2007

A palavra livre e infeliz

por Renato Janine Ribeiro

Resumo

Se a democracia é, hoje, o regime da palavra, cabe investigar a eficácia desta.

Dos três poderes, a que se somou recentemente a imprensa ou mídia, dois deles se definem pelo uso da palavra. A começar pelo parlamento, que derivou seu próprio nome do verbo “parler”, falar. Daí que só veio deliberar recentemente. No caso da mídia, isso é claro. Tanto que ela é toda palavras, mesmo quando as imagens deveriam dispensá-las. O Executivo e o Judiciário são nisso diferentes. Neles, a consequência da assinatura é a ação. Assim, os poderes dividem-se meio a meio, pois, mesmo que os chefes do poder executivo procurem seduzir o eleitorado, eles agem de fato é por meio da assinatura, silenciosa.

São muitos os exemplos a ilustrar tal tese. Nesse sentido, bastaria citar o código de ética dos altos cargos federais, que proíbe seus ocupantes de se criticarem entre si em público. Está claro que o poder da assinatura funciona melhor quanto mais silencia ou oculta a divergência interna. Já os poderes que falam muito funcionam ao contrário. Um parlamento é tão mais democrático quanto mais nele se expressem os mais diversos partidos. Uma imprensa é mais livre se dá voz às mais diversas opiniões. O que isso gerou, contudo? Jornais que desempenham papéis políticos. O “Estado de S. Paulo”, por exemplo, procurou por muito tempo ser o órgão que influenciasse a política nacional. Uma aspiração que hoje seria vã, se considerada a determinante influência da mídia. Nesse sentido, lembre-se que, em 1989, a TV Globo nomeou um ministro da Fazenda. Acontece que, desde então, mesmo a mídia mudou. As eleições de 2006, por exemplo. O ataque incessante da mídia ao governo não reduziu seu apoio popular. Daí que o assim chamado analista político começou a repensar o nada democrático conceito do “formador de opinião”, segundo o qual o pobre ou analfabeto votaria de acordo com o rico ou alfabetizado.

O Legislativo vota pouco. Por isso, a imagem dele se deteriora mais rápido até do que a do Executivo ou do Judiciário. Alie-se a isso a desaprovação de seus projetos de lei. Exemplar nesse sentido é frequência com que o parlamentar aspira a um cargo executivo ou de líder do governo ou do partido nas casas do congresso.

Eis mesmo a contradição: como, em tempos de tamanha liberdade de expressão, esta se mostra tão ineficiente? Se, por um lado, celebra-se a fala, seja ela móvel ou instável, mas nem por isso menos nobre, sente-se, por outro, que falar é pouco. Como ir além? Ou seja: mudar o estado de coisas por meio da palavra. Talvez se viva mesmo um momento desprovido de política e, consequentemente, de democracia, já que quem diverge do pensamento médio ou midiático passa por mistificador ou aproveitador.

A ineficácia em democracia é grave, já que decorre ou da corrupção, ou da desigualdade social, ou ainda de ambas as mazelas. A falência dos poderes mais democráticos – um porque representa o povo em sua variedade, outro porque representa a liberdade de expressão – não é casual. Mais: acaba por favorecer os poderes que agem silenciosamente.


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