social, favorecendo a concentração de poderes e o arbítrio daqueles que se arrogam o direito de decidir o que é (supostamente) melhor para todos. A passividade abre espaço para o arbítrio e não permite que novas soluções sejam criadas a fim de incluir cada vez mais gente nas conquistas dos direitos sociais. O Estado, quando não é incomodado e pressionado pela sociedade organizada, tende a nivelar suas políticas pela lei do mínimo esforço — quando não do favorecimento de alguns interesses privados. A adesão passiva, conformista, ao estado das coisas não é paz social. A paz social é uma permanente conquista, negociada entre os repre­sentantes de interesses divergentes. Por que chamo essa fermentação social de paz? Porque este é o melhor dos casos; do contrário, os conflitos passam a ser silenciados (não resolvidos) na ponta da espada ou do fuzil. A paz é conflitiva, assim como o indivíduo, o sujeito da psicanálise, não tem outra paz que não seja a paz dinâmica. A ideia de uma paz sem dinamismo, obtida pelo recuo diante dos conflitos ou a escolha de alguém que os resolva pelo sujeito também não é paz: é depressão. A depressão, para a psicanálise, seria o equivalente da melancolia fatalista de Walter Benjamin. Mas este já é tema para uma nova conferência.

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Notas

[1] Não pretendo discutir os conceitos de prazer/desprazer em Freud, baseados na segunda lei da Termodinâmica, segundo a qual todo sistema tende ao estado de menor dispêndio de energia. O estado de perfeito repouso, de completa entropia de todo ser vivo é a morte; daí Freud deduziu sua ideia de Pulsão de Morte, aliada não a uma força de destruição ativa e sim à tendência a buscar o estado de menor tensão psíquica. Em Lacan, o conceito de gozo é o que mais se aproxima da pulsão de morte freudiana.

[2] Sigmund Freud, “O problema econômico do masoquismo” (1924), Obras completas, vol. III (Madri: Biblioteca Nueva, 1976).

[3] Ver Sigmund Freud, Älém doprincípio do prazer”(1920), Obras completas, vol. I, cit.

[4] Nasceu em 1836, em Lemberg (atualmente Lvov), na Galicia, em região que hoje pertence à Ucrânia.

[5] Gilles Deleuze, Apresentação de Sacher-Masoch, com texto integral de ‘A Vênus das peles’, de Leopold von Sacher-Masoch (Rio de Janeiro:Taurus, 1983).

[6] Sigmund Freud, “O futuro de uma ilusão”, Obras completas, vol. III, cit., 1976).

[7] Tzvetan Todorov, O homem desenraizado (Rio de Janeiro: Record, 1999). A edição original é de 1996.

[8] Walter Benjamin: “Sobre o conceito de história” (1940), em Magia e técnica, arte e política (São Paulo: Brasiliense, 1985).

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