1998

A outra conquista: os huguenotes no Brasil

por Frank Lestringant

Resumo

A breve aventura da França antártica no Brasil (1555-60) está relacionada ao conflito europeu entre católicos que acreditam na presença real de Cristo na Eucaristia e huguenotes que a interpretam como um signo. No cenário de fundo está o contato com a antropofagia dos tupinambás. A disputa levantava uma questão antropológica essencial e equivalia a interrogar os fundamentos do cristianismo.No testemunho de Jean de Léry em seu livro História de uma viagem à terra do Brasil (1578), o fracasso dos franceses é atribuído ao rigor de Villegagnon (que proibia o comércio sexual com as indígenas) e às suas atitudes contraditórias em preces públicas. A colônia se estilhaça quando um grupo de huguenotes se refugia junto aos tupinambás no sítio de Olaria, pouco antes da conquista portuguesa por Mem de Sá. Léry põe a controvérsia em ressonância com a realidade carnal dos trópicos. Para ele a nudez aparece como um signo paradoxal de castidade, mas o verdadeiro objeto do seu discurso não é o Brasil dos costumes edênicos e sim a França hipócrita e corrupta.O fragor da guerra das Religiões interpõe-se entre a experiência e a publicação do seu livro vinte anos mais tarde (como acontecerá também com Lévi-Strauss ao publicar o retrospecto de seusTristes trópicosdepois da Segunda Guerra mundial). O Brasil é situado entre o Éden e o Apocalipse. A admiração de Léry pelos índios coexiste com um pessimismo histórico e o fracasso colonial da França antártica parece rimar Novo Mundo com fim do mundo.


Se a aventura da França Antártica do Brasil (1555-60), a despeito de sua brevidade, merece reter a atenção, é que ela parece um pouco um laboratório. Inaugura uma relação com o outro, feita de negociações comerciais e de cumplicidade, e inventa um olhar, em que a atração prevalece, em definitivo, sobre o desprezo. Além disso, condensa à perfeição as contradições da política oceânica da monarquia francesa antes de Colbert. A ocupação marginal do solo e a fraqueza da transferência demográfica acarretam o risco do asselvajamento. As alianças de amizade com os selvagens perduram apenas em razão dessa presença discreta e esparsa, que pesa pouco no meio ambiente.

A originalidade dessa experiência deve-se, por outro lado, ao fato de que a questão religiosa foi uma das causas primeiras do fracasso colonial. A controvérsia eucarística, que teve um epílogo trágico em 1558 com a morte dos três mártires huguenotes, anuncia a grande ruptura que, no desfecho do colóquio de Poissy, em setembro de 1561, preludia as guerras de Religião. Aos defensores da Presença real e corporal do Cristo opôem-se os partidários de uma concepção puramente simbólica do sacramento, dispostos a substituir, eventualmente, o vinho pela cerveja de milho e o pão pela farinha de mandioca, os alimentos mais comuns entre os selvagens do Brasil. Querela bizantina, dir-se-á, e pelo menos incongruente, em uma região do mundo onde teve como pano de fundo a floresta tropical e, por testemunhas, autênticos canibais, dos quais, mais tarde, imaginam­se a surpresa e a incredulidade. De fato, a disputa levantava uma questão antropológica essencial e equivalia a interrogar os próprios fundamentos do cristianismo: como a “verdadeira” religião pudera triunfar da maldição original, dessa coerção do sacrifício geralmente observada através do mundo, em particular entre os povos mais afastados de nossas paragens?

De que maneira, sobretudo, parecia prestes a recair nela a todo momento, a despeito do Evangelho de paz e de amor que tinha o dever de anunciar na terra?

A jusante, a experiência huguenote no Brasil alimenta, por intermédio de Marc Lescarbot e Antoine de Montchrestien, a reflexão econômica e colonial do século XVII. Com relação a isso, a Nova França de Champlain, assim como a Nova Inglaterra dos puritanos, é filha das colônias perdidas do Brasil.

Sem querer retomar um histórico já retraçado alhures,[1] limitar-me-ei aqui a evocar os pressupostos teológicos dessa estranha “conquista”, uma conquista de um lustro logo terminado em fiasco. Pois a questão teológica, constantemente presente como pano de fundo da breve experiência da França Antártica, confere à experiência sua universalidade e, por um aparente paradoxo, sua estranha modernidade. Recorrerei em minha demonstração a uma testemunha privilegiada, o pastor Jean de Léry, ex­sapateiro promovido a ministro da palavra de Deus e um dos dois principais cronistas da expedição.

A PRELIMINAR EUCARÍSTICA[2]

Fundada por instigação do almirante Coligny, a pequena colônia francesa, instalada em novembro de 1555 na orla da baía do Rio, não tardara em encontrar as dificuldades habituais a esse gênero de estabelecimento. Na ilhota exígua que ainda hoje tem seu nome e onde ele reunira suas forças, por receio de uma surpresa dos portugueses ou dos índios hostis, seu chefe, o cavaleiro de Malta Nicolas Durand de Villegagnon, logo cedia à febre obsidional. Não contente de ter provocado a hostilidade dos tupinambás da costa, aliados tradicionais dos franceses, mas que são atingidos, pouco depois da chegada dos navios, por uma epidemia inexplicável, ele impõe ainda aos colonos uma disciplina das mais rigorosas. Submetendo homens apenas desembarcados de uma navegação de três a quatro meses a um regime de trabalhos forçados, com o objetivo de fortificar o mais depressa possível o sítio ocupado, proíbe-lhes qualquer comércio sexual com as belas indígenas; que cruzam nuas emsuas pirogas até sob os bastiões do “Forte Coligny”. Por instigação dos “intérpretes”, franceses havia muito aclimatados à vida selvagem e que julgam essa tutela insuportável, uma revolta eclode, duramente reprimida pelo inflexível cavaleiro.

A partir desse momento, os intérpretes passam à dissidência, arrastando para uma rebelião insidiosa as tribos amigas dos franceses. Submetido a um cerco intermitente, abandonado por uma parte de seus homens, que preferem à servidão insular as delícias da liberdade primitiva no continente, Villegagnon apela a Calvino, seu ex-condiscípulo na faculdade de direito de Orléans. Em fevereiro de 1556, pede-lhe que lhe envie, de Genebra, uma segunda fornada de colonos de moralidade mais segura, autênticos cristãos reformados para substituir os facínoras recrutados nas prisões para forçados da Normandia e da Bretanha.

Apenas catorze “genebrinos” respondem ao apelo. Não se tratava de burgueses da cidade, apegados, como se imagina, à sua segurança material, mas de refugiados recentes, correndo de um exílio a outro, em busca da improvável terra da promissão a salvo dos perseguidores. Fugindo do cativeiro do Egito, ei-los que substituem o mar Vermelho pelo oceano Atlântico e Canaã pelo Brasil. Em suas pegadas, ou antes em sua esteira, outros refugiados tentarão estabelecer-se na Flórida e, mais tarde, na Virgínia de Raleigh e na Nova Inglaterra. Entre esses trabalhadores da primeira hora no campo americano, Jean de Léry, um sapateiro nativo da Borgonha, e os pastores Pierre Richer e Guillaume Chartier. Eles desembarcam em 7 de março de 1557 na terra do Brasil e são recebidos de braços abertos, na praia da ilha Coligny, por um Villegagnon jovial, em grande traje de aparato, escoltado por sua guarda privada de escoceses. Os três navios traziam víveres, gado e sementes. Cinco moças, casadas assim que desceram à terra, e artesãos vinham reforçar essa colônia de povoamento.

No entanto, o mal-entendido não tarda em vir à luz entre Villegagnon e os recém-chegados. Desde o domingo 21 de março, dia em que a Ceia é celebrada pela primeira vez “no forte de Coligny na América”,[3] Villegagnon manifesta um comportamento bem estranho. Enquanto ostenta ortodoxia reformada, parece ter permanecido papista na alma. Por certo, as duas “orações” que pronuncia sucessivamente em voz alta, de olhos voltados para o céu, exprimem uma violenta aversão pela carne. Elas afirmam com força a transcendência de Deus, o horror pelo pecado e a impotência fundamental do homem para elevar-se por si mesmo ao benefício da graça. Esse pessimismo antropológico tem entonações indiscutivelmente reformadas, assim como a insistência colocada em Jesus como único mediador. A anomalia vem da atitude de Villegagnon durante essas duas preces públicas. Ele ajoelhou-se sobre um coxim de veludo, “que um pajem”, nos diz Léry, “trazia comumente consigo”.[4] É nessa mesma postura que ele recebe em seguida o pão e o vinho da mão do ministro.

O calvinismo recomendava, na circunstância, a atitude mais contida e mais neutra, o que Pierre Chaunu chamou de “não-gesto”.[5] Os protestantes comungavam em pé ou sentados em torno de uma mesa, “como no albergue”, dirão seus adversários, e é assim que os representa uma estampa satírica de 1585 dedicada ao duque de Guise, o chefe todo-poderoso da Santa Liga.[6] Por certo, o rito das Igrejas reformadas da França era mais estrito: os fiéis formavam procissão diante da mesa coberta com uma toalha, onde estavam dispostos o pão e o vinho. Avançando em boa ordem, os homens precediam as mulheres no curso do que o católico Florimond de Raemond pôde qualificar, não sem ironia, de “Ceia deambulatória”.[7]

Desde então previsível, a crise eclode, no dia de Pentecostes de 1557, quando se celebra a Santa Ceia pela segunda vez, por uma controvérsia desconexa sobre a Presença real. Recusando-se a aderir à concepção simbolista do sacramento defendida pelo ministro Richer, Villegagnon estima que o pão e o vinho são “realmente transformados no corpo e no sangue do Senhor”.[8] Apela-se à arbitragem de Calvino, e Guillaume Chartier embarca imediatamente para a Europa, a fim de consultar o oráculo de Genebra. O divórcio é inelutável. Pierre Richer, o porta-voz dos genebrinos, pediu a seu interlocutor que rejeitasse não apenas a transubstanciação católica como “muito indigesta e absurda”,[9]mas também a consubstanciação ou empanação dos luteranos. Para Léry, que traduz sem dúvida muito fielmente o pensamento do fogoso pastor, esses dogmas bárbaros merecem ser confundidos com a omofagia dos uetacás, os mais selvagens entre os selvagens, os quais, como cães e lobos, “mastigam e engolem crua” a carne de seus inimigos.[10]

O índio torna-se então o único recurso para a minoria huguenote expulsa da ilha-refúgio. Não o uetacá incapaz de cozer sua carne, mas o tupinambá amigo, mestre do fogo de cozinha, que mantém mesa aberta e a ela convida o estrangeiro de passagem. De fato, a querela eucarística precipita o estilhaçamento da colônia. Em revolta contra Villegagnon, que eles tramam “lançar ao mar”,[11] logo reduzidos a celebrar seu culto à noite para evitar todo escândalo, os calvinistas iniciam a greve da corveia. Privados de alimento, aquela farinha de mandioca que lhes era parcimoniosamente distribuída à razão de duas tigelinhas por dia, e sobrevivendo graças à troca com os indígenas da baía, enfim eles são obrigados, no mês de outubro de 1557, a abandonar o forte para encontrar refúgio em “terra continente”, na chamada Olaria, na proximidade imediata das tribos antropófagas que o chefe católico tanto temia. Em janeiro seguinte, cinco dos huguenotes, renunciando a uma partida arriscada para a França, despedem-se de seus companheiros mais temerários e retornam ao “Caim da América”. Este manda prendê-los, tenta reconduzi-los pela força às santas verdades da Igreja de Roma e executa por afogamento os três recalcitrantes. Antes de conhecer a sorte que talvez anteriormente tenha desejado a seu carrasco, o cuteleiro Jean de Bordel, “o mais antigo e mais instruído nas letras, pelo conhecimento mediano que tinha da língua latina”,[12] redige a pedido de seus camaradas a confissão de fé brasileira, piedosamente recolhida em seguida na História dos mártires. As circunstâncias o demonstram bem: o canibalismo real dos índios tupinambás é preferível à antropofagia simbólica dos católicos da colônia. Quando Villegagnon, ao fim do debate sobre a Eucaristia, deu aos calvinistas a possibilidade de verificar in situ uma similitude bem fundada, os católicos mostraram-se piores que os canibais, incomparavelmente mais cruéis e decididamente irrecuperáveis.

O caso não fica nisso. Ricocheteia na França no começo dos anos 1560. No intervalo, e na ausência de Villegagnon, que retornou desde 1559 para justificar diante da corte uma conduta incompreensível, a França Antártica foi facilmente reconquistada pela armada do governador português Mem de Sá. O Brasil está perdido, a missão em terra distante, abandonada, e os índios, deixados à perspectiva de uma provável danação. Mas pouco importa, para dizer a verdade, aos controversistas dos dois lados, que transportam seu arsenal teológico de um continente ao outro, indiferentes à paisagem e definitivamente mais à vontade em Paris, no meio da cristandade e de sua cultura livresca, do que em um país selva­gem onde é preciso levar a “biblioteca” consigo, com o risco da umidade e dos insetos bibliófagos. Em alguns meses um dilúvio de panfletos abate­se sobre a praça de Paris: Geneviève Guilleminot contou uns trinta deles apenas no ano de 1561.[13]

Três temas percorrem essa controvérsia das mais vivas: o Brasil, a Eucaristia e a questão mais política da repressão dos súditos por motivo de heresia. O sacramento constitui sem nenhuma dúvida o tema dominante. Em primeiro lugar, porque toca o mais fundo da sensibilidade de cada um, traçando uma linha divisória afiada entre sacrílego e sagrado. Além disso, no palco do Novo Mundo, a disputa eucarística reencontrou inopinadamente, reencarnado no brasileiro do Rio de Janeiro, o modelo legendário do antropófago etíope herdado da Antiguidade e que Henri Estienne relembrava no cabeçalho de sua Apologie pour Hérodote [Apologia para Heródoto][14] para caracterizar a estranheza em seu auge, o escândalo em sua culminância. Enfim e sobretudo, a Eucaristia diz respeito a todos os planos do edifício simbólico da sociedade antiga. Na religião tradicional, o sacramento é não apenas o instrumento e o sinal visível da salvação individual, é também o símbolo da união da Igreja e, por conseguinte, a garantia da perenidade e da unidaqe orgânica do reino. Em torno do núcleo sacramental, central e irradiante, encontram-se, dispostos como em uma série de ondas concêntricas, os corpos místicos da Igreja e do Estado. É por isso que a questão eucarística engloba aqui as duas outras: o estilhaçamento e a perda da colônia, a rebelião dos súditos ou, se se preferir, do ponto de vista huguenote, sua supressão pela água ou pelo fogo põem em causa a integridade do corpo místico – esse corpus mysticum no qual o “verdadeiro corpo” do sacramento (corpus verum) é, de alguma maneira, o sinal visível, a forma tangível e presente.[15]

A disputa tem um primeiro prolongamento quatro anos mais tarde, quando eclode o caso do milagre de Laon, com católicos e calvinistas disputando acirradamente em torno da possuída Nicole Obry, habitada por 29 diabos, entre os quais Legio, Astaroth, Belzebu e Cérbero. Em 2 de fevereiro de 1566 um triunfo é conquistado pelo bispo Jean de Bours em plena catedral, onde um tablado foi montado de propósito na proximidade do altar, ao alcance do Santo Sacramento. Enquanto, do lado huguenote, pastores e médicos fracassaram ao tratar a infeliz por meio de diversas drogas, a hóstia age, depois de quinze adjurações. Nicole recupera, com o uso do braço esquerdo paralisado, o apetite e a fala. Os protestantes da cidade denunciam a impostura, os católicos proclamam a evidência do milagre.[16] Dirigindo-se à Europa católica e a seu defensor Filipe II da Espanha, o iluminado Guillaume Pastel encarrega-se de dar a essa brilhante vitória sobre o demônio e os sacramentários reunidos a mais ampla publicidade. O De summopere em latim e, mais acessível às multidões devotas, O milagre de Laon, escrito em cinco línguas e publicado sob o nome dó discípulo Jean Boulaese, difundem em toda a catolicidade essa prova decisiva da Presença real e corporal. Em uma passagem do De summopere, Pastel ironiza a argumentação que foi há pouco a de Richer. Um certo Richer, “Richerius quidam”, porta-voz imprudente de Calvino, teria desastradamente revelado – ou, antes, “vomitado” – o fundo do pensamento deste.[17] Essa “intenção secreta” é a de adorar apenas a divindade, em detrimento da Encarnação, sendo esta última considerada nula. Ao contrário, Pastel sublinha, não sem um gosto calculado pela provocação, a necessidade de adorar “o sacrossanto cadáver” de Cristo, “eternamente ligado à divindade que o habita fisicamete”.[18] É total e atual a aderência entre a divindade e o cadáver do Crucificado, partilhado entre os fiéis por ocasião do banquete eucarístico. Assim, o amor que se deve a Deus e a devoção que se tem pelo corpo de seu Filho bem-amado, hirto e sangrento, confundem-se na mesma adoração fervorosa. Nada mais pode separar Deus da carne de que Ele uma vez se revestiu, do mundo onde um dia Ele encarnou-se. Aí se atinge o fundo do debate e se compreende, em troca, a violência da caricatura do católico como canibal. Ela tem não apenas o mérito de depreciar e de bestializar o adversário, como também revela o horror visceral por uma religião que insiste na atualidade da Encarnação com o risco de divinizar a carne e, além do mais, uma carne presente sob as espécies repugnantes da chaga viva, do cadáver e da putrefação iminente.

ALEGORIA DA RISONHA

Léry, por enquanto, é estranho à querela. Sapateiro por alguns anos ainda e não pensando muito em sua futura carreira de pastor, ele tem outras preocupações que não essas argúcias teológicas e prefere impregnar-se, nas suas escapadas em país selvagem, dos sabores e fragrâncias da floresta tropical. É apenas bem depois de seu retorno à França e de uma série de provações que o conduzem de Genebra a La Charité-sur-Loire e de La Charité à Sancerre sitiada, à Sancerre esfaimada no tempo dos acontecimentos de São Bartolomeu, que ele publica seu testemunho sobre o caso. A Histoire d’un Voyage faict en la terre du Brésil [História de uma viagem à terra do Brasil] reaviva, em 1578, uma controvérsia velha de vinte anos. Léry não inova muito do ponto de vista teológico, limitando-se a resumir em um dos 22 capítulos de seu relato os principais elementos da disputa eucarística no Brasil.[19]

Depois de Calvino e Beze, sobretudo depois de Richer, que ele leu e releu e que plagia em mais de uma passagem, Jean de Léry repete que, na instituição da Ceia por Cristo, “aquelas palavras e locuções são figuradas, isto é, a Escritura acostumou-se a chamar e nomear os signos dos sacramentos pelo nome da coisa significada”.[20] Adepto de uma leitura retórica do Evangelho, é um partidário dos trapos, ou, como se dizia brincando, um “trapista”, e é nessa perspectiva que reescreve, com verve e muitos detalhes pitorescos sobre os “comportamentos” de Villegagnon, o histórico da discórdia.

Ora, Léry faz da interpretação figurada, cara a Calvino, uma aplicação universal. Nas aldeias indígenas do Brasil, por ocasião do sacrifício dos prisioneiros, da mesma maneira que nos templos da nova religião, quando os fiéis são reunidos em torno da santa mesa e o pão e a taça passam de mão em mão, o sangue não é sangue, mas um signo, a carne não é carne, mas uma metonímia de carne. O mais surpreendente é que a redução metonímica (“o signo pela coisa significada”) vai aplicar-se, no Brasil, a uma antropofagia real e não mais simbólica. Que, sob a influência do banquete eucarístico, o banquete ritual dos índios possa ser interpretado como um processo de significação não impede que ele seja efetivamente consumido. Mesmo que isso desagrade a Léry, o signo, nesse momento, coexiste com a. coisa e lhe está estreitamente unido. Essa junção ou essa “mistura” não é o escândalo menor.

Antes antropólogo avant la lettre que teólogo, Léry põe a controvérsia eucarística em ressonância com toda a realidade carnal dos trópicos. A Ceia reencontra seu lugar ao ar livre, sob o céu salpicado de estrelas, no isolamento protetor da noite. Longe de Villegagnon e de sua idolatria, afastada da ilha onde reside o ogro perseguidor, a comunidade dos crentes refugiou-se no coração da floresta primitiva, na vizinhança das tribos amigas. É lá que, renunciando a todo fausto inútil, no despojamento de um exílio duas vezes renovado, ela serve “livre e puramente” a Deus, de acordo com seu voto de sempre.[21]

É possível que, com seus camaradas da ilha Coligny, Jean de Léry invente então a robinsonada. Pela vontade de Villegagnon, voltara-se a fundar a Igreja Nova em uma ilha. Mas essa ilha exígua e estéril rapidamente se degradou em Malta sitiada e logo em Babel dividida. É preciso transportar para outra parte seus penates e seus lares. A Igreja militante emigra para terra firme, reconstituindo em país selvagem a insularidade propícia. No fim de outubro de 1557, menos de oito meses depois de sua chegada, os catorze huguenotes expulsos da ilha-refúgio reúnem-se no sítio da Olaria, clareira argilosa aberta para a baía e orlada de cabanas de folhas de palmeira. A comunidade dos crentes acaba de reencontrar seu lugar natural, onde conhece, antes das tempestades do retorno, dois meses de uma paz evangélica, vivendo em perfeita harmonia com os índios da vizinhança.

Como o explicará o ministro Pierre Du Moulin, autor, em 1618, de um tratado De la vocatíon des pasteurs [Da vocação dos pastores] que precede de um século exato o Robinson Cruso é de Daniel Defoe, a eleição do cristão reformado revela-se por ocasião de uma separação brutal, daquelas que resultam de uma tempestade ou de um naufrágio. A crise eucarística da primavera de 1557 é comparável em intensidade a esse gênero de cataclismo. Imaginemos, nos diz Du Moulin, um fiel “levado sozinho, por naufrágio ou de outra maneira, para alguma ilha bárbara”, exatamente como Robinson mais tarde, e que, tendo aprendido a língua dos indígenas, ponha-se a instruí-los na religião cristã “e que, à sua palavra, vários se convertam”.[22] Seu dever, evidentemente, é de erguer uma Igreja: ei-lo então promovido a pastor de facto. Ele terá recebido nesse momento uma espécie de legitimidade transcendente que nenhuma Igreja, nenhuma instituição humana lhe terão conferido. Como o náufrago imaginado por Du Moulin, como mais tarde Robinson instruindo Sexta-Feira, Léry e seus companheiros só têm de prestar contas a Deus.

Ao contrário do que se passa na Igreja católica, em que a ordenação é transmitida por um padre a um outro, a vocação pastoral é súbita e inopinada. Assim foi a aliança concluída no deserto do Sinai entre Moisés e Deus. Por definição, essa graça é imerecida. Mesmo sem a caução do rito, a vocação vale em virtude da eficácia imediata do Espírito Santo, que desce sobre o eleito e enche-o de sua força. Como a ilha do pastor Du Moulin ou a de Robinson, a Olaria é um espaço sem clero nem hierarquia, e no qual a vontade de Deus age diretamente através da comunidade unânime dos fiéis, reunidos em torno do pastor que ela escolheu.

Estamos nos últimos meses de 1557, e a odisseia dos “genebrinos” chega a seu fim. Como já não há, para celebrar a Ceia, nem pão nem vinho – um único copo para uma assembleia de catorze -, cogita-se de substituir as espécies tradicionalmente aceitas pela Igreja pela “farinha de raiz” e pela cerveja de milho, os alimentos mais comuns em uso no Brasil. O raciocínio é o seguinte: com efeito, se Cristo houvesse exercido seu ministério “na terra dos selvagens” antes que na Judeia, é provável que tivesse instituído a Ceia por meio da mandioca e do “cauim”, essa bebida cujo fermento não é mais que a saliva humana.[23]Adotando essa solução inédita, que em seu tempo teria recebido o aval de Calvino,[24]Léry conduz a seu termo o processo de dissociação semântica do sacramento. A arbitrariedade do signo culmina nesse avatar exótico da Ceia.

Mas, paralelamente a esse processo de abstração, Léry apela às realidades indígenas. Até então, na controvérsia do começo dos anos 1560, o índio não era muito mais que uma sombra nos bastidores, um suporte alegórico cômodo, capaz de desacreditar a religião do adversário. Ora, Léry devolve-lhe seu corpo e sua carne e, antes de tudo, seu alimento. O problema, em consequência, muda de natureza. Pois, ao lado dos alimentos afinal anódinos, como milho e mandioca, mencionados por Léry, há um outro muito mais escandaloso, pelo qual os índios, e sobretudo as índias, são loucos: é evidentemente a carne do inimigo prisioneiro, que os índios compartilham ritualmente por ocasião de suas assembleias solenes. Por mais que o dogma reformado tenha repelido a carne para a maldição das origens, o fato é que, no Brasil, esse corpo rechaçado está por toda parte, no coração das práticas religiosas, no centro dos banquetes festivos e, em cada momento da vida cotidiana, ele se manifesta sem rodeios e sem véu. Então ocorre com o sacramento o mesmo que com o canibalismo e, com o canibalismo, como com a nudez dos índios. Tudo é feito, na eloquente demonstração de Léry, para desativar a carga erótica contida nessas anatomias agradáveis de índias risonhas e cuja plástica não deixa nada a desejar. “Pois a nudez não é apenas um estado, é uma mensagem”, escreve o sociólogo Jean-Didier Urbain a propósito das exibições balneárias de hoje: “ela se diz tanto quanto se mostra”.[25]23 A dificuldade para o jovem Léry, fogoso nos seus 22 anos, mas já sob o domínio dessa Palavra imperiosa que fará dele um pregador inspirado, é que não possui a chave nem do riso das índias nem de sua pele, oferecida às intempéries do clima assim como às carícias do olhar. Para conjurar essa presença por demais “brutal”, ele vai ter de interpretá-la. Como o corpo do outro está nu em sua proximidade reluzente de forma muito evidente, é preciso escrevê-lo, cobri­lo de escrita como de uma roupa. A nudez radiosa da índia torna-se o suporte de um texto, o quadro-negro de jenipapo onde as letras brancas da teologia vão depositar seu selo redentor.

Mais tarde, no pior momento das guerras de Religião, na cidade de Sancerre sitiada, onde reina uma extrema fome, Jean de Léry será testemunha deum fenômeno similar.[26]

Quase morrendo de inanição, os protestantes estão reduzidos a comer pergaminhos molhados e “pegajosos” como tripas. Ora, no prato desenham-se os caracteres perfeitamente legíveis de um texto anterior, arquivo ou auto de lei cuja escrita indelével é assim ingerida. A letra prevalece sobre a carne, o signo sobre o alimento. Da mesma maneira, basta o desejo do hermeneuta etnógrafo para que o corpo opaco e desnudo da índia revele – no sentido fotográfico do termo – a presença de um texto enterrado na carne e que logo aflora sob a epiderme. Esse texto é o do grande código da natureza, inscrito nos corpos amorosos assim como se inscreve nos minerais e nas plantas. A partir daí, a nudez não está mais nua. Ela significa. Sinônimo de inocência primeira, torna-se o signo paradoxal da castidade e da decência.

Uma página da História de uma viagem à terra do Brasil descreve à perfeição esse processo de idealização, que tira da alteridade um pretexto alegórico. Aos leitores que poderiam indignar-se com a nudez integral e cotidiana das jovens índias, estimando que tal frequentação “incita à lubricidade e à devassidão”, Léry está bem à vontade para responder que

os arrebiques, pinturas, falsas perucas, cabelos retorcidos, grandes golas plissadas, verdugadins, vestidos sobrepostos e outras infinitas bagatelas com que as mulheres e moças de cá se falseiam, e dos quais nunca têm o bastante, são sem comparação causa de mais males do que é a nudez comum das mulheres selvagens.[27]

Léry não se detém, portanto, na nudez real do outro, que, com toda a evidência, o fascina. Alegoriza-a. Além “dessa nudez assim grosseira”, como ele diz, percebe outra coisa, uma significação que reconhece e na qual se encontra em país conhecido. A nudez selvagem remete imediatamente ao traje civilizado e denuncia-lhe a hipócrita sedução. Assim, a exaltação do nu exótico conduz à sátira misógina das “dengosas” e coquetes da velha Europa. Superando o choque inicial, a alegorização reconduz aos caminhos trilhados de uma moral comprovada e passavelmente convencional. O corpo insolente da índia pode ser não apenas aceito pelos mais severos censores, como também, o que importa mais, ele é, se não inocentado, pelo menos neutralizado aos próprios olhos do voyeur e testemunha. No mesmo movimento, o outro é eliminado em benefício do mesmo. O verdadeiro objeto do discurso não é mais o Brasil dos costumes edênicos, mas a França corrompida e abastardada das guerras de Religião, onde as mulheres casadas se perfumam e se pintam como putas, não hesitando em falsear a natureza sob a mentira lisonjeira do vestuário.

Nessa via moralizadora, e não obstante escabrosa, que conduzirá aos filósofos das Luzes, o padre capuchinho Claude d’Abbeville, desde o começo do século seguinte, segue Léry com inegável alegria, como demonstram estas linhas consagradas às belas da ilha de Maragnan, o Maranhão dos portugueses:

Acrescente-se que a deformidade ordinária não provoca pouca aversão, não sendo a nudez de si talvez tão perigosa nem tão atraente quanto são os arrebiques lúbricos com os desregrados maneirismos e novas invenções das damas de cá, que causam mais pecados mortais e arruínam mais almas do que o fazem as mulheres e moças índias com sua nudez brutal e odiosa.[28]

Contudo, Léry parece não se dar conta de que o significado jamais abole o significante. Por mais que a nudez das brasileiras diga coisa diferente do que mostra, aqui e agora, ela não deixa de subsistir, intacta, ardente, a uma só vez revoltante e desejável. Alegorizar o nu feminino não impede que se possa, em seguida, ceder à carne.

Para dizer a verdade, a História de uma viagem é muda quanto à educação sentimental do narrador. De resto, Villegagnon, por opinião do conselho, “proibira, sob pena da vida, que qualquer um tendo título de cristão habitasse com as mulheres dos selvagens”. Aprovando sem reserva essa medida draconiana, Léry acrescenta, e a precaução pode parecer suspeita, que a interdição proclamada pelo cavaleiro de Malta foi tão bem respeitada por ele próprio e por seus companheiros “que nem um só a transgrediu”.[29]

A impossibilidade da relação sexual com o outro, da qual Léry não poderia dizer o desejo ou a necessidade sem o revestir de um sentido figurado, encontra sua tradução no código alimentar. É nesses termos que se diz a transgressão iminente da lei. Em uma noite de festa e de bebedeira, como pernoitasse em uma aldeia do continente, Léry é despertado por um índio alegríssimo que brande acima dele um pé moqueado. Interpretando o convite para comer como uma ameaça visando sua própria carne, ele desperta completamente de medo e treme até de manhã. Então o intérprete que o acompanha explica-lhe seu engano e tudo termina numa gargalhada geral.[30] Essa cena semi-sonhada, que se encerra pela superação do tabu alimentar, entrega uma das chaves possíveis da História. Léry deixa de ter medo de ser comido ou, o que dá no mesmo, de comer o outro. O imperativo da separação absoluta dos corpos desmorona bruscamente.

Daí em diante, é sem nenhuma apreensão que, quando da navegação de retorno à França, como a fome reinasse a bordo, Léry cogita do sacrifício de um de seus camaradas – ou dele próprio, eventualmente – ao apetite da coletividade. O crime alimentar não ocorrerá, mas sua possibilidade é levantada com um sangue-frio alucinante.[31]

Vê-se que não basta dizer com Léry ou, mais tarde, com Montaigne, que o canibalismo “representa uma extrema vingança”.[32] A representação não abole o ato enquanto tal. Da mesma maneira que a índia continua a estar nua e a rir, bem depois do pequeno sermão misógino do digno pastor que a exalta para melhor condenar suas irmãs da França e de Genebra, por mais que o canibal diga e fale, fala com a boca cheia. Sua atitude altaneira, suas arengas heroicas não poderiam esconder o sangue que escorre e a carne espalhada, os relevos horríveis de um festim bem real.

Se ocorre com a Eucaristia o mesmo que com a nudez, é que a carne aqui e ali impõe, a despeito de todas as interpretações, seu espetáculo desgostante. O medo do nu, assim como a obsessão do ídolo da missa, traduzem fundamentalmente a mesma fobia com relação ao corpo: um corpo vivo, uma carne aberta e que sangra. O sonho huguenote era substituir esse corpo por uma palavra. As letras caligrafadas que se comem em prato cheio em Sancerre, o código que se superpõe à insultante silhueta da virgem brasileira dão conta dessa vontade de acabar com o substrato carnal do signo. Tal é, em definitivo, a intenção que preside à interpretação calvinista da Ceia como memorial.

Mas que pena! A carne inexorável volta. Em vez de ler caracteres na redondez quente e viva dos seres, eis que carnes a um só tempo saborosas e repugnantes transparecem sob as palavras, sobem à superfície do sacramento, invadem o ritual e o rebaixam à condição de uma orgia bestial. Com relação às religiões primitivas, o cristianismo, em sua variante romana, não apenas não marca nenhum progresso, como representa, nesse sentido, o cúmulo da regressão.

A antropofagia ritual dos tupinambás é de tipo exógeno.[33] Exerce-se sobre a pessoa do prisioneiro de guerra que, uma vez abatido diante da aldeia reunida, é lavado pelas mulheres, cortado e cozido no moquém, uma espécie de grelha de madeira onde a carne é defumada. O banquete que se segue é atividade da comunidade inteira, em que, qualquer que seja o número dos convivas, cada um, da criança ao velho e segundo modos de cozimento que diferem em função da idade e do sexo, recebe sua parte da vítima.[34] O rito canibal partilha esse caráter comunitário com a antropofagia simbólica da Eucaristia, que realiza a comunhão dos fiéis no sacrifício do Filho de Deus.

Excetuada essa dimensão social e universal do rito, tudo separa as duas cozinhas. O festim tupinambá encerra um processo culinário normal, indo do vivo ao morto e do cru ao cozido. Ele tende a reduzir, como é o objetivo de toda cozinha canibal, o escândalo da autofagia. Comer a si mesmo, eis o que repugna aos brasileiros assim como aos habitantes de Sancerre sitiados. O horror despertado pelo moquém cheio de membros humanos deve-se precisamente à semelhança da carne morta com a carne viva, em suas partes menos comestíveis: cabeça, mãos, pés, que são também as menos transformáveis pelo cozimento. Além disso, essa preparação alimentar vai da unidade anatômica do “homem em pé” à diversidade dos pratos defumados ou assados, líquidos ou sólidos, que são distribuídos aos convivas segundo a idade, o sexo e a posição social de cada um: gordura para as velhas, que são particularmente loucas por ela, sangue, com o qual se lambuzam as crianças de peito, carne musculosa para os homens adultos, partes genitais para as mulheres grávidas etc.

A Eucaristia católica procede exatamente ao contrário, e inverte por isso mesmo o processo culinário habitual. Transforma o cozido inicial (o significante pão) em um cru simbólico (a carne do Cristo vivo). Em vez de operar o corte do alimento não preparado e de separar seus diferentes constituintes, ela realiza a fusão de uma dualidade (vinho e sangue, líquido distinto do sólido) em uma única entidade (a hóstia viva reproduzindo o corpo glorioso de Cristo).

É pelo gesto da intinção, quando a hóstia é mergulhada no sangue da taça, que se descobre o sentido dessa cozinha inversa: “E esses gentis carniceiros aqui misturam dessa carne ao sangue que têm, e aí colocam outras drogas e especiarias, a saber, Encantamentos e Supe rstições”.[35]

Enquanto a cozinha tem comumente por função distribuir elementos mortos a partir de uma unidade viva, a Missa católica, pela magia do rito, pretende restituir uma síntese viva a partir de produtos já elaborados e tornados inertes, tais como vinho fermentado e massa cozida.

Por meio dessa crítica da Eucaristia pelo canibalismo dos tupinambás, os calvinistas pretendem mostrar que a “heresia” católica da Eucaristia é dupla: em primeiro lugar, porque se baseia na perversão antropófaga; em seguida, porque inverte essa mesma antropofagia, fazendo dela uma operação regressiva de retorno ao cru.

Os tupinambás do Brasil irão servir-se mais uma vez muito mais tarde, na polêmica huguenote. Quando, às vésperas da conclusão do edito de Nantes, os protestantes inquietam-se com as exumações executadas um pouco em toda parte pelos católicos, esvaziando seus cemitérios de todo cadáver “herético”, eles não podem fazer menos do que invocar o exemplo dos “Toupinambauds” (tupinambás) e dos “Margajas” (margaiás), menos bárbaros em comparação. É assim que se exprimem na primavera de 1597 as Plaintes des Eglises Réformées de France [Queixas das Igrejas Reformadas da França]: “Os margaiás, os tupinambás enchem suas entranhas da carne dos que eles mataram. […] O tupinambá come apenas o margaiá, e o margaiá é guloso apenas do tupinambá; ainda assim, eles o fazem apenas para pagar na mesma moeda … Para fazê-lo, não violam túmulos de modo algum”.[36] Vê-se, por essa referência ao ódio legendário dos “Toupinambaux” e dos “Margageats” (ou Marakaia), que Jean de Léry tornou-se, nessa data, uma espécie de “clássico do protestantismo”. Maisuma vez, o católico é mais inumano que o canibal, que dá seu ventre por sepultura ao inimigo e faz sua a carne dele. Novamente, essa barbárie católica vira do avesso, de alguma maneira, a barbárie exótica: em vez de digerir o intruso fibra por fibra, ela o expulsa violentamente, até arrancar da terra “uma carne apodrecida, fedorenta, um crânio pavoroso, ossos todos deslocados e carcomidos, cheios de horror”.[37] De modo que o católico, que a uma só vez afirma a realidade da transubstanciação e desenterra o corpo morto de seu inimigo para lançá-lo aos cães e aos lobos, conjuga antropofagia e antropoemia.[38] Ele come o sacrossanto cadáver de Cristo e vomita, quase literalmente, o do protestante, adicionando as infâmias em sentidos contrários.

O PROBLEMA DA GRAÇA

No oposto da visão prospectiva esboçada por André Thevet em Les singularités de la France Antarctique [As singularidades da França Antártica], que precede seu testemunho em uns vinte anos,[39] a História de uma viagem de Jean de Léry, posterior ao abandono da França Antártica, é um texto nostálgico, baseado no pesar e no remorso, assim como a literatura etnológica que ela cria, de alguma maneira.

A visão dos longes é restituída por Léry em seus menores componentes sensíveis. A narração é rica em fenômenos de memória involuntária, de origem olfativa, gustativa ou auditiva. O aroma de amido da mandioca ralada transporta de súbito o Brasil e suas festas para o campo borgonhês dos dias de lavagem da roupa – e é, ao modo selvagem, o humilde e rústico ancestral da madalena de Proust. Os perfumes atordoantes da floresta tropical, a lancinante melopeia dos dançarinos produzem, da mesma maneira, o milagre de uma presença intacta. A despeito dessas reminiscências que parecem suspender-lhe a ruína inelutável, o Éden brasileiro não está, a prazo, menos ameaçado. Essa precariedade confere-lhe todo o valor. Realça-lhe o sabor. A ambiguidade de tal atitude irrompe na confissão final do narrador: “Lamento com frequência não estar entre os selvagens”.[40] É o exílio que funda a beleza do selvagem; é sua morte virtual e, além, sua danação provável que o tornam desejável. Exatamente vinte anos separam a estada brasileira de Léry da publicação de seu testemunho: vinte anos preenchidos pelo fragor das guerras civis e as vicissitudes de uma carreira pastoral em uma França dilacerada entre protestantes e católicos. A História de uma viagem não estaria impregnada dessa magia comunicativa se não houvesse, formando anteparo entre o quadro encantado do Brasil e o narrador, a obsessão das guerras de Religião e de suas atrocidades recentes. Da mesma maneira, a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto interpõem-se entre a estada de Claude Lévi-Strauss no Brasil, nos anos 30 deste século, e a publicação, em 1955, de Tristes trópicos, essa viagem filosófica que reescreve Léry por meio de Jean-Jacques Rousseau. Quinze anos de intervalo apenas, mas preenchidos por tal Apocalipse, aprofundam aqui o luto pelas origens radiosas. O Brasil, nos dois casos, é situado entre o Éden e o Apocalipse, apenas saído de um e já prestes a cair no outro.

Em filigrana do espetáculo de uma Natureza sem dúvida decaída, mas quase intacta ainda, percebe-se a remanência de uma barbárie sem nome, incomparavelmente pior que a dos pretensos selvagens. No capítulo consagrado à antropofagia ritual dos tupinambás e continuamente aumentado ao longo das sucessivas edições da História, Léry monta lado a lado, como as duas faces de um díptico, o quadro dessa cozinha ritual e o dos horrores cometidos na França, onde aconteceu que uma vingança perversa conduzisse ao crime de canibalismo.[41]

Todo o esforço desse texto retrospectivo é, em definitivo, de conjurar o afastamento inelutável de origens de qualquer maneira perdidas: a Queda de Adão não acaba nunca de produzir suas consequências devastadoras, e a catástrofe da Conquista espanhola ê sua última confirmação. Pois sobre a paisagem das origens plana o Anjo do Apocalipse, que já veio visitar os índios em tempos anteriores, como o testemunha sua tradição oral.[42]Sujeitos ao império do pecado original e recusando-se ao benefício da graça, ei-los; portanto, destinados a uma perdição certa. Assim então, como acreditavam já Cristóvão Colombo e os missionários franciscanos do México, como o sublinhava por sua vez Bartolomeu de Las Casas em seu Brevíssimo relato da destruição das Índias, a Descoberta da América é para Léry o signo de uma consumação, que, à sua maneira, o fracasso colonial da França Antártica confirma. Novo Mundo, decididamente, rima com fim do mundo.[43]

A História de uma viagem perseguiria, nesse sentido, um objetivo não muito menos ambicioso que o de Em busca do tempo perdido. Pois a empresa literária de Léry é, em última instância, de ordem metafísica. Ela desejaria reter o escoamento geral do tempo; ambiciona uma vitória sobre a piora irremediável da história universal. O recurso tão frequente ao procedimento da ekphrasis- esses quadros pintados encravados na narração – para representar os índios de corpo inteiro e nas mais variadas posturas, do desfile de moda à gesticulação guerreira, tende a imobilizar esse resvalamento do Novo Mundo e de seus habitantes para o abismo. Mais durável que o bronze, a escrita é precisamente o que pode dar a ilusão de um eterno presente. Ela dá a ver e a tocar com o dedo o que, sem dúvida, para além dos mares, está em via de desaparecer para sempre.

Ainda assim, essa empresa nem sempre é coroada de sucesso. Certamente, por uma espécie de alucinação contínua, os índios, grandes e pequenos, continuam a representar-se, em carne e osso, e em suas menores atitudes, ao entendimento do viajante. “Tenho a impressão”, diz Léry, “de que os vejo sempre diante dos olhos.” No entanto, por mais que prolongasse essa miragem nascida da vontade, por mais que alimentasse essa remanência visual com toda a sua nostalgia e com todas as decepções presentes, ele é forçado a reconhecer que “por causa de seus gestos e atitudes, de todo dessemelhantes dos nossos, é difícil representá-los bem, por escrito ou mesmo por pintura”.[44] A despeito dos esforços do escritor, a perda do outro, essa perda amorosa agravada pela distância, é irremediável. Cabe à autobiografia cumprir o lento trabalho do luto e juntar a esse rito literário as razões da teologia.

Entretanto, Léry não nega o processo histórico, bem ao contrário. Como o mostrou Michel de Certeau,[45] o elogio da escritura – no duplo sentido de técnica de transmissão da linguagem e de livros sagrados – permite a Léry dividir a humanidade em dois. Os “povos sem escrita”, como diziam ainda recentemente os antropólogos, são, em consequência, privados não apenas de história, mas também de salvação. Pois não têm por si mesmos acesso às verdades contidas na Bíblia. Ora, para o calvinista rigoroso que é Jean de Léry, a Santa Escritura é o único intermediário pelo qual a Palavra de Deus revela-se ao crente sincero.

Há um outro, sem dúvida: o Livro da Natureza, amplamente aberto aos olhos dos simples e das crianças. E Deus sabe se esse livro de plantas e de árvores, de animais e de pássaros exibe através das extensões do Novo Mundo suas páginas mais ricamente iluminadas. Lembrando-se da ação de graças do profeta no Salmo 104, Léry pode exclamar: “Felizes os povos que ali habitam, se conhecessem o autor e criador de todas essas coisas!”.[46]Mas, assim como não sabem ouvira voz das missivas que os cristãos dirigem uns aos outros, os brasileiros não são capazes de decifrar os caracteres inscritos na paisagem imensa de suas florestas e de suas montanhas. É uma humanidade cega e nômade que caminha sem conhecimento, muito afastada da verdade que, no entanto, enuncia-se sob seus passos, a cada momento de sua vagueação interminável. Ora, Calvino o afirmara no primeiro capítulo da Institution de la religion chrétienne [Instituição da religião cristã]:

para qualquer lado que os olhos se voltem, não há nenhuma tão pequena porção do mundo na qual não reluza pelo menos alguma centelha da glória [de Deus). Particularmente, não se pode com um olhar contemplar essa bela obra­prima do mundo universal em sua extensão e amplidão sem ficar, por assim dizer, todo ofuscado de abundância infinita de luz… Há infinitos argumentos, tanto no céu como na terra, que atestam sua maravilhosa sapiência.[47]

O que torna os habitantes do Brasil tanto mais imperdoáveis.

Da condenação moral pronunciada por cada página da História de uma viagem contra uma Europa abastardada e perseguidora, esquecida da lei divina, não resulta, portanto, nenhum benefício direto para os homens do Novo Mundo. Pois o fracasso espiritual é patente. Pela má vontade de índios que se recusam a abandonar o velho homem para abraçar o Evangelho, a missão está comprometida desde antes do abandono militar da França Antártica do Brasil, em março de 1560. É por essa razão que Léry aparece, em definitivo, como um anticolonialista: sendo o índio inconvertível, como o mostrou o malogro da colônia francesa do Brasil, os espanhóis e os portugueses não têm nenhum direito de ocupar suas terras sob o pretexto de evangelização. A exemplo de seus correligionários, Léry adere sem restrição à “leyenda negra” antiespanhola tirada pelo partido huguenote dos escritos do dominicano Bartolomeu de Las Casas. Léry pode então denunciar os horrores cometidos em nome da Cruz. O outro é protegido em sua integridade física, no momento mesmo em que é afastado do resgate.

Daí a expulsão que atinge os índios, ao fim do capítulo XVI, “do que se pode chamar religião entre os selvagens americanos”, e que sanciona a contrário a eleição dos justos. A admiração que Léry sente por eles coexiste, nele, com um pessimismo histórico fundamental, que exclui esses mesmos povos do plano divino da Redenção. Com efeito, ele vê neles, na sucessão do espanhol Lopez de Gamara, “um povo maldito e abandonado por Deus”. É, sem nenhuma dúvida, a descendência de Cam, aquele de seus três filhos sobre o qual Noé, depois do Dilúvio, lançou uma maldição eterna. Diante do espetáculo dos brasileiros “visível e atualmente” atormentados pelo demônio, Léry é confirmado em sua fé, “tendo muito claramente conhecido em suas pessoas a diferença que há entre os que são iluminados pelo Espírito Santo e pela Santa Escritura e os que são abandonados a seu senso e deixados em sua cegueira”.[48]Não se poderia pronunciar uma segregação mais nítida.

Desde então, o milagre operado pela escrita vale apenas para os poucos privilegiados que sabem ler e sabem entender. Daí em diante, só a eles cabe o proveito moral e espiritual que lhes proporciona a História de uma viagem à terra do Brasil; só a eles pertencerá o gozo do reino eterno. Nesse sentido, o relato de Léry é uma recitação. Ele reitera, de modo pessoal, o texto primeiro da Bíblia. A onipresença dos Salmos e do livro de Jó confere a essa odisseia no país dos canibais a dimensão mítica de uma repetição. Behemot e Leviatã espreitam os viajantes na passagem das solidões atlânticas. Uma remanência do Éden perdido colore as florestas ensolaradas do Brasil, com folhagens repletas de araras. O Dilúvio, cujo eco distante chegou até os índios, a despeito de sua lamentável ausência de memória, atualiza-se nas tempestades do interminável retorno à França e na obsessão do naufrágio que espreita os que escaparam sãos e salvos.

A História de uma viagem descreve-nos, em definitivo, a caminhada de uma redenção. A vagueação distante, com perigo do corpo e da alma, orienta-se, além da prova da morte, para relato de vocação: em seu retorno à França, o jovem sapateiro curioso por novidades, apaixonado por exotismo, tornar-se-á pastor da Igreja reformada. A aventura encerra-se por uma ação de graças, tirada do cântico de Ana no livro de Samuel: “O Eterno é aquele que faz morrer e faz viver, que faz descer ao fosso e faz sair dele”.[49] Mas essa ressurreição vale aqui apenas para a pequena comunidade dos refugiados, reunida em torno da claridade que sobe do livro, no recolhimento da prece. Abandonado às trevas exteriores, repelido para as profundezas de um continente devastado por uma Conquista brutal, o índio, decididamente, representa a parte sacrificada.

Com ele a tentação do impossível retorno ao Éden manifestou-se uma última vez à consciência moderna, que se inventa e se descobre nesse texto fundador, marcado pelo trabalho do luto. O homem das origens, esse eterno fantasma do qual a História de uma viagem diagnostica o estado de morte paradoxal, não deixou por isso de obsedar o discurso do Ocidente. As figuras bíblicas do filho de Caim e do filho de Cam logo vão ser substituídas por um avatar destinado a um belo futuro, o do Bom Selvagem dos filósofos. Jean de Léry será muito lido no século das Luzes: Bayle, Locke e, mais tarde, Rousseau, Diderot e Raynal farão dele, bem antes de Claude Lévy-Strauss, seu “breviário”.[50] Em uma época em que o pretenso ateísmo dos povos primitivos deixou de causar medo, em que seu exemplo pode, ao contrário, servir de aliado ocasional na luta contra o obscurantismo e a intolerância, a pintura do homem da Natureza, uma vez laicizada e desembaraçada de toda conotação pejorativa, torna-se plenamente favorável. Reinventada por um século XVIII que já não crê muito no pecado original, a imagem do índio livre e nu brilha com uma nova juventude. Ela abandona então a América pelas ilhas, e as margens do Brasil pelas solidões insulares do Pacífico. O taitiano de Bougainville e de Diderot substitui o tupinambá de Léry e de Montaigne. Como ele, pratica uma hospitalidade generosa, a ponto de oferecer suas filhas ao estrangeiro de passagem. Ignorando os tabus perniciosos de uma civilização cruel e intolerante, e conservando intactas as virtudes originais, ele se torna o duplo ideal e sonhado do europeu. Na aurora da Revolução, ele cristaliza essa aspiração à renascença do velho homem que vai subverter o antigo mundo.

Tradução de Maria Lúcia Machado

NOTAS

  1. Ver Frank LESTRINGANT, Le huguenot et le sauvage. L’Amérique et la controverse coloniale, en France, au temps des guerres de Religion, Paris, Klincksieck, 1990; L’expérience huguenote au Nouveau Monde (XVl-XVIl siècles), Genebra, Droz, 1996.
  2. Resumo aqui uma reflexão desenvolvida em meu livro Une sainte horreur, ou le voyage en Euchaicistie (XVI- XVII siècles), Paris, Presses Universitaires de France. 1996, cap. IV, pp. 85-111.
  3. Jean de LÉRY, Histoire d’un voyage faict en la terre du Bresil ( 1580), F. Lestringant (ed.), Paris, 1994, “Bibliotheque classique”, 1994, cap. v1, p. 166.
  4. Idem, ibidem, p. 167.
  5. Pierre CHAUNU, Église, culture et société, Paris, Sedes, 1981, pp. 31-3.
  6. Richard VERSTEGAN, Typus Ecclesiae Catholicae et signa quihus ea cognoscitur/ Typus Hereticae Synagogae et eiusdem proprietates, epístola dedicatória dirigida a Henri de Lorraine, duque de Guise, e datada de 3 de janeiro de 1585. Um talho-doce de 338 x 495 mm. BNF, Estampas: Qb 1585 (Qb 4). Ver, na face direita, o primeiro quadro no alto, à esquerda, intitulado Novitas
  7. Ver Bernard ROUSSEL, “Faire la Cène dans les Églises réformées du royaume de France au XVIéme siécle (e. 1555-1575)”, Archives de sciences sociales des Religions, jan.-mar. 1994, nº 85, pp. 99-119, e especialmente pp. 99-100. Ver do mesmo autor, “Comment faire la Céne? Rite et retour aux écritures dans les Églises réformées du royaume de France au XVIéme siècle”, Évelyne PATLAGEAN e Alain LE BOULLUEC (eds), Les retours aus écritures. Fondamentalisme présents et passes, Louvan-Paris, Peeters Press, 1993, Bibliothéque de l’École des Hautes Études, Section des sciences religieuses, vol. XCIX, 1993, pp. 195-216.
  8. J. de Léry, Histoire d’un Voyage faict en la terre du Bresil, cap. VI, p. 175.
  9. A expressão é de J. de LÉRY, ibidem.
  10. Idem, ibidem, cap. VI, p. 177: “[…] mas o que era pior, à maneira dos selvagens chamados uetacás de que falei acima, eles a queriam mastigar e engolir crua… Ver cap. V, p. 153.
  11. Idem, ibidem, cap. VI, p. 194.
  12. Segundo Jean CRESPIN, Histoire des martyrs (Genebra, 1564), citado por Émile G. LÉONARD, “La confession de foi brésilienne de 1557”, Archiv für Reformationsgeschichte, 1958, Jahrgang 49, p. 205.
  13. Geneviéve GUILLEMINOT, Religion et politique à la veille desguerres civiles: recherches surles impressionsfrançaisesde l’année 1561, tese, Paris, École des Chartes, 1977, datilogr.
  14. Henri ESTIENNE, lntroduction au traité de la conformité des merveilles anciennes avec les modernes, ou Apologie pour Herodote, Genebra, 1566, “Ao leitor”, f. a 6 r: “Consideremos portanto, sem paixão, o que diríamos se Heródoto ou algum outro historiador antigo nos contasse que, em algum país, os homens seriam teófagos (isto é, comedores de deuses), assim como contam de alguns antropófagos, elefantófagos, acridófagos, ftirófagos e outros: diríamos que essa teofagia é inacreditável […]”.
  15. Para essa concepção, ver Michel de CERTEAU, La fable mystique, Paris, Gallimard, 1980, p. 111. Ver também Henri de LUBAC, Corpus mysticum, Paris, Aubier, 1949.
  16. Sobre esse caso de repercussão considerável, ver Irena BACKUS, Le miracle de Laon. Le déraisonnable, le raisonnable, l’apocalyptique et le politique dans les récits du miracle de Laon (1566-1578), Paris, J. Vrin, 1994. Os principais elementos do dossiê foram reunidos por Irena Backus em sua edição crítica de Guillaume POSTEL e Jean BOULAESE. De Summopere(1566) e Le miracle de Laon (1566), Genebra, Droz, 1995. Ver Thierry WANEGFFELENY, La France et les français XVléme-milieu XVIIéme siècle. La vie religieuse, Gap; Paris, Ophrys, 1994. pp. 71-7, onde é comentado um trecho da apologia de Jean Boulaese. Ver ainda François SECRET, L’ésotérisme de Guy Le Fevre de La Boderie, Genebra, Droz, 1969, pp. 17-8.
  17. Guillaume POSTEL, De Summopere (1566), edição crítica e tradução de Irena BACKCS, Genebra, Droz, 1995, pp. 37-8.
  18. Idem, ibidem: “sacrosanctum illud cadaver, sive stoma aut, ut syriace Christus dixit, pagro corpusve cui semper divinitas adhaeret habitando ibi corporaliter”.
  19. J. de LÉRY, Histoire d ‘un Voyage faict en la terre du Bresil, cap. VI: “De nostre descente au fort de Coligny en la terre du Brésil. Du recuei! que nous y fit Villegagnon, et de ses comportemens, tant au fait de la Religion, qu’autres parties de son gouvernement en ce pays-là”, pp. 161-96.
  20. Idem, ibidem, p. 176.
  21. Idem, ibidem, cap. 1, p. 106.
  22. Pierre DU MOULIN, De la vocation des pasteurs, Sedan, 1618, liv. 1 cap. IX, p. 44. Devo essa referência a meu amigo Bernard Cottret, que a empregou em uma comunicação recente, “Amitié et fidélité au XVIème siécle: la correspondance de Calvin et de Louis du Tillet (janvier-décembre 1538)”, Universidade de Paris 7 – Denis Diderot, UFR d’études anglo­ phones, dez. 1995.
  23. J. de LÉRY, Histoire d’un voyage faict en la terre du Bresil, cap. VI, p. 195. Ver Le huguenot et le sauvage, p. 35.
  24. Ver sobre esse ponto Alain DUFOUR “Un avis de Calvin à ses disciples qui étaient chez les topinambous”, Bibliotheque d’Humanisme et Renaissance, 1977, t. 39, pp. 151-2.
  25. Jean-Didier URBAIN, Sur la plage. Moeurs et coutumes balnéaires, Paris. Payot, 1994. pp. 296-7.
  26. Jean de LÉRY, Histoire memorable de la ville de Sancerre (1574), G. NAKAM (ed.), Paris, Anthropos, 1975, cap. X, p. 285.
  27. J. de LÉRY, Histoire d’un Voyage faict en la terre du Bresil, cap.VIII, p. 234.
  28. Claude D’AUBEVILLE, Histoire de la Mission des peres capucins en l’isle de Maragnan, Paris, François Huby, 1614, f. 217 r.
  29. J. de LÉRY, Histoire d’un voyage faict en laterre du Bresil, cap VI, p. 181.
  30. Idem, ibidem, cap. XIII, pp. 451-3.
  31. Idem, ibidem, cap. XVII, p. 538.
  32. MONTAIGNE, Essais, 1, 31, Pierre VILLEY (ed.), Paris, Presses Universitaires de France, p. 209.
  33. Ver Alfred MÉTRAUX, “L’anthropophagie rituelle des tupinambá”, capítulo retomado em Religions et magies indiennes d’Amérique du Sud, Paris, Gallimard, 1967, pp. 43-78. Esse estudo foi renovado em data recente por Isabelle COMÉS La tragédie caimibale cHez les anciens tupi-guarani, Paris, PUF, 1992.
  34. J. de LÉRY, Histoire d’un Voyage faict en la terre du Bresil, cap. XV: “Comment les Ameriquains traitent leurs prisonniers prins en guerre, et les ceremonies qu’ils observent tant à les tuer qu’à les manger”. A partir de 1599-1600, esse capítulo é desdobrado em XV e XVI.
  35. J.-B. TRENTO, Histoire de la mappemonde papistique, Genebra, 1566, p. 134.
  36. Citado por Bernard COTTRET, 1598. L’edit de Nantes. Pour en finir avec les guerres de religion, Paris, Perrin, 1997, p. 164.
  37. Ibidem.
  38. Para esse conceito de antropoemia, ver Claude-Lévi STRAUSS, Tristes tropiques, Paris, Plon, 1955, cap. XXXVIII, pp. 447-8.
  39. André THEVET Le Brésil d’André Thevet. Les singularités de la France Antarctique (1557), Paris, Chandeigne, 1997.
  40. J. de LÉRY, Histoire d’un voyage faict en la terre du Bresil, cap XXI, .p. 508.
  41. Idem, ibidem, cap. XV, pp. 354-77 e 571-95.
  42. Idem, ibidem, cap. XVI.
  43. Ver sobre esse ponto meu estudo: “O conquistador e o fim dos tempos” em Adauto Novaes (ed.), Tempo e história, São Paulo, Companhia das Letras, 1992, pp. 411-22.
  44. J. de LÉRY, Histoire d’un Voyage faict en la terre du Bresil, cap. VIII, p. 234.
  45. Michel de CERTEAU, L’écriture de l’histoire, Paris, Gallimard, 1975, cap. V, pp. 215-48.
  46. J. de LÉRY, Histoire d’un Voyage faict en la terre du Brasil, cap. XIII, p. 335.
  47. Jean CALVIN, Institution de la religion chrétienne, cap. I “De la congnoissance de Dieu”, texto estabelecido e apresentado por Jacques PANNIER, Paris, Les Belles Lettres, t. 1, 1961, p. 52.
  48. J. de LÉRY, Histoire d’un Voyage faict en la terre du Bresil, cap. XVI, pp. 422-3.
  49. Idem, Ibidem, cap. XXII, p. 550.
  50. Claude-Lévi STRAUSS, Tristes tropiques, cap. IX, p. 89: “Piso a avenida Rio Branco onde se erguiam outrora as aldeias tupinambás, mas tenho no bolso Jean de Léry, breviário do etnólogo”.

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