2005

A ciência simbólica do mundo [Goethe]

por Márcio Suzuki

Resumo

Para Goethe, poeta que conciliou espírito clássico e romântico, ciência e arte, a relação com o mundo se compreende melhor em termos de proporção. Contra as ilusões do iluminismo e inspirado nas ideias de Rousseau, Herder, Shaftesbury e, mais remotamente, Aristóteles, ele vê uma complementaridade essencial, na natureza, entre forma e função, crescimento e limite, uniformidade e especificação. O mundo se organiza de maneira igual em cada forma e no todo. Nesse processo de formação (Bildung) e transformação, a finalidade de todo ser é a manutenção de si e de sua forma (“O fim da vida é a vida mesma”, ele escreve). E as formas são simbólicas por conterem em si um universal, não por apenas fazerem referência a ele. Mas esse princípio, que é o mesmo da imaginação poética, requer um cuidado para não cair no perigo do ilimitado e do informe. Como em Ovídio e em Dante, a imagem deve passar da sensibilidade à fantasia de forma justa, e foi o que Goethe buscou na longa elaboração do seu Fausto. A compensação de forças, ilustrada nas figuras divinas da mitologia grega, deve prevalecer contra a dominação total de um elemento por outro. A compreensão do mundo exige um “cálculo simbólico” (expressão de Paul Valéry) demorado e difícil. É preciso saber esperar a semente desabrochar. Desconfiando do “conhece-te a ti mesmo” socrático, o homem, diz Goethe, “só se conhece à medida que conhece o mundo”. Como na amizade, homem e mundo são complemento e símbolo um do outro.


Wär nicht das Auge sonnenhaft, Die Sonne könnt es nie erblicken,

Läg nicht in uns des Gottes eigne Kraft, Wie könnt uns Göttliches entzucken.

Se o olho não tivesse sol, como veríamos a luz?

Sem a força de Deus vivendo em nós Como o divino nos seduz?

Goethe

Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho

O avestruz é uma girafa: só o que tem é que é um passarinho.

Guimarães Rosa, Tutameia

O macaco está para o homem assim como o homem está para x.

Guimarães Rosa, Ave, palavra

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Uma das maneiras de abordar o tema “Poetas que pensaram o mundo”, instigante e espinhoso, em Johann Wolfgang Goethe é compará-lo aos poetas que vieram depois dele, sobretudo a partir da metade do século XIX. Tem-se em geral, na poesia europeia desse período, um distanciamento consciente e crítico do mundo, que procura se consolidar numa linguagem poética estranha a ele, uma linguagem que, constituindo-se num outro mundo, recusa-se a dizer este mundo.[1] Simplificando um pouco, talvez se possa dizer que, ao contrário da tendência dos poetas posteriores, Goethe é o último poeta que quer ser o mundo: ele procura uma identificação quase incondicional com o cosmos, quer a todo custo reconhecer o que há de comum entre a natureza e o indivíduo.[2]

Aos seus olhos, o racionalismo cientificista, de cunho cartesiano ou newtoniano, e o Romantismo que ele mesmo viu surgir são duas maneiras igualmente equivocadas e afins de se relacionar com a natureza e com o mundo. O racionalismo exige uma dominação total da natureza; o Romantismo sente nostalgia dela. Ambos são sintomas daquilo que Goethe reputa ser a pior enfermidade de sua época, a que ele dá o nome de subjetividade.[3]

Para o poeta de Weimar, haveria uma maneira mais própria de se relacionar com o mundo. Entender o posicionamento do eu no universo, a relação do indivíduo com o cosmos — relação que se exprime melhor em termos de proporção (Verhältnis), como se tentará mostrar — é imprescindível, segundo ele, para que se possa perceber o nexo profundo que liga poesia e sujeito poético ao mundo. Do ponto de vista dos estudos estéticos e literários, examinar o que seria a concepção-de-mundo goethiana será então talvez  algo  mais do que um labor ocioso de erudição. Reconstituir a sua cosmovisão (Weltanschauung, expressão aliás surgida na sua época)[4] ajudará talvez a entender a maneira peculiar como enxerga o vínculo entre literatura e realidade.

A posição de Goethe diante da filosofia e da ciência de sua época não é unívoca, mas contraditória e ambivalente. Ele vê a filosofia com reticências, mas o faz com conhecimento de causa, pois estudou os sistemas filosóficos antigos e modernos e se muniu de uma concepção-de-mundo bastante rica e consistente. O problema da filosofia vem de mais longe: para o chamado pré-Romantismo alemão, também conhecido como Sturm und Drang, movimento em que ele se inseriu na juventude, a filosofia moderna integra um grande sistema de racionalização do mundo, que tem de ser combatido. O Iluminismo constitui o ápice desse esforço de dominação da natureza, e a crença no progresso das Luzes projeta nessa mesma natureza um finalismo técnico antropomórfico, como se a total racionalidade fosse o objetivo derradeiro a ser atingido pela história da humanidade. Isso tudo é bastante conhecido, mas vale a pena retomar alguns pontos da polêmica antifilosófica e anti-iluminista na Alemanha a fim de ver como a questão se apresenta para Goethe.

Ex-aluno de Kant e amigo de Goethe, Herder foi, como se sabe, ao lado de Hamann, o mais combativo adversário da Aufklärung na Alemanha. Segundo ele, a filosofia da história em que se baseia o Iluminismo está calcada numa ilusão, ela “pouco mais é do que um fantasma de nossas cabeças e nunca se confundirá com o caminho de Deus na natureza!”.[5] É uma presunção desmedida e vazia dos sábios ilustrados querer desvendar os desígnios divinos, como se pudessem descobrir o que cabe por destino à humanidade, como  se pudessem  ocupar o lugar das Parcas e prever para onde caminha a sua história. Essa história tem algo de fortuito e imprevisível.

Dando continuidade, no teor e no tom, à crítica de Rousseau ao projeto filosófico e pedagógico iluminista, Herder descreve as monstruosidades que o espírito mecânico da filosofia moderna cria ao tentar incutir desde cedo as luzes da razão nos homens. Se quisermos ver uma tarefa mal resolvida, diz ele, basta entregá-la a um filósofo: “No papel vereis a pureza, a delicadeza, a beleza, a grandiosidade da concepção! Na execução, vereis o desastre! A cada passo [o filósofo] ficará perplexo perante as dificuldades e as consequências imprevistas”. A educação iluminista não forma um homem, alguém capaz de solucionar as tarefas práticas mais simples, mas uma criança que, desde muito cedo, é “um grande filósofo”, sabe “calcular” e está “tão bem treinada no uso dos silogismos, das figuras e dos instrumentos”, que com frequência consegue “brincar de modo a fazer surgir novos silogismos, novos resultados e aquilo que apelidava de novas descobertas. Fruto, honra e cume do espírito humano! Tudo por intermédio de um jogo mecânico!”.[6]

Para essa nova filosofia, quanto mais cedo a criança for um filósofo, isto é, quanto mais cedo souber raciocinar e calcular, tanto melhor. Para Herder, ao contrário, assim como para Rousseau, quanto mais tarde melhor. Para estes, é preciso saber esperar pacientemente o amadurecimento dos frutos: “Uma semente cai à terra! Ali fica, entorpecida. Mas chega o sol e acorda-a. A semente rompe. A cápsula abre-se violentamente. A planta irrompe do solo…”.[7]

A filosofia e a pedagogia do século das Luzes extirpam pela raiz a possibilidade de cultivo das aptidões dos indivíduos, porque se voltam exclusivamente para o aperfeiçoamento precoce de suas faculdades intelectuais. A essa concepção de um homem hipertrofiado em sua razão, Herder opõe o ideal de uma formação completa, que leve em conta todo o indivíduo. Esse ideal se encontra consumado naquela figura que o século XVIII chama de homem sociável e, mais tarde, no homem estético e no gênio. Assim como também ocorrerá na Crítica do juízo, de Kant, e na ideia de homem estético, em Schiller, gênio é uma espécie de ser humano completo, em que não há crescimento desigual de uma habilidade, nem conflito entre as faculdades, mas um desenvolvimento harmonioso de todas elas. A formação do homem, nesse sentido, não pode ser apressada, mas é vagarosa e tem de ser deixada aos cuidados dessa mãe zelosa que é a natureza.

Natureza e formação têm de andar de mãos dadas, no mesmo compasso. Mas o que se entende por natureza e por formação? Para responder a essa pergunta, pode-se começar pela segunda noção, porque ela também ajudará a entender o sentido da primeira. Bildung é um  termo  muito  conhecido  entre  germanistas  e comentadores de filosofia, que o traduzem habitualmente por “formação” (por exemplo, na expressão “romance de formação”,  gênero de que o Wilhelm Meister de Goethe seria um dos melhores modelos). O germanista e excelente tradutor português José M. Justo dá uma pista muito interessante de como também se pode verter essa palavra, fazendo justiça ao seu sentido. De acordo com ele, “a ideia de ‘formação’ contém implicitamente uma reflexão sobre o papel da forma enquanto forma formans, por oposição a uma mera forma formata”.[8]  Infelizmente, o  tradutor  não  fornece  mais  indicações sobre o que seria essa forma como forma formante, e é isso o que se tentará fazer a seguir.

A FORMA FORMANTE

A matriz dessa ideia deve ser buscada numa filosofia que teve grande repercussão em todo o século XVIII e que só agora começa a ser devidamente revalorizada — a filosofia de Anthony Ashley Cooper, o III lorde de Shaftesbury. No seu diálogo Os moralistas: uma rapsódia filosófica, Shaftesbury estabelece uma divisão tríplice para explicar a natureza das formas: na primeira classe, a mais inferior, encontram-se as formas menos belas, formas sem  nenhum  “poder formante”  (forming  power),  ou  seja,  formas  formadas  ou formas mortas (dead forms).[9] Na segunda classe, encontram-se “formas que formam”[10]  (forms  which  form),  isto  é,  que  têm  o  poder  de  formar outras formas. A terceira classe, finalmente, é composta de formas vivas (living forms). Estas também são formas formantes (forming forms), mas, diferentemente  das  segundas,  não  formam  apenas outras formas, mas formam “outras formas vivas”, isto é, outras formas que formam.[11] Os exemplos que o texto fornece de formas mortas da natureza são os metais e pedras; de formas da segunda classe, as obras do engenho humano, por exemplo, de arquitetura, de manufatura etc.; da terceira classe, a beleza humana. A segunda e a terceira classe, entretanto, podem em certa medida se identificar, quando se percebe que, ao produzir suas obras, a mão do gênio artístico é guiada pela terceira classe de forma. Ela é uma operação ou ação comandada pela inteligência ou mente do mundo.

Essa “inteligência” ou mente do mundo (alma cósmica) não é um criador, um arquiteto ou demiurgo que se encontra fora do universo, mas um princípio interno a ele, um princípio de estruturação intrínseco ao próprio jogo das formas ou, para usar a expressão certeira do autor, ela é uma “forma interna” (inward form).[12] A ordenação do mundo não lhe é dada de fora, e a importância metafísica disso é a de não se poder dizer que foi criado em vista de algo exterior a ele. Presume-se a identidade do “conteúdo” com a “forma” do mundo. Ou ainda: o sentido do mundo é dado pelo arranjo interno de suas formas. E esse mesmo princípio articula a forma do ponto de vista singular. A identidade de matéria e forma se apresenta como uma unidade de design — palavra que tem a virtude de fundir o vocabulário técnico das artes (onde design é “desenho”) e a terminologia teológico-filosófica (onde design designa “desígnio”, isto é, propósito, intenção, como na expressão “desígnios divinos”).[13]

Em resumo, pode-se afirmar que o mundo se organiza de maneira igual, tanto no microcosmo (em cada forma particular), quanto no todo (no sistema que se estabelece entre as formas particulares e a “alma cósmica”, forma do todo). Essas ideias serão fundamentais para a concepção do jogo cósmico das formas no finalismo imanente de Herder e Goethe. Mas, antes de passar a isso, deve-se primeiro voltar à discussão da noção de “forma formante”, porque é ela que permite a Goethe chegar à sua concepção de Bildung[14] e, a partir dela, à diferença crucial que estabelece entre o modo como história natural, anatomia comparada e morfologia observam os seus objetos.

A história natural toma a figura (Gestalt) do ser orgânico como um “fenômeno conhecido”. Ela se fixa na “manifestação exterior das figuras”. Já a anatomia comparada tem de investigar a “estrutura interna”, por exemplo, de um corpo humano. A morfologia, por sua vez, lida como “fenômenos altamente significativos” (höchst bedeutend).[15] Todas as três têm sua importância, mas há um modo de tratamento que distingue a terceira. Diferentemente das duas outras ciências “estáticas”, a morfologia não lida apenas com a figura (Gestalt), mas trata também “da figuração e transfiguração” (Gestaltung und  Umgestaltung),[16]  ou,  como  preferirá  Goethe,  “da  formação  e transformação  dos  corpos  orgânicos”.[17]  Formação  e  transformação: em alemão, Bildung e Umbildung. Há, pois, dois modos distintos de percepção do mundo, e isso pode ser constatado no próprio interior da língua alemã, pela diferença que ela estabelece entre Gestalt e Bildung. É o que explica Goethe:

Para [designar] o complexo da existência de um ser real, um alemão possui a palavra Gestalt. Nessa expressão, ele abstrai daquilo que é móvel [von dem Beweglichen], ele aceita um homogêneo que se detém, que está concluído e fixado em seu caráter.

Mas se observarmos todas as figuras, especialmente as orgânicas, descobriremos que em parte alguma se dá um algo que perdura [Bestehendes], algo em repouso, algo concluído, mas descobrimos, ao contrário, que tudo balança, flutua, vagueia num movimento contínuo. Por isso nossa língua costuma empregar, com bastante justeza, a palavra Bildung tanto para aquilo que é produzido [vom dem Hervorgebrachten], quanto para a ação de ser produzido [Hervorgebrachtwerden].[18]

A própria língua alemã costuma empregar (!) de maneira bastante justa e precisa (gehörig genug) a palavra Bildung, ao marcar não apenas sua diferença com o produto, com a forma formada (Gestalt), mas também o movimento, a transição, o caráter ativo da forma. A forma não é uma forma fixa, um eidos, uma ideia no sentido platônico. Ela deve, ao contrário, ser entendida como um movimento ou um agir, ela mais se aproxima de uma atualidade no sentido aristotélico da palavra. O que se quer dizer com isso?

Em Aristóteles, quando uma matéria recebe uma determinação ou forma, ela passa da potência ao ato. Passar ao ato significa então alcançar uma completude, um acabamento, um termo. Na sua linguagem técnica, esse termo é uma entelekheia, palavra composta de en + telos + ekhein, isto é, “ter ou chegar num fim”. Mas a terminologia técnica aristotélica indica que a passagem ao ato ou à forma também se diz energeia, que é um estar em ato, um atuar. A confluência entre acabamento da forma e atuação é visível, por exemplo, nos seres orgânicos. Nestes, chegar a uma forma significa ao mesmo tempo, para cada um de seus órgãos, desempenhar um papel em vista da preservação e da continuidade da vida. Em seu sentido forte, e não como simples potência, cada órgão chegando à sua forma é, assim, uma atividade, uma operação ou, melhor ainda, uma função que em grego se diz ergon, cognato do termo energeia. Goethe vai se aproveitar largamente dessas observações de Aristóteles, de quem dizia que entendeu a natureza melhor do que qualquer autor moderno.[19] O organismo só mostra sua forma e seu fim enquanto está atuando, ou, inversamente, a atualidade é o que mais propriamente exprime a sua forma e o seu fim. Goethe não separa a finalidade e a forma do órgão, ou uma forma interna, sem fim (o belo), e uma forma externa (fim natural), como o faz Kant, na Crítica do juízo.[20] O fundamental para ele é pensar a identidade ou total reciprocidade dos termos forma e função. É assim que ele vai recorrer a intuições dos gregos, embora esteja pensando primeiramente em Aristóteles. Há duas “Máximas” elucidativas a esse respeito. A primeira diz: “Função é a existência pensada em atividade”. E a segunda: “Os gregos chamavam de entelekheia um ser que está sempre em função”.[21]

Concebido nesses termos, o organismo não tem uma finalidade exterior a si mesma. Sua única finalidade é a manutenção de si e de sua forma (mas, no sentido de eidos, como se verá logo em seguida, a forma já é então manutenção e conservação da espécie). Há, noutras palavras, um total fechamento da forma/finalidade em si mesma. Não pode haver finalidade extrínseca à maior perfeição que se pode alcançar, que é a própria vida: “O fim da vida”, diz Goethe, “é a vida mesma” (“Der Zweck des Lebens ist das Leben selbst”).[22]

O ponto supremo do gozo da vida ocorre então quando um organismo é capaz de produzir um seu semelhante, ou seja, neste caso ele vai formar outra forma (no sentido shaftesburiano), outra forma viva capaz de perpetuar assim a vida da forma. Essa ideia já se encontrava também em Aristóteles: perpetuar a forma é a única maneira pela qual os seres mortais participam do divino.[23] Goethe a explica de duas maneiras, uma na qual o organismo se gera em si mesmo, e outra na qual se gera num outro. O primeiro tipo de produção se encontra nas plantas e foi assim formulado por Goethe:

Toda coisa conhecida, que nós dizemos viva no sentido mais lato do termo, tem a força de produzir o seu semelhante. Pode-se dizer, da mesma maneira, que chamamos vivo àquilo que manifesta aos nossos sentidos a faculdade de produzir o seu semelhante […] Aquilo que nós chamamos de crescimento dos vegetais não é senão uma produção do seu semelhante sem a ação dos sexos. Através dessa produção do seu semelhante não ocorre nenhuma separação, como no caso da geração e do nascimento. Mas é igualmente produção do semelhante.[24]

No crescimento dos vegetais, a noção de semelhança ganha um contorno peculiar: a semelhança do aspecto externo não tem necessariamente valor. O que importa é a existência de uma mesma forma estruturante interna, que perpassa todas as formas aparentes. Como se mostrou há pouco, a ideia de Bildung está necessariamente ligada à ideia de Umbildung: transmutação, metamorfose. No estudo da vida, não devemos nos ater à figura, ao aspecto exterior (Gestalt), mas devemos tentar apreender como a forma vai se modificando num mesmo organismo. No caso dos vegetais, o engendramento das formas é produto do desdobramento de um único órgão primordial proteiforme,[25]  que  Goethe  crê  ter  descoberto  na  “folha” (Blatt). Algo análogo pode ser constatado no crescimento, mas  não na geração dos animais. Na geração por reprodução, os chamados corpos orgânicos “têm a propriedade de produzir algo igual a si”, não em si mesmos, mas “a partir de si”.[26]  

O universo goethiano, como já podemos pressentir, não tem nem começo nem fim. Pode-se recuar ou avançar na série do organismo, que se encontrará, da forma mais simples até a mais complexa — “tanto no menor ratinho quanto no colosso do elefante, tanto no menor musgo quanto na maior palmeira” — sempre um mesmo princípio. Em termos filosóficos, as consequências dessa concepção são enormes, pois, como em Shaftesbury, esse universo pode dispensar um criador exterior a si, e uma finalidade e um sentido impostos, de fora, por esse criador. Assim como ocorre na forma par- ticular, o universo tem sua finalidade e seu sentido em si. Forma e finalidade são uma mesma coisa, a finalidade está na forma/função, e a forma é o que cria, na sua imanência, o fim e o sentido. Mas esse fim e esse sentido, embora imanentes ao universo, são ainda fim e sentidos que diríamos “em aberto”, fim e sentidos a serem determinados, porque o universo também está sujeito à transformação. É o que precisa ser explicado.

Porque a natureza não tem começo nem fim, é contraditório falar de um “sistema natural”: “A natureza não tem um sistema, ela é vida e sequência que vai de um centro desconhecido a um limite não conhecível. Por isso, a observação da natureza é infinita [endlos], quer se proceda por divisão no mais singular, quer se persigam os seus traços no todo, em todas as direções”.[27]

Goethe retoma aqui a lição da dialética transcendental kantiana: para a razão humana é igualmente impossível afirmar tanto que o universo tem um começo ou um fim, quanto que ele não os tem. Ela tampouco pode afirmar ou negar que uma coisa particular pode ser dividida ao infinito. O mundo não tem um término, mas tem limites, no sentido kantiano de limites da experiência. Esses limites recuam conforme a experiência avança, mas jamais se chega a alguma coisa que se poderia dizer ser um marco final. A ciência só pretende deter- minar exatamente onde começa e termina o universo, se desconhece que, ao fazê-lo, está na verdade fixando, como linha derradeira, apenas os limites do saber, não o termo do universo. A pretensão científica de fixar um marco inicial ou um ponto final se confunde com as preocupações teológicas a respeito do início e do fim do mundo.

Livre de suas determinações metafísicas, a noção de limite é fundamental para precisar a própria ideia de formação e de metamorfose. Admirador dos gregos, Goethe antevê os perigos de uma total ausência de delimitação que representaria uma formação  infinita, quando adverte que, embora ela seja “uma dádiva do céu altamente digna de respeito” (höchst ehrwurdig), é “ao mesmo tempo uma dádiva altamente perigosa”: ela pode levar ao indeterminado, ao informe, ao sem-forma (ins Formlose). A formação é como uma vis centrifuga que se perderia no infinito, se não houvesse uma força contrária, uma vis centrípeta, que detivesse a sua infinita expansão. Goethe opõe então ao “impulso de formação” (Bildungstrieb, nisus formativus)[28] um “impulso de especificação” (Spezifikationstrieb).[29]

Se permanecesse idêntica a si mesma, homogênea em todas as suas criações, a formação seria uniforme, uma uniformização, uma tediosa produção infinita do mesmo. Há, para Goethe, uma “força” que retém o movimento de formação, fazendo-o desviar em várias direções, o que explica o surgimento de novas espécies.[30] Mas tampouco essa força de especificação surge do nada. Ela é uma força intrínseca ao universo, e dele tem de ser deduzida de maneira imanente. Seu papel é vital: é ela que detém o crescimento desmesurado dos órgãos, evitando o informe, a degeneração, o fenecimento.

Como atualidade, o organismo tem de ter um limite. É nesse aspecto, principalmente, que Goethe pode ser chamado de “clássico”. Ele é clássico neste sentido, de que renova o enaltecimento grego da forma, isto é, do limite (peras), e de que condena o ilimitado, o sem-forma, o disforme (ápeiron). O organismo tem de ter uma forma, uma dimensão, uma medida (megethos) para sua força e expansão.

Conforme o ensinamento de Aristóteles, essa definição vale para “o belo” (to kalon), que — “ser vivente ou o que quer que se componha de partes” — “não só deve ter essas partes ordenadas, mas também uma grandeza [megethos] que não seja qualquer”.[31] Assim, por exemplo, pela célebre definição aristotélica, a tragédia deve ser “imitação de uma ação completa, constituindo um todo que tem certa grandeza […]”.[32]

Com isso se chega aos dois princípios — formação e especificação, expansão e contração — que regem a harmonia, que ditam o próprio ritmo do mundo. A natureza é um organismo que incessantemente se dilata e contrai, é uma sístole e uma diástole de um espírito do mundo (Weltgeist), que obviamente não se encontra em parte alguma, mas apenas na conformação geral do todo.[33] Nesse sistema “inacabado”, a expansão de cada uma das espécies é contida pela disposição das outras espécies. Ora, que tipo de consequência se pode tirar desse jogo das formas?

Mesmo sendo um universo em miniatura, nenhuma forma particular contém em si todo o universo. Aliás, ela é simbólica justamente porque, embora particular, contém em si um universal, e não apenas remete ou faz referência a um universal. Cada forma é uma particularização do tipo, do protótipo ou arquétipo, da forma ou Ideia. Isso não implica recaída no platonismo. Um ser vivo comporta partes em harmonia, mas essas partes não são elementos, e sim funções. Caso se queira imaginar a planta ou o animal prototípico goethiano, um esquema geral deles (que não se encontra inteiramente em nenhum organismo singular, nem mesmo no homem), é preciso ter presente que eles existem como conjunto de órgãos ou funções. Cada espécie vegetal ou animal teria, ao menos em princípio, de possuir os mesmos órgãos que os outros, mas distribuídos de maneira própria a cada um deles. Essa distribuição também se verificará quando se estabelecerem comparações não apenas entre espécies próximas, mas também entre espécies distantes e até mesmo entre reinos diferentes, se o observador for capaz de atentar não apenas para a figura exterior, mas para aquilo que permanece na metamorfose, isto é, a função. Eis um exemplo de comparação entre reino vegetal e animal:

A planta vai de nó em nó e termina na flor e na semente. No reino animal não é diferente. A lagarta, o verme, vai de nó em nó e forma, por fim, uma cabeça; nos animais superiores e nos homens, são as vértebras que se adaptam e encaixam umas às outras, e terminam na cabeça, na qual as forças se concentram.

Aquilo que ocorre nos indivíduos isolados, também ocorre em grandes corporações. As abelhas são também uma série de particularidades que se vinculam e, como um todo, produzem algo, algo que também serve de fecho e deve ser visto como a cabeça do todo, isto é, a abelha-mestra (rainha) [que Goethe chama de “abelha-rei”, Bienen-König]. Como isso acontece, é misterioso, difícil de dizer, mas posso afirmar que tenho minhas ideias a esse possível.[34]

Seria possível tentar fazer diversas outras comparações, como, por exemplo, entre os crustáceos e o calcário (os crustáceos são calcário organizado) ou entre asas de insetos e corantes de plantas.[35] Em todas as aproximações lícitas, e não apenas “engenhosas” (witzig) — como algumas da filosofia da natureza dos românticos —,[36] o fundamento da comparação é dado pela função. Pode-se, até mesmo, passar de um reino a outro, caso se detecte que, numa planta, determinado órgão tem de executar a mesma tarefa que certo órgão num indivíduo absolutamente distinto, um animal por exemplo. De um ponto de vista historiográfico, é verdade que não há muita inovação aqui: mais uma vez é a Aristóteles que cabe o primado da descoberta, porque foi ele quem primeiro estabeleceu comparações entre os diferentes reinos mediante a função (ergon). Para ele, a planta é, por exemplo, um animal que está de ponta-cabeça, pois sua boca se encontra nas raízes.[37]

A novidade com relação ao estagirita está na explicação do dispositivo que torna possível a comparação. A natureza reparte as funções entre todas as espécies, mas ao despender sua “energia” nalgum membro, ela é obrigada a economizá-lo em outro. O impulso de formação é retido em seu movimento nalguma função privilegiada em cada espécie e, por isso, ele é ao mesmo tempo impulso de especificação. Por mais que esbanje capital num ramo de uma de suas criaturas, no balanço geral a natureza jamais “se endivida ou abre falência”.[38] Mostrando a um  visitante  uma  pequena  serpente viva que cultivava em seu jardim, Goethe lhe observa: “Veja que olhos esplendidamente inteligentes!”. Ora, continua ele, apesar da cabeça bem dotada, a natureza ficou lhe devendo braços e pernas. Não que a natureza tenha se enganado. É que, no momento em que criou aquele organismo, era vital para ele (e a perfeição sempre está na vida) que o seu desenvolvimento se desse assim. Muito embora possa causar certo desequilíbrio momentâneo, o ímpeto de formar e de se especificar num órgão novo é sempre saudável. Um forte dispêndio de energia é compensado por uma contenção igualmente grande noutra parte do mesmo organismo,[39] e, se a finalidade nunca vem sem forma, a compensação jamais deixa de seguir um padrão estético aceitável.

Tampouco na economia geral da natureza há aberração. O que existe é, ao contrário, observância da mesma lei de compensação para a distribuição desigual das capacidades. Uma das primeiras formulações de Goethe a esse respeito é a seguinte:

As partes do animal, a figura que essas partes compõem entre si, sua relação, suas características particulares determinam as necessidades vitais dessa criatura. Daí o modo de vida decidido, mas limitado, dos gêneros e espécies animais […]

Se conhecermos e considerarmos exatamente essas partes, descobriremos que a diversidade da figura surge de que é concedida a esta ou àquela parte uma preponderância sobre as outras.

Assim, por exemplo, pescoço e extremidades são favorecidos às custas do corpo na girafa, ao passo que na toupeira é o inverso que ocorre.

Nesse modo de apreciação, logo surge diante de nós a lei: a nenhuma parte pode ser acrescentado algo sem que, em contrapartida, algo seja retirado de uma outra, e inversamente.[40]

Essa lei é uma espécie de fórmula condensada da concepção goethiana da natureza (mas não só da natureza). A especificação, a limitação de um organismo não é pensada apenas no âmbito desse organismo, mas como tendo uma relação complementar com uma ou com outras partes do todo. A articulação entre essas perdas e ganhos não é, de maneira alguma, aleatória, e o encaixe funciona, porque há uma determinação recíproca constante entre partes e todo. Nenhuma forma exprime exatamente a ideia prototípica, mas todas elas são fenômenos simbólicos, justamente e paradoxalmente porque completos e complementares, de um único arquétipo (Urtyp) ou de um arquifenômeno (Urphänomen).

Mitologia

As criações mitológicas têm de ser consideradas como uma linguagem da fantasia…

Karl-Philipp Moritz, Götterlehre oder mythologische Dichtungen der Alten

Cada limitação surge em articulação com o todo: essa lei também é expressa de maneira muito interessante na exposição que Karl-Phillip  Moritz  faz  dos  deuses  da  mitologia  grega, exposição imediatamente aprovada e aproveitada às vezes quase literalmente por Schelling na sua Filosofia da arte. Numa proposição do parágrafo 30 dessa obra, lê-se a seguinte lei: “Pura limitação, de um lado, e absolutez indivisa, de outro, é a lei determinante de todas as figuras divinas”. Essa lei, logo se vê, é outra formulação do princípio goethiano. Na nota explicativa à proposição, diz-se o seguinte:

O segredo do encanto [das figuras divinas] e de sua aptidão para serem expostas artisticamente reside propriamente apenas nisto: antes de mais nada, são rigorosamente delimitadas e, portanto, qualidades que se restringem reciprocamente, excluem-se e estão absolutamente sep- aradas numa mesma deidade, e, não obstante, no interior dessa limita- ção cada forma recebe a divindade inteira […] Eis, pois, alguns exem- plos da proposição segundo a qual pura limitação, de um lado, e absolutez indivisa, de outro, é a essência das figuras divinas. Minerva [na época costumava-se usar os nomes romanos dos deuses] é o protótipo de sabedoria e força unificadas, mas se lhe subtraiu a ternura feminina; essas qualidades unificadas reduziriam essa figura ao desinteresse e, portanto, em maior ou menor medida, à nulidade. Juno é poder, sem sabedoria e sem graça suave, que ela recebe com o cinto de Vênus. Se, ao contrário, fosse ao mesmo tempo concedida a esta a fria sabedoria de Minerva, sem dúvida seus efeitos não teriam sido tão ruinosos quanto foram os da Guerra de Tróia, a que ela dá ensejo para satisfazer o desejo de seu favorito. Mas então também não mais seria a deusa do amor e, por isso, objeto da fantasia, para a qual o que há de mais alto é o universal e o Absoluto no particular — na limitação.

Observando a questão por esse lado, pode-se portanto afirmar, com Moritz, que os traços que, por assim dizer, faltam nas manifestações das figuras divinas são precisamente aquilo que lhes dá o supremo encanto e novamente as entrelaça umas às outras.[41]

A graça de uma forma vem junto com certa ausência. Ou, reciprocamente, o que falta a um deus ou deusa é precisamente o que dá beleza, e também possibilidade de se armar um tecido coeso entre as diferentes figuras mitológicas. Um pouco mais adiante no texto, depois de dizer que “afastar inteiramente toda limitação é completa negação de toda forma”, Schelling indica que as limitações dos deuses são o que “provisoriamente” se poderia chamar de “diferentes espécies de beleza”, e a palavra Arten aqui não tem sentido diferente do que quando se fala de espécies na natureza. Mas o que acontece com aquelas conhecidas figuras mitológicas que não são apenas limitadas, mas defeituosas e disformes, como é o caso de Vulcano, de Pã, de Sileno, dos faunos, dos sátiros etc. Schelling responde dando como exemplo Vulcano (Hefesto):

No tocante à figura de Vulcano, ela nos mostra a grande identidade entre as formações [Bildungen] da fantasia [Phantasie] e a natureza orgânica criadora. Aqui a fantasia teve de subtrair aos pés coxos de Hefesto aquilo que lhe deu aos braços poderosos, assim como a natureza se vê constrangida, pelo maior aprimoramento [Ausbildung] de um órgão ou impulso [Organ oder Trieb] num gênero [Gattung] de suas criaturas, a tolhê-lo num outro.[42] 

Seguindo rigorosamente o texto da Mitologia de Moritz, Schelling afirma que a formação dos deuses (Götterbildung) é produto da fantasia ou da imaginação (Einbildungskraft = poder-da-formação-em-um). Mas a lei que a fantasia segue para constituir o universo mitológico é a mesma que a “natureza orgânica criadora” obedece em seus produtos. Fica claro então que os princípios de formação e especificação não se restringem ao mundo natural, mas têm continuidade no mundo mitológico e, por meio deste, no chamado processo civilizador, no mundo da história e da cultura.[43] Em outras palavras: eles possibilitarão que se pense a passagem — não certamente livre de traumas — do mundo real ao mundo ideal, da natureza à história.

Num pequeno texto intitulado Metamorfoses poéticas, Goethe aponta que o laço de união entre natureza e mitologia pode ser dado de duas maneiras, pela sensibilidade ou pela fantasia:

A fantasia está muito mais próxima da natureza do que a sensibilidade: esta está na natureza, aquela paira [schwebt] acima dela. A fantasia não fica aquém da natureza, a sensibilidade é por ela dominada.

Nós sempre vemos uma sensibilidade precocemente viva, aplicada, se elevando até a fantasia. Tão logo ela se torna produtiva, ela antropomorfiza. Penhascos e rios são habitados por semideuses, deuses inferiores terminam em animais: Pã, Fauno, Tritões. Deuses assumem figura de animal a fim de realizar seus propósitos. Que fábulas são as mais antigas dessa espécie?

Em Ovídio, a analogia entre os membros dos animais e dos humanos é expressa em sua transição de maneira admirável [trefflich: literalmente, “certeira”]. Em Dante, há uma passagem digna de grande atenção.[44]

O tom reprovador da primeira parte do texto fica por conta de um expediente que Goethe considera indispensável: assim como as faculdades intelectuais estão naturalmente sujeitas a ilusões — o que justifica plenamente a crítica da razão pura de Kant —, assim também seria preciso fazer uma “crítica da sensibilidade”. A metamorfose poética não é de todo convincente, se a sensibilidade, precocemente avivada, se precipita e antropomorfiza de modo indevido. Mas é de supor que, se for realizada mediante a fantasia (como também afirmavam Moritz e Schelling), a transição, passagem de um reino a outro, pode ser feita de maneira justa, como em Ovídio e em Dante.

Nas Metamorfoses, de Ovídio, as mutações são recebidas com admiração, porque se observa a analogia entre as funções dos animais e dos seres humanos. Mas também a breve menção ao poeta florentino dá uma pista importantíssima para entender um aspecto fundamental de como funcionaria a imaginação poética em Goethe.

Conforme indicam os comentadores, a passagem “digna de grande atenção” da Divina Comédia é o Canto XXV do “Inferno”, que descreve a transformação das almas dos peculatários florentinos em serpentes, e das serpentes em almas. Ora, por que haveria ali um caso de genuína metamorfose (culminando em seres fantásticos) e não mera antropomorfização? Uma das Máximas e reflexões será  cristalina quanto a isso: o que se evidencia na transmutação recíproca de sombras humanas e serpentes é que essas metamorfoses “no sentido elevado” obedecem rigorosamente à lei das “perdas e ganhos” (Gewinnen   und   Verlieren),  do “dar-e-receber” (Nehmen und Geben), princípio, portanto, que parece também ter sido intuído por Dante, que o emprega “de maneira certeira, admirável” (trefflich).[45]

Embora não se trate aqui de analisar as obras literárias, talvez seja útil assinalar em que essas indicações podem levar a uma melhor compreensão da fantasia poética de Goethe — esse “gênio das transformações” ou “da metamorfose”, como bem assinalou Paul Valéry.[46] Um exemplo de transição entre os reinos é o homúnculo criado artificialmente em laboratório por Wagner.[47] Para chegar de fato à condição de homem, ele deve ser devolvido, em ritual, ao mar. Isto é, terá de passar por todos os reinos até chegar ao ser humano. Notáveis, porém, são as transformações de Mefistófeles, figura verdadeiramente “polimórfica” (Vielgestalt), como assinalou um  estudioso.[48]  Ele  é  estudante  andarilho,  conselheiro,  bufão  na corte do rei etc. No segundo Fausto, perdido no mundo grego, encontra as Graias. Vendo o estrangeiro em apuros, as três filhas de Fórcis lhe dizem em coro: “Lá na tua terra, bem que és esperto,/ Em terra estranha, logo és descoberto” [In deinem Lande sei einhei-misch klug,/ Im fremden bist du nicht gewandt genug].[49]

Totalmente desamparado, Mefistófeles pede a elas que o deixem mimetizar as suas horríveis feições, inigualáveis em feiura e jamais cantadas em verso por poeta algum. Só com essa transformação ele pode ludibriar Helena, que retorna de Tróia ao palácio de Menelau.

Noutra cena do primeiro Fausto, no episódio da Taverna de

Auerbach em  Leipzig,   um   dos  frequentadores   do  local, Siebel,“olhando Mefistófeles de lado”, diz: “Esse gajo claudica. Há defeito no pé…” [Was hinkt der Kerl auf einem Fuß? ].[50]

Esse pé pode ser um pé de bode ou um “pé equino encarquilhado”,[51] mas também talvez haja assimilação, pelo diabo, de uma característica de Hefesto, o deus coxo, mas habilíssimo com as mãos, senhor do fogo e mestre das artes. Como quer que seja, o interessante na passagem é como Siebel suspeita da presença do diabo. Sua fala funciona como contraponto à observação que Mefistófeles faz a Fausto, depois que eles saúdam e são saudados pelos companheiros de taverna. Como é a primeira vez que saem juntos, Mefistófeles procura amenizar a desconfiança que pode pairar sobre eles, mas suas palavras revelam arrogância: “Nunca pressente o Diabo o Zé-povinho,/ Nem mesmo quando o tem suspenso ao colarinho…” [Den Teufel spurt das Völkchen nie,/ Und wenn er sie beim Kragen hätte].[52]

A justaposição e o contraste entre as perspectivas são fundamentais: Mefistófeles zomba da compreensão estreita da gente simples, mas Siebel fareja algo diferente no andar de um dos forasteiros. Esse contraste entre os pontos de vista ocorre também noutra passagem, que se deve comentar mais detidamente: o episódio do domingo de Páscoa em que Fausto sai para passear com Wagner. No caminho de volta para casa, Fausto indica ao fâmulo um cão Pudel a remexer em sobras de sementes. O diálogo que entabulam a respeito do animal deixa ver, novamente, a oposição (mas também a complementaridade) entre dois modos de apreensão, que, embora um tanto filosoficamente, mas sem fugir de modo algum à letra e ao espírito de indicações de Goethe, poderiam ser identificados como o ponto de vista fixo ou estático do entendimento e o ponto de vista dinâmico ou genético da imaginação e da razão.[53] Observando exatamente os mesmos movimentos, Wagner, que se atém à figura, à Gestalt, do cão, vê nele, inocentemente, um cachorro que abana o rabo e procura o dono, enquanto Fausto, seguindo os movimentos do suposto Pudel na sua forma em mutação, vê o cão preto passar de caracol (ou lesma) a serpente, e um torvelinho de fogo a seguir- lhe o rastro. Tudo isso vai sendo indicado sem que se faça uso direto de comparações ou alusões, mas pela mera descrição dos movimentos do animal,[54] numa rapidez vertiginosa que, evitando decupar as imagens quadro a quadro, funde-as numa coisa só. Já no gabinete de Fausto, na cena seguinte, o animalzinho adotado começa a aparentar um hipopótamo (Nilpferd: literalmente, cavalo do Nilo), “de olhos de fogo e terrível dentadura” (versos 1254-1255). Apelando a fórmulas magistrais, Fausto  percebe  que  nenhum  dos  quatro elementos “está dentro do animal”,[55] que parece tranquilo e “ri mostrando os dentes” (grinst). Entretanto, quando seu novo dono lhe apresenta uma cruz, ele fica de pelos eriçados e começa a inchar, até chegar ao tamanho de um elefante que ocupa todo o espaço e depois se transforma numa névoa. Da névoa aparece Mefistófeles, na pele de um estudante andarilho (fahrender Scholast, versos 1256-1324). Através dessas transformações, os dois episódios narram por assim dizer a “história natural” do personagem, sua ligação com as forças mais remotas do mundo, forças que poderiam ser ditas talvez mais elementares até que os quatro elementos.

Conclusão

Se conheço a proporção em que me encontro comigo e com o mundo externo, a isso eu chamo de verdade. E assim cada um pode ter sua própria verdade, e no entanto ela é sempre a mesma.

Goethe, Máximas e reflexões,

1060 (198)

Aquele que mergulhar bem seria- mente em si mesmo encontrar-se-á sempre apenas como metade; é indiferente se depois despose uma jovem ou um mundo para se constituir num todo.

Ibidem, 1240 (935)

Quando se passa do mundo mineral para o vegetal, do vegetal para o animal, e destes para o universo artístico ou literário, o que ocorre é metamorfose. Isso permite pensar que cada domínio seja ao mesmo tempo ligado aos demais sem perder sua delimitação e autonomia. É assim que o processo artístico já não é concebido como mimese pura e simples, mas como transmutação, “imitação formante”, na expressão de Moritz aprovada por Goethe.[56] Vê-se como isso ocorre mediante o símbolo e a alegoria:

A alegoria transforma [verwandelt = muda, transmuda, modifica, converte] o fenômeno num conceito, o conceito numa imagem, de modo que o conceito sempre permanece ainda limitado na imagem, e pode ser retido, possuído, expressado inteiramente nela.[57]

A simbólica transforma [verwandelt] o fenômeno na ideia, a ideia numa imagem, de tal modo que a ideia sempre permaneça infinita- mente ativa e inatingível na imagem e de tal modo que, mesmo se expressada em todas as línguas, ela permaneça, apesar disso, inexprimível.[58]

A oposição que esses textos estabelecem entre símbolo e alegoria, é quase sempre entendida, veem aí também como oposição entre artes plásticas e linguagem, como se aquelas fossem capazes de chegar à “verdadeira simbólica […] como revelação vital-instantânea do insondável”,[59] e a linguagem, a linguagem literária, pudesse alcançar no máximo a vida perecível do alegórico. Essa impressão se reforça quando se lembra que “artes plásticas” em alemão se diz bildende Kunste, e imagem Bild. Mas se é correto aquilo que se mostrou até aqui (principalmente no que diz respeito à linguagem), é lícito pensar que a alegoria só pode ser entendida como transformação que redunda numa forma estabilizada (como a Gestalt), enquanto o símbolo tem de ser entendido como uma metamorfose em que se percebe ainda a pulsação vital da Ideia. É necessário, portanto, que símbolo e alegoria estejam presentes tanto nas artes plásticas quanto na língua e na literatura, caso contrário corre-se o risco de transformar as artes plásticas em discurso, ou a literatura em imagem. E é justamente contra isso que Goethe nos adverte na seguinte Máxima:

Palavra e imagem são correlatos, que sempre se buscam, como percebemos suficientemente nos tropos e nas alegorias. Assim, desde sempre, aquilo que se dizia ou se cantava ouvido adentro devia igualmente ir ao encontro do olho. E assim, nos tempos de criança, vemos no código de leis e no caminho para a salvação, na Bíblia e na cartilha, palavra e imagem se balanceando sem cessar uma à outra [sich immefort balancieren]. Quando se proferia aquilo que não se deixava figurar, quando se figurava aquilo que não se deixava proferir, isso era bem correto; mas a gente muito frequentemente se enganava e dizia, em vez de figurar, e daí surgiam monstros [Ungeheuer] simbólico-místicos duplamente maus.[60]

Palavra e imagem, literatura e artes plásticas são ao mesmo tempo independentes e complementares. São absolutas e autônomas, mas, sem prejuízo de sua autonomia, também estão numa relação de complementaridade. Aquilo que falta a uma, signo da força de sua limitação, aponta para o que a complementa na outra, e vice-versa. Pensadas exatamente sob a mesma lei que rege o universo, literatura e artes plásticas estabelecem entre si uma relação simbólica, no sentido goethiano e também no sentido tradicional da palavra (duas metades repartidas que significam a relação de amizade entre um hóspede e sua visita).

A máxima que se acaba de citar é importantíssima, porque explica que deve haver um balanço, um “balanceamento” (balancieren) entre as artes. Já se insistiu bastante que essa regra vale também para os homens e para todas as coisas em geral. Quando uma ocupa o lugar da outra, surgem monstros, aberrações. É uma verdadeira impiedade, porque esta é uma lei que deve ser respeitada mesmo pelos deuses. Aplicada aos organismos, essa lei também foi formulada por Goethe da seguinte maneira:

A expansão de uma parte é causa de que outra parte seja suprimida.

Essa lei está fundada na necessidade, à qual toda criatura está submetida, de que não pode fugir de sua medida. Uma  parte não pode, por isso, aumentar, sem que uma outra  diminua; uma parte não pode atingir totalmente a  dominação sem que a outra seja totalmente suprimida.[61]

A dominação completa representaria a supressão total. A mesmaregra aparece, de forma enigmática, como epígrafe da última parte de Poesia e verdade. A epígrafe, em latim, diz: “Nemo contra deum nisi deus ipse”. Ela poderia ser vertida assim: “Ninguém pode contra um deus, a não ser um deus mesmo”. Como Goethe era muito cuidadoso no que diz respeito a questões religiosas, a explicação dessa epígrafe só ocorre em conversas reservadas com Riemer. Numa delas, ele diz:

Um deus só pode ser de novo balanceado [balanciert] por um deus. A força não deve limitar-se [einschränken] a si mesma, isso é absurdo. Ela só é limitada por uma nova força. Esse ser que se especificou [dieses spezifizierte Wesen] não pode limitar-se a si mesmo, mas o todo, que se especifica, se limita justamente por isso, mas não o indivíduo.[62]

Noutra conversa, que se passa à noite, depois do jantar, vem à baila o mote Nihil contra Deum, nisi Deus ipse. Goethe desta vez a glosa assim:

Ditado magnífico, de aplicação infinita. Deus encontra sempre consigo mesmo; deus, no homem, se encontra de novo consigo em outro homem. Por isso, ninguém tem razão para se julgar inferior aos grandes […] O mundo foi ordenado de modo tão divino, que cada qual em sua posição, em seu lugar, em sua época, é um contrapeso [gleichwägt] (um balanço [balanciert]) a todo o resto.[63]

A natureza, os homens, os deuses: todos estão sujeitos à mesma lei. Ninguém é tão forte para ter todo o poder em suas mãos; ninguém tão fraco para não poder derrubar a tirania. Os deuses ou até mesmo um mortal podem se contrapor à pretensão da dominação total.

Mas a compensação das forças também vale do ponto da antropologia e da psicologia individual, e com isso se pode voltar a Herder e ao jovem Goethe. Já ali se encontrava a ideia de que o homem não deve se desenvolver unilateralmente, mas esperar o crescimento balanceado de suas forças. Não pode haver precipitação, pois um órgão precocemente avivado é fonte de desequilíbrio. É preciso saber esperar a semente desabrochar. A desconfiança de Goethe em relação à filosofia é explícita. Ele desconfia sobretudo do “conhece-te a ti mesmo” socrático. “O homem”, diz Goethe, “só conhece a si mesmo à medida que conhece o mundo, mundo que ele só percebe em si, e só percebe a si mesmo no mundo. Cada novo objeto, bem considerado, descerra um novo órgão em nós.”[64]

Mas há também uma boa filosofia, a começar por Aristóteles, Shaftesbury e também Kant. Essa filosofia sabe claramente que é preciso “aprimorar [ausbilden] todas as manifestações do ser humano, sensibilidade e razão, imaginação e entendimento, levando-as até uma unidade decisiva”.[65] A conformação das partes no indivíduo deve obedecer aos mesmos princípios que a formação de qualquer organismo ou obra de arte. O ser humano é algo mais que meros órgãos surgindo e se agregando aleatoriamente sem nenhuma ordem. Ao contrário, como já ensinava a filosofia de Aristóteles, os sentidos e as funções, que Goethe também chama de “manifestações”, devem compor um todo orgânico reunido sob uma égide comum. Haveria também outra designação para esse ápice das disposições da alma, correspondente exato da alma cósmica: a fantasia.

A criança-filósofo de Herder, que sabe calcular e raciocinar, ou o homem dotado para as “chamadas ciências exatas”, como descreve Goethe, talvez não se deem conta de que a compreensão do mundo exige um cálculo bem mais difícil de realizar, e um cálculo exato num sentido bem mais difícil de precisar.[66] Um “cálculo simbólico” muito peculiar, já sugeria Valéry, falando de Goethe.[67] Um cálculo que lembra bastante a “álgebra mágica” de Guimarães Rosa — essa paradoxal arte de calcular, “indeterminada e, portanto, mais exata”.[68] Muito próximo disso, Goethe diz que esse cálculo só é possível de ser realizado mediante fantasia. Mais precisamente ainda:

mediante o que ele denomina uma “fantasia sensível exata” (sinnliche exakte Phantasie), sem a qual, aliás, nenhuma arte é possível.[69]

Na equação que só a fantasia pode solucionar, há duas “incógnitas” a se considerar: algo desconhecido que segue uma lei no objeto e algo desconhecido que segue a mesma lei no sujeito.[70] Ou também expresso em outra formulação:

Na natureza há algo, que o homem tem, e ainda um incomensurável, um x, que ele não tem; o homem tem tudo o que a natureza tem, e ainda um incomensurável [completando: um x], que ela não tem.[71]

Há um incomensurável  em  nós  e  no  mundo,  entre  nós  e o mundo. A conta não fecha, como se diz hoje em dia. Como encontrar a solução? De novo com a palavra, Goethe:

Tudo que está no sujeito, está no objeto, e ainda algo mais. Tudo o que está no objeto, está no sujeito e ainda um pouco mais.

Estamos duplamente perdidos ou salvos:

Se concedemos ao objeto esse seu algo mais,

é isso que também exigimos para o nosso sujeito.[72]

Foi assim que o poeta pensou o mundo. O poeta, o homem, está numa relação simbólica com o mundo. Um é complemento, símbolo, do outro.

Notas

[1] Sobre o caráter enigmático e obscuro da poesia moderna, é sempre útil con- sultar o trabalho de Hugo Friedrich, Estrutura da Lírica Moderna: da metade do século XIX a meados do século XX (trad. Marise M. Curioni, 2a ed., São Paulo, Livraria Duas Cidades, 1991).

[2] “Para conhecer a natureza, o ser humano teria de ser a natureza ela mesma” (Conversa com Riemer, 2 de agosto de 1807, em Goethe im Gespräch, seleção de Ernst Grumach, Frankfurt am Main, Fischer, 1960, p. 9).

[3] Conversa com Eckermann, 26 de janeiro de 1826, em Goethe im Gespräch, cit.

[4] Conforme o dicionário Grimm, a primeira ocorrência da palavra é a da Crítica do juízo, A 92-93, de Kant. Weltanschauung (visão-de-mundo, mundividência, cos- movisão) é intuição do todo, da totalidade, negada por Kant, mas logo a seguir afir- mada por Schelling (Werke I, 3, 182).

[5] J. G. Herder, Também uma filosofia da história para a formação da humani- dade, tradução, posfácio e notas de José M. Justo, Lisboa, Antígona, 1995, p.  67.

[6] Ibidem, p. 70.

[7] Idem.

[8] Ibidem, posfácio do tradutor, p. 158.

[9] Shaftesbury, The Moralists em Characteristicks of Men, Manners, Opinions, Times, Hildesheim, George Olms, 1978, vol. II, p. 406.

[10] Ibidem.

[11] Ibidem, pp. 407-8.

[12] Ibidem, p. 407.

[13] O autor se vale aqui de alguns dos aspectos analisados por Pedro Paulo Pimenta em sua tese de doutorado A “linguagem das formas”: ensaio sobre o estatuto do belo na filosofia de Shaftesbury (São Paulo, FFLCH-USP, 2002).

[14] Uma explicação terminológica poderá ajudar o leitor a acompanhar os caminhos percorridos pela noção de forma, da Inglaterrra até a Alemanha. Na tradução para o alemão das obras de Shaftesbury, a cargo do poeta Hölty e de Johann Lorenz Benzler (publicada em Leipzig, entre 1776 e 1779), a expressão forming forms é tra- duzida por bildende Form (forma formadora/formante/formativa) e inward form por innere Form (forma interna). A tradução reforça ainda a ideia de forma ativa, ao verter a palavra form sozinha por Form und Bildung. Design aparece ora como Absicht (intenção), ora como Plan (plano), ora como Entwurf (esboço, projeto). Textos reproduzidos em: Shaftesbury, Der gesellige Enthusiast: Philosophische Essays, Munique/Leipzig/Weimar, Beck-Kiepenheur, 1990, pp. 185 ss.

[15] Betrachtung uber Morphologie, em Goethes Werke, Munique, Beck, 1981, vol. XIII, p. 127.

[16] Fausto, I, 6287: “Gestaltung, Umgestaltung,/ Des ewigen Sinnes ewige Unterhaltung”.

[17] Betrachtung uber Morphologie, cit., p. 124.

[18] Die Absicht eingeleitet em Goethes Werke, cit., vol. XIII, p. 55.

[19] Conversa com Eckermann, 1º de outubro de 1828. Cf. a carta a Zelter de 23/29 de março de 1827 e, nas Máximas e reflexões, a de número 550 (578). Em: Goethes Werke, vol. XII, p. 440. (As Máximas e reflexões serão indicadas pela abreviação M.u.R. O número imediatamente após a abreviatura refere-se à ordenação temática das Máximas nessa edição; o número entre parênteses, à tentativa de ordenação cronológica de parte delas a partir dos manuscritos, feita por Max Hecker.)

[20] Por sua complexidade, a questão merece ser discutida mais detidamente em outro lugar.

[21] M.u.R. 45 (1367) e 44 (1365), ed. cit., p. 371. As frases são encontradas também nos escritos biológicos. Na edição Artemis das Sämtliche Werke,  vol.  XII  (Munique,  1977), pp. 714 e 759.

[22] Carta a J. A. Meyer, 8 de fevereiro de 1796,  citada por Maria Filomena Molder, O pensamento morfológico de Goethe, Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1995, p. 241. O trabalho da filóloga portuguesa é uma excelente apresentação da concepção morfológica de Goethe em geral. Sobre a importância da vida nela mesma, recorde-se também a famosa Máxima 227 (391): “O que de mais alto recebemos de Deus e da natureza é a vida, o movimento rotatório da mônada em torno de si mesma, que não conhece nem descanso nem repouso: o impulso de alimentar e cultivar a vida é indestrutivelmente dado a cada um ao nascer, mas a peculiaridade dele permanece, a nós e aos outros, um mistério” (ed. cit., p. 396).

[23] De anima, 415a27-415b1.

[24] Goethe, Gesetze der Pflanzenbildung, citado por Maria Filomena Molder, O pensamento morfológico de Goethe, cit., p. 232.

[25] “Proteisches Organ”, diz Goethe (Sämtliche Werke, cit., vol. XII, p. 214).

[26] Betrachtung uber Morphologie, cit., p. 121.

[27] Probleme, em Goethes Werke, cit., vol. XIII, p. 35.

[28] Bildungstrieb, em Goethes Werke, cit., vol. XIII, p. 33.

[29] Probleme, cit., p. 35.

[30] Kant também irá se valer de uma noção semelhante, a “lei de especificação da natureza”, mediante a qual os diversos princípios empíricos são organizados num sistema ordenado, não pelo entendimento teórico “determinante”, mas pela faculda- de de julgar “reflexionante”. Introdução à Crítica do juízo, A XXXV, B XXXVII.

[31] Poética, 1450b34. Tradução de Eudoro de Souza, São Paulo, Abril, 1973, p. 449.

[32] Ibidem, 1450b24. Trad. cit., p. 449. Pode-se, com isso, estabelecer uma escala natural que ajuda na compreensão das obras literárias.

[33] Conversa com Riemer, 17 de maio de 1808, em Goethe im Gespräch, p. 13. Sobre a unidade que é uma duplicidade, e a duplicidade que é uma unidade, sobre  a sístole e diástole, a synkrisis e diakrisis da natureza, veja-se o aforismo 739 da Doutrina das cores em Goethes Werke, cit., vol. XIII, p. 488.

[34] Conversa com Eckermann, 13 de fevereiro de 1829, em Goethe im Gespräch, cit., p. 12.

[35] Conversa com Riemer, novembro de 1806, em Goethe im Gespräch, cit., p. 11.

[36] Ibidem.

[37] De anima, 412a1 ss.

[38] “[…] und so kann die Natur sich niemals verschulden, oder wohl gar bankrutt werden” (Primeiro esboço de uma introdução geral à anatomia comparada, em Goethes Werke, cit., vol. XIII, p. 176.

[39] Conversa com Riemer, 2 de dezembro de 1806, em Goethe im Gespräch, cit., p. 17. Sobre a serpente, cf. também o Primeiro esboço de uma introdução geral à anatomia comparada, cit., p. 177.

[40] Primeiro esboço de uma introdução geral à anatomia comparada, cit., pp. 175-6.

[41] Schelling, Filosofia da arte, V, 392-393. Tradução brasileira: São Paulo, Edusp, 2001, pp. 55-6.

[42] Ibidem, V, 398. Trad. cit., p. 61.

[43] (43)    Não seria exagerado dizer que a “tateante” intuição de Goethe-Moritz-Schelling de que a “falha” é necessária para a configuração mitológica e, portanto, para a passagem à cultura, recebe uma espécie de confirmação e precisão por parte de Lévi-Strauss. Como lembra sempre admiravelmente Bento Prado Jr., em O cru e o cozido “o antropólogo francês mostra o caráter positivo da carência, da falta e do defeito, na representação mitológica da passagem da natureza à cultura. Se esta passagem é a passagem do contínuo ao descontínuo, se ela é um sacrifício e um corte, a carência é fundamentalmente positiva e assume função essencial na narração da transformação” (Bento Prado Jr., “O destino decifrado. Linguagem e existência em Guimarães Rosa” em Alguns ensaios: filosofia, literatura, psicanálise, São Paulo, Max Limonad, 1985, pp. 219-20).

[44] Goethe, Poetische Metamorphosen, em Sämtliche Werke, cit., vol. XVII, p. 699.

[45] M.u.R. 962 (96). Ed. cit., p. 501.

[46] Discours  en l’honneur  de Goethe,  em Variété,  IV, Paris,  Gallimard,  2002, pp. 386-7.

[47] Fausto, II, 6820 ss.

[48] Werner Keller, na versão do Fausto I e II para cd-rom da editora Reclam (Berlim, 1997).

[49] Fausto, II, 7959-7960.

[50] Ibidem, I, 2187. Trad. de Sílvio Meira.

[51] Fausto, II, v. 7150.

[52] Fausto, I, 2183-84.

[53] M.u.R. 538 (555) e 803 (1239), ed. cit., p. 438 e p.  479.

[54] Movimentos que primeiro lembram o do caracol (Schneckenkreise, verso 1152) e, depois, o da cobra (Schlange-leise Schlingen, verso 1158).

[55] “Keines der viere steckt im Tiere”. Versos 1270 a 1293.

[56] Ao final de Viagem à Itália, Goethe reproduz um longo extrato do texto de Moritz Uber die bildende Nachahmung des Schönen (Sobre a imitação formadora/formante do belo). Segundo ele, o ensaio é uma pequena síntese de suas próprias ideias, que Moritz apenas “aproveitou e desenvolveu”. Se a concordância entre os dois é certa, essa última afirmação de Goethe é certamente discutível. Sobre a questão da primazia das ideias entre eles, veja-se a discussão de Tzvetan Todorov em seu Théories du symbole (Paris, Seuil, 1977, pp. 179 ss.).

[57] M.u.R. 750 (1112), ed. cit., p. 471.

[58] M.u.R. 749 (1113), ed. cit., p. 470. A inversão feita pelos editores na sequência dessas duas máximas não corresponde à ordem proposta por Goethe. A ideia de alegoria “deveria” vir primeiro e ser complementada pela explicação da Symbolik, como costuma ser nas Máximas.

[59] Na tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho em seu ensaio, também “vital”, sobre “O simbólico em Schelling”. Em Ensaios de filosofia ilustrada, São Paulo, Brasiliense, 1987, p. 125.

[60] M.u.R. 907 (188), ed. cit, p. 493.

[61] Goethe, Sämtliche Werke, cit., vol. XVII, pp. 137-8.

[62] Conversa com Riemer, 1807, em Goethe im Gespräch, cit., p. 155.

[63] Conversa com Riemer, 3 de julho de 1810. Cf. também a de 16 de maio de 1807. Em Goethe im Gespräch, cit., p. 155.

[64] Bedeutende Fördernis durch ein einziges geistereiches Wort, em Goethes Werke, cit., vol. XIII, p. 36.

[65] Ernst Stiedenroth, Psychologie zur Erklärung der Seelenerscheinungen, em Goethes Werke, cit., vol. XIII , p. 41.

[66] Para uma crítica da matemática, cf. M.u.R 639 (1387), 640 (1286), 650 (609), 654 (711), 656 (1287), 657 (1287), 658 (1277); ed. cit., pp. 453 ss.

[67] Discours en l’honneur de Goethe, cit., p. 396.

[68] Entrevista a Günther Lorenz, em Eduardo de Faria Coutinho (org.), Guimarães Rosa, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1983, p. 90.

[69] Ibidem, p. 42.

[70] M.u.R 514 (1344); ed. cit., p. 436.

[71] Conversa com Rienner, 1803/1813 e 27 de marco de 1814, em Goethe im Gespräch, cit., p. 10.

[72] M.u.R 515 (1376); ed. cit., p. 436.

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