1999

À espera do outro

por Frank Lestringant

Resumo

Analisando, em “Histoire de lynx”, uma família de mitos relacionados ao tema gemelar, Claude Lévi-Strauss observa que no pensamento dos ameríndios o lugar dos brancos era marcado por uma concavidade, motivo pelo qual eles estavam dispostos a acolhê-los. Eis mesmo a intuição profunda expressa pelo “pensamento selvagem”: “Toda unidade encerra uma dualidade, e quando esta se atualiza, apesar do que se deseje e do que quer que se faça, não pode haver igualdade verdadeira entre as duas metades”. O “desequilíbrio dinâmico” resultante assegura o bom funcionamento do sistema, a ordem cosmológica, o ciclo das estações e das culturas, a alternância entre guerra e paz. Com o Descobrimento ou com o que hoje se convencionou chamar de o Encontro, a desigualdade entre os dois gêmeos míticos torna-se facilmente a desigualdade entre o índio e o branco.

Essa recusa reveste-se de duas formas diferentes e complementares. Ora o Outro é reduzido ao Mesmo – e é essa a atitude denunciada pelos adversários do etnocentrismo, de Claude Lévi-Strauss a Tzvetan Todorov –, ora, ao contrário, o ocidental, sempre pronto a rejeitar, a excomungar e a excluir, discerne o Outro no Mesmo, no vizinho, no parente ou no irmão. No primeiro caso, é o cristão incapaz de dar um lugar ao “pagão” ou ao “gentio”, a menos que queira convertê-lo e uni-lo à Igreja universal. O segundo caso é o dos irmãos inimigos, o católico e o protestante, que, durante as guerras de religião, acusam-se mutuamente de selvageria e de bestialidade. Não há dúvida, para o católico, de que o protestante seja um herético, um judeu ou um bárbaro, cujas blasfêmias e a violência iconoclasta o revoltam.

Fato é que o Outro inquieta, o Outro assusta. Ei-lo então rejeitado ou aniquilado, venha do exterior, como o ameríndio, ou, como o judeu, o herético ou o cristão minoritário, do próprio interior da sociedade “antropêmica” – uma sociedade que “vomita” o intruso em vez de o ingerir, à diferença das sociedades antropófagas.

Por certo não para por aí a história da alteridade no Ocidente.


Em dois de seus livros, Nous et les autres e Les morales de l’histoire,[1] Tzvetan Todorov propõe, entre outras releituras, um comentário dos mais desconcertantes a respeito dos dois ensaios americanos de Montaigne, “Dos canibais” e “Dos coches”. Desconcertante, mas um tanto sumário. Em vez de considerá-los como um arrazoado em favor da diferença e da crítica correlata de nossas certezas, como há um século concorda em fazê-lo a história literária, T. Todorov identifica nesses ensaios uma espécie de universalismo tímido, dissimulado sob o véu de um relativismo por demais sistemático para ser honesto. Montaigne não seria de modo algum esse apóstolo da tolerância e menos ainda esse paladino do anticolonialismo que as gerações anteriores muito depressa reconheceram nele. Ele representaria, ao contrário, um avatar particularmente insidioso ou mesmo sorrateiro do etnocentrismo. Sua visão aberta às outras culturas proviria, no fundo, de uma indiferença definitiva pelo Outro e de um egotismo todo poderoso. Constatamos de imediato: qualquer que seja a contribuição de T. Todorov, e ela não é desprezível, sua conduta não é nem histórica nem filosófica, mas, de caso pensado, “moral”. E essa moral explica alguns contrassensos flagrantes. Quando Montaigne declara: “E se cito os outros é para melhor dizer de mim” (Ensaios, I, 26), isso é imediatamente interpretado como uma confissão de egocentrismo. Ao servir-se dos canibais do Brasil ou dos índios espezinhados pelos espanhóis como uma alegoria de si, é acusado de fechamento para o mundo e de indiferença pelos valores. Para terminar, é-lhe atribuída esta máxima tão singular quanto detestável: “Os outros não me incomodam, porque não os levo em conta”.[2] É mais ou menos nisso que se resumiria a antropologia dos Ensaios.

Cabe a cada um apreciar o tom arrogante, no final das contas salutar, com que Todorov critica o primeiro dos clássicos. Mas se discerne também, o que é mais grave, uma ignorância profunda de sua filosofia. Se Montaigne interessa-se tanto por si próprio, é porque “deparamos em qualquer homem com o Homem” (III, 2). Isso não quer dizer que “eu seja um outro”, mas que, em virtude do nominalismo professado pelo autor dos Ensaios, o “eu é cada outro”. Há conhecimento universal apenas do indivíduo, certeza apenas do particular. Com isso, a oposição que Todorov crê discernir entre o eu e o mundo, entre eu e os outros, se desvanece nessa troca incessantemente perseguida e sempre incerta, é verdade, entre o ser individual e a universalidade da linguagem.[3]

O segundo inconveniente de tal método é que ele abstrai o contexto para, em detrimento da cronologia e da história das ideias, opor dois a dois os grandes autores, em “competições” necessariamente desiguais:[4] Montaigne e Montesquieu, Rousseau contra Montaigne. Pode-se questionar a lealdade de um tal método. A proeminência histórica, e, portanto, uma maior lucidez, está necessariamente do lado do mais recente dos autores assim emparelhados. Um exemplo disso é a Renascença, vítima todas as vezes desses confrontos brutais com épocas mais próximas da nossa e por conseguinte mais favorecidas e mais lúcidas. A essa espécie de pingue-pongue crítico, é lícito preferir a recontextualização histórica, que, com pequenos toques e deslocamentos infinitesimais, faz aparecer a originalidade de um pensamento, a revolução minúscula que, com o tempo, acarreta uma transformação das mentalidades e das atitudes.

Em terceiro lugar, ao rotular Montaigne sob a bandeira do relativismo, o que se faz é uma simplificação abusiva. Como obra aberta, os Ensaios de Montaigne não se deixam reduzir facilmente à unidade de uma doutrina. Ao tachá-los de incoerência, ao acusar seu autor de não obedecer ao princípio aristotélico da não-contradição, o que se evidencia é menos uma preferência da letra ao espírito do que uma miopia que impede a compreensão do desígnio movente de uma obra em devir. T. Todorov tem razão quando observa, a propósito da América descrita em “Dos coches”, ao mesmo tempo selvagem e refinada, nua em sua infância e enfeitada dos mais belos adornos: “Uma tal série de contradições não pode ser puramente gratuita”.[5] Mas deve-se por isso identificar nessa incoerência manifesta de Montaigne o efeito de uma dissimulação inepta? Após a dispersão inicial de suas descrições, os preconceitos do humanismo clássico, portanto ocidental, voltariam fortalecidos. Os astecas e os incas seriam dignos de admiração apenas quando comparados aos espartanos e à República romana. Assim, o Outro seria negado duas vezes, primeiro em seu retrato extremamente fragmentado e, em seguida, na redução autoritária desse quadro díspar aos modelos ideais de bravura e de virtude legados pela Antiguidade greco-latina. O diagnóstico é claro: o atomismo epistemológico corresponde, em Montaigne, a um globalismo ético, sinônimo de intolerância e germe de um etnocentrismo da pior espécie.

Há, a propósito desse capítulo a respeito “Dos coches”, uma pergunta que T. Todorov abstém-se de fazer: e se Montaigne jogasse deliberadamente não apenas com a contradição inscrita em seu ensaio, mas também com a surpresa e a irritação que ela pode suscitar no leitor? Em outros termos, é possível que o exegeta, em sua condenação violenta, tenha caído vítima da armadilha do texto, das ciladas de uma escrita infinitamente mais ardilosa do que pode parecer, pouco redutível, com efeito, à pequena pedagogia de bolso destilada por Les morales de l’histoire.

Ao ler Todorov, pode-se duvidar seriamente da utilidade da Renascença, período, de resto, magnificamente esquecido em Théories du symbole, do mesmo autor.[6] Para que serviria a Renascença, além de nos mostrar um esboço inacabado, os rudimentos desajeitados de um pensamento moderno que só encontraria sua expressão coerente e inteira depois do século das Luzes? Esse positivismo estreito do crítico é acompanhado de uma suspeita generalizada com relação a uma antropologia mal alinhavada, feita de emendas e de costuras que ela é incapaz de esconder. Pois, afinal, o relativismo radical que ecoa incansavelmente pelos Ensaios seria desonesto se não fosse infantil em seu próprio exagero. Analisada sob o crivo do politicamente correto, o que resta de uma tal empresa filosófica e literária, a não ser a satisfação solitária, profundamente egoísta e derrisoriamente inepta de um eu detestável que vira as costas para o mundo inteiro, sem perceber que é nesse mundo que se encontram seus leitores potenciais?

O método aqui adotado seguirá uma via diferente, calcada, pode-se dizer, nas pendências do caminho incerto que Montaigne continuamente retoma. Insistirá na inteligência do século XVI, em sua lucidez extrema, como o fez, em um estudo exemplar, Claude Lévi-Strauss. Antes de querer explorar os subterrâneos do texto e suspeitar imediatamente de sua honestidade intelectual, convém lê-lo com toda a “boa-fé”, seguindo o convite expressamente formulado no início dos Ensaios, e fazer dele o objeto de uma não-nutrição perspicaz.

O autor de Histoire de lynx atém-se, com efeito, a esta contradição imediata: “A filosofia de Montaigne enuncia que toda certeza tem a forma a priori de uma contradição e que não há nada a procurar por baixo disso”.[7] Em vez de revelar uma fraqueza de pensamento, a contradição montaigniana é um desafio lançado ao espírito de sistema. Traduz em termos filosóficos uma espécie de “esquizofrenia ontológica”, que é a mesma que reina entre conhecimento e ação.[8] Diante de uma dificuldade dessa ordem, o procedimento inquisitorial já não é admissível. Este deve dar lugar a um método autenticamente heurístico, que interrogue antes de julgar e meça antes de concluir. Para isso, deve-se garantir à análise o quinhão necessário de jogo, sem a encerrar desde o início em categorias enunciadas a priori.

Observaríamos então na antropologia da Renascença duas tendências contraditórias e no mais das vezes associadas uma à outra. A primeira iria no sentido do pensamento hierárquico.[9] Subordinando a diversidade à unidade, ela privilegia um centro, uma origem e um fim únicos. Exemplo disso é a aplicação ao Novo Mundo da doutrina monogenista, que, de resto, se conforma perfeitamente à lição das Sagradas Escrituras. Philippe Duplessis-Mornay e, mais tarde, o poeta Du Bartas, em Seconde Semaine, vão empregar toda sua engenhosidade para mostrar como a descendência dos três filhos de Noé bastou, depois do Dilúvio, para povoar a totalidade dos quatro continentes. A continuidade do desenho dos istmos e dos estreitos e a filiação ininterrupta de genealogias que se espalham sobre o mapa dos continentes permitirão que se vincule a um núcleo inicial o complexo novelo desenrolado ao longo dos milênios pela raça humana.[10]

A segunda tendência é a da fragmentação e da disparidade. Como o pensamento filosófico – em sentido amplo – da Renascença está preso ao concreto, ele jamais se eleva, em suas generalizações, ao grau de abstração que nos pareceria necessário. Em uma página famosa da “Apologia de Raymond Sebond” (Ensaios, II, 12), antes de chegar à conclusão nominalista de que “não temos nenhuma comunicação com o Ser”, Montaigne expõe a metáfora heraclitiana do rio e do escoamento, confrontando-a com o mito platônico das sombras da caverna.[11] Para dizer a impossibilidade de toda certeza a respeito do mundo e do eu, a natureza inteira e sua multidão de metáforas são subitamente convocadas: “Todas as coisas estão em fluxo, mutação e variação perpétua”.[12]

A argumentação filosófica toma emprestada a vestimenta carnal da poesia. Michel Jeanneret lembrou recentemente: essa passagem capital da “Apologia” segue de perto o discurso de Pitágoras sobre o fluxo universal, tal como relatado no livro XV das Metamorfoses de Ovídio.[13]

Para retomar o exemplo há pouco mencionado, constata-se que em Duplessis-Mornay e em Du Bartas a teoria do monogenismo necessita do suporte visual do mapa para poder ser verificada. O mapa-múndi é o auxiliar necessário da “meditação cosmográfica”.[14] No detalhe se descobre, em vez da esperada continuidade, a fragmentação dos dados brutos e de intermináveis listas de topônimos, que parecem gerar-se pelas leis da escrita automática. Uma miscelânea de nomes bárbaros e uma mixórdia geográfica preenchem e expõem o quadro de um pensamento que se vê, que se toca, para melhor se conceber.

A mesma observação aplica-se à antropologia de André Thevet, tal como ela se desenha em 1557 em Les singularitez de la France Antarctique.[15] Longe de oferecer uma imagem plena e coerente do índio do Brasil, Thevet multiplica as caracterizações fragmentárias ou mesmo discordantes. Segundo Thevet, o selvagem não é mais que a soma de traços particulares e circunstanciais, isto é, ele condensa em si mesmo um catálogo de “singularidades” irredutíveis e contraditórias: cruel e debochado, virtuoso e hospitaleiro, homem honrado e “grande ladrão” etc. Os qualificativos que lhe são atribuídos alternada ou simultaneamente parecem ser regulados por um código em constante mudança que se pauta, em cada detalhe, pela particularidade que está sendo destacada. Thevet se interessa por “todas as circunstâncias diversas” que constituem o “américo” – a saber, o índio Tupinambá do Brasil -, e não por esse universal singular que será mais tarde o homem da natureza.

Essa tensão entre a busca obstinada da unidade e o assombro diante da admirável variedade do mundo[16] nunca é resolvida. Tal inacabamento e a abertura que lhe corresponde constituem o valor do pensamento da Renascença no domínio do que chamaríamos as ciências humanas. Tanto em Thevet como em Montaigne, é o que impede esse pensamento de cair simplesmente no etnocentrismo.

Para verificar esse dispositivo escorregadio, pendular, de um pensamento que é incessantemente remetido do princípio de unidade ao espetáculo da diversidade, consideraremos um exemplo particular: o da origem das artes e das técnicas. Nesse caso preciso, a regra da unidade deve aparentemente estabelecer sua autoridade soberana. Na verdade, evidencia-se que essa unidade, embora postulada desde o início, é insensivelmente minada pelo jogo das diferenças e das analogias. A proeminência hierárquica é contestada pela proliferação rizomática,[17] sub-reptícia e horizontal.

MITOLOGIAS DOS INVENTORES

Na dedicatória a Sir Henry Sidney que abre The new found world, tradução inglesa de Singularitez de la France Antarctique publicada em 1568, Thomas Hacket evoca a figura tutelar dos grandes inventores, esses heróis civilizadores que em épocas diversas teriam aberto os olhos de uma humanidade cega e tateando nas trevas. Esse tópos dos “inventores das coisas dotadas de ser” tende a justificar a apropriação, pelos conquistadores, de um mundo cujos primeiros ocupantes ainda precisam aprender tudo a respeito das técnicas e da civilidade.[18]

Hacket retoma o estabelecimento progressivo do calendário – desde os antigos egípcios até Júlio César, passando por Numa e Rômulo -, a imposição das leis civis no Egito por Ísis, o ensinamento da agricultura aos sicilianos por Ceres, os inícios da navegação sob a ação de Minos, de Netuno ou de seu pai, Saturno, ou ainda do rei Erecteu, todos monarcas pagãos, aos quais convém preferir Noé, o patriarca da Bíblia. Eis o resumo fiel de um livrinho que teve um sucesso extraordinário ao longo de todo o século XVI, o Livre des inventeurs ou, em latim, De inventoribus rerum. Seu autor, Polidoro Virgílio, humanista de Urbino instalado na Inglaterra, é, de resto, mencionado por Hacket ao tratar do calendário.

A lista das invenções mais notáveis e de seus ilustres autores desemboca em um elogio do empreendimento moderno da navegação e no convite expresso à implantação de colônias além-mar. Deplorando as delícias de Cápua em que se comprazem seus contemporâneos, “almoste abhorring to heare the name of travell or payne”, Thomas Hacket exorta-os a seguir o exemplo de Alexandre, segundo Plutarco um fervoroso leitor de Homero e das façanhas de Aquiles. Apresentando ao público inglês o livro de “Andrewe Thevit”, esse honorável viajante,[19] Hacket oferece-lhe ao mesmo tempo a oportunidade de executar essa alta empresa.

Ao resumir Polidoro Virgílio no início de uma descrição baseada na mesma filosofia das origens, Hacket mostra uma aguda compreensão da aposta ideológica do livro de Thevet. O que ele percebe, de Polidoro Virgílio a este último, não é a filiação direta, bastante clara, mas uma comunidade de preocupações, uma conduta análoga que recorre à comparação das tradições culturais de diversos povos para tentar extrair um modelo geral e assentar sobre este a superioridade da Europa cristã.

Ao empreender uma arqueologia da Europa por intermédio da América, valoriza-se menos um progresso contínuo de uma a outra do que uma ruptura fundamental e determinante entre duas eras: a de antes e a de depois da Revelação. Os Tupi não tiveram acesso, até o presente, à era da Redenção. Estão separados da Verdade, o que se exprime de maneira muito concreta por seu manifesto despojamento e sua evidente barbárie. A nudez e o canibalismo são sinais tangíveis dessa separação, mas também o desconhecimento de técnicas elementares como o cultivo da terra com o arado, a fundição do ferro e a forjadura dos metais, a arte equestre, as armas de fogo.[20]

A partir de então, o selvagem vai servir de contraste ao cristão da Europa, o qual, por pouco que respeite os mandamentos, conta com a fortuna de sua eleição divina e da certeza da Redenção. O catálogo dos inventores corroboraria então um pensamento hierárquico, realçando nessa medida o privilégio reservado à cristandade sobre o resto do mundo.

Mas o desígnio de Thevet logo se revela mais complexo e mais rico do que fazia pressentir o resumo liminar de Hacket. A fábula dos inventores ilustres serve menos para aprofundar uma distância e legitimar uma dominação do que para ligar o ramo americano da humanidade ao tronco comum da história universal. A empresa é testemunha de uma ambiguidade fundamental, pois se a América é justificada pela referência aos antigos, o Brasil, em compensação, explica à Europa suas próprias origens. É nesse sentido que o tratado de etnografia americana representa simultaneamente um manual de arqueologia europeia. Nossos pais andavam nus, lutavam a unhas e dentes até devorar o adversário, em caso de vitória, ignoravam a arte da forja e as regras do casamento. Suas cabanas eram de ripas trançadas, a menos que preferissem o abrigo das cavernas. Todas essas proposições encontram-se em Polidoro Virgílio.[21] Ora, essa mitologia humanista vai ao encontro dos mitos fundadores da religião tupinambá, tais como são relatados por Thevet. O parentesco é evidente: em ambos a história da humanidade se reduz à dos grandes iniciadores. Com isso, torna-se possível uma trasladação de um continente a outro: Maíra-Monan e Maíra-Pochy, os heróis civilizadores Tupi, correspondem a Noé ou a Dédalo, seus homólogos do lado de cá.

No livro VII da História natural, do romano Plínio, o Velho, o catálogo dos inventores tinha por função proceder a uma distribuição geográfica dos méritos dos diferentes povos da bacia mediterrânea, e de algum modo todos podiam honrar-se de ter contribuído para a felicidade comum. Aos fenícios cabia a honra da navegação orientada pelos astros, aos egípcios, a invenção do alfabeto e da tecelagem, aos frígios, a do carro de quatro rodas. O cretense Dédalo havia descoberto a arte da “carpintaria”, o fenício Cadmo, o segredo da extração e da fundição do ouro, o tebano Tirésias, a adivinhação a partir do vôo e do grito dos pássaros.[22]

Com Polidoro Virgílio, sob esse aspecto tributário de Contra Apião, de Flávio Josefo,[23] a verdade última da Bíblia transforma em nada, em simples fábulas, as pretensões das outras nações. Caim inventa o cultivo da terra bem antes do nascimento de Ceres, deusa rebaixada à condição de humilde mortal. Noé suplanta Baco, e Moisés não espera por Hércules para inovar na arte da guerra. A partir daí, a voz dos patriarcas e dos juízes sufoca o concerto afinal harmonioso das diversas reivindicações nacionais. Em vez de operar uma síntese entre tradições complementares, o evemerismo do Evangelho impõe a solidão intransigente de uma Verdade única.

Ao imitar Polidoro Virgílio, Thevet herda esse princípio de exclusão. Deve relembrar as eras da humanidade primitiva? Ele refuta em nome do Gênese a fábula dos poetas Virgílio – “na primeira de suas Geórgicas” – e Ovídio, os quais supuseram “que em toda a terra os homens universalmente viveram da mesma maneira que os animais brutos”.[24] O Éden não é a Idade de Ouro, e o trabalho de um Adão jardineiro afasta a humanidade, desde a origem, da preguiça em que chafurda o animal.[25] Evocando em seguida a “lavoura de Abel”, em uma confusão com seu irmão Caim, sem dúvida com o objetivo de glorificar a agricultura,[26] Thevet destrói todas as ficções do paganismo em proveito do labor original: os selvagens do Brasil, que cultivam mandioca e milho, ligam-se, a despeito de sua ignorância e de sua rudeza, à humanidade trabalhadora.

O privilégio que a tradição judeu-cristã detém em relação à mitologia pagã é redescoberto diante dos “belos contos” dos ameríndios a respeito de suas origens. O autor das Singularitez se compraz em sublinhar o contraste: a “brutalidade cega” dos pobres “américas” (o termo designa aqui os Tupiniquim) manifesta-se, por exemplo, no crédito que conferem a seus xamãs e às suas vãs “feitiçarias”.[27] Para concluir o capítulo que consagra às visões e perseguições do espírito maligno, Thevet convida o leitor a voltar-se para a Bíblia e a reprovar ao mesmo tempo a idolatria dos “antigos gentios” e o respeito supersticioso que os selvagens dedicam a seus “pajés ou caraíbas, o que equivale a dizer semideuses”.[28]

Da mitologia ameríndia das origens, há pouco a reter, salvo o que concorda com a Revelação, a saber, a crença na vida eterna e a lembrança de um dilúvio universal de água e de fogo, amplamente atestado em toda a região brasileira e amazônica.[29] Quanto aos mitos dos inventores, quando muito estarão reservados aos índios os que se relacionam às produções exóticas. Mais vale fiar-se em sua “traditiva” a respeito da invenção da cultura da mandioca, pobre ersatz do pão de que são desprovidos, e essa é a parte essencial que cabe a Maíra-Monan, o herói civilizador dos Tupi.[30] Quanto ao resto, Polidoro Virgílio tem sempre a última palavra, intervindo no último instante para encerrar o debate.

Embora suplante a tosca mitologia dos Tupinambá, a grade ideológica do tratado Des inventeurs não a integra completamente. À medida que a obra brasileira de Thevet se amplia, passando pelas etapas ulteriores da Cosmographíe universelle 0575) e da Histoire de deux voyages aux Indes Australes et Occidentales (c.1588), os “belos contos” dos Tupinambá cada vez mais fogem ao seu controle e não tardam muito em estilhaçar a estrutura em paralelos traçada pelas Singularitez.

Desde 1575, no livro XXI de sua Cosmographie, Thevet compõe o que se poderia chamar de Mitológicas do Brasil, no sentido que Claude Lévi-Strauss dá ao termo, isto é, uma sequência polifônica de mitos que narram a criação do mundo, as metamorfoses e a morte de Maíra-Monan, o herói cultural, o dilúvio universal e as diferentes eras da humanidade. Não contente, por exemplo, em transmitir o relato do dilúvio e dos dois irmãos, Thevet justapõe-lhe duas variantes distintas – segundo Alfred Métraux ou dois estágios sucessivos – como quer Claude Lévi-Strauss, que foi o último a analisar esse mito.[31] Sem dúvida, é preciso ver aí a preocupação, que é de regra na arte da “bricolagem”, de fazer uso do menor material, mas pode-se também descobrir nesse esquema iterativo a obscura presciência do princípio de que um mito se define pelo “conjunto de suas variantes”.[32]

Mais perto da palavra indígena do que nós, amplamente desprovido da razão crítica que penetra e discerne, mas também corta e censura, menos bem armado para compreender do que os antropólogos dos dois últimos séculos, mas simplesmente curioso por ouvir, Thevet nos revelou, quase intato, “um verdadeiro Gênese ameríndio”.[33] A esse respeito, Lévi Strauss observa:

Todo mito tem uma estrutura que dirige a atenção e ressoa na memória do ouvinte. Essa é a razão, aliás, pela qual os mitos podem ser transmitidos pela tradição oral. O que vale para o ouvinte indígena e o tornará capaz de repetir o mito vale, sem dúvida em menor medida, para um ouvinte tão mal preparado quanto um monge franciscano francês no século XVI: Thevet não escolheu ouvir e reter o que quer que seja.[34]

O tratado De inventoribus rerum é então progressivamente esquecido em benefício das redundâncias orais de uma cosmogonia indígena nas quais ainda se insinua, aqui e ali, um esboço de comparação. As transformações de Maíra-Monan lembram a Thevet os encantamentos de Circe,[35] e os herdeiros de Maíra-Ata, que devem passar por uma série de provas para atestar a origem de seu sangue, são aproximados dos cavaleiros “que estavam enfeitiçados pela conquista do Santo Graal na grande Bretanha”.[36] De quadro estruturante, a comparação assimiladora converteu-se em motivo ornamental, formando breves incisos na longa cadeia dos avatares dos heróis civilizadores.

Reportando-nos uma última vez às Singularitez, descobrimos que o tratado De inventoribus rerum desempenha em Thevet um papel mais ambíguo do que pareceu à primeira vista. Com efeito, Polidoro Virgílio mantém com o “pensamento selvagem” dos Tupinambá uma relação de tipo rizomático, caso se retome aqui a categoria proposta por Gilles Deleuze e Félix Guattari.[37] Com exceção dos capítulos sobre a religião, em que a relação hierárquica de exclusão é claramente formulada, o privilégio reservado à cultura ocidental e cristã nem sempre aparece com uma nitidez tão grande. Desenha-se então um elo por imbricação recíproca entre a cultura humanista e a tradição indígena, transmitida ao pé do ouvido. Em outros termos, a mitologia índigena contamina com seus efeitos o discurso do “singularizador”. No capítulo consagrado à agricultura, a “lavoura de Abel”, fruto de uma leitura distraída da Bíblia, era corroborada pela cultura da mandioca e das favas entre os Tupinambá. O mito de origem dos índios confirmava nesse caso a autoridade das Escrituras, em detrimento das ficções dos poetas gregos e latinos.[38] Quanto ao mito da origem do fogo, que se relaciona à “opinião dos selvagens a respeito do dilúvio”,[39] ele acarreta uma confirmação de outra espécie. Diodoro, cuja opinião é transmitida a Thevet por Polidoro Virgílio, atribuía a Vulcano a invenção do fogo. Com isso afirmava ao mesmo tempo que a humanidade nem sempre fora detentora desse precioso instrumento de cultura. Ora, os índios não pensam de maneira diferente, “os quais, antes da invenção do fogo, comiam suas carnes defumadas na fumaça”.[40]

A passagem valeria a Thevet as ásperas zombarias de Jean de Léry, que invocava “esta máxima da física transformada em provérbio” segundo a qual não há “fogo sem fumaça” ou, reciprocamente, fumaça sem fogo.[41] Mas o pensamento selvagem inflige um desmentido formal à razão raciocinante de Léry e à pretensa sabedoria das nações. Com efeito, a oposição do fogo à fumaça é menos absurda do que parece. A antropologia estrutural nos habituou a distinguir essas “categorias empíricas” do cru e do cozido, do defumado e do assado, que servem de ferramentas conceituais ao pensamento selvagem. Nesse sentido, a “carne” (no sentido geral de alimento) defumada na fumaça – ou então ao sol, nas variações jê sobre a origem do fogo[42]– aparece em contradição com o alimento cozido no fogo de lenha: aí já se encontra toda a distância que separa a natureza da cultura, e que a intervenção do grande Caraíba Maíra-Monan permitiu transpor. De acordo com Thevet, esse conhecimento teria sido comunicado aos índios durante seu sono, “algum tempo depois do dilúvio, que eles sustentam ter sido outrora”.[43]

De ambos os lados dessa noite da revelação, duas etapas da história afastam-se definitivamente, assim como a humanidade apta à arte culinária vira as costas ao animal condenado a devorar crus seus alimentos. A transformação do alimento pelo fogo distancia para sempre a nação indígena de suas origens cegas. A fumaça, por sua vez, traçava em relação à animalidade apenas uma fronteira indecisa e precária, que o controle do fogo de cozinha restabelece em sua clareza. Situado além desse corte fundador, o canibalismo tupinambá, iluminado pela claridade das fogueiras, jamais parecerá tão escandaloso ao observador europeu quanto a omofagia dos Antropófagos, esse povo monstruoso que os antigos repeliam para os limites extremos do mundo conhecido.

Não é possível dizer se Thevet, em uma passagem como essa, adaptou a realidade indígena a Polidoro Virgílio ou se ele acomodou Polidoro Virgílio à imperiosa lógica mítica dos ameríndios. Isso explica o crédito que um antropólogo como Claude Lévi-Strauss pode conceder a essa obra em sua reconstituição do “grande mito tupinambá”. Ao consignar, no livro XXI de sua Cosmographie universelle, a história dos gêmeos Tamendonaré e Aricuté, Thevet registrou, sem o saber, um verdadeiro “mito de voltar no tempo”, que, de dicotomia em dicotomia, organiza progressivamente, a partir do ser único original, as relações do homem com a natureza.[44]

Em última análise, com sua ótica conquistadora o inglês Thomas Hacket a uma só vez radicalizou e empobreceu a lição das Singularitez, negligenciando o que constituía a parte inovadora da obra: a minuciosa atenção prestada ao pensamento mítico dos primeiros ocupantes do Novo Mundo e o fascínio pelo jogo vertiginoso e indefinidamente retomado das semelhanças, para além do intervalo dos oceanos e das culturas.

Tal seria, em seu inacabamento e suas contradições, a antropologia da Renascença em seu declínio. E esse pensamento em crise afina-se bastante bem com nosso fim de século. A recusa de um pensamento global, que não tolera restos senão para jogá-los nas latas de lixo da História, a aversão por sistemas que pretendem resolver por meio de equações a totalidade do real criam uma afinidade profunda entre esse humanismo de transição e a rediscussão das grandes filosofias que dominaram a vida intelectual dos cem anos passados. Não apenas Montaigne é passível de uma tal leitura “pós-moderna”,[45] mas também os artesãos mais modestos de uma desconstrução do saber herdado da Antiguidade, quer reivindiquem aberta e inutilmente esse império perdido sobre as coisas – como Thevet -, quer, mais humildemente, aprofundem-lhe interminavelmente o luto – como Louis Le Roy, o autor do tratado De la vicissitude[46].

A ALTERIDADE PROIBIDA

Analisando, em Histoire de lynx, uma família de mitos relacionados ao tema gemelar, Claude Lévi-Strauss observa que no pensamento dos ameríndios o lugar dos brancos era marcado por uma concavidade: “Por isso, eles estavam dispostos a acolhê-los”. Essa é a intuição profunda expressa pelo “pensamento selvagem”: “Toda unidade encerra uma dualidade, e quando esta se atualiza, o que quer que se deseje e o que quer que se faça, não pode haver igualdade verdadeira entre as duas metades”.[47] O “desequilíbrio dinâmico” resultante assegura o bom funcionamento do sistema, a ordem cosmológica, o ciclo das estações e das culturas, a alternância da guerra com a paz. Com o Descobrimento ou com o que hoje se convencionou chamar o Encontro, a desigualdade dos dois gêmeos míticos torna-se facilmente a desigualdade entre o índio e o branco.

O pensamento ocidental, ao contrário, era muito menos capaz de admitir o Outro, a menos que o reduzisse ao Mesmo, mediante uma empresa de sujeição e de assimilação. Por exemplo, o Livre des inventeurs, tão modesto em seu tamanho, mas tão terrível e tão redutor em seus efeitos, constitui uma formidável máquina de assimilar. Nele, o comparatismo mitográfico se reduz, afinal, a uma verdade única, que é a do cristianismo, para o qual os deuses e semideuses das outras tradições jamais constituem mais do que engodas, no máximo testas-de-ferro.

Todavia, essa visão precisa ser completada. Por menos que se veja a obra de Polidoro Virgílio de modo diacrônico, ou muito simplesmente na história de seu tempo, percebe-se seu caráter problemático. Sabe-se que aos três primeiros livros, publicados desde 1499, Virgílio, 22 anos mais tarde, acrescentou outros cinco, consagrados às origens e às instituições da Igreja. Como observou Denys Hay,[48] isso não modificava a obra em seus princípios. No início, o humanista de Urbino, dando continuidade ao caminho aberto por Flávio Josefa em favor da cultura judia, e retomado, desta vez em benefício do povo cristão, por Eusébio, em sua Preparação evangélica, dedicou-se a uma empresa apologética baseada na comparação dos mitos. O problema é que esse acréscimo desequilibrava a obra e lhe dava de súbito um sentido imprevisto.

Com efeito, falar das “invenções” da Igreja desde os primeiros tempos não deixava de ser arriscado nem ambíguo, na medida em que desde 1521 Virgílio engajara-se abertamente no combate erasmiano. A edição revista do De inventoribus rerum, publicada nesse ano, concede grande vantagem à Igreja primitiva, de ordenação divina, e rejeita como “observâncias judaicas” as “invenções” em matéria eclesiástica posteriores ao tempo dos apóstolos, tais como o jejum, a penitência, o luto ostentatório, o culto das imagens etc. Forneciam-se assim argumentos à Reforma, que com Lutero, e logo com Calvino, denunciava a infidelidade da Igreja de Roma à mensagem evangélica. Polidoro Virgílio foi então recrutado pe los adversários do catolicismo e, ao mesmo tempo, incluído no Index pelos guardiães da ortodoxia religiosa. Desde 1549 o De inventoribus rerum era condenado pela Faculdade de Teologia da Universidade de Paris, a velha Sorbonne, atacada alguns anos antes por Rabelais.[49]

Em Singularitez de la France Antarctique, Thevet, prudentemente, inspirou-se prioritariamente nos três primeiros livros do tratado de Polidoro Virgílio, e não nos cinco outros, acrescentados em 1521. O comparatismo cultural que ele estabelece não fere nenhum dogma, nenhuma certeza adquirida. Sem dúvida. Mas não é menos verdade que a ferramenta de que se serve nesse livro publicado em 1557, isto é, oito anos depois da condenação pela Sorbonne, contém os germes de uma carga crítica que ele dificilmente podia ignorar. O paradoxo – se é que existe paradoxo – é que nele essa crítica atua sobretudo contra o índio e, longe de abalar as certezas do observador, confirma, ao contrário, a preeminência histórica e cultural deste último.

No mesmo momento, ou quase, o reformado italiano João Batista Trento, refugiado em Genebra, compunha um gigantesco Mappe-monde nouvelle papistique, que descrevia os territórios imaginários do papado. Nesse mapa alegórico que representa a uma só vez o mundo e a cidade de Roma no interior da boca do diabo, vêem-se os reformadores atacando muralhas, de Bíblia e espada na mão. Os padres teófagos, que povoam a província de Missa, são assimilados a selvagens do Novo Mundo, “nus de caridade” e ávidos de carne humana. Eles afirmam a realidade da transubs tanciação e devoram com vontade o corpo de Jesus Cristo, um corpo que retalham e distribuem dia após dia aos fiéis de toda a cristandade. Esses “carniceiros” são “dessa raça cruel dos canibais do Brasil, que comem carne humana”. Mais ainda, o Brasil está mais povoado de canibais do que nunca! Pois “esses canibais enviaram alguns bandos de gente a esse país, e deixaram sua raça por todo o mundo papista, de tal sorte que há mais canibais neste momento, e são mais cruéis e bárbaros que aqueles que nasceram no Brasil”.[50] Pode-se ver aí uma alusão ãs primeiras missões católicas, especialmente jesuítas, nesse país.

Segundo todas as aparências, essa produção polêmica, saída da comunidade italiana exilada em Genebra, não mantém relação direta com a experiência huguenote da França Antártica. Deriva principalmente dos relatos de Vespúcio e de Pierre Martyr d’Anghiera, que davam da América e de seus habitantes uma imagem das mais sumárias e no mínimo desfavorável.[51] Mas registra também os progressos do catolicismo, que as Cartas jesuítas, desde 1550, aplicavam-se em divulgar em toda a Eurpa.[52]

Na Histoire de la mappe-monde papistique, ou comentário do mapa,[53] Polidoro Virgílio é uma das fontes mais frequentemente invocadas. Trata-se de mostrar, através do livros dos Inventeurs, a origem muito recente da Igreja papista, uma Igreja que decididamente não tem nada em comum com a de Jesus Cristo e dos apóstolos. Sobre questões tão diversas quanto o jejum, as imagens, os ornamentos, os hospitais, o incenso, as bulas lacradas com chumbo, os toques de sino, os salmos cantados em fabordão, o hábito de púrpura dos cardeais ou as particularidades indumentárias das diversas ordens monásticas, “a inventividade” é quase infinita, a faculdade de inovação, sem limites. Assim, é a uma verdadeira investigação etnográfica que se entrega Trento, lançando um olhar distanciado sobre o espetáculo na verdade bastante assustador da Igreja dominante. O Brasil de Trento, a uma só vez monstruoso e fascinante, é a Roma muito próxima dos papas, uma alteridade mais temível, na verdade, do que a dos índios de caricatura.

Viu-se o Ocidente reticente em acolher o Outro, ou mesmo em admitir muito simplesmente sua existência. De fato, essa recusa reveste-se de duas formas diferentes e complementares. Ora o Outro é reduzido ao Mesmo – e é essa a atitude denunciada pelos adversários do etnocentrismo, de Claude Lévi-Strauss a Tzvetan Todorov -, ora, ao contrário, o ocidental, sempre pronto a rejeitar, a excomungar e a excluir, discerne o Outro no Mesmo, no vizinho, no parente ou no irmão. No primeiro caso, é o cristão incapaz de dar um lugar ao “pagão” ou ao “gentio”, a menos que queira convertê-lo e uni-lo ã Igreja universal. O segundo caso é o dos irmãos inimigos, o católico e o protestante, que, durante as guerras de religião, acusam-se mutuamente de selvageria e de bestialidade. Não há dúvida, para o católico, de que o protestante seja um herético, um judeu ou um bárbaro, cujas blasfêmias e a violência iconoclasta o revoltam. Reciprocamente, o protestante reconhece no católico um canibal e, além do mais, um idólatra e um come-Deus.[54] Essa é a hipótese desenvolvida no Mappe-monde papistique. Em sua intolerância fundamental, aqui e ali a conduta é redutora e empobrecedora. Ou ela se obriga a discernir o Mesmo no Outro ou então, horrorizada e escandalizada, descobre o Outro no Mesmo, o distante no próximo, o monstruoso no coração do familiar. Apenas entreaberta para o que está além, a porta é violentamente fechada de novo. Tudo isso, em definitivo, não terá sido mais que um sonho ruim. Fica-se entre gente de boa companhia, em um diálogo infinitamente retomado consigo mesmo.

UM LUGAR PARA O OUTRO? LÉRY, MONTAIGNE

O Outro inquieta, o Outro assusta. Ei-lo então rejeitado ou aniquilado, venha do exterior, como o ameríndio, ou, como o judeu, o herético ou o cristão minoritário, do próprio interior da sociedade “antropêmica” – uma sociedade que “vomita” o intruso em vez de o ingerir, à diferença das sociedades antropófagas.[55] Por certo, mas não pára aí a história da alteridade no Ocidente. Basta que os dois tipos de estranheza convirjam e que as duas crises se encavalem para que a expulsão se torne impraticável de fato, e é isso que ocorre por volta da metade do século XVI na França, quando à descoberta do canibal se superpõe o cisma que se seguiu à Reforma e às perseguições religiosas.

Essa inquietação e esse medo, dir-se-á, são estranhos a Thevet, como, antes dele, a Gonneville ou a Vaz de Caminha.[56] Mas, nesses observadores de espírito prático e dotados, no mais alto grau, do senso do concreto, constata-se que o Outro não existe realmente enquanto tal, decomposto em uma soma de singularidades, subordinado a uma intencionalidade que varia ao longo do relato, segundo as circunstâncias e os imperativos da investigação.

O mesmo não se dá com a “revolução sociológica” conduzida por Jean de Léry e Montaigne, a partir dos mesmos índios Tupiniquim e da mesma experiência colonial da França Antártica. Pois o que se passa no Brasil do descobrimento escapa, em certa medida, ao processo redutor descrito por Claude Lévi-Strauss. O “recolhimento em si mesmo”, “a frial dade”, “a cegueira voluntária” observáveis em Acosta, ou mesmo em Las Casas ou em Thevet[57] – quando este último não se limita a coletar os mitos indígenas, mas os julga e condena -, não são de responsabilidade de todos os europeus da Renascença.

Houve Léry. Houve Montaigne. Léry e sua saudade do Brasil: “Lamento com frequência não estar entre os selvagens”.[58] Montaigne e sua sentença famosa: “Cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra”.[59] Houve sobretudo o fracasso providencial dos franceses na Guanabara. Um fracasso mais fecundo para o pensamento antropológico do que muitas vitórias e muitos impérios. Na efêmera França Antártica de Villegagnon (1555-60), a divisão religiosa fez com que o europeu – no caso, o francês – não se unisse em sua oposição ao ameríndio.[60] O divórcio entre protestantes e católicos da Colônia gerou no interior desta uma situação de “irmãos inimigos”. Estando fraturado o polo do colonizador, daí resultou uma visão difratada, cuja principal consequência foi reconhecer, com Léry e depois com Montaigne, a parte de barbárie presente em nossa sociedade e, por outro lado, a civilidade inerente à sociedade pretensamente selvagem.

Além disso, duas descrições concorrentes resultaram desse espelho quebrado: a do católico Thevet que despejou a abundante matéria de suas Mitológicas do Brasil para ocupar o terreno e opor-se ao adversário, e a de Jean de Léry que, de tanto considerar o índio um duplo, acabou por acentuar até a incompreensão a distância antropológica entre o católico francês e o francês protestante.[61]

O índio foi por isso mais bem compreendido? Nada é menos certo. Mas, na luta mortal que travavam os irmãos inimigos franceses, ele desempenhou à sua revelia o papel de árbitro distante e, seríamos tentados a dizer, sereno.

Tradução de Maria Lucia Machado

NOTAS

  1. Tzvetan Todorov, Nous et les autres. La réflexion française sur la diversité humaine. Paris: Le Seuil, 1989, pp. 51-64. Do mesmo autor, Les morales de l’histoire. Paris: Grasset, pp. 63-78.
  2. Tzvetan Todorov, Nous et les autres, p. 62.
  3. Ver a esse respeito Antoine Compagnon, Nous, Michel de Montaigne. Paris: Le Seuil, 1980.
  4. Esse procedimento é de certo modo confessado por preterição por Todorov, a respeito da controvérsia entre Sepulveda e Las Casas: “Mais de quatrocentos anos depois dos fatos, não se trata de declarar empatada a disputa entre os adversários de ontem” (Les morales de l’histoire, p. 64).
  5. Ibidem, p. 67.
  6. Tzvetan Todorov, Théories du symbole. Paris: Le Seuil, 1977.
  7. Claude Lévi-Strauss, Histoire de lynx. Paris: Plon, 1991, capítulo XVIII: “En relisant Montaigne”, pp. 277-97, especialmente p. 288.
  8. Ibidem.
  9. Em um sentido mais amplo do que o sugerido por Louis Dumont, Homo hierarchicus. Le systeme des castes et ses implications, 2ª ed. Paris: Gallimard, 1979. Para uma aplicação rigorosa desse conceito ao pensamento da Renascença, cf. Jean Lecointe, “Structures hiérarchiques et théorie critique à la Renaissance”, Bibliotheque d’humanisme et Renaissance, t. II, 1990, nº 3, pp. 529-60.
  10. Philippe Duplessis-Mornay, De la verité de la religion chrétienne. Antuérpia: Christophle Plantin, 1581, capítulo VIII: “De quand le monde a eu son commencement”. Cf. Guillaume de Saluste du Bartas, La seconde semaine, “Journée seconde”, livro VII: “Les colonies”, ed. Y. Bellengeretalii. Paris: STFM, t. II, 1992, pp. 361-419.
  11. Montaigne, Essais, II, 12, ed. Villey. Paris: PUF, 1978, p. 601. Página comentada por Claude Lévi-Strauss, loc. cit.
  12. Montaigne, op. cit.
  13. Michel Jeanneret, “… Et la forme se perd. Structures mobiles à la Renaissance”, Littérature, nº 85, fevereiro de 1992, pp. 18-30, especialmente pp. 20-1. Do mesmo autor, Perpetuum mobile. Métamorphoses des corps et des oeuvres, de Vinci à Montaigne. Paris: Macula, “Argô”, 1997.
  14. Para esse conceito, extraído de Mercator, ver meu livro: L’atelier du cosmographe ou l’image du monde à la Renaissance. Paris: Albin Michel, 1991, capítulo II.
  15. André Thevet, Les singularitez de la France Antarctique. Paris, Les héritiers de M. de La Porte, 1557. Reedição, Paris: Éditions Chandeigne, 1997.
  16. Ver a tese de Jean Céard, La nature et les prodiges. L’insolite, en France, au XVIe siecle. Genebra: Droz, 1977, pp. 229-408.
  17. No sentido de Gilles Deleuze e Félix Guattari, Rhizome (Introduction). Paris: Éditions de Minuit, 1976.
  18. André Thevet, The new found worlde, or Antarctike […] travailed and written in the French tong by that excellent learned man, master Andrewe Thevet. Londres: Henry Bynneman, for Thomas Hacket, 1568, f. *ij rº. Trata-se de tradução inglesa da obra citada acima, na nota 15.
  19. Thomas Hacket, epístola dedicatória de André Thevet, loc. cit., f. III, v: “Thus (right honorable) we see, the valiant and curagious personages of the world have brought to passe many excellent enterprises, so that their name shal never dye, atcheved as well by sea as by lande, as this worthy traveller Andrewe Thevit, in this his Navigation of the New found World, which I have dedicated unto your honor, as a token of my good will […]”.
  20. Resumo aqui um ponto de vista que desenvolvi em: L’atelier du cosmographe ou l’image du monde à la Renaissance, op. cit., capítulo III, pp. 91-101.
  21. Sobre o desígnio de Polidoro Virgílio, ver Denys Hay, Polydore Vergil, Renaissance historian and man of letters. Oxford: The Clarendon Press, 1952, capítulo III: “De inventoribus rerum”.
  22. Todos esses “inventores” são mencionados por Plínio, Historia naturalis, VII, 56.
  23. Denys Hay, op. cit., capítulo III, p. 58.
  24. André Thevet, Les singularitez, op. cit., f. 113 vº. Reedição, 1997, p. 223. Citado por Polidoro Virgílio, Les inventeurs des choses que ont estre. Paris: J. Longis & V. Setenas, 1544, III, 2, f. 99. Cf. Virgílio, Geórgicas, 1, 147-9.
  25. Como Guillaume de Saluste du Bartas sugere em L’Eden (Seconde semaine, premier jour), vv. 271 ss. Ver a esse respeito minha comunicação: “L’art imite la nature/ la nature imite l’art: Dieu, Du Bartas et l’Eden”, in J. Dauphiné (ed.), Du Bartas poète encyclopédique du XVIe siècle. Lyon: La Manufacture, 1988, pp. 167-84.
  26. Esse lapso de Thevet (Les singularitez, f. 113 vº; reedição, p. 223), que descartou Caim e fez do pastor Abel um lavrador, desencadeará os sarcasmos de Jean de Léry, Histoire d’un voyage faict en la terre du Brésil, 3ª ed. Genebra: Antoine Chuppin, 1585, “Préface”, f. qqq3.
  27. André Thevet, op. cit., capítulo 36, f. 68 rº; reedição, p. 148.
  28. Ibidem, capítulo 35, f. 65 rº-vº; reedição, p. 144.
  29. Ver Suzanne Lussagnet (ed.), Le Brésil et les brésiliens par André Thevet (Les français en Amérique pendant la seconde moitié du XVIe siècle, t. I). Paris: PUF, 1953, p. 39, nota 2, e p. 45, nota 1. O Dilúvio é evocado em Les singularitez, capítulo 53, f. 101 vº-102 rº. Sabe se da importância que os missionários atribuirão a esse mito, elemento essencial em favor da prisca theolosia.
  30. André Thevet, op. cit., capítulo 58. Cf. La cosmographie universelle. Paris: P. L’Huillier & G. Chaudiere, 1575, t. II, livro XXI, capítulo 6, f. 918 rº(cf. Suzanne Lussagnet, op. cit., pp. 61-2).
  31. Suzanne Lussagnet, op. cit., pp. 39, 43-5 e 66-72: trecho de Thevet, Cosmographie universelle, II, f. 919-20, retomado por Pierre Clastres, Le grand parler. Mythes et chants sacrés des indiens Guarani. Paris: Le Seuil, 1974, pp. 95-9. Cf. Claude Lévi-Strauss, Histoire de lynx, op. cit., p. 66.
  32. Claude Lévi-Strauss, Anthropologie structurale. Paris: Plon, 1958, capítulo XI “La structure des mythes”, p. 252.
  33. Claude Lévi-Strauss, Histoire de lynx, op. cit., p. 65.
  34. Ibidem, p. 66.
  35. André Thevet, La cosmographie universelle, II, f. 918V°(cf. Suzanne Lussagnet, p. 65).
  36. André Thevet, op. cit., f. 920 rº(cf. Suzanne Lussagnet, p. 71).
  37. Ver acima, nota 17.
  38. André Thevet, Les singularitez, capítulo 58, f. 113 vº; reedição, p. 223.
  39. Ibidem, capítulo 53, f. 101 vº, nota marginal; reedição, p. 203.
  40. Ibidem. Em Cosmographie universelle(xx1,12, f. 937 V°; cf. Suzanne Lussagnet, p. 161), Thevet suprimiu essa expressão.
  41. Jean de Léry, Histoire d’un voyage faict en la terre du Brésil, 2ª ed. Genebra: Antoine Chuppin, 1580, capítulo 18, p. 288. Cf. minha edição de Histoire d’un voyage faict en la terre du Brésil. Montpellier: Max Chaleil Éd. Les Presses du Languedoc, 1992, pp. 177-8.
  42. Claude Lévi-Strauss, Le cru et le cuit (Mithologiques I). Paris: Plon, 1964, mitos M. 7 a M. 12.
  43. André Thevet, Le singularitez, f. 101 vº; reedição, p. 203.
  44. Claude Lévi-Strauss, Histoire de lynx, op. cit., capítulo IV, pp. 65-77.
  45. Ver Antoine Compagnon (“Montaigne chez les postmodernes”, Critique, nº’433- 4, junho-julho de 1983, pp. 522-34), que comenta em particular a obra de Jean Starobinski, Montaigne en mouvement. Paris: Gallimard, 1982.
  46. Louis Le Roy, De la vicissitude ou variété des choses en l’univers. Paris: P. L’Huillier, 1575; reedição: Paris, Fayard, “Corpus des oeuvres de philosophie en langue française”, 1988.
  47. Claude Lévi-Strauss, op. cit., p. 92.
  48. Denys Hay, op. cit., pp. 60-1.
  49. A edição de Paris, organizada em 1528 por Robert Estienne, era o alvo principal, “cum similibus, Basileae, 1540, et ubicumque excusis”. Ver J. M. de Bujanda, James K. Farge & Francis M. Higman, lndex de l’Université de Paris(1544, 1545, 1547, 1549, 1551, 1556). Sherbrooke (Quebec)/Genebra: Éditions de l’Université de Sherbrooke/Librairie Droz, 1985, nº 243, pp. 249-50.
  50. Jean-Baptiste Trento, Histoire de la mappe-monde papistique. Genebra, 1566-7, p. 150.
  51. Ver a esse respeito Frank Lestringant, Le cannibale, grandeuret décadence. Paris: Perrin, 1994, capítulo II, pp. 56-69.
  52. Ver Jean-Claude Laborie, “La lettre jésuite ou l’écriture de soi”, in Katia de Queiroz Mattoso (org.), Naissance du Brésil moderne, 1500-1808. Paris: Presses de l’Université Paris-Sorbonne, 1998, pp. 177-92.
  53. Jean-Baptiste Trento, op. cit.
  54. Desenvolvi essa perspectiva em meu livro Une sainte horreur, ou le voyage en Eucharistie (XVIe-XVIIIe siècle). Paris: PUF,1996.
  55. Segundo a distinção observada por Claude Lévi-Strauss, Tristes tropiques. Paris: Plon, 1955, capítulo XXXVIII, p. 448.
  56. Ver a edição organizada por Leyla Perrone-Moisés, Le voyage de Gonneville (1503-1505). Paris: Éditions Chandeigne, 1995.
  57. Claude Lévi-Strauss, Histoire de lynx, p. 291.
  58. Jean de Léry, Histoire d’un voyage, op. cit., capítulo XXI, p. 205.
  59. Montaigne, Essais, 1, 31, p. 205.
  60. Remeto à minha conferência apresentada em 1997 e publicada em A descoberta do homem e do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, pp. 419-39.
  61. Para uma exposição sumária dessas duas antropologias em grande parte incompatíveis, ver Une sainte horreur, op. cit.

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